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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21528: Notas de leitura (1322): "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo; 5livros.pt, 2019 - Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Foi obra, pôr em sequência cronológica, entre 1966 e 1974, as atividades desenvolvidas por um conjunto de Unidades Militares que puseram de pé o quartel de Biambe, que aqui lutaram e muito sofreram, que refizeram o quartel, que acompanharam reordenamentos, que viveram o drama do duplo controlo, e que naquele ponto estratégico estiveram sempre na mira de uma guerrilha bem motivada, não longe do santuário do Morés. 

Aqui igualmente se desenham, em termos corográficos, as ligações de Biambe com Encheia e Bissorã, é elevada a lista dos sinistrados com minas anti-pessoal, mas também minas anticarro e nenhuma das unidades que por ali passou foi poupada a flagelações grandes e compridas. Épico o nascimento do quartel e a 26 de julho o aquartelamento de Bissum foi entregue ao PAIGC, o mesmo acontecendo no dia 31 com o aquartelamento de Inquida. O que se entregou estava limpo e arrumado. A 7 de setembro entregou-se Biambe. "O único acontecimento digno de relevo foi o desgosto demonstrado pela população que se manifestou ruidosamente no adeus aos militares. Estavam apreensivos e temerosos porque não sabiam como seria o dia seguinte"

O trabalho de Manuel Costa Lobo incentiva-nos a repensar nos benefícios historiográficos que era coligir outras histórias, de molde a angariarmos testemunhos dos antigos combatentes, os que escreveram e os que porventura terão orgulho em serem convocados para dar o seu contributo.

Um abraço do
Mário


Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (2)

Mário Beja Santos

Por uso e costume, o antigo combatente fala da sua experiência, comenta o lugar ou lugares em que permaneceu, fala do quotidiano, a guerra está sempre presente. Há também as histórias de unidade, passadas todas estas décadas ainda há quem as esteja a cotejar, é um dever de memória que mais cedo ou mais tarde nos abala a consciência. 

A raridade de haver narrativa de como se constituiu um aquartelamento e fazer figurar todos os que lá estiveram, honrar o esforço, homenagear o heroísmo, abraçar quem figurou na gesta coletiva, naquele lugar e por todo o tempo da guerra. "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo, 5livros.pt (telemóvel 919 455 444), 2019, é um documento exemplar, uma faina de coligir a implantação de um aquartelamento em 1966, numa das regiões mais ásperas da luta armada, nas fímbrias do Morés, ali ganhou esporas de valentia a CCAV 1485, seguir-se-ão outras unidades até se chegar à missão final, que marcará a partida das forças portuguesas na região. 

Não é literatura memorial, é um registo dos dados disponíveis destas unidades envolvidas a que se vão averbar testemunhos e ilustrar com imagens, muitas delas pessoais. Biambe era lugar estratégico para evitar infiltrações do PAIGC na ilha de Bissau.

Está feito o registo da CCAV 1485 e da CART 1688, chegou a hora de pôr em cena mais unidades militares, logo a CCAÇ 2464 que permaneceu em Biambe de 15 de fevereiro a 8 de junho de 1969, teve pois uma curta estadia, o treino operacional foi feito em sobreposição com a CART 1688, um dos seus pelotões foi para o destacamento de Encheia, destacamento que também era reforçado com um outro pelotão da CCAÇ 2444. Não para a via-sacra das flagelações, as minas antipessoal fazem vítimas, responde-se bem aos ataques, fez-se um golpe de mão a uma base de guerrilha conhecida por Biambinho ou Biambifoi, os guerrilheiros tinham retirado deixando lá apenas velhos, doentes e feridos, na última retirada foram colhidos por uma tempestade de fogo, segue-se outra emboscada já perto de Biambe, só com a chegada dos Fiat é que findou o tiroteio. 

É neste contexto que surge um problema de desobediência ao Capitão Prata levou a um pelotão a ter-se negado a sair, acusando-o de incompetente. 

Escreve-se na obra que “Durante a permanência em Encheia, do Capitão Prata e sua comitiva, houve muitas atuações que ultrapassaram os limites da falta de segurança, nas operações efetuadas em locais muito perigosos houve atuações junto das populações das tabancas limítrofes detestadas pelos residentes, em suma houve uma atuação que saía fora de todas as normas de um correto comando e de uma normal convivência com as populações nativas”

E, mais adiante: 

“Deste facto resultou que, no dia seguinte, o Comandante-Chefe, General António de Spínola, tenha visitado Encheia com uma mensagem apaziguadora, enaltecendo as qualidades dos soldados açorianos e sobrepondo a coragem do capitão às suas falhas nas questões de segurança, dando o assunto como encerrado sem punições para ninguém”

Mas o sarrabulho não ficou por aqui, houve queixa da população civil, no dia seguinte chegou um major como instrutor do auto de averiguações ao capitão e a outro réu. No dia seguinte, em plena manhã, uma flagelação com quatro morteiradas, Encheia é flagelada dois dias depois. Sabe-se, entretanto, o resultado das averiguações, o pelotão desobediente da CCAÇ 2444 fora castigado.

Manuel Costa Lobo inclui o depoimento do radiotelegrafista José Maria Claro a quem foi amputada a perna esquerda decorrente do rebentamento de uma mina antipessoal, ele escreveu a um camarada, António Graça Nobre, um belíssimo depoimento, pungente, que assim termina: 

“Dia 7 de abril, dia trágico para mim, depois de estar duas horas de serviço no rádio fui tentar adormecer. Ao fim de meia hora acordaram-me para que fosse formar a coluna para sair, mas voltei a adormecer. Daí a meia hora, voltaram a acordar-me e disseram que o pelotão já estava à minha espera há uma hora. Até este dia protegi os meus camaradas, pedindo auxílio à Força Aérea, e neste dia, até pedi a minha própria evacuação, com a consternação de todos os colegas do curso, posicionados nos postos do nosso sector”

Quem está a testemunhar é o ex-Alferes António José Vale que descreve também, e com imensa intensidade, um grande ataque a Biambe em 7 de junho. Nesse mês de junho e até finais de novembro temos novo protagonista, a CCAÇ 2531. Registo de novas flagelações, há igualmente reações. É tempo de reconstrução do quartel, as casernas começavam a acusar o desgaste, foi por aqui que começaram as obras, fez-se novo edifício do comando (secretaria, gabinete do comandante, os quartos deste e do 1.º sargento, o bar, a messe de oficiais e sargentos), mais tarde os balneários. Procede-se ao reordenamento da tabanca. 

É um soma e segue de ataques e respostas, a guerrilha podia ver incendiadas as suas instalações, reinstalava-se depressa, sobretudo no Queré e no Iusse. Chegou a hora de aparecerem os foguetões, o Alferes José Manuel Guedes Freire Rodrigues foi condecorado com a Cruz de Guerra 3.ª classe.

Entra no terreno a CCAÇ 2780, chegou a hora do autor fazer jus aos seus registos, estarão no Biambe entre novembro de 1970 e agosto de 1972, terá muito para contar, ele é Furriel Enfermeiro. 

É minucioso no seu registo, terno a descrever as aflições que presenciou, as operações efetuadas, os meses passam-se, as obras continuam, abrem-se picadas, a vida é bastante dura no destacamento de Inquida, fala da sua preparação, nunca percebeu como foi selecionado para enfermeiro, fala do seu currículo, das peripécias que viveu e de como se desenvencilhava de situações melindrosas: 

“Um homem andava em cima de uma árvore no seu trabalho usando uma catana como instrumento. Por qualquer motivo imprevisto ter-lhe-á falhado o movimento e atingiu o próprio pénis. Quando chegou ao posto médico vinha com aquele órgão a pingar sangue. A solução que encontrámos foi dar-lhe uma injeção de um produto coagulante e para evitarmos ter que lhe mexer improvisámos uma lata de conserva de pêssego, enchemo-la de água oxigenada e mandámos o indivíduo mergulhá-lo ali. Assim se procedeu à desinfeção do dito".

"Noutra vez apareceu-me outro homem com um pé ao dependuro, só preso pela pele, com os ossos (tíbia e fíbula) completamente separados pela fratura. Não tivemos outra solução senão fazer uma imobilização muito cautelosa por meio de talas, chamar o meio aéreo e evacuá-lo para Bissau. Passados uns tempos regressou agarrado a um varapau com uma manifesta incapacidade de mobilização”

Narra a rendição pela CCAÇ 4610, conta a história de dois militares que foram caçar e acabaram prisioneiros do PAIGC, serão libertos após a independência da Guiné-Bissau, na troca com os prisioneiros do PAIGC que estavam detidos na Ilha das Galinhas.

E caminhamos para o fim da história de Biambe na guerra, a 3.ª Companhia do BCAÇ 4610/72 permanecerá em Biambe de agosto de 1972 a julho de 1974. Aqui se escreve que Biambe tinha pela frente uma força hostil que atuava com as secções em Biambe, Biur, Quinhaque e Quitamo, 2 grupos de infantaria, uma bateria de artilharia ligeiro e um grupo de sapadores; no Queré tinham um grupo reforçado com 1 ou 2 morteiros 82. 

A unidade militar apanha a transição para a chegada dos mísseis Strella, uma flagelação em maio de 1973 levou à morte de sete crianças num disparo de morteiro 82. O último episódio é a presença da 3.ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8320/73.

Na conclusão, o autor lembra o sacrifício que todos tiveram que suportar, agradece os testemunhos de quem com ele colaborou na elaboração de todo este histórico de Biambe e assim põe termo à sua iniciativa:

“Tudo aquilo que aqui foi escrito traduz a minha maneira de ver, de sentir e de interpretar. Muitos dirão que não foi bem assim, que foi mais assado. Embora a guerra fosse a mesma, cada um viveu uma experiência pessoal muito própria, com cores, cheiros e intensidades muito diversas, tenho consciência de que me dei por inteiro neste testemunho e que não ocultei o que sei”.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21507: Notas de leitura (1321): "Biambe e os Biambenses", por Manuel Costa Lobo; 5livros.pt, 2019 - Um levantamento ímpar: toda a história de Biambe (1966/1974), sítio de coragem e martírio (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20221: In Memoriam (352): Homenagem da Tabanca de Matosinhos ao João Rebola, falecido no dia 1 de Outubro de 2018 (Armando Pires e José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70), com data de 8 de Outubro de 2019:

Camaradas

Ponderosas, e inesperadas, razões da minha vida pessoal fizeram com que tardasse em cumprir com o pedido que me fez o nosso muito estimado camarada José Teixeira, membro da Tabanca de Matosinhos. É que no passado dia 2, a Tabanca de Matosinhos homenageou a memória de um dos seus maiores, o João Rebola, e o Teixeira pediu-me que vos falasse dos momentos de profundo recolhimento que se viveram no cemitério da Senhora da Hora, e, depois, no almoço, das palavras solidárias que foram dirigidas à D. Elsa Rebola, a viúva do João.

Já no dia anterior teve lugar, na Igreja da Senhora da Hora, uma Missa de Sufrágio em intenção do primeiro aniversário do seu desaparecimento físico, porque o seu espírito de grande humanidade, de grande camaradagem, de homem sério e sempre presente ao lado daqueles que mais precisavam de uma palavra, de um gesto de conforto, esse continua presente junto dos familiares que amou, e dos camaradas que honrou.

À romagem ao cemitério, o Teixeira chamou o ex-combatente Inácio para fazer ouvir, no seu trompete, Toque de Silêncio.

O padre Augusto Baptista, Ten-Cor Reformado, que ainda alferes miliciano foi nosso Capelão em Bissorã, e que com o Rebola, já na sua freguesia de Perosinho, estabeleceu fortes laços espirituais e de amizade, dirigiu palavras de conforto à Maria João, filha do Rebola e ali presente, e recordou, num momento que causou grande comoção entre os presentes, que foi através dele que o João sentiu o último conforto da sua imensa fé católica.

O Capitão Abreu, que foi comandante da CCAÇ 2444, a Companhia do Rebola, falou das suas qualidades de homem e militar de grande postura, convidando-me depois o José Teixeira a que eu usasse da palavra para exprimir a profunda amizade que nos ligava desde o nosso encontro em Bissorã (ver os meus P12905 e P11195), e tendo eu ainda vivas as conversas que mantínhamos pela manhã, através do Skype, onde a vida da Tabanca de Matosinhos, e a sua obra social na Guiné, estiveram sempre presentes.

A campa do ex-Fur Mil João Rebola, no cemitério da Senhora da Hora, onde os seus camaradas da Tabanca de Matosinhos foram prestar-lhe homenagem
Ao lado da Maria João Rebola, filha do João, o Pe. Augusto Baptista, Ten-Cor Ref. na sua alocução
O ex-Fur Mil Armando Pires recordando a sua grande amizade com o Rebola, nascida em Bissorã, e depois mantida vida fora
No uso da palavra, o Cap. Abreu, Comandante da CCAÇ2444, a Companhia do João Rebola
O Pe. Augusto Baptista, Ten-Cor Ref, numa conversa privada com a Maria João Rebola
Ao almoço, no restaurante Espigueiro, "quartel-general" da Tabanca de Matosinhos

Por último, falou-nos a Maria João Rebola:

“Eu cresci a ouvir falar de vós. Por vezes não vos reconheço porque a última vez que estive convosco foi a vinte e tal anos, trinta anos, mas os vossos nomes eu sei-os. O meu pai falava muito dessas estórias que partilharam aqui também e sei de muitas outras que aconteceram na Guiné. Sei que foi um período muito importante para o meu pai. Sei que o meu pai fez irmãos na Guiné e é muito bom saber que esses irmãos o acompanharam até aos últimos momentos. E, quando o Pe. Baptista chegou agora de manhã eu disse-lhe que foi muito importante ter ido visitar o meu pai naquele domingo por que eu sentia que o meu pai não passava desse dia e disse-o ao Pe. Batista quando estive com ele no sábado e o Pe. Baptista conseguiu reformular a sua vida toda para esse domingo e ir lá ao Hospital naquela manhã e estar com o meu pai e dar-lhe a bênção. Eu soube logo, de certeza absoluta, que isso foi muito bom para o meu pai, porque, assim como o Pe. Baptista disse esta manhã, o meu pai era uma pessoa muito espiritual e ter aí nesse momento a bênção de um irmão da Guiné que representava tudo o que vocês sabem para ele, foi o fecho, não sei se hei de dizer, perfeito. Por isso queria agradecer, o acompanhamento todo, os projetos que fizeram juntos, pelos tempos bons que passaram juntos e os difíceis também, e por estarem aqui hoje a partilharem connosco. Obrigado.”

Que o João Rebola repouse em paz, que viva está a sua memória junto de nós.

Fotos: José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20211: In Memoriam (351): António Leal Faria (c. 1942-1966), ex-alf mil SG, AB3, Negage, Angola, natural de Torres Novas e antigo seminarista, capturado e executado pela FNLA, na sequência de acidente com DO 27, em Ambrizete, em 24/3/1966... O seu corpo, tal com o dos seus restantes companheiros de infortúnio, não foi resgatado

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19486: Efemérides (299): Homenagem aos 3 camaradas açorianos da CCAÇ 2444 e a 1 madeirense da CCAÇ 2446 que tombaram em Capó, na estrada entre Cacheu e Bachile, no dia 6 de fevereiro de 1969, no mesmo dia do desastre do Cheche, em que houve 47 baixas mortais (Jorge Araújo)



Guiné > Região do Óio >  Jolmete (Fev1969) – O Manuel Carvalho, o Dandi e o Martins na chegada da "Op. Aquiles I", em que apanharam o RPG2 e mais três armas. (Dandi, natural de Jol, no "Chão Manjaco", era capitão da companhia de milícias do Pelundo. Foi agraciado com a Cruz de Guerra pelo Gen Spínola em 1972. Será fuzilado pelo PAIGC em 1975. [foto do camarada Manuel Carvalho - P18989 - com a devida vénia].



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974)


HOMENAGEM AOS CAMARADAS AÇORIANOS E MADEIRENSES DA CCAÇ 2444 E CCAÇ 2446 QUE TOMBARAM EM CAPÓ: UMA EFEMÉRIDE COM CINQUENTA ANOS (6FEV1969 /6FEV2019)



1. INTRODUÇÃO


O dia 6 de Fevereiro de há cinquenta anos [1969], uma quinta-feira, está considerado na historiografia da Guerra do Ultramar, ou da Guerra Colonial, em particular no CTIG, como uma das datas mais dramáticas vividas pelas Forças Armadas Portuguesas, onde pereceram cinquenta e um militares, entre elementos do contingente europeu e do recrutamento local.



No caso do desastre da "Jangada de Ché-Che", na sequência da retirada das NT de Madina do Boé, envolvendo os camaradas da CCAÇ 1790, com vinte e seis mortos, da CCAÇ 2405, com dezanove, e mais dois do PEL Mil 149, totalizando, assim, quarenta e sete elementos naufragados no Rio Corubal.

Na narrativa hoje postada como efeméride – poste P19473 – retenho o que recordou o camarada José Martins sobre essa tragédia inesquecível afirmando ser "uma data indelével para os combatentes da Guiné e familiares dos militares que sucumbiram na catástrofe durante a travessia do Rio Corubal", ao mesmo tempo que referiu os seus nomes.

Porém, esta não foi a única ocorrência, com baixas, registada nesse dia 6 de Fevereiro de 1969. Uma outra aconteceu em Capó, situada na estrada entre Cacheu e Bachile, envolvendo a CCAÇ 2444 (Açoriana) e a CCAÇ 2446 (Madeirense). 



Dos combates travados com os guerrilheiros do PAIGC resultaram quatro baixas para as NT, sendo três da Companhia Açoriana e uma da Companhia Madeirense.




Carta de Teixeira Pinto (1961); Escala 1/50 mil). Posição relativa a Capó, na estrada entre Teixeira Pinto - Churo - Bachile - Capó - Cacheu [P11219, com a devida vénia].

No sentido de lhe/lhes prestarmos, de igual modo, as devidas e sentidas homenagens que aqui deixo um resumo histórico desses factos.


2.RESUMO HISTÓRICO DAS DUAS UNIDADES

2.1 – A COMPANHIA DE CAÇADORES 2444 (AÇORIANA)

Tendo como Unidade Mobilizadora o Batalhão de Infantaria Independente 18 [BII 18], de Ponta Delgada, a CCAÇ 2444, com a divisa "Coriscos", embarcou a bordo do N/M "Uíge", em 09Nov1968, tendo chegado a Bissau, onde desembarcou a 15 do mesmo mês, sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria João Duarte de Oliveira Abreu. 

Em 28Nov1968 seguiu para Bula e depois para Có, a fim de efectuar treino operacional com a CCAÇ 2402, sob orientação do BCAV 1915, de 01Dez1968 a 23Dez1968 e, seguidamente, na função de subunidade de reserva do Comando-Chefe, reforçar aquele Batalhão de Cavalaria na actuação naquela zona de missão. 

Em 28JaN1969 foi colocada em Cacheu, em reforço temporário do CAOP, com vista à realização de acções de contra-penetração naquela área (região), sendo então integrada no BCAV 1915 e depois no BCAÇ 2485, onde permaneceu até ser substituída pela CCAV 2487, em 29Mar1969, deslocando-se para Bissorã. [...] O embarque de regresso, por ter concluído a sua comissão, aconteceu em 20Ago1970, a bordo do navio "Carvalho Araújo".


2.2 – A COMPANHIA DE CAÇADORES 2446 (MADEIRENSE)

Tendo como Unidade Mobilizadora o Batalhão de Infantaria Independente 19 [BII 19], do Funchal, a CCAÇ 2446, com a divisa "Alea Jacta Est", embarcou a bordo do N/M "Uíge", em 11Nov1968, tendo chegado a Bissau, onde desembarcou a 15 do mesmo mês, sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Ferreira de Carvalho. 

Em 04Dez1968, foi colocada em Cacheu, a fim de render a CCAÇ 1681 e assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em 07Dez1968, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 2845, e depois do BCAV 2868, com um pelotão destacado em Bachile, desde 29Nov1968 a 24Abr1969. 


[…] O embarque de regresso, por ter concluído a sua comissão, aconteceu em 01Out1970, a bordo do N/M "Uíge".


2.3. AS OCORRÊNCIAS CONTADAS POR AQUELES QUE PARTICIPARAM NA OPERAÇÃO AQUILES I



Instalado a partir de 27Jan1969 em Teixeira Pinto, o CAOP foi organizado para cumprir a missão de orientar as suas actividades operacionais de modo a intensificar o esforço de aniquilamento sistemático dos grupos inimigos que exerciam pressão directa sobre o «Chão Manjaco», na região de Pecau-Churo-Caboiana-Pelundo-Jol. 

Em função das missões atribuídas às diferentes forças no terreno pelo comando do CAOP de Teixeira Pinto, no dia 6 de Fevereiro de 1969 deu-se início à Operação Aquiles I, na qual participaram diversas Unidades, entre elas a CCAÇ 2444, a CCAÇ 2446 e a CCAÇ 2366, de Jolmete (1968/1970), dos camaradas tertulianos Manuel Carvalho e João Rebola (1945-2018) - poste P11384.

Recupero, a esse propósito, as informações dadas pelo camarada Manuel Carvalho (ex-fur mil da CCAÇ 2366, de Jolmete, acerca das ocorrências com a CCAÇ 2444 (Açoriana) e com a CCAÇ 2446 (Madeirense):

"Em 6 de Fevereiro de 1969, começou a Op Aquiles I que se prolongou até 14 seguinte. Logo no primeiro dia, 6 de Fevereiro, a CCAÇ 2444 teve três mortos e um guia civil e três feridos e a CCAÇ 2446 teve um morto e um ferido e o Pel Mil 130 quatro feridos. 

"Pela nossa parte, a CCAÇ 2366, julgo que tivemos um ferido e um dia apanhámos um RPG2 e três armas, mas estávamos a ver que as munições não chegavam para abrir caminho para o quartel." (…) (Poste P11219).


Mortos da CCAÇ 2444 (Açoriana):



● Manuel de Amaral Carneiro, Fur Inf; natural de São José, Ponta Delgada; solteiro.

● José Bento Pacheco Aveiro, Soldado; natural de Nordeste, S. Miguel; casado.

● Manuel dos Santos Costa Almeida, Soldado; natural de Arrifes, Ponta Delgada; solteiro.

Mortos da CCAÇ 2446 (Madeirense):

● Manuel Brás Catanho Ribeiro: 1.º Cabo; natural de Ribeira Seca, Machico; solteiro.

Um outro depoimento é-nos dado pelo camarada João Carlos Resendes Carreiro, ex-alf mil da CCAÇ 2444, a propósito da efeméride dos quarenta anos [2009], publicada no «Correio dos Açores» e repetida no blogue – P11209. 

Eis o que viu e sentiu naquele dia 6 de Fevereiro de 1969:

"Faz hoje 40 anos [agora, cinquenta] que numa emboscada na Guiné, morreram os militares de saudosa memória do furriel Manuel Carreiro (o Mani, filho do então Director do Diário dos Açores), o soldado José Aveiro (do Nordeste) e o soldado Manuel Almeida (o triclinas do Outeiro dos Arrifes).

Eram 7 horas da manhã, a luz do dia já começava a aparecer, mas a densidade do nevoeiro (cacimbo) mal deixava ver as palmeiras e restante vegetação à nossa volta.

Estávamos na zona de Capó, entre o Cacheu e Bachile, uma curva na estrada, com bolanha dos dois lados. Uma rajada de metralhadora deu cobertura à saída de uma bazucada que atingiu a zona do estômago do Mani, de uma maneira fatal. 

O tiroteio entretanto prosseguiu, a minha espingarda [G3] foi atingida de modo que o carregador ficou todo estilhaçado. O Graça, que ficou gravemente ferido, começou a gritar que tinha a perna despachada, quando levantei a cabeça, para ver o que se passava, uma rajada levantou o pó da estrada, qual cena do Far West.

O furriel Mani e o José Aveiro eram do pelotão que eu comandava, como alferes, faziam parte da 3.ª secção, que naquela hora estavam a passar para a frente. Quando o meu pelotão ia na frente rodávamos de 2 em 2 horas de secção, eu costumava ir na secção da frente, porém ainda não tinha dado tempo, eles ainda estavam a passar. Só me recordo de estar deitado na valeta da estrada, no meio do fumo da pólvora e cheiro a sangue que não vou esquecer nunca.

Passados 40 anos quero recordar aqui estre três jovens, de 22 anos [mais um da CCAÇ 2446], que deram a vida pela pátria, a 6 de Fevereiro de 1969, a cumprir o seu dever de cidadãos. (…) Tínhamos todos 22 anos, tão jovens, mas que adultos que éramos assumíamos responsabilidades de gente adulta e madura.

Um dia ver-nos-emos, vocês não morreram, passaram a viver de outra maneira!"

Ass. João Carlos Resendes Carreiro.


Relatório da «Operação Aquiles I» publicado pelo CAOP em Teixeira Pinto, p187 – P11392 (Manuel Carvalho), com a devida vénia.

Aos camaradas que pereceram no Rio Corubal, na "jangada de Ché-Che, e aos que tombaram na região de Capó, no "Chão Manjaco" [Oio], agora recordada, aqui deixo a minha mais sentida homenagem, extensiva às suas famílias.

Jorge Araújo.

06Fev2019

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19474: Efemérides (298): A minha homenagem às 47 vítimas da tragédia do Cheche, há 50 anos, os mortos da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 e os mortos da CCAÇ 1790, do meu batalhão, BCAÇ 1933: que Deus e a Pátria jamais os esqueçam (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

sábado, 6 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19074: Facebook...ando (49): Álbum fotográfico de João Rebola (1945-2018), ex-fur mil, CCAÇ 2444 (Bula, Có, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70)


Da esquerda para para a direita: primeira fila: Furriéis Laranjeira, Capitão, Cardoso, Felizardo, Teixeira; Alf Beirão; Furriéis Sá e João Rebola; segunda fila, de pé: Furriéis Marques, Firmino; Alf Marcão; Furriéis Correia, Moita; Cap João Abreu; Furriéis Eusébio, Lisboa, Bragança


T/T Uíge > A caminho da Guiné > 14 de novembro de 1968 > Há 45 anos, furriéis da CCaç 2444, na última refeição no Uíge, antes de conhecerem o desconhecido. Alguns deles, já eternamente ausentes, recordá-los-ei com imensa saudade. Que descansem em paz. 

Da esquerda para a direita: 1º plano: Joaquim Monteiro,  morto em combate; Eduardo Ferreira, já falecido, João Firmino; 2º palno, João Rebola e João Lisboa; 3º plano, José da Costa, Francisco Teixeira, Ramiro Marques;  de pé, me 4º plano, Eduardo Moita.


Guiné > Região do Oio > Bissorã > Jogo de futebol, entre a CCAÇ 2444 e a CCS/ BCAÇ 2861 > Resultado: 3 a 0. O Beirão marcou 2 e o Álvaro 1... Da esquerda para a direita: 2ª fila, de pé: elemento não identificado; to do 64, já falecido; Medeiros, Matos, Eduardo (ja falecido), Moita, Silvestre e João Rebola; 1ª fila: Teixeira, Leonor, Pombo, Beirão, Álvaro e Faial.


João Rebola, à direita, com o capelão Augusto Baptista a entregar uma taça  (à esquerda) e Salvador Sá Ferreira (ao centro) (já falecido)... Repare-se na tatuagem. no braço esquerdo, do  nosso saudoso camarada.


Da esquerda para a direita: Soares, Armando Pires (. o fadista e nosso grã-tabanqueiro, fur mil enf da CCS/ BCAÇ 2861  e João Rebola.


Bissorã: o matadouro, a velha ponte para a Outra Banda e o vencedor do 'melhor prá água': medalha de ouro!


Guiné > Região do Oio > Có  > Almoço de Natal de 68 > com o Cap. Vargas Cardoso e o Alf. Marcão.

Fotos (e legendas): © João Rebola (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Seleção de fotos do álbum fotográfico de João Rebola (1945-2018), disponíveis na sua página do Facebook:

A CCaç 2444, "Os Coriscos",  formou-se em S.Miguel, Açores, BII 18.  Fez o IAO  no Campo Militar de Sta Margarida, donde partiu para o TO da Guiné. Esteve em Bula, Có, Cacheu, Bissorã (a maior parte do tempo), e finalmente em Binar, entre 1968 e 1970. (Vd. aqui vídeo de João Carlos Carneiro, no YouTube).


2. O único representante da CCAÇ 2444 na Tabanca  Grande era o João Rebola (que tem 23 referências no nosso blogue) e que a morte levou aos 72 anos:

A sua filha, Maria João Rebola [, foto à esquerda],  escreveu a seguinte mensagem, comovente, na página do Facebook do pai, no dia 3 do corrente:
A todos os amigos do meu papá queria deixar um abraço muito apertado. O carinho que nos transmitiram nestes últimos dois dias foi incalculável.

Sentir a grandiosidade da vossa amizade através dos vossos relatos, através das vossas lágrimas, que não poucas vezes romperam as amarras fortes dos olhos de homens não menos valentes, através dos abraços que recebemos...
Bem haja a todos que acompanharam o meu pai em todas as suas diferentes fases e facetas da vida e que o permitiram exprimir e expressar toda a sua boa disposição, carinho, disponibilidade, alegria...

Um brinde ao Joao Rebola!
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19013: Facebook...ando (48): os poemas amargos do 'alfero' Cabral

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19063: In Memoriam (326): João Rebola (1945-2018)... Homenagem dos amigos e camaradas. Fotos de Manuel Resende... O funeral é hoje, às 15h00, na igreja da Senhora da Hora, Matosinhos.


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4

Foto nº 5


Foto nº 6

Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande > 16 de abril de 2016 >


1. Imagens do João Rebolo (1945-2018) (*), porta-estandarte da Tabanca Pequena de Matosinhos,  tendo ao lado o Manuel Carvalho (fotos nºs 1 e 2) ed o Xico Allen (Foto nº 2); petiscando com os manos Varrasquinha, Diamantino e Manuel, de Ervidel, Aljustrel (foto nº 3); sentado à mesa, entre o J. Casimiro Carvalho à sua direita e o António Barbosa (Gondomar), à esquerda (foto nº 4); tocando e cantando com a malta da Tabanca de Matosinhos (fotos nºs 5 e 6).

Fotos: © Manue Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Seleção de mensagens de condolências emviadas por alguns dos seus amigos e camaradas, e recolhidas da Net (páginas do Facebook, Blogue...)

(i) Conselho de Administração da ONGD Tabanca Pequena:

(...) A sua forma de ser, estar e agir na vida, na sua simplicidade, foi um manancial de vivências que marcou todos quantos com ele se cruzaram na sua caminhada neste mundo. (...)

(ii) Carlos Vinhal, coeditor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:

(...) Em SMS de ontem, manhã cedo, o nosso camarada José Teixeira deu-nos notícia do falecimento do João Rebola que há muito se encontrava doente. Lutou quanto pôde com a doença que o vitimou até da lei da morte se libertar. Ainda no passado dia 14 de Setembro, em resposta a um SMS que lhe mandei, dizia-me: "Bem não estou, gostaria... mas estou vivo". (...)

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

(...) É mais um duro golpe para os amigos e camaradas da Guiné, em especial da Tabanca de Matosinhos e da Tabanca Grande. Estão as nossas tabancas mais pobres e a fazer o luto pela perda de mais um bom amigo e camarada da Guiné!... 

Sabíamos da doença que o minava, mas mesmo assim arranjava forças para consolar e encorajar os que ainda estavam pior do que ele... Foi o caso do Joaquim Peixoto, que ele foi visitar ao hospital, pouco semanas antes de morrer... Que nobreza de carácter, que lição para todos nós!


Para a família enlutada vai o meu abraço solidário, em meu nome pessoal e dos membros da Tabanca Grande. Luís Graça (...)

(iv) Hélder Sousa:

(...) O João Rebola foi daqueles amigos "ganhos" aqui,  através do Blogue,  e com o qual foi muito fácil ganhar empatia, respeito e consideração.

Contactei algumas vezes com ele por força da regularização das quotas da Tabanca de Matosinhos e, mesmo este ano, quando a doença já mais o incomodava, não deixámos de conversar. É com tristeza que tomei conhecimento desta "partida". (...)


(v) J. Casimiro Carvalho:

(...) Fui ao velório "despedir-me" do João Rebola. Encontrei outros combatentes na mesma triste Missão. Um camarada que merece uma referência, pelo seu espírito bonacheirão, amigo e sempre bom camarada. Sempre com um sorriso rasgado para nós. e são esses que me custa ver "partir"
Adeus camarada da Guiné. (...)

(vi) Francisco Baptista:

(...) O João Rebola foi um bom homem e um camarada excelente, membro muito diligente dos Corpos Sociais da Tabanca de Matosinhos. Sem nunca procurar qualquer notoriedade, discreto e sem fazer alarde, foi sempre muito dedicado aos camaradas e aos pobres e abandonados da Guiné, o grande objectivo social da Tabanca.


Nos almoços em que estava presente, procurou sempre dar a todos e a cada um alguma visibilidade nas muitas fotografias que tirou. Afincadamente procurava cobrar as quotas dos que se esqueciam ou dos que deixavam de estar presentes nos almoços. Há cerca de meio ano encontrei-o e falou-me das minhas quotas em atraso, penso que duas. Eu prometi-lhe que quando ele voltasse eu iria também e pagaria tudo o que era devido. Infelizmente ele não pôde voltar mas eu irei à Tabanca de Matosinhos brevemente almoçar e pagar as minhas quotas em atraso.

João, irei lá pagar-te porque tu para mim continuarás vivo até ao meu fim e não posso faltar à palavra a um amigo. Até sempre camarada!

À esposa do João Rebola, senhora simpática que conheço bem e a toda a restante família dele envio os meus sentidos pêsames Envio os meus sentidos pêsames também a todos os amigos e camaradas da Tabanca de Matosinhos e doutros lugares. (...)

(vii) Valdemar Queiroz:

(...) Que chatice já começarmos a morrer. Que chatice, não merecíamos. Pelo menos que o tempo passado na Guiné conte mais uns anos no tempo da nossa vida. Não merecíamos morrer tão cedo.
Não merecíamos. (...)

(viii) Armando Pires:

(...) João Rebola morreu. E eu tenho um imenso aperto no peito. Em sua memória, das minhas crónicas no blog Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Bissorã, 1969 (**)

(...) "Saímos da casa, e quando íamos a atravessar a rua quase fui abalroado por um gajo que, numa motorizada em grande velocidade, fez duas “chicuelinas” para me evitar, seguindo em frente sem dizer água vai nem água vem.
 – Que é isto, ó Filipe?

Com um largo sorriso informa-me, “é pá, é o maluco do Rebola, furriel da 2444”.
Apresentado assim pelo Filipe, o espanto passou-me e pensei para com os meus botões:
– Queres ver que já estou com a minha gente?

(...) Passei à porta do bar dos sargentos da 2444 e do seu interior saiam uns acordes de viola, que por acaso até me soarem bem ao ouvido.
– Pode-se entrar, camaradas?

Apresentámo-nos, sai um Johnnie Walker com duas pedras de gelo a selar o momento, e dei comigo a pensar que o gajo da viola era o mesmo que, no dia da minha chegada, me ia “atropelando” com a mota.
– Ouve lá, pá, tu não és o João Rebola?

Contei-lhe que tinha sido o Filipe (...) Gargalhada geral, venha de lá esse abraço, “ hei de vir aqui mais vezes – disse eu – que talvez ainda façamos umas fadestices".

Mais tarde (…) saí para jantar e tropecei de novo no João Rebola.
– Queres boleia, pá?

(…) E convidou-me a fazer “a viagem” na sua motorizada.
– Tens medo de andar nisto, pá?
– Só não sei andar, mas medo de andar não tenho.
– Ó pá, mas se quiseres aprender eu ensino-te já. Isto é o mesmo que andar de bicicleta.

E foi assim que o João Rebola, antes de ser meu viola privativo, se transformou no meu instrutor de motorizada.

(...) Chamado à sua presença, o capitão Barros abriu a conversa.
– Ó furriel Pires, o nosso comandante pretende estreitar os laços de amizade e de cooperação entre as nossas tropas e a comunidade civil de Bissorã, e propôs-me que realizássemos no nosso bar de sargentos, que tem espaço e excelentes condições, uns serões sociais (…) e eu pensei fazermos umas sessões de bingo aos sábados à noite (…) o nosso comandante até me disse constar entre os nossos oficiais que o senhor canta muito bem o fado…

"Olha para onde vens tu, ó Barros!" - pensei eu - e atalhei aquela espécie de música para encantar meninos fazendo-lhe uma declaração definitiva.
– Pois é, meu capitão, mas fará o favor de dizer ao nosso comandante que comigo não há fados à capela.

O senhor capitão pôs um ar surpreendido, (…) “o que é que o nosso furriel quer dizer com isso?”.
– Meu capitão, quero dizer que, sem acompanhamento, sem guitarra e sem viola, eu não canto.
O recado foi levado ao senhor comandante, foi-lhe transmitido na messe de oficiais, e ali mesmo o alferes miliciano Marcão, comandante do 2º grupo de combate da 2444, anunciou que tinha no seu grupo um furriel que tocava muito bem viola. O furriel de que o Marcão falava era o João Rebola.

Encurtando parágrafos à história, as sessões de bingo foram por diante, o João Rebola trouxe consigo outro exímio violista, o soldado Vilas Boas, e depois de várias horas de necessários ensaios lá fizemos a nossa apresentação pública.

Todos os sábados à noite, o bar de sargentos da CCS enchia de tropa e civis para as sessões de bingo, e, modéstia à parte, rebentava pelas costuras quando chegava a hora do fado.”

O João Rebola, à minha direita na foto, não voltou a tocar para mim nem eu tornei a cantar com ele.
Perene, foi a amizade que nos uniu, a memória que dele me fica. (...)



Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 > Messe de sargentos > Numa das sessões de fados aos sábados: da esquerda para a direita, João Rebola, viola,  Armando Pires, voz, e Vilas Boas, viola...
"Sou o João Manuel Pereira Rebola, ex-furriel mil que cumpriu,  desde 15/11/68 a 20/08/70, a sua comissão na Guiné. Mas foi em Bissorã que conheci o furriel enfermeiro "ribatejano e fadista", Armando Pires,  e que ao fim de 40 anos nos reencontrámos!!! (...) O Armando, durante o tempo em que a minha companhia, a CCaç 2444, 'Os Coriscos', permaneceu em Bissorã, todos aos sábados, na messe dos sargentos do BCAÇ 2861, cantava fados como ninguém e tinha como acompanhantes o Vilas Boas e eu, que me encontro à sua direita, na foto, que confirma o epíteto de furriel fadista. Aqui está a prova real!" (Excerto do poste P10821). (**)

Foto (e legenda): © João Rebola (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradasda Guiné]



Lisboa > Arquivo Geral do Exército, no antigo Convento de Chelas (, sito no largo de Chelas, em Chelas, Freguesia de Marvila, Concelho de Lisboa) > 22 de fevereiro de 2013 > O reencontro de 2 velhos amigos, camaradas de armas e companheiros de fadistagem em Bissorã... O João que reconheu o Armando... 43 anos depois: à direita, Armando Pires (Miraflores, Carnaxide, Oeiras) e João Rebola, à esquerda  (Senhora da Hora, Matosinhos)... E tudo graças ao nosso blogue... É caso para dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!"...

Foto: © Armando Pires (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
    (ii) Vivia no Porto (, mas eu tenho  a ideia que era oriundo do Sul);
    (iii) Andou na escola Colégio Portuense (, turma de 1967); 
    (iv) Estudou em Faculdade de Letras da Universidade do Porto (, turma de 1985);
    (v) Era reformado nos SBN-SAMS; e, anteriormente,  trabalhara no Sindicato Bancários do Norte;
    (vii) Era o tesoureiro da ONGD Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné-Bissau e um dos "régulos" da Tabanca de Matosinhos;
    (viii) Entrou para a Tabanca Grande em 18/12/2012, sendo o seu "padrinho" o Armando Pires (***); tem mais de 20 referências no nosso blogue;

(ix) Tocava viola, bandolim e cavaquinho; era casado, e pai de duas filhas e, muito provavelmente, avô;

(x) Não chegou a completar os 73 anos; despediu-se cedo demais da "terra da alegria"; era amigo do seu amigo e camarada do seu camarada. (LG)

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19061: In Memoriam (325): João Manuel Rebola (1945-2018), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2444 (1968/70). Estará em Câmara Ardente na Capela da Senhora da Hora (Matosinhos) e o seu funeral será amanhã pelas 15 horas

IN MEMORIAM





JOÃO MANUEL REBOLA  (1945-2018)
Ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2444, 
Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70

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Notas do editor:

1 - Em SMS de hoje, manhã cedo, o nosso camarada José Teixeira deu-nos notícia do falecimento do João Rebola que há muito se encontrava doente.

Lutou quanto pôde com a doença que o vitimou até da lei da morte se libertar.

Ainda no  passado dia 14 de Setembro, em resposta a um SMS que lhe mandei, dizia-me: "Bem não estou (gostaria) mas estou vivo".

À família da João endereçamos as nossas mais sentidas condolências e a nossa solidariedade nesta hora difícil. 

********************

2 - Da Tabanca Pequena de Matosinhos, de que João Rebola era um dos dirigentes, recebemos a notícia que a seguir reproduzimos:

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19060: In Memoriam (324): António Manuel Sucena Rodrigues (1950-2018), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (1972/74)

domingo, 5 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13695: Estórias avulsas (80): Hojé, há pássaros! (João Rebola)

1. Mensagem do nosso camarada João Rebola (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, , Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2014:

Olá, Carlos, boa noite
Envio-te este artigo para publicação, se assim o entenderes.
Conforme digo no início, a estória é verdadeira. No entanto, juntei-lhe uma pitada de fotos, confirmando o que se afirma para a tornar mais agradável de se ler e para aqueles que estiveram em Bissorã, possam também recordar alguma coisinha.

Aceita um abraço do
João Rebola


Hoje, há pássaros!

Esta é uma estória passada na vila de Bissorã, no já longínquo ano de 1969. Não se torna difícil para mim recordar alguns pormenores que aconteceram há mais de quatro décadas, isto porque, aí permaneci a maior parte da comissão, aí passei os melhores momentos, embora também houvesse outros menos bons, aí fiz amizades que ainda hoje perduram.

Em 2011 voltei lá e encontrei o simpático casal de comerciantes libaneses, Soad e Alfredo Kallil, onde, no seu estabelecimento, adquiri vários artigos, entre os quais, se bem me lembro, um rádio com gira-discos para ouvir as músicas e os discos em voga,”in illo tempore”. Depois de lhes mostrar fotos antigas, reconheceram-me, rejubilando de alegria.

Bissorã - 1969 - Aqui está a minha suite. À esquerda, o rádio gira-discos.

Bissorã – 2011 - Manuel Sá e João Rebola com Alfredo Kallil e Soad

Bissorã – 1970 - Soad com um dos filhos de Zé Manjaco, ao colo

Bissorã – 1969 - Com Alfredo Kallil, em dia de “ronco“

Bom, voltemos à estória. Junto ao bar dos sargentos da CCAÇ 2444, havia (e há) uma grande mangueira, onde em determinada época do ano, ao cair da tarde, afluía enorme quantidade de pássaros para passarem a noite.

Bissorã - 2011 - O bar e a mangueira ainda lá estão!

Então, pus-me a pensar como é que havia de fazer para, de vez em quando, termos uma boa ceia. Quando vim de férias, em junho de 69, levei desmontada a minha Diane 850, espingarda de pressão de ar, mas verifiquei que, de pouco ou nada servia: matava um, fugiam dezenas. Não podia ser, tinha de haver outra maneira. E ela surgiu. Havia em Bissorã um pelotão de polícia administrativa que não dependia do exército, mas sim do Administrador, Sr. Gramaxo. Como responsável pela polícia, encontrava-se o cabo Pedro.

Bissorã - 1969 - Visita do Administrador ao refeitório dos soldados

Alguém me disse que ele (Pedro) tinha uma espingarda calibre 12. Como sabia onde era a sua tabanca, lá o encontrei, pedindo-lhe que ma emprestasse, ao que ele acedeu, depois de lhe dizer o porquê do meu pedido. Com cartuchos no bolso e arma na mão, entrei no bar e aguardei que a passarada chegasse. Não demorou muito tempo a sua vinda. Dois pretinhos, tidos como “funcionários” encarregavam-se da limpeza do bar, dos quartos, faziam as camas, etc, e que nos dias em que a arma funcionava, com a colaboração de outros e de nós próprios, ajudavam a apanhar os pássaros caídos, a depenar e a assá-los. Assim, por volta da meia-noite, começava a ceia. E que ceias! Numa dessas noites, encontrava-me de serviço no abrigo/posto de Missirá, um pouco distante do quartel e vim ao bar, no meu transporte, para petiscar com quem lá se encontrava.

Bissorã – 1969 - Esta era a minha Honda 50, comprada em Bissau

O alf. António Marcão manisfestou-se negativavamente à minha chegada, deu-me cabo do juízo, mas depois de alguma discussão, acabei por ficar e acompanhá-los nesse saboroso petisco, ou não fosse eu que tivesse matado a passarada. A foto que se segue reporta essa situação, mostrando a sua indiferença.

Bissorã - 1969 - Na célebre ceia, fur. João Rebola, os alf. Vinagre (já falecido), Marcão e Carreiro (meio escondido); de costas os fur. Firmino, Cardoso e Orlando Silva.

Bissorã – 1969 - Ao fundo o alf. Beirão, fur. Firmino, alf. Carreiro e fur.Rebola, brindando

Como se sói dizer “não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe”, daí, que estas ceias não terem ultrapassado mais de dois meses. E por quê? Porque até setembro de 1969, a responsabilidade do sector de Bissorã era da CCAÇ 2444, única companhia aí sediada, mas a partir daquele mês, a sede do Batalhão 2861, procedente de Bula, transferiu-se para esta localidade. E como se tal não chegasse, dias depois, surgiu o TCor Polidoro Monteiro, oficial extremamente exigente, de poucas falas e de grande respeitabilidade. Perante este quadro, não arrisquei mais tiros. Havia também outra razão, pois o comando ficava relativamente perto do bar e qualquer detonação seria facilmente ouvida.

Assim, só me restou ir entregar a arma ao cabo Pedro, deixar a passarada em paz e utilizar a pressão de ar nas rolas, quando, distraidamente, se entretinham a comer mancarra, junto à estrada de Bissorã/Mansoa.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13624: Estórias avulsas (79): A melhor coisa que me poderia acontecer, uma viagem sem pressa que até parecia que estava no país das maravilhas (José Maria Claro)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13302: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (15): Fadista e locutor, para cumprir o destino

1. Mensagem, de 11 do corrente, do Armando Pires
[ex-Fur Mil Enf,  CCS/BCAÇ 2861,Bula e Bissorã, 1969/70], [, foto à esquerda, Monte Real, 14/6/2014]

Meu Caro Luís Graça.
Camarada e Amigo.

Faz tempo que esta história te estava prometida. Mas o tempo não é coisa que se comande. Se eu fosse supersticioso diria que foi por ter chegado ao número 13 da série "Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", que a veia secou.

Mas não sendo supersticioso, porque é coisa que dá muito azar, limito-me a dizer que mais vale tarde do que nunca. Aqui tens, com o titulo de "Fadista e locutor, para cumprir o destino", o número 14 de uma série que, espero eu, passe a fluir com melhor ritmo.
Um abraço para ti, para os nossos editores, e para todos os camarigos.

2.  Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (14)  Fadista e locutor, para cumprir o destino 

Portanto, o João Rebola mais o Vilas Boas foram para Binar e o fado acabou em Bissorã.

Isto foi em Junho de 70, altura em que a companhia a que eles pertenciam, a CCAÇ 2444, foi rendida por uma outra companhia de intervenção, a CCAÇ 13.

Desculpem os camaradas se os faço recuar ao P12905 para melhor compreenderem este antes e o que vem já depois, mas a vida de “escritor-amador” é muitas vezes atapetada de escolhos tais, que nem a sua muito boa vontade consegue derrubar às primeiras.

Prosseguindo.

Foram-se embora os meus violas e, oh coincidência, também partiu o capitão Luís Barros, que ali foi terminar o seu tempo de serviço no comando da CCS, grande impulsionador e animador daquelas noites sábado, com cantos ao fado e às bolas do bingo onde sempre se sorteava uma garrafa de whisky Haig, vá lá saber-se porquê, escolha pessoal do cap Barros, facto que acabou por lhe granjear, entre a sargentada, a alcunha do “capitão Haíg”, lido assim, com assento agudo e tudo, alcunha que vai certamente surpreender o hoje coronel reformado Luís Andrade Barros, fugaz leitor do nosso blog, meu recém correspondente em troca de emails, num dos quais, sobre estas noites que lhe lembrei, escreveu:

“Caríssimo Armando Pires, furriel enfermeiro, ribatejano, fadista e companheiro da guerra .
Recebi com muito agrado as suas notícias de Bissorã, nomeadamente recordando as sessões de bingo com uma afluência capaz de fazer inveja às melhores casas da especialidade. Lembro o entusiasmo que tal iniciativa despertou, a preparação - decoração da sala com pinturas alusivas e os convites para o evento, incluindo a amigos do IN, isto na certeza de então não sermos atacados.”
– P13065

O fim das sessões de bingo, e das grandes noites de fado, poderiam ter sido uma forte machadada nos relatórios da acção psico-social, não se desse o caso de nas cabeças do major Alcino e do Alferes Vinagre, ter nascido a ideia de sacar umas massas que o comandante Polidoro Monteiro tinha para a psico, para com elas comprarem uma aparelhagem sonora que o Alfredo, o libanês, mandara vir da África do Sul. A aparelhagem foi ligada a uma corneta sonora, o 1º cabo sapador Marques Catarré emprestou a sua substancial discografia, e assim nasceu a “Rádio Bissorã-70”, com emissões diárias das sete às nove da noite.

Todos estes pormenores vieram à luz do dia graças à prodigiosa memória do Furriel Sousa, uma espécie de “secretário-confidente” do comandante Polidoro. É que todos os da companhia, eu incluído, nos lembramos da “rádio”, mas de como ela nasceu é que… já lá vão 44 anos.

É preciso dizer que o major Alcino era o oficial de operações, e o João Vinagre, alferes miliciano de informações, para que se percebam os objectivos propagandísticos da coisa.

“A rádio” foi instalada no vão de escada de um edifício em
cujo rés-do-chão funcionava a secretaria do
batalhão. O 1º andar fora reservado para quartos dos oficiais. O edifício era conhecido, e ainda o é, por Casa Gardete, família guineense de grande prestigio social, na qual sobressaiu o Dr. Manuel Gardete Correia [, foto à direita], já falecido, licenciado em medicina pela Universidade de Coimbra no ano de 1959, e que se tornou numa das figuras africanas, e mesmo mundiais, mais prestigiadas na luta contra a doença do sono e a malária. (**)

A família Gardete rumou a Bissau logo nos alvores da guerra, deixando de aluguer a vários comerciantes a loja, até à chegada a Bissorã do comando do meu batalhão, que tomou de arrendamento todo o edifício.



A Casa Gardete.  Foto de 2006, cedida pelo camarada Carlos Fortunato, ex-fur mil. da  CCAÇ 13, e tirada aquando de uma das suas deslocações a Bissorã ao serviço da ONG Ajuda Amiga, de que é presidente.  Actualmente o edifício funciona como tribunal civil. A escadaria dava acesso aos quartos dos oficiais. Entre o vão de escada e a porta onde se lê “Secretaria Judicial”, funcionava “a rádio”. A corneta sonora era montada sobre aquela grande coluna que suportava um portão de ferro de entrada para o edifício. 

Foto: © Carlos Fortunato  (2006).  Todos os direitos reservados.


E à noite, aquela rua enchia-se de militares e povo, povo das tabancas, já se vê, que “a sociedade” local, o Alfredo Khalil, o senhor Rachid Aral, o velho Michel… de tão perto que moravam nem precisavam de sair de casa para ouvirem as canções do Nelson Ned, da Rita Pavoni, do Roberto Carlos, do Nico Fidenco…, em forma de discos pedidos deste para aquele, dedicados pelo soldado tal para a sua lavadeira que tinha direito a nome e tudo, e muitas vezes, num extravasar de saudade, querendo que o som da corneta chegasse lá longe, até se dedicavam canções às queridas mães e às namoradas que ficaram à espera.

E havia um concurso. Perguntas sobre história e geografia, que as fazia o furriel Sousa, professor na vida civil, sobre desporto, em que era perito o 1º cabo Santos, da messe dos oficiais, ou ainda perguntas acerca dos valores pátrios, trazidas pelo alferes Vinagre, que fora para isso que “a rádio” nascera.

Quem acertasse nas perguntinhas tinha direito a prémios de que não me lembro quais.

Lembro-me dos locutores. Sim, que “a rádio”, como não podia deixar de ser, tinha locutores. O Filipe, furriel vagomestre, o Basso, furriel cripto, e o furriel Bonito, da secretaria do batalhão.
–  Ó Pires – disse-me o Filipe – tu também podias ir para lá fazer locução.

Chamem-lhe destino, digam que era o Senhor a escrever direito por linhas tortas, ou, mesmo, que estava escrito nas estrelas, a verdade é que ser locutor era uma das possibilidades que me acompanharam até à Guiné.

Eu explico.

Quando desembarquei em Bissau levava mais recomendações do que medalhas um general tem ao peito. (Passe o exagero, se faz favor)

Desde logo para o dono do “Solar do Dez”. Um cartão, daqueles com nome ao meio, que tanto serviam para enviar boas festas como para expressar sentidos pesamos, onde o Carlos Lisboa, fadista da minha terra que em Bissau servira na policia militar, garantia que eu era apaz para repetir os êxitos que ele próprio alcançara nas grandes noites de fado que realizara naquele restaurante.

Sentados à mesa, no centro da qual estava uma coisa chamada lagosta que nunca, até ali, me passara pelo estreito, eu e o dono do “Solar do Dez”, cujo nome, esteja ele onde estiver, vai perdoar que me tenha esquecido, rapidamente começámos a falar nas hipóteses de eu ficar no Hospital Militar de Bissau, garantia de umas sessões de fado aos sábados à noite lá no Solar, com um dinheirinho extra, está claro, tudo coisas que umas pessoas que ele bem conhecia tratariam de facilitar num abrir e fechar de olhos.
– Venha cá jantar logo à noite que estará cá gente para tratarmos logo do assunto.

O pior é que por volta daquela hora encontrei o Vitor “Cascais”, rapaz que eu conhecia das noites no “Galitos”, casa de fado vadio no Estoril, junto da cosmopolita praia do Tamariz, que me quis logo apresentar a umas amigas e uns amigos, gin para um lado conversa para o outro, “está aqui um gajo que toca bem guitarra, queres ouvir?”, uns camarões para entreter a cerveja, “é pá, dá aí o tom para o mouraria”, e qual jantar no “Solar do Dez” qual quê, saí dali já era outra vez dia, e sem modo de explicar a minha ausência, só voltei ao Solar muito mais tarde, quando vim numa coluna a Bissau.

E havia o célebre “PIFAS”, o Programa das Forças Armadas.

Embora ainda não de forma profissional, antes de ser mobilizado eu já fazia locução de vários programas na rádio da minha terra. Era a Rádio Ribatejo, propriedade do capitão Jaime Varela Santos, homem que vale uma nota antes de prosseguir o relato.

O capitão Varela pertencia à arma de cavalaria. Em finais dos anos 40 inicio dos anos 50, mandaram-no comandar a força da GNR de segurança ao Forte de Peniche.
– Não aceito! Eu sou oficial de cavalaria, não sou carcereiro.

Valeu-lhe a afronta ao regime a sua passagem à reserva, por incapacidade física, que foi o melhor que se arranjou para evitar escândalo maior no meio social em que se movimentava.

Pois mal fui mobilizado, em Outubro de 68, o capitão Varela mandou que eu à chegada à Guiné, me apresentasse a um brigadeiro seu amigo que trataria de me levar para a rádio das forças armadas.

E até o meu primo Carlos Fernandes, que tal como eu iniciou a sua profissão na Rádio Ribatejo, e que estava em Madina do Boé, de furriel miliciano atirador da CCAV 1662, quando foi chamada para o “PIFAS”, ao chegar a Portugal, em Dezembro de 68, tratou de escrever uma carta que eu levaria em mão a José Vale de Figueiredo, o director do Programa das Forças Armadas, dando-lhe nota de como eu podia ser “útil à rádio”.

Pois foi. Só que com aquela cena das amigas e dos amigos do “Cascais”, mais dos copos e dos fados até de madrugada, quando dei por mim estava a marchar em direcção a Bula, com a carta do meu primo dentro do bolso, sem conhecer o tal brigadeiro amigo do capitão Varela, e sem ter ido ao tal jantar no “Solar do Dez”.

E eu, que tudo tinha para fazer a guerra de fato e gravata em Bissau, fui cantar fados para Bula e, em Bissorã, ao microfone de uma “rádio” manhosa, apresentar o Gianni Morandi a cantar o “Non son degno di te”.

Mas, porra! Também não tinha feito os amigos que fiz e que me têm dado um jeito do caraças.

(E querem saber mais? O que eu queria mesmo era andar com a minha malta.)


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Em primeiro plano, o Armando Pires: em segundo plano, o Rui Silva, o Jorge Rosales, o Manuel Joaquim (de perfil) e o Francisco Palma. No decorrer do almoço, tive oportunidade de apresentar o Armando Pires ao António Gracez Costa que foi locutor do PFA, em 1970/72. Ficaram os dois à conversa

Foto: © Manuel Resende  (2014).  Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:

(*) Vd, postes anteriores e da série>

(...) Urge proceder à reformulação da divisa desta Tabanca Grande. De facto, onde ela proclama que “o mundo é pequeno e a nossa Tabanca … é grande”, já não é sem tempo que se aumente o grau ao adjectivo, passando então a escrever-se que, “o mundo é pequeno e a nossa tabanca… é muito grande”.

Ocorreu-me isto após as incidências que resultaram do meu post anterior (P12905*), no qual, desastradamente, troquei o nome a um capitão. A correcção chegou num comentário do nosso camarada Grantabanqueiro, coronel Hilário Peixeiro, feito nos termos que aqui recordo. (...)

(...) Tirando uns mal entendidos com a rapaziada do Morés, os dias corriam pachorrentos em Bissorã. Desde logo porque o Rodrigues, quando à chegada lhe fui oferecer os meus préstimos, ficou-me muito agradecido mas respondeu que “a malta cá se arranja”. A malta era a CCAÇ 2444, mais conhecida pelos “Coriscos”, companhia da qual o Rodrigues, Felizardo Rodrigues, era furriel miliciano enfermeiro. O felizardo neste caso era eu, melhor dito, até, era a minha equipa, porque com uma companhia operacional a prescindir do nosso apoio, passámo-nos a ocupar, a tempo inteiro, das micoses, paludismos e gonorreias entre os nossos, e da saúde de toda a população em geral, coisa que caía muito bem dentro dos relatórios da “psico-social”. (...)


(...) Queiramos ou não, a primeira imagem, a primeira impressão que causamos, acompanha-nos vida fora, cola-se-nos à pele como lapa. Podemos melhorá-la, ou piorá-la, “vê lá tu, pá, quem diria que aquele gajo se transformava no que é hoje”, mas a primeira impressão fica para sempre. À primeira, eu vi o Polidoro assim. Emproado, como um pavão. Escreva-se, por ser verdade, ele fez tudo menos querer causar uma primeira boa impressão. (...)


(...) Aquelas primeiras horas em Bissorã não foram fáceis. Desde logo, como já escrevi, o não me sentir dentro de um quartel. Era assim a modos como que um exército que tivesse ocupado uma cidade e “vamos lá instalar-nos”. Não quero com isto dizer que fossem más aquelas acomodações. Antes pelo contrário. Mas num quartel está ali tudo próximo, estamos ali todos juntos, tipo ó militar chegue aqui, e em Bissorã não, era mais ó furriel dê um salto à enfermaria e lá ia eu, no jeep, rua acima. E depois, o que também me fez confusão, abrigos "cá tem". (...)


(...) Portanto, o DO aterrou em Bissorã eram nove da manhã. Nem fanfarra nem guarda de honra à minha espera. Apenas um Unimog para me levar a mim, mais ao correio e outras mercadorias que o avião transportara. Sem esquecer, evidentemente, o Machado, o meu cabo enfermeiro, que viera receber-me, dar-me as boas vindas, e levar-me ao comando onde era devida a minha apresentação ao comandante da companhia. (...)


(...) Mais um reencontro para agasalhar a idade. Estava eu posto em sossego e chama-me o João Rebola para perguntar:
- Ó Pires, sabes quem está aqui?

A pergunta foi feita através desse prodígio da comunicação chamado Skype. Sabem os que sabem, quem não sabe fica a saber que é um software que podemos instalar no computador, e que nos permite falar com qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, e, o melhor de tudo, estar a vê-la do outro lado. (...)


(...) Tal como prometera, envio um conjunto de 12 (doze) fotografias de Bula. Tenho dúvidas quanto à forma de as editar. Por essa razão permito-me enviar duas versões. Como podes ver, a que tem o titulo de Bula 2 ocupa menos espaço no blog, mas algumas das fotos perdem em qualidade. Deixo ao teu critério, ou ao critério do "Editor de Dia", escolher qual das duas versões publicar. Do mesmo modo, também fica ao vosso critério decidir em que série as inscrever. Se na série "furriel enfermeiro,ribatejano e fadista", se em "Álbum fotográfico..." do que for. (...)


 (...) A oito de agosto, deixei Bula com um nó na garganta e sem saber que não mais lá voltava. Tinha férias marcadas para Portugal e pedi ao comandante que me permitisse ir uns dias mais cedo para Bissau, de forma a poder visitar o Daniel no Hospital Militar. (...)


(...) Raios te partam, Manel Jaquim, que as tuas Cartas de Amor e Guerra incendeiam-me a memória na razão directa do respeito que me provocam. Começo pelo fim, em que sou mais breve, para dizer de quanta admiração sinto por essa cumplicidade entre ti e a Dionilde, tua mulher, nascida no tempo do amor e dos segredos, trazida pela vida fora, chegando hoje à comum aceitação da partilha dessas palavras escritas, tão intensas de paixão e raiva, que só os amantes sabem dizer. (...)


(...) A coluna estava pronta para se pôr em marcha. À frente o rebenta minas, logo atrás uma das Panhard’s do EREC 2454, depois um Unimog com munições para o Óbus 14 e as restantes viaturas. Eram seis camionetas civis que, vindas de Bissau, tinham sido cambadas, uma a uma, através do Rio Mansoa para João Landim e daí escoltadas até Bula, onde foi organizado o comboio militar que iria levar os reabastecimentos ao aquartelamento de Binar. (...)


(...) Eu tinha dois doutores. Era para ter três, mas perdi um mesmo à saída da escada de portaló. Era um oftalmologista em quem alguém descobriu, logo ali, insuspeitadas capacidades para ver fundo na raiz dos dentes, razão porque ficou em Bissau para uma especialização de três meses em medicina dentária, findos os quais percorreu todos os quadrantes dessa Guiné, em socorro de algum militar carente dos seus serviços. (...)


(...) Já era noite fechada em Bula quando o Teixeira, meu soldado maqueiro, veio ao bar dizer-me:
– Furriel, está uma mulher à porta de armas a pedir para tratarmos o filho.
– Já lá vou.
– Mas, ó furriel, olhe que o miúdo se não está morto, parece.
– Leva-a para a enfermaria que eu é só acabar o café. (...)


(...) - Então doutor, o puto safa-se?
Não me respondeu. Limitou-se a olhar-me assim como quem diz “vamos ver”, e a dizer-me com um sorriso benevolente:
- Vá lá dormir que você está com cara de quem precisa de descansar. (...)


(...) Bula, 15 de Abril de 1969, depois das oito da noite.

Ofegantes, os noventa cavalos da velha GMC galgaram a cancela do aquartelamento e estacaram às dez rodas em frente ao bar. Ao lado do condutor ergueu-se o Caeiro e gritou-me:
– Salta práqui, ó pira, que esta noite vai haver espectáculo no Esquadrão. (...)

(**) Manuel Gardete Correia (1928-19_?)



Fonte: Assembleia da República > Deputados à Assembleia Nacional (1935-1974)