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domingo, 29 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20788: Blogpoesia (669): Coluna de Aldeia Formosa para Buba (Fradique Morujão da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892)

1. Mensagem do nosso camarada Fradique Morujão (CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, Aldeia Formosa, 1969/71), com data de 26 de Março de 2019:

Caro Carlos vinhal 
Saudações amigas. 
Em anexo, envio um pequeno texto. Numa noite de insónia resolvi escrever uns gatafunhos, que espero tenham alguma aceitação. Sempre fui um pouco despassarado o que se compreende pelos cerca de sete anos de interregno.[1]

Atenciosamente 
fmorujão
____________


Caros camaradas

C - cuidado
O - organismo
V - viral
I - isolamento
D - definitivo

A minha intervenção tem a ver com o momento delicado e perigoso que o nosso País e o mundo atravessam. Com a ameaça de um inimigo invisível que investe porta a porta em que a logística consome enormes recursos sem êxitos aparentes.
Este exército, apesar de ser microscópico está apetrechado com biliões de soldados que tudo destroem. Entra de forma inopinada e ninguém dá por nada.
Todos os ex-combatentes com a experiência acumulada sabem que a luta é duplamente nefasta, porque sofremos baixas na nossa juventude e agora confrontamo-nos com as estatísticas que nos dão como alvo preferido.

Para expressar o meu modo de ver este imbróglio, vou usar a quadra:

Tive a tinhosa tinha
E a febre asiática,
A culpa não foi minha
Foi da sala de didática.

Agora estou assustado
Pode ser a minha vez,
Como lá diz o ditado
Não há duas sem três.

Vai andar tudo aos tiros
Com mortes colaterais,
“Raios partam” este vírus
Vai tudo prós hospitais.

Está ficar tudo em brasa
Desta guerra não me livro
Se tenho de ficar em casa,
Afinal, para que é que sirvo?

Apetece-me dizer em latim macarrónico.
ARRIUM PORRIUM, CATANORIUM

Quando das incursões que fizemos pelas matas africanas, éramos instruídos para mantermos as distâncias de segurança e não tocar em nada. É precisamente o que se pede, além de outros cuidados.
Este vírus politicamente incorreto, derrotou em poucos dias, embora de forma transitória mas eficaz, os afetos que o nosso preclaro PR promoveu durante quatro anos.
Dá que pensar!

Contra o vírus dos desafetos:
Quarentena de movimentos
Liberdade de pensamentos
Vamos nessa, o vírus está com pressa.

********************

Passemos agora à recordação da minha passagem pela Guiné:

Vou mais uma vez usar a quadra, porquê:

A quadra
É a única namorada
Que partilho com prazer,
Porque diz coisas simples
Na sua forma de dizer.
Quando ela me enlaça
Nos seus berços abraça
Todo o meu modo de ser.
O resto da vida passa
Vá-se lá saber!...


Coluna de Aldeia Formosa para Buba

A todos vós que estais
Em amena cavaqueira,
Aos ilustres comensais,
Uma pequena brincadeira.

Sou um pobre reformado
Que navega à deriva,
Quer morra, quer viva
Já me sinto conformado.

Nasci prós lados da serra,
Lugar de muita ilusão.
Fui mandado prá guerra
Para defender a nação.

Embarquei para a Guiné
Com destino a Bissau,
Viajei com muita fé,
Afinal era tudo mau.

Combati na juventude,
Sempre metido no perigo,
Não vi qualquer virtude
Em provocar o inimigo.

Metralhadoras e granadas
Eram os nossos brinquedos.
Havia aldeias queimadas,
Para afugentar nossos medos.

Presenciei vários perigos,
Sendo alguns fatais.
Para nós era um castigo
As minas antipessoais.

Muitas vezes acontecia
Um ficar c'a perna às postas,
O que a gente mais queria
Era levar os pés às costas.

Vi um tórax todo roto
O soldado não sofria
Embora estivesse morto
O coração ainda batia.

Uns diziam palavrões,
Pela má sorte dos seus,
Outros viam razões
Para rezar ao seu Deus.

Tive uma má experiência
Com mortos em combate,
Infligidos pela resistência
Onde é difícil o resgate.

Gente pobre com nobreza
Com escassez de cultura
Que fazem da esperteza
A sua principal armadura.

Fiz colunas para Buba
Por trilhos e bolanha.
Enfrentei muita chuva
Numa terra tão estranha.


Bolanha perto de NHALA


Para quê tanta guerra,
Para perder a colónia
E voltar à minha terra,
Com angústia e insónia.

Vivam agora o presente
Com muita suavidade
E que cada instante,
Seja bela eternidade.

Que a saúde vos acompanhe e a mim nunca me falte.
Abraço
fmorujão
____________

Notas do editor

[1] - Vd. poste de 13 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7776: Tabanca Grande (267): Fradique Augusto Morujão, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71)

Último poste da série de 29 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20787: Blogpoesia (668): "Mar encapelado e furioso", "Génios" e "Fragilidade", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13648: Convívios (631): Rescaldo do Encontro comemorativo dos 43 anos após o regresso da Guiné, do pessoal da CCAÇ 2615, realizado no passado dia 20 de Setembro de 2014, em Leiria (Manuel Amaro)



1. Em mensagem do dia 23 de Setembro de 2014, o nosso camarada Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971) enviou-nos o rescaldo do convívio da sua Unidade, levado a efeito no passado dia 20.


CONVÍVIO CCAÇ 2615 

A CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892 (Guiné, 1969/71), realizou no dia 20 de Setembro mais um convívio para comemorar os 43 anos do regresso da Guiné.
O local escolhido foi o Restaurante Fonte do Corvo, na Aldeia da Boavista (Leiria).

Como é natural o número de presenças vai diminuindo com o passar dos anos e apenas 35 ex-combatentes responderam presente, embora acompanhados por cerca de 50 familiares.

Nota positiva foi a presença do Major General Pedro Pezarat Correia que foi Oficial de Operações do BCAÇ 2892, com a patente de Major.

Antes do almoço, o Capitão António Ramalho Pisco congratulou-se com a presença de todos e evocou aqueles camaradas que entretanto nos deixaram, (três durante a guerra e 35 depois do regresso), tendo sido guardado um minuto de silêncio.

O Major General Pezarat Correia fez também uma intervenção, brilhante como sempre, sobre a guerra, (uma guerra sem sentido), sobre os seus efeitos e sobre o que hoje move os ex-combatentes nestes convívios: uma procura da juventude, mas cimentada em amizades fortes e duradoiras.

No final, creio que pela primeira vez nos nossos convívios, cantou-se o Hino Nacional, o que provocou alguma emoção na sala.

Em 2015 lá estaremos outra vez. Pelo menos estarão os que forem resistindo às marcas do tempo.

Um Abraço
Manuel Amaro

O Major Gen Pezarat Correia na sua intervenção

Aspecto da sala
____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13636: Convívios (630): Almoço de confraternização e comemoração do 40.º aniversário do regresso da CCAÇ 4544/73, levado a efeito no dia 14 de Setembro de 2014, no Marco de Canaveses (António Agreira)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12614: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (6): Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau (Manuel Amaro)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971) com data de 18 de Janeiro de 2014:

Eu fiz "Tropa" em cinco cidades, em Portugal e ainda em Nhacra, Quebo e Nhala, na Guiné Bissau.

Começando pelo Sul, estive em Tavira, cidade que já conhecia desde que nasci e gosto o normal que qualquer cidadão gosta da sua terra natal.

Em Beja quase não tive tempo para conhecer a cidade, pelo que não desenvolvi qualquer relação especial de "amor" pela Pax Júlia.

Já a relação com Évora foi diferente. E foi boa... muito boa.
Apesar ter estado duas vezes em Évora, ambas mobilizado para a "guerra".

Na primeira vez, era para Angola, mas não se concretizou, passado pouco tempo nova mobilização, agora para a Guiné, levada até ao fim.
Em Évora aproveitei algum tempo para visitar a cidade e a nossa relação permanece tão intensa, que periodicamente faço uma visita com ou sem pernoita. Numa das últimas visitas, aproveitei para levar a Florbela Espanca uma mensagem de Sebastião da Gama. (foto anexa).
Gostei muito de Évora


Évora, 18 de Abril de 2012

Lisboa. Quem não gosta de Lisboa?
Lisboa, eu também já conhecia desde o Grande Encontro Nacional da Juventude.
E a "tropa" levou-me à Estrela.
Ao Hospital Militar da Estrela.
Ao Jardim da Estrela.
Aos Fados.
Aos castelos e aos bairros típicos, às tascas, à verdadeira Lisboa.

Logo que terminei o Serviço Militar voltei à Grande Lisboa, em janeiro de 1972, até hoje.
Mesmo que uma parte do tempo seja passada no Algarve, Lisboa faz parte de mim.

Lisboa - Estrela

E Coimbra?
De uma forma diferente de Évora e de Lisboa, mas Coimbra foi tão ou mais importante para mim.
E nós, para não sermos ingratos, temos que amar as "coisas" importantes.
Assim que cheguei a Coimbra, em junho de 1967, fui visitar o Penedo da Saudade. Não vi tudo e voltei no dia seguinte. No regresso passei à porta do Liceu D. João III. Lembrei-me que tinha um exame "pendente" e os livros na mala. Talvez já com o espírito da cidade, prometi ali mesmo, a mim mesmo, que em Setembro, ao abrigo da lei militar, iria fazer aquele exame e iria ficar aprovado. E assim foi. 

Sempre que vou a Coimbra, assim que deixo a autoestrada, mas principalmente depois de atravessar a ponte, sinto uma mudança de espírito. Isto, penso eu, é amor. Eu fiquei a amar Coimbra. Até hoje. 

Coimbra - Penedo da Saudade

Guiné Bissau.
Eu gostei da Guiné Bissau.
Nhacra, a D. Carlota e os seus bifes de macaco.
O "Branco" do Cumeré e o seu camarão, mais barato que os tremoços nas cervejarias de Lisboa.
Eu gostei de Aldeia Formosa (Quebo).
Tudo aquilo era novo.
A minha Escola, os meus alunos.
A assistência médica em Pate Embaló.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 20 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12611: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (5): Quartéis, Cidades e Vilas por onde passei: Coimbra, Leiria, Trafaria, Tomar, Chaves, Viana do Castelo e Porto (Luís Nascimento)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12591: Em busca de... (234): Subunidade a que pertenceu Hermínio Dias Gaspar, meu tio, recentemente falecido... Sei que esteve em Nhala e pertenceu ao BCAÇ 2892 (1969/71) (Lúcia Alves, a viver e a trabalhar na Guiné-Bissau)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. 1973/74 > Aspeto parcial do aquertelamehto e tabanca: cantina à esquerda e enfermaria à direita. Foto do 1º cabo cripto José Carlos Gabriel,  2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Nhala,  1973/741973/74).

Foto: © José Carlos Gabriel  (2011). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem da nossa leitora Lúcia Alves, com data de 22 de dezembro último:


Exmo Sr. Luis Graça


Estou actualmente a viver/trabalhar na Guiné Bissau e gostava de tentar recuperar o percurso de um tio que esteve na guerra do ultramar na Guiné. Como faleceu recentemente,  pouco sabemos do(s) local(ais) por onde passou ou onde esteve e em forma de homenagem póstuma gostava de passar nesses locais.

Pesquisando alguma correspondência e fotos,  a única referência que encontro é uma, a localidde de Nhala, de onde escreveu uma carta e uma foto em que está supostamente um colega, frente a um distico/ brasão (perdoe a minha ignorância nesta matéria) de uma companhia de caçadores 2616.

Segundo a pesquisa que fiz,  pertence ao Batalhão [de Caçadores] 2892. Também encontrei alguma referência a uma lista de ex-combatentes mas não consegui abrir o link.

Será que alguém me poderá ajudar? O seu nome era Hermínio Dias Gaspar.

Votos de festas felizes e o meu muito obrigado

Lúcia Alves

2. Comentário de L.G.:

Lúcia, obrigado pela sua mensagem a que só agora nos é possível responder. Deixe-me louvá-la  pela sua iniciativa de ir, em romagem de saudade, aos locais, da Guiné-Bissau, por onde terá passado, durante a sua comissão de serviço, o seu tio Hermínio Fias Gaspar. Só nos deu duas pistas: (i) leu uma carta dele, endereçada de Nhala, no sul da Guiné; e (ii) ele envou uma foto, em que se pode ver, em plano de fundo, o brasão da CCAÇ 2616, subunidade que pertenceu ao BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71).

Não é fácil, com os elementos de que dispomos, saber ao certo a que subunidade (companhia) pertenceu o o seu tio. O BCAÇ 2892 (, que esteve sediado em Aldeia Formosa,  tinha três subunidades de quadrícula (CCAÇ 2614, CCÇ 2615 e CCAÇ 2616) e um companhia de comandos e serviço (CSS) que estava em Aldeia Formosa. Ao que parece, todas as três passaram por Nhala. O mais seguro era consultar a sua caderneta militar, que deve estar na posse da família.

De qualquer modo, pelos elementos recolhidos pelo nosso colaborador permanente, José Martins, o BCAÇ 2892 e o seu pessoal andou por diversos sítios da Guiné, com destaque para a região de Tombali. Aldeia Formosa hoje é mais conhecida por Quebo.

Lúcia, sinta-se á vontade para nos voltar a contactar. Entretanto, é possível que apareçam camaradas do seu tio, que tenham estado no BCAÇ 2892. Temos alguns membros do nosso blogue, ou amigos do Facebook [Tabanca Grande Luís Graça]. Siga os links:

(i) Amércio Vicente e Francisco Barroqueiro  (CCAÇ 2614,  Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71) [, curiosamente a esta subunidade do BCAÇ 2892, pertenceu o antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Henrique Pereira Rosa, falecido em 2013];

(ii)  Manuel AmaroFradique Augusto Morujão (CCAÇ 2615,Nhacra,  Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71):

(ii) Francisco Baptista (CCAÇ 2616Buba, 1970/71).

Se um, dia passar por estes lugares, em homenagem ao seu tio, mande-nos notícias e fotos. Boa estadia pela Guiné-Bissau. Gostaríamos, de resto, que aceitasse o nosso convite para integrar este blogue de "amigos e camaradas da Guiné", em memória do seu tio e dos bravos da sua geração.


3. Ficha de unidade:

[Elementos recolhidos por José Martins]

BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 2892 [Aldeia Formosa, 1969/71]


Ostentando como Divisa “Poucos Quanto Fortes”, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 16, em Évora e, acompanhado das suas unidades orgânicas, embarca em Lisboa a 22 de Outubro de 1969, desembarcando em Bissau a 28 de Outubro seguinte.

Teve como Comandantes o Tenente-coronel de Infantaria Carlos Frederico Lopes da Rocha Peixoto, o Tenente-coronel de Infantaria Manuel Agostinho Ferreira e o Major de Infantaria José Moura Sampaio.

O cargo de 2º Comandante foi exercido pelo Major de Infantaria José Moura Sampaio e Major de Infantaria Pedro Júlio Pezarat Correia, que acumulou com o cargo de Oficial de Informações e Operações/Adjunto.

A Companhia de Comando e Serviços esteve sob o comando do Capitão de Infantaria Eduardo Alberto de Veloso e Matos e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano de Infantaria Francisco José dos Reis Neves,

O batalhão assume a responsabilidade do Sector S2, instalado em Aldeia Formosa, abrangendo este e os subsectores de Empada, Mampatá, Nhala e Buba.

Desenvolve e coordena acções de contra penetração nos eixos de reabastecimento do IN, diversas acções ofensivas, patrulhamentos e emboscadas, assim como reacções aos ataques aos aquartelamentos. Procurou promover a promoção socioeconómica das populações, tentando garantir a segurança e a defesa das mesmas.

No decorrer das acções que coordenou capturou diverso material, destacando-se 1 metralhadora pesada, 2 pistolas-metralhadoras, 5 espingardas, 303 granadas de armas pesadas, 29.657 cartuchos de armas ligeiras e 63 minas.

Foi rendida no Sector S2 pelo Batalhão de Caçadores nº 3852, regressando a Bissau a 27 de Agosto de 1971.


Companhia de Caçadores nº 2614 [Bissau, Nala e Aldeia Formosa, 1969/71]



Sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria José Manuel Baptista Rosa Pinto, cede dois pelotões para cooperar no dispositivo de segurança e protecção das populações da área de Bissau, na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866.

Segue, a 29 de Outubro e 7 de Novembro de 1969, para Nhala, para substituir a Companhia de Caçadores nº 2464. Em 10 de Novembro de 1969 assume a responsabilidade de subsector e, em cooperação com o subsector de Mampatá, tentar a interdição do corredor de Missirá.

A 21 de Novembro de 1970 troca com a Companhia de Caçadores nº 2615, e assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa até 26 de Agosto de 1971, data em que é rendido pela Companhia de Caçadores nº 3399 e regressa a Bissau.

Companhia de Caçadores nº 2615 [Nhacra, Aldeia Formosa, Nhala, 1969/71]

Sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria António Miguel Ramalho Pisco e na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866, substituindo a Companhia de Artilharia nº 2340 e assumindo a responsabilidade do subsector de Nhacra com destacamentos em Dugal, Safim, Ponte Ensalmá, João Landim e Fanha.

Entre 5 e 16 de Dezembro de 1969 segue por escalões para Aldeia Formosa onde, onde substitui a Companhia de Artilharia nº 2614, nas funções de intervenção e reserva do sector. Realizou acções nas zonas de Contabane, Cansembel, Bungofé, entre outras, e escoltas a colunas entre Buba e Aldeia Formosa.

Em 8 de Abril de 1970 a intervenção no sector passa para a Companhia de Artilharia nº 2521, enquanto a Companhia de caçadores nº 2615 assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, destacando um pelotão para Nhala, para protecção e segurança dos trabalhos da instalação do aldeamento.

Entre 15 e 21 de Novembro de 1970, as Companhias de Caçadores nºs 2615 e 2616, trocam entre si, ficando a primeira com a responsabilidade do subsector de Nhala e a segunda com a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa.

Em 26 de Agosto de 1971, data em que é rendida pela Companhia de Caçadores nº 3400 e regressa a Bissau.

Companhia de Caçadores nº 2616 [Nhala, Aldeia Formosa, Bissau, Buba, 1969/71]

Embarca sob o comando de um oficial subalterno, o Alferes Miliciano de Infantaria Vítor Manuel Cristina Aleixo, sendo o comandante, o Capitão de Infantaria Artur Bernardino Fontes Monteiro que, mais tarde,  veio também a ser substituído pelo Capitão de Infantaria José João David Freire.

Cedeu, para cooperar no dispositivo de protecção e segurança das instalações e população da área de Bissau, ficando os mesmos na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866, até 7 de Novembro de 1969

A 29 de Outubro e 9 de Novembro de 1969 segue, em dois escalões, para Buba onde, em 10 de Novembro de 1969, assume a responsabilidade do subsector de Buba, rendendo a Companhia de Caçadores nº 3282.

Foi rendida pela Companhia de Caçadores nº 3398, em 26 de Agosto de 1971, regressando a Bissau.

O Batalhão e as suas unidades orgânicas, iniciam a sua viagem de regresso a 6 de Setembro de 1971.

16 de Janeiro de 2014

José Marcelino Martins

[Imagens dos brasões,  de colecção particular, aqui reproduzidos com a devida vénia: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.]

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Nota do editor:

Último poste da série >  29 de dezembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12520: Em busca de... (233): Pessoal do Destacamento Avançado Móvel de Intendência nº 664 (Moçambique, Tete, 1964/66) (António Ferreira Carneiro, o "brasileiro", ex-1º cabo magarefe, DFA, residente em Custoias, Matosinhos, e membro da Tabanca de Candoz)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12472: O que é que a malta lia, nas horas vagas (20): Desde a revista "Plateia" até ao romance "Os Lobos", de Hans Helmut Kirst, leituras que depois eram discutidas em grupo (Manuel Amaro, ex-fur mil enf, CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971)

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Guiné > Região de Quínara > CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971) >  Nhala > Maio de 1971 > Revista Plateia com a eleição da Riquita como Miss Portugal.



Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971> Aldeia Formosa (?) > Palestra sobre o romance "Os Lobos", de Hans Helmut Kirst [1914-1989]

Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971> Aldeia Formosa (ou Quebo) >  Janeiro de 1970 > O Manuel Amaro lendo recortes com notícias sobre o fim da guerra no Biafra.


Fotos (e legendas): © Manuel Amaro (2013). Todos os direitos reservados (Edição: L.G.)


1. Mensagem, de 9 do corrente, do Manuel Amaro [ex-fur mil enf, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971]:


Caros Editores

Como estava em “digressão” aquando do lançamento do desafio, aqui vai, hoje, a minha colaboração.

Nas horas vagas eu lia tudo o que aparecia. Eu até era dos que tinham menos horas vagas. Mas ali, na Guiné, naquele tempo, cada hora vaga parecia uma eternidade.


Por isso tudo o que aparecesse era bem aparecido. De qualquer origem. Livros, Jornais e Revistas enviados pela família, pelas famílias dos camaradas, ou pelo sempre presente Movimento Nacional Feminino.

E depois, quase sempre, discutia-se, em pequenos grupos os temas das leituras de cada um.
Junto três fotos que documentam alguns desses momentos.

(i) A leitura de um conjunto de recortes, creio que do Comércio do Porto ou do Jornal de Notícias, que anunciavam o fim da guerra do Biafra, e que tinham sido enviados por familiares do José António Paiva da Silva, Furriel Enfermeiro da CART 2521.

(ii) A discussão, em grupo, sobre “Os Lobos”, de Hans Helmut Kirst que me deu um trabalhão a ler, mas que também me deu oportunidade de fazer um figurão perante os meus camaradas e amigos;

(iii) Outra foto testemunha a leitura da Revista Plateia, em Nhala, maio de 1971, em cuja capa está a Riquita (Celmira Baulet),  eleita Miss Portugal 1971, que eu viria a conhecer pessoalmente já no final da década de setenta.

Ler... aproveitar as horas vagas, foi bom. Dupla ou triplamente bom. No Liceu era uma grande “chatice” ter que explicar os textos. Aqui era um prazer.

E hoje, a esta distância, posso dizer que, a par da minha atividade como Enfermeiro e Professor, na Guiné, as leituras efetuadas, porque voluntárias e feitas nas horas vagas, foram de uma grande utilidade na minha orientação profissional após o regresso à vida civil.

Sempre ao dispor da Tabanca Grande.

Um Abraço


Manuel Amaro
_________________

Nota do editor:

Último poste da série > 17 de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12465: O que é que a malta lia, nas horas vagas (19): Tínhamos uma biblioteca de 80/100 livros, herança da CART 2340 (Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12161: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (1): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista*, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 27 de Setembro de 2013:


Colunas de reabastecimento

De fins de Março de 1970 a Setembro de 1971 estive na CCaç 2616 em Buba, para onde fui em rendição individual.

A companhia pertencia ao BCAÇ 2892 que tinha o comando em Aldeia Formosa a cerca de 32 km de Buba.
Na estrada, de terra batida entre Buba e Aldeia Formosa estava a CCaç 2614 em Nhala a 7 km de Buba e a Cart 2519 em Mampatá a cerca de 20 Km.
A sudoeste fora deste percurso, em Empada, estava outra companhia independente que pertencia ao mesmo comando. O acesso era mais dificil, só de avioneta ou de barco através do rio Grande Buba.
Com excepção de Empada, os outros aquartelamentos e tabancas eram reabastecidos através de Buba onde as LDG (lanchas de desembarque grandes) vindas pelo rio Grande de Buba, acostavam e descarregavam todo o tipo de mantimentos e consumíveis.
Entre muitas outras coisas lembro-me bem dos enormes sacos de arroz que eram a base da alimentação das populações. Os estivadores fortes e musculados pareciam pertencer a uma etnia diferente de todas as outras.


Na estação seca penso que ainda antes da hora do almoço chegava a coluna de reabastecimento de Aldeia Formosa, engrossada pelo pessoal de Mampatá e Nhala. Nós fazíamos proteção à coluna entre Buba e Nhala, penso que com 2 pelotões. Dois bombardeiros T6, aviões antigos que pareciam pássaros enormes e lentos a sobrevoar a coluna, a baixa altitude, normalmente também faziam proteção.

A coluna em si era enorme. De Aldeia Formosa vinham militares da CCaç 2615 e da CArt 2521 (não sei quantos pelotões), o pelotão Fox do alferes Maia, mais pessoal dos vários serviços, manutenção, auto e outros.

De Mampatá e Nhala vinham mais pelotões. Muitas viaturas para o transporte da tropa e para levar os mantimentos de volta. Camiões Berliet, robustos e relativamente novos, as velhinhas camionetas GMC, que pareciam da 1.ª guerra mundial, mas que apesar disso resistiam sempre, unimogues, jipes só com tropa, outros com auto-metralhadoras. A coluna estendia-se por 1000 metros à vontade. Tinha bastantes militares e um potencial de fogo razoável, talvez por isso nunca tenha sido atacada, pelo menos que eu me lembre.
De tarde depois de carregados os camiões os nossos camaradas regressavam às suas origens.

Vila de Buba, 1969 - Foto de José Teixeira

Na época das chuvas porém tudo se complicava. A estrada era de terra batida e nalguns sítios passava perto de bolanhas. A água que escorria do céu longos dias a fio, abria crateras e valas na estrada, noutras acumulava terra solta e movediça, noutros sitios formava grandes charcos.
As viaturas atascavam avariavam, ficavam empanadas. Depois para as desatolar e pôr operacionais era o cabo dos trabalhos. Nessa época as colunas chegavam já tarde, por vezes já noite cerrada, com os camaradas todos molhados e cansados dos percalços da viagem. Comiam Ração de combate ou rancho.

Conviviam um bocado connosco, enquanto bebíamos umas bazookas (cervejas grandes) pois apesar do cansaço, todos estávamos interessados em conhecer o dia a dia de uns e doutros. Com meios de comunicação quase inexistentes a palavra falada era quase a única forma de comunicação possível e a melhor forma de nos sociabilizarmos. Deitávamo-nos muitas vezes já tarde, tendo os camaradas da coluna ter que dormir em cima do cimento nos nossos quartos e camaratas.
No dia seguinte levantavam-se cedo para o regresso, tal como nós para lhes fazer proteção. Regresso aos respectivos aquartelamentos que seria uma odisseia igualmente difícil.
Desses dias recordo sobretudo a grande camaradagem que se estabelecia entre todas as Companhias do Batalhão e sob o seu comando. Conheci muitos e bons amigos. Cada qual tomou o seu próprio caminho, levados pela vida profissional e familiar, e fomo-nos perdendo de vista uns dos outros. Mas as boas recordações desses convívios continuam vivas na minha memória.

Hoje quando alguém me fala que esteve na Guiné nalgum sitío por onde andei, como aconteceu há dias com o Arménio Estorninho que me deu ainda notícias do José Grade que esteve comigo em Buba, fico sempre muito sensibilizado. Esses lugares, lá longe, onde estivemos, durante meses foram a nossa terra, a nossa casa. Aprendemos a amar aquelas florestas, aquelas bolanhas, o enorme espelho de água do Rio Grande Buba, em frente ao quartel onde o sol ao nascer, se reflectia com todo o seu esplendor, e os pores-do-sol produziam no céu ao longo do rio uma aguarela com todos os cambiantes de rosa e vermelho. No diálogo que fomos estabelecendo com o rio, com as árvores, com as gentes e essa grande terra africana, trouxemos um pouco do seu espírito e da sua beleza.
Houve também o outro lado desagradável da moeda, a guerra, que nos deixou algumas mágoas.
É isso Arménio e José que nos irmana e aproxima.

É a mesma disposição animica que senti quando encontrei o Carlos Vinhal, o Inácio Silva e o Jorge Picado, que estiveram em Mansabá. Por uma razão semelhante à evocação que acabei de fazer, vou recordar desses tempos das colunas o 1.º Cabo Paulo da CCS, em Aldeia Formosa, que se bem me lembro era o encarregado da cantina lá. Éramos, espero não errar, os únicos naturais do nordeste transmontano, do mesmo concelho, eu de Brunhoso e ele de Brunhosinho
Não nos conheciamos antes mas ele soube da minha chegada e procurou-me. Quando havia colunas ele por vezes vinha e e encontrávamo-nos sempre, para cavaquear um pouco.

Aquele encontro era muito saudável, era um pouco como se voltássemos aos montes e vales de Trás-Os-Montes, esse reino maravilhoso de que fala Miguel Torga. Ele regressou, de barco, com o Batalhão, sete meses antes de mim. Fez-me o favor de me trazer uma grande caixa de madeira com garrafas de whisky que entregou em minha casa na aldeia.

Hoje, pensando que ele de certeza terá ido de Lisboa para a terra de comboio, tendo que mudar 3 ou 4 vezes de linha, não sei se o maior parvo fui eu em lhe fazer esse pedido ou ele em ter aceitado. Pela vida fora temo-nos encontrado muitas vezes tanto no Porto como na sede do nosso concelho. Ele já foi polícia, dono de restaurantes e por fim construtor civil e sempre soube orientar bem a vida dele.
Eu tenho sempre uma enorme satisfação quando o encontro.

Atenção que o rigor do relato sobre as colunas de reabastecimento é diminuto. Não tenho certezas sobre a sua periodicidade, sobre o número de pelotões que lhe faziam escolta e sobre outros pormenores importantes.
Verdade se diga que isto não é história, isto, pela imprecisão de dados, é uma estória.

Peço desculpa por essa razão e agradeço qualquer comentário que torne o texto mais conforme a realidade.

Um grande abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12087: Facebook...ando (27): 42 anos depois do regresso a casa... Convívio anual da CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892 (Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71)... Fotos do Américo Vicente







Herdade das Cortiçadas, S. Sebastião da Giesteira, entre Évora e Montemor > Comvívio da malta da CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, no passado dia 14, comemorando os 42 anos do regresso a casa. As fotos são da Cândida Vicente, esposa do nosso camarada Américo Vicente, amigo da Tabanca Grande. no Facebook. Reproduzidas aqui com a devida vénia.


Fotos © Cândida Vicente / Américo Vicente (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas por L.G.).



1. A CCAÇ 2615 fazia parte do BCAÇ 2892 (ten cor Manuel Agostinho Ferreira, Major José Sampaio e Major Pezarat Correia). Chegou a Bissau em 28 de Outubro de 1969. No regresso, embarcou,  em Bissau, 6 de Setembro de 1971. O Comando e os Serviços do Batalhão estiveram sempre em Aldeia Formosa (actual Quebo). A CCAÇ 2615 esteve em Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala. Foi seu Comandante o Cap Mil António Ramalho Pisco.  Outras companhias: CCAÇ 2614 e CCAÇ 2616.

O local do local do convívio e repasto foi na Herdade das Cortiçadas, S. Sebastião da Giesteira, entre Évora e Montemor, segundo informação do Manuel Amaro (que perdeu as fotos que tirou).Enfim, um local original para um convívio entre veteranos de guerra.

Por informação também do nosso camarada Manuel Amaro, ex-fur mil enf, o Américo Vicente fazia parte da equipa de saúde da CCAÇ 2615: José Boita, Amadu Djaló Candé, Américo Vicente e Manuel Amaro (os quais estiveram juntos no convívio de 2009).  

O Américo Vicente fica automaticamente convidado para integrar também a Tabanca Grande do blogue. Precisamos apenas de uma foto sua, do tempo da tropa, e duas palavrinhas de apresentação (que podem ficar a cargo do Manuel Amaro, como "padrinho"). Sabemos que mora na Bobadela, Loures, e que fez recentemente aninhos (a 31 de agosto). Parabéns, muita saúde, longa vida, camarada Vicente.

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Nota do editor:

Último poste da série > Guiné 63/74 - P11353: Facebook...ando (26): A CCAÇ 4541/72 em Caboxanque, donde saiu em LDG em maio de 1974, a caminho de Bissau (José Guerreiro)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7776: Tabanca Grande (267): Fradique Augusto Morujão, CCAÇ 2615/BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Fradique Augusto Morujão, da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Aldeia Formosa, 1969/71, com data de 11 de Fevereiro de 2011:

Caro editor:
Como está expresso na página da Tabanca Grande, a porta está sempre aberta, mas é sinal de boa educação pedir licença. Nessa conformidade, peço licença para entrar.
Agradeço que corrija possíveis erros ou elimine situações, que firam os princípios deontológicos a que se propuseram e muito bem.

Embarque em Janeiro de 1970.

Nomeado em reforço à guarnição normal para a Guiné.
Integrado num dos grupos de combate da CCAÇ 2615 em Aldeia Formosa.
Mais tarde deslocado com a Companhia para Nhala.
Comissão nos anos de 1970 e 1971


Introdução:

Quando se assinala meio século do início da guerra colonial e decorridos 40 anos da comissão militar na Guiné, é a primeira que abro o meu livro de memórias da guerra.
Quais folhas amarelecidas e bolorentas pelo decorrer corrosivo dos anos, assim estão as minhas lembranças.
A experiência militar resultou negativa, na medida em que, ou por auto-defesa, ou por maneira de ser, baralhei e esqueci completamente nomes e datas.


Lembro-me de:

Operações de reconhecimento; saídas para fazer picagem; segurança a colunas; colunas; emboscadas com mortos e feridos; patrulhamentos vários, mas de nomes dos camaradas, (nicles batatoide), nada!

Neste deserto de lembranças, vem à memória os nomes de Guiomar e Leandro, os dois mortos em combate na zona de Sare Amadi, com quem falei momentos antes da emboscada. Pela alegria de viver, se me fosse permitido um epitáfio seria:

Oh! Morte, por tão tarde te querer, tão cedo me levaste.

Aos dois, presto a minha humilde homenagem.
Também me lembro que nesse dia, foi a primeira e única vez na minha vida, que a boca me soube a sangue, sem estar ferido.

Tenho comigo alguns slides desse tempo, que ajudarão a reconstituir a memória colectiva da Companhia.
São fotos dos 3 Grupos de Combate da CCAÇ 2615, sem legendas.
Cada um saberá quem é!


No estandarte: a velhice dos loucos; regressa ao manicómio; Comp. Circo CCAÇ 2615




Como é da praxe vou contar uma das minhas memórias.

Aldeia Formosa-Buba
As colunas

As colunas de Aldeia Formosa para Buba fazem parte do meu imaginário, uma vez que participei em várias.
Lembro-me de um dia em que fomos escalados para uma coluna a Buba, com a finalidade de reabastecer Aldeia Formosa. Formou-se a coluna com as velhinhas GMC para a carga e os Unimog para o apoio. Entretanto, já estavam a fazer segurança ao percurso, pelotões de Aldeia, Nhala e Buba, que faziam a detecção de minas pelo método de picagem.

Depois de tudo organizado foi dado o sinal de partida e lá iniciámos a marcha, para mais uma viagem de desfecho incerto.

Ainda a coluna não tinha feito o segundo quilómetro, já Aldeia Formosa estava a ser atacada com morteiros e RPG e ouvia-se ao longe o alvoroço próprio destas ocasiões.

Todos os que seguiam na coluna se viraram para Aldeia com alguma apreensão, mas depressa a apreensão foi substituída por um certo alívio, como quem diz «desta já nos safámos».

Aumentámos o alerta nas proximidades do trilho que cruzava a estrada na direcção de Salancaur, nome muito respeitado por ser uma base importante do IN, quando avistámos um grupo de macacos cães. Seriam 30 ou 40 de várias idades e tamanhos. Alguns apresentavam uma compleição física notável. Foram seguindo a coluna por entre as árvores. Nós começámos a ficar inquietos, porque à medida que saltavam de galho em galho, produziam algum ruído. Então, alguém se lembrou de afugentá-los e arremessou um pau na direcção dos macacos. Amigos! Nem vos digo, nem vos conto, os bichos ficaram enraivecidos, fazendo uma chinfrineira dos diabos, com aqueles latidos irritantes e as beiçolas escancaradas, mandavam murros no peito e saltitavam, para meterem respeito. Ao mesmo tempo começaram a bombardear-nos com tudo o que tinham a jeito e sempre a aproximarem-se dos carros. Parecia uma batalha campal, já que alguns dos nossos se tinham apeado, para melhor se munirem e treinarem na arte do arremesso, enquanto um operacional que estava num dos carros e parecendo achar piada à coisa, virou-se para os macacos que estavam mais perto e lembrou-se de cantar uma canção muito em voga do Nilton César “receba as flores que lhe dou” e continuou.

Vai daí, um ou mais macacos, ou porque já não tinham mais munições, ou por malandrice, colocaram as manápulas debaixo do ânus e puxaram pelo intestino grosso, arremessando o mais perigoso de todos os projécteis. O que ainda estava a cantar nem teve tempo de se abrigar, porque as granadas de fragmentação, desfizeram-se na lona da GMC e o cantor apanhou com os estilhaços e levado de 30 mil raios, explodiu dizendo:

-  Os desgraçados atingiram-me com merda. Ai! Que dou cabo deles - e fez o gesto de empunhar a G3 para matá-los de rajada, mas logo outros o avisaram para se acalmar, porque a zona era perigosa. Como não pôde disparar, desfolhou o dicionário do português mais vernáculo e brejeiro e atirou aos macacos todos os palavrões que lhe vieram à cabeça.

Os bichos bateram em retirada e, eu, fiquei com a nítida sensação, que os macacos eram a favor da auto-determinação. No resto do percurso a coluna evoluiu sem grandes incidentes.

Chegados a Buba, lugar aprazível com rio como pano de fundo, atravessamos o aldeamento militar e fomos directos ao armazém de abastecimento, que ficava junto ao rio e muito perto do cais de atracagem das LDG e LDM e entrámos com as GMC no dito armazém, depois dos procedimentos burocráticos.

Escalados os militares para o serviço de trasfega e concluído o carregamento, cada um ficou livre de fazer o que bem lhe aprouvesse.

Penso que me dirigi a um pavilhão que ficava perto e funcionava ou como comando ou secretaria, talvez para assinar as guias de abastecimento e a seguir saí para um varandim que ficava na entrada. Fiquei algum tempo absorto a apreciar a paisagem melancólica, que se me oferecia e a observar a bifurcação que o rio Buba fazia com o cais em frente, de onde tantas vezes tinha mergulhado e nadado, quando se acercou de mim um oficial de quem não me lembra, nem o nome, nem a patente e com modos gentis, iniciou um diálogo. Ficámos algum tempo a conversar acerca do evoluir da situação militar em Aldeia Formosa e, eu, aproveitei para lhe contar que Aldeia tinha sido atacada nessa manhã e de como nos achávamos uns sortudos por termos escapado ao ataque, por a coluna se encontrar a distância considerável, quando se ouviram vários: Pum, Pum, Pum, abafados pela distância, mas suficientemente audíveis para se aquilatar da gravidade dum ataque eminente.

Todos os que por ali se encontravam se apressaram a refugiar-se, num abrigo que se encontrava perto.

Também eu fazia o gesto de me apressar, quando o oficial e cavalheiro me disse:

- Não se apresse que dá tempo de nos abrigarmos com calma. Ofereceu-me a dianteira e quando estávamos a ultrapassar a porta do abrigo, já os morteiros faziam aquele silvo entrecortado e arrepiante da descida e o subsequente estrondo da explosão com tudo estilhaçado e coisas pelo ar.

Senti um grande respeito por aquele oficial que controlava as emoções, fruto de muita experiência, com grande calculismo, predicado que, eu, não tinha. Ao outro dia falando com um fuzileiro, acerca do oficial com quem tinha dialogado no fim da tarde anterior e me tinha intrigado, informou-me que tinha sido deslocado para Buba em fim de comissão, porque segundo o fuzileiro, tinha comandado uma grande operação a um reduto inimigo altamente patrulhado e com grande poder de fogo. Como a operação se estava a revelar difícil e tendo sofrido algumas baixas o Oficial analisou a situação e verificou que se continuasse ainda sofreria mais baixas, pelo que preferiu sofrer as consequências duma retirada reprovada pelo alto comando, do que pôr em causa a vida dos operacionais que comandava.” Grande Homem”!

Afinal, julgando que nos tínhamos safado do ataque a Aldeia Formosa, acabamos por ser atacados de forma vexame pelos macacos e atingidos com canhões em Buba.
Há dias de sorte!




Hino às colunas

Autor da letra: Soldado desconhecido
Música: adaptação do fado “Bairro Alto”

Aldeia e as colunas a seguir
Para Buba com a malta
Obrigados e sujeitos a não vir
Com aquilo que nos falta

São colunas bem penosas
Que nada têm de airosas
Sempre metidas no perigo
Sujeitas a emboscadas
Nestas tão reles estradas
Para nós é um castigo

Viaturas velhas
Tudo a cair
E memo assim
A malta tem que seguir
São tristes chaços
Em procissão
Andam mecânicos
Com chaves de mão em mão


Quero aproveitar para agradecer a todos os operacionais com quem tive a honra de conviver: Pela compreensão; entreajuda e camaradagem que sempre revelaram pela minha pessoa.

Em jeito de despedida, um aviso à navegação. Não consto em nenhuma das fotografias e se alguém perguntar:
Afinal, quem és tu?
Responderei:
Ninguém.

Um abraço solidário
Fmorujão


2. Comentário de CV:

Caro camarada Fradique Morujão. Obrigado pelo contacto e pela adesão à Tabanca Grande onde espero te venhas a sentir bem pois estás entre camaradas e amigos.

Ao iniciar esta conversa contigo, na qualidade Public Relations (uma espécie de mordomo que abre a porta, que não existe, a quem quer entrar), quero dizer-te que mal comecei a preparar a publicação do teu texto e das tuas fotos, tive um sobressalto quando li que tinha morrido em combate um camarada da tua Companhia chamado Guinapo. É que esteve comigo em Vendas Novas um camarada, alentejano, com o mesmo apelido. Mas, sendo ele da arma de Artilharia e sendo a tua Companhia de Caçadores, tendo nós terminado o curso em fins de Setembro de 1969 e o teu Batalhão deslocado para a Guiné em Outubro, é improvável tratar-se do mesmo Guinapo. Será algum familiar?

Outra observação que quero fazer é em relação à tua última afirmação de que responderás "ninguém" à pergunta "quem és tu?"
Falarás em sentido figurado, mas o certo que querem fazer de nós, ex-combatentes, "ninguém".

O Estado não reconhece o acesso a tempo e horas ao tratamento das mazelas provocadas pela guerra; às autarquias custa o reconhecimento ao nosso esforço em África, lembrado por Memoriais, nomes de ruas, etc, antes que morramos todos e passemos "à história", leia-se, esquecimento.

Falando agora de nós e da nossa Tabanca à qual pertences por teres palmilhado a mesma terra vermelha e as mesmas bolanhas.

Como deves ter lido no lado esquerdo da nossa página, é nossa missão recolher fotografias e histórias contadas na primeira pessoa e preservá-las neste Blogue para memória futura. Não é nossa intenção fazer história, mas deixar elementos para que outros o possam fazer desapaixonadamente.

Já temos sido contactados por alunos e professores universitários que depois de consultarem as nossas páginas nos pedem autorização para se servirem de elementos nelas contidas. É para nós um motivo de orgulho poder colaborar com estas pessoas ligadas de alguma maneira à História Contemporânea.

Posto isto, caro camarada, podes e deves ajudar-nos a aumentar o nosso espólio. Já fizeste o mais difícil, começar.

Queria que me confirmasses a data em que embarcaste para a Guiné, porque se foste com o teu Batalhão, terás ido em Outubro de 1969 e regressado em Setembro de 1971. Se te lembrares, diz-nos também qual foi o teu posto e a tua Especialidade.

Termino, mandando um abraço em nome da tertúlia.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7770: Tabanca Grande (267): Os 4 magníficos da CART 1690: Alfredo Reis, António Moreira, Domingos Maçarico e A. Marques Lopes

sábado, 27 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7345: (Ex)citações (113): Para mim, os Páras são os Páras. Vou gostar de ler as histórias d' A Última Missão, de Moura Calheiros (Manuel Amaro)


1. Comentário,  com data de 24 do corrente,  do nosso camarada Manuel Amaro   ao poste P7323


Não vou estar na apresentação [do livro do Cor Pára Moura Calheiros], porque estarei a mais de 300 kms. do local. Tenho o maior respeito e admiração pela Família Pára-quedista.


(i) Em 1970, em Aldeia Formosa, fui chamado a dar uma ajuda às nossas Camaradas Enfermeiras, pois tinham um avião cheio de feridos resultantes de uma operação mal sucedida, no Corredor de Guileje.


(ii) Depois do 16 de Março de 1974 ia sendo informado por um Cap Pára, hoje Major General, sobre o andamento do Movimento e da sua missão quando chegasse o dia certo.


(iii) No dia 11 de Março de 1975, estava ali mesmo, no edificio do Aeroporto que fica mais perto do RALIS.

(iv) No 25 de Novembro de 1975, acompanhei [os acontecimentos] pela Imprensa, Rádio e TV.


Mas, conhecendo as instituições, como conheço, para mim, os PÁRAS são os PÁRAS. E vou gostar de ler as histórias d´A Última Missão.


Manuel Amaro
(ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892,
 Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala,
1969/1971) (*)

Foto: Manuel Amaro, de pé, ao centro,  em Monte Real, no V Encontro Nacional do Nosso Blogue, 26 de Junho de 2010,  ladeado conversando como o Paulo Santiago (à esquerda) e o Victor Tavares (à direita) (**)

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Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série > 22 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7319: (Ex)citações (112): O Simples e o Erudito (na Tabanca Grande) (José Brás)


(**) (2) Vd. postes do Victor Tavares onde se evocam os dias trágicos, para a CCP 121, de Guidaje (Op Mamute Doido, 23-29 de Maio de 1973):



 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6692: Blogoterapia (152): É por estas e por outras que eu ainda não lá voltei, nem sei se voltarei (Manuel Amaro, CCAÇ 2615, Nhacra, Aldeia Formosa, Nhala, 1969/71)


Guiné-Bissau > Nhacra > Abril de 2010 >   A antiga enfermaria da CCAÇ 2615, onde o nosso camarada, amigo e vizinho (de Alfragide), Manuel Amaro, trabalhou dois meses como Fur Mil Enf, antes de partir para Aldeia Formosa.

Foto: © Eduardo Campos (2010). Direitos reservados





Monte Real, Leiria  > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional do Nosso Blogue > Almoço de convívio: o Manuel Amaro ao centro, conversando como o Paulo Santiago (à esquerda) e o Victor Tavares (ainda em convalescença depois de uma delicada operação à coluna).


Foto:© Manuel Carmelita (2010). Direitos reservados (Editada por L.G.)



1. Comentário do Manuel Amaro ao poste de 7 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6685: Histórias do Eduardo Campos (14): O que aconteceu à “minha” Nhacra? 

Não dá para acreditar.


Cheguei a Nhacra em 28 de Outubro de 1969. Distribuimo-nos (CCAÇ 2615), por Nhacra, Cumeré, Safim, João Landim e Dugal.

Ficámos menos de dois meses e seguimos para Quebo.

Aquela enfermaria (?) da foto foi o meu PT (posto de trabalho).

Por estas e por outras, eu ainda não [voltei]  à Guiné.

Provavelmente não irei.

Manuel Amaro

[ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892,
Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/1971]

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Nota de L.G.:

Vd. último poste desta série Blogoterapia > 31 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6506: Blogoterapia (151): Senti que já era o tipo que podia ter uma conversa séria com o velhote (João Santiago)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6065: Não-estórias de guerra (5): O Furriel Dog e o cão Furriel (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969 a 1971), com data de 17 de Março de 2010:

Caros Editores,
Terminado o período de rigorosa invernia. Agora que regressaram os dias de sol, aqui vai mais uma Não-estória de guerra.

Um Abraço
Manuel Amaro



Não-estórias de guerra – 5

O Furriel “Dog” e o cão “furriel”

O Furriel Dog não se chamava Dog, mas sim Orlando Nunes.


Era Furriel Miliciano Atirador de Infantaria, da CCAÇ 2615. Aliás ele afirmava que os serviços de psicologia do Exército funcionavam na perfeição, pois com a formação obtida na escola comercial do Barreiro, ele só poderia ser atirador de infantaria.

O Dog fez quase toda a comissão com o braço esquerdo engessado, devido a uma fractura (ou luxação?) do escafoide. E aquele gesso, que lhe pesava e lhe reduzia o volume da massa muscular, também lhe era de uma grande utilidade, pois libertava-o da maior parte da actividade operacional.

No entanto, por mero acaso, não o libertou no dia 20 de Março de 1970, em que numa emboscada o seu grupo de combate teve um morto (milícia) e alguns feridos ligeiros.

Nesse dia o Dog disse ter descoberto que, debaixo de fogo, um simples pé de capim, parece ter a dimensão de um imbondeiro e a consistência de um baga-baga.

Mas, à conta do gesso no braço, ainda foi durante largos meses, delegado do Batalhão, em Bissau. E à noite, quase todas as noites, como bom conversador e contador de estórias, era um dos principais protagonistas da famosa 5.ª REP.

Um dia adoptou um cão. Um cão que de imediato baptizou de Furriel. E acertou na escolha do nome, porque agradou a toda a gente. Os furriéis não se incomodaram e chamar furriel a um cão, era um motivo de orgulho dos Primeiros Sargentos e até de alguns Praças.

O Furriel não era propriamente um cão artista, mas conseguia comer à mesa, na Messe de Sargentos e beber cerveja e whisky, este com muita água. E com estas qualidades, tinha algum protagonismo.

Além de ser amigo dos cães e de todos os animais, o Furriel Dog era um exímio cantor. Antes do serviço militar tinha feito parte de um conjunto de música de baile, onde se divertia e ainda conseguia arranjar algum dinheiro de bolso.

Mas era essencialmente um baladeiro.

E possuía uma sólida formação política, a maior parte feita na clandestinidade.

Cantava todo o reportório do Zeca Afonso, do Adriano e de outros cantores aventureiros dos anos sessenta.

Normalmente terminava as suas intervenções, cantado Catarina Eufémia… Por vezes, quase sempre, com as lágrimas a correrem-lhe pela face, o queixo a tremer, mas a voz não vacilava… “ quem viu morrer Catarina, não perdoa a quem matou….”

Um grupo de quatro ou cinco camaradas faziam coro.

Quando ele se entusiasmava e gritava “hip… hip… URSS”, uns acompanhavam-no, outros encolhiam-se.

Depois do regresso, o nosso grupo ainda fez umas noitadas nos restaurantes, bares e discotecas de Lisboa, mas a rotina, as exigências profissionais e também os divórcios, foram reduzindo os contactos.

Até que surgiu a fase da organização de convívios dos ex-combatentes.

E aí estávamos de novo juntos. Mais velhos, mais maduros, mas sempre com a boa disposição que nos levou a apelidar, quase em segredo, a CCAÇ 2615, a nossa Companhia, como a “Companhia de Circo”.

Creio que o último convívio em que participou, foi em 2000, em Campo Maior.

Pouco tempo depois, quando cuidava do pequeno barco de recreio que tinha ancorado no Tejo, o coração traiu-o. Não resistiu.

Nem imbondeiro, nem baga-baga, nem ao menos um simples pé de capim...

Hoje, a propósito de “qualquer coisa”, pareceu-me ouvir aquela frase, que lhe ouvi, tantas vezes, desde o RAL3, em Évora, até aos locais de convívio dos veteranos.

Fazia-se anunciar sempre com a frase “…Aqui o Dog chega sempre cedo”.

Não vai chegar mais... Porque já partiu.

E o Dog partiu cedo, muito cedo.

Manuel Amaro

O Furriel Dog dá de beber ao cão furriel

O cão furriel, à mesa...

Manuel Amaro e Orlando Nunes, a bordo do Uíge
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5462: Não-estórias de guerra (4): O Parto, essa grande (a)ventura (Manuel Amaro)

sábado, 24 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5148: Não-estórias de guerra (2): A Lavadeira de Aldeia Formosa (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71, com data de 20 de Outubro de 2009: 

 Caro Luís, Como reduziram para cerca de metade aquilo que recebia por ter estado na guerra, com menos dinheiro para gastar, fiquei com mais tempo para escrever. Resultado: aqui vai mais não estória. Um Abraço Manuel Amaro 


  Uma não-estória de guerra: A Lavadeira 

Por Manuel Amaro 


 Tenho lido, com agrado, as estórias relacionadas com as lavadeiras, contadas aqui no blogue. Concluí que, na verdade, para quem esteve naquela guerra, a existência das lavadeiras era um importante factor, com nítida influência na nossa qualidade de vida. 

 Mesmo que alguns aspectos tenham sido vividos inconscientemente, mesmo que algumas estórias tenham uma grande dose de imaginação, o facto é que aquelas dezenas de milhar de militares, na sua maioria ainda quase meninos, alguns saídos pela primeira vez da esfera familiar, viam na lavadeira, fornecedora de roupa limpinha, a continuação da família. 

 Eu também tive as minhas lavadeiras. Uma lavadeira em cada terra. Quando a CCAÇ 2615 chegou a Aldeia Formosa, porque fomos os últimos a chegar, as melhores lavadeiras já tinham a lotação esgotada. Eu bem levava uma recomendação para falar com a Farma ou a Maimuna. E falei. Mas nem uma cunha do Gilberto Campos, Fur Enf da CCS, me valeu. Tive que me contentar com uma sobrinha das ditas, de nome Saida Baldé, creio que familiar do Régulo de Colibuia, tabanca abandonada, que ali vivia na condição de refugiado. 

 A Saida era muito jovem, elegante, muito bonita, rosto com traços caucasianos, mas negra, muito negra. Muito competente e muito organizada. Naquele tempo, em Aldeia Formosa, a determinada hora, talvez 16h00, 16h30, as lavadeiras juntavam-se na porta de armas e aguardavam ordem da sentinela para entrar. Depois, aquele bando, em correria desenfreada, contactava todos os clientes, entregava a roupa lavada, recebia a roupa suja e regressava à tabanca. E todos os militares estavam atentos à chegada das lavadeiras. 

 Um dia, em todas as coisas há sempre um dia diferente, atrasei-me no duche e lá apareceu o Campos a gritar: 
 - Está aqui a lavadeira… 
 - Vou já, é só vestir-me. - Respondi. 
 - Eh pá, coloca a toalha à volta da cintura e chega aqui, rápido. – Ordenou o Campos. Cumpri. 

Coloquei a toalha e fui a correr. Lá estava a Saida com a minha roupa para entregar, mas só a mim. Pedi desculpa pelo atraso e fui recebendo a roupa, peça a peça. E ela, que nunca me tinha visto naquela indumentária, olhava, surpreendida, curiosa, expectante… Acontece que quando dei por mim estava com uma erecção, que não conseguia controlar e a toalha avançava na direcção da lavadeira… 

 A Saida, quando acabou a entrega, curvou-se para agarrar o cesto da roupa, confrontou-se com aquela torre Eiffel, abriu os olhos, apontou o indicador direito e gritou:
 - Eh furriel… eh furriel… virou-se e desatou a correr. 

 No dia seguinte e nos dias que se seguiram, tudo correu normalmente. Mas passado um tempinho, assim que a minha lavadeira teve oportunidade, perguntou-me, com um sorriso maroto e um olhar reluzente, quando é que eu vinha outra vez de toalha. Disse-lhe que se ela queria que eu viesse de toalha, então na próxima vez eu viria receber a roupa com a toalha à volta da cintura. 

 No dia seguinte tomei duche, coloquei a toalha, sentei-me à mesa e fiquei ali à espera, lendo mais um capítulo de ”Os Lobos”, de Hans Hellmut Kirst. Assim passei uma boa meia hora. O Torres, da CART 2521, ainda perguntou se eu estava na sauna, mas eu nem respondi. 

 Finalmente chegou a Saida. Eu apareci à porta com a toalha. Ela entregou a roupa. Eu recebi. Tudo em silêncio… a mesma toalha, o mesmo cesto da roupa, a mesma torre, o mesmo olhar… Mas quando partiu, a Saida limitou-se a dizer, baixinho: 
 - Obrigada, furriel… 

 Dois dias depois, eu parti para Buba, numa viagem (peregrinação), de três meses, que me levaria a Buba, Aldeia, Bissau, Lisboa, Bissau, Aldeia e Nhala. Em Nhala voltei a ter lavadeira. Sem estória. Tal como em Nhacra e Buba. Mas tenho, sempre tive, guardo na memória, o maior apreço e consideração, pelo importante papel desempenhado pelas lavadeiras (as mulheres que lavam roupa, à mão), qualquer que fosse a sua relação com os militares. 

 Manuel Amaro 

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 Nota de CV: