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segunda-feira, 4 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25234: 20.º aniversário do nosso blogue: Alguns dos nossos melhores postes de sempre (1): Um dos episódios mais trágicos da nossa guerra, no decurso da Op Lenda, em 7/10/1965, Gamol, Fulacunda


Rui A. Ferreira, alf mil,  CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)...
Com um chapéu "turra". Cortesia do autor.


Senegal > Dacar > 15 de março de 1968 > PAIGC > Entrega de 3 prisioneiros de guerra, portugueses, à Cruz Vermelha do Senegal: o José Vieira Lauro, o protagonista desta história, é o segundo do grupo. O PAIGC (leia-se: Amílcar Cabral)  habilmente tirou partido da situação, em termos mediáticos, propagandísticos e diplomáticos... O Lauro foi prisioneiro de guerra cerca de 30 meses, desde 10 de outubro de 1965 até 15 de março de 1968... (LG)


Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05224.000.037 | Título: Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal | Assunto: Amílcar Cabral e Osvaldo Lopes da Silva por ocasião da entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar  [Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco]. Data: Sexta, 15 de Março de 1968 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral |b Tipo Documental: Fotografias  (Com a devida vérnia..:)
 
Citação: (1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44074 (2024-3-3)



"[Da esquerda para a direita:] Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco, prisioneiros de guerra portugueses entregues pelo PAIGC à Cruz Vermelha do Senegal, na sede em Dakar."  (Reproduzido com a devida vénia...)

Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44076 (2020-4-5)



1. Para dar início à série do "2o.º aniversário do nosso blogue: alguns dos nossos postes de sempre", nada como republicar este excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003) (pp. 37/40) (*).

"Rumo a Fulacunda" era o grito de guerra da CCAÇ 1420, em cujas fileiras ingressou o alf mil Rui Ferreira, em rendição individual, substituindo um camarada "desaparecido em combate" (o seu corpo nunca foi recuperado), o Vasco [Nuno de Loureiro de Sousa] Cardoso,  lisboeta, mas  criado em Angola, como o nosso saudoso Rui Alexandre Ferreira (Benguela, 1943-Viseu, 2022).

"Rumo a Fulacunda" foi escolhido como título para o seu primeiro livro de memórias. Rui A. Ferreira, regressado de Angola (onde fez uma terceira comissão, depois de duas na Guiné), acabou por ir viver para Viseu, em 1975, e lá morreu, na sequência de uma longa e brava luta contra uma doença degenerativa. Era ten-cor inf ref, condecorado com duas cruzes de guerra (1ª e 2ª classe), por feitos em combate.

Neste seu primeiro livro,  em 4 páginas notáveis (pp. 37/40) conta-nos o cruel episódio de guerra, passado no decurso da Op Lenda,  em Gamol, Fulacunda, em 7 de outubro de 1965, envolvendo as CCAÇ 1420 / BCAÇ 1857 (Fulacunda, 1965/67)  e CCAÇ 1423  / BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67). 

Seis militares (um oficial e cinco praças), perdem-se do grosso das NT,  divididas em três colunas de progressão, na sequência de uma forte emboscada IN, no mat0, esse próprio dia, no decurso da Op Lenda.

O Rui reconstituiu, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o alf mill Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, foi o último a ser abatido.

O sexto elemento, o soldado José Vieira Lauro, rendeu-se e  foi feito prisioneiro, em 10 de outubro de 1967:  levado para a Guiné-Conacri, para a "Maison de Force" (Casa de Reclusão), de Kindia, será mais tarde, ao fim de penosos 30 meses, já em 15 de março de 1968,  libertado, e entregue em Dacar à Cruz Vermelha do Senegal. 

Foi o único do grupo que restou, para nos contar esta, que é uma das mais trágicas histórias da guerra da Guiné.

Ao reavivar esta história, queremos homenagear, mais uma vez, as vítimas mortais mas também a quem soube preservar a sua memória (o José Vieira Lauro, sobrevivente e prisioneiro, e claro  o Rui A. Ferreira, que deu a essa memóra letra de forma, e que infelizmente já nos deixou também).

Os protagonistas desta histórica trágica da guerra da Guiné foram, por ordem alfabética:
  • Armando dos Santos Almeida, natural de Queiriga, Vila Nova de Paiva, sold at inf, CCaç 1423 ;
  • Armando Leite Marinho, natural de Jugueiros, Felgueiras, sold corneteiro, CCAÇ 1420;
  • Fernando Manuel de Jesus Alves, natural de Leiria, 1.º cabo aux enf, CCaç 1423; 
  • José Ferreira Araújo, natural de Povolide, Viseu, sold at, CCAÇ 1423;
  • José Vieira Lauro, natural de Granjal, Leiria, sold, CCAÇ 1423.
  • Vasco Nuno de Loureiro de Sousa Cardoso, natural de Lisboa, alf mil, CCaç 1420.
Com exceção do José Vieira Lauro, que se rendeu aos seus perseguidores, os restantes militares morreram. Os seus corpos nunca foram recuperados.


2. Comentário do editor LG:

Esta é claramente uma daquelas situações-limite, de vida ou de morte, comuns em cenários de guerra ou de catástrofe, em que o ser humano é obrigado a fazer escolhas radicais: resistir, lutar, matar, morrer... ou render-se. 

Possivelmente nenhum destes destes nossos camarada, mesmo o angolano Vasco Cardoso (embora nascido em Belém, Lisboa), estava em condições de sobreviver a este brutal acontecimento: acossados como animais, com dois cantis de água (no máximo) e uma ração de combate, possivelmente já com poucoas munições, depois de um violenta emboscada horas depois da saída do quartel (em Fulacunda), impossibilitados de dormir ou descansar, sofrendo de fome, sede, insolação e angústia permanente, desorientados, não conhecendo o terreno (nem muito menos o inimigo) estavam mal preparados para resistir, lutar, sobreviver... Para mais, eram duas unidades de quadrícula, "periquitas"...

Nenhum de nós consegue imaginar-se na pele do alf mil Vasco Cardoso, o militar mais graduado, ou dos seus camaradas que com ele se perderam do grosso das NT...

O Rui A. Ferreira diz que a operação teve início na madrugada de 7 de outubro... Confirmámos, noutro poste [sobre a atividade operacional do BCAÇ 1860]  que a Op Lenda, na zona de Gamol,  subsetor de Fulacunda, teve início nesse dia, e envolveu as CCaç 1420 e 1423. 
(**).

Sabemos o nome de código da operação, mas falta-nos informação mais detalhada... A emboscada terá sido nesse dia. E nesse mesmo dia, à tarde, as NT terão regressado a Fulacunda... onde só então deram conta da falta de seis elementos... Pergunta-se: voltaram ao local da emboscada?... 

Parece que sim, no dia seguinte, realizou-se a Op Busca, envolvendo forças da CCaç 797, 1420 e 1423, na zonas de Gamol e Ganjetrá... Mas as buscas terão sido, segundo o Rui A. Teixeira,  apressadas, incompletas e infrutíferas. Houve ainda, a 18Out65, a Op Ovo, nas zonas de Gamol, Bária e Sancorlá, com forças das CCaç 797, 1420, 1423, 1424 e CCav 677.

A agonia dos nossos camaradas ter-se-á prolongado "durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias" (sic), num trágico jogo do gato e do rato, "em manifesta desigualdade"... 

Quatro dias, quer dizer, 7, 8, 9 e 10... Tudo indica que a última morte, a do alf Vasco Cardoso, terá ocorrido a 10 de outubro de 1965, bem como a rendição do sold José Vieira Lauro.

[Segundo a reconstituição feita por uma equipa do portal UTW - Ultramar TerraWeb - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, a primeira baixa do grupo seria o Fernando Manuel de Jesus Alves, morto no dia 8; a segunda vítima, a 9, terá sido o José Ferreira Araújo; o  Armando dos Santos Almeida, morre a 10; o Armando Leite Marinho, morre a seguir,  possivelmente afogado, também no dia 10; o último a morrer, nesse dia, é o alferes Vasco Cardoso.]

Fica aqui a nossa sentida homenagem a estes camaradas, que tiveram sortes diferentes: 5 morreram (2 alegadamente por suicídio) e um acabou por render-se ao grupo do PAIGC que os perseguiu durante quatro dias (de 7 a 10 de outubro de 1965).



Ficha técnica do livro:

Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2000. [1ª ed., 2000, 2ª ed., 2003; 3ª ed., 2016].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.

Nota biográfica:

1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola
1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.
1965 - Rende, na Guiné-Bissau, o alf mil Vasco Cardoso, dado  como  desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].
1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ 18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].
1973 - Regressa a Angola em outra comissão.
1975 - Retorna a Portugal.
1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir, é ten cor ref.
2000 - Publica, na Palimage, o seu 1º livro, Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra  (***)
2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.
2017 - Lança um 3º livro,  A Caminho de Viseu,  nas instalações do RI 14 de Viseu, e sob a mesma chancela, a Palimage.
2022 - Ano da morte


Guiné > Região de Quínara > Carta  de Fulacunda (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gamol e Ganjetrá, a oeste de Fulacunda.  A norte, o rio Geba, a leste, o rio Corubal. (Em linha reta, de Fulacunda Gamol serão 6/7 km).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003), pp. 37/40 (*). 

(Subtítulos: L.G.;  seleção, parênteses retos, itálic0o, nergritos, revisão / fixação do texto para efeitos de edição no blogue: VB / LG).


(...) Na madrugada do dia sete de outubro [de 1965], lá iniciaram a marcha para o objectivo, de início em bicha de pirilau, uma com a outra logo a morder-lhe os calcanhares.

À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tornando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.

Pausadamente!... Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistolas metralhadoras PPSh) feria os ouvidos e eriçava os nervos.

Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o alferes Vasco Cardoso, diretamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.

−  Tomar posições de defesa!  
gritou o alferes.

 
−  Reagrupar à retaguarda!  −  comandava bem lá de trás o maior da 23 [a CCAÇ 1423], capitão de infantaria [e não de artilharia]  Pita Alves, estratega e comandante-em-chefe da operação.


[Quinta-feira, 7 de outubro de 1965: ] 
Seis homens isolados e perdidos na frente

No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes, o alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.

Por seu lado, ninguém ali conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.

Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.

Isolados frente aos turras,  permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência. 

Nado e criado em África, Vasco Cardoso [alf mil, CCAÇ 1420], era dos elementos mais válidos da companhia. Habituado ao calor e à humidade, entendia-se perfeitamente com o clima e não estranhava o mato. Nele se movia, habitualmente, com o desembaraço dum lisboeta no Chiado. Apaixonado caçador como quase todo o bom africano, este era-lhe familiar. O instinto de conservação levava-o, debalde, à busca de uma qualquer solução.

Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das companhias. Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...

Numa tentativa suicida para inverter a situação, romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.

E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro [da CCAÇ 1423], único sobrevivente daquele grupo, que se pode aquilatar a vastidão do desastre.


Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade.

Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.

Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.

 [Sexta feira, 8 de outubro de 1965: ] 
A  primeira baixa  do grupo

A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.


Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.

Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.

Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.

Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia [sexta-feira, 8 de outubro de 1965], um deles, provocando a primeira baixa no grupo...

O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!...

 
 [Sábado, 9 de outubro de 1965: ] 
A  segunda baixa   


Ao terceiro dia [sábado,  9 de outubro de 1965] caiu o segundo. 

Mais um despojo que para ali ficou esquecido a marcar tragicamente a transitoriedade da vida. Tal como o primeiro,  o seu corpo para ali ficou de qualquer maneira, insepulto.


[ Domingo. 10 de outubro de 1965:] 
O desespero leva a dois suicídios 


No último dia [domingo, 10 de outubro de 1965,] em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora. 

Profundamente deprimido e a caminho da alienação total, pôs termo à vida e ao sofrimento, com um tiro na cabeça.

No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu... para nunca mais ser visto.

 Jaz com certeza morto, algures... E se não teve por benção e por morte o afogamento, serviu de repasto aos crocodilos no que certamente terá sido um final dramático.


[ Domingo. 10 de outubro de 1965:] 
A morte do alferes Vasco Cardoso 
e a rendição do soldado José Vieira Lauro

O alferes foi o último a ser abatido e o soldado Lauro, largou a arma e entregou-se… 

De nada lhe serviria o sacrifício da vida. Teve início então o longo calvário que se seguiu.

A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro. 

A esse angustiante estado de alma se aliava o enorme desconforto motivado pelo receio do desconhecido, agudizado pela incerteza do futuro.

Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato. 

Da fronteira para Conacri, o transporte em viatura, a entrevista com o próprio Amilcar Cabral, a recusa em ler para a rádio Argel, onde alguns compatriotas então brilhavam, fosse o que fosse contra Portugal, a clausura numa prisão, num antigo forte colonial francês, na cidade de Kindia, cerca de uma centena de quilómetros a nordeste de Conacri.

Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler "Maison de Force de Kindia", foi encontrar o 1.° sargento piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.

Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa. (***)

Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado. 

Nesse aspecto e unicamente reportando-me à Guiné, se alguém teve razões de queixa, não foi seguramente a tropa portuguesa. 

O próprio Amílcar Cabral nunca se cansou de afirmar que a luta era contra o Regime Colonialista que então detinha o poder em Portugal e nunca contra o povo português.

Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.

−  Seis! Faltavam seis homens! Dois da [CCAÇ] 1420 (o Alferes Vasco Cardoso e o Soldado-telefonista n.º 1020/64 Armando Leite Marinho) e quatro da [CCAÇ] 1423 (o 1.° Cabo Fernando de Jesus Alves e os Soldados José Ferreira Araújo, Armando Santos e José Vieira Lauro. (...)  (#)
_______

(#) Vd. também CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 1 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pág. 324.

(...) - Sector Sul 1
Em 7 de Outubro de 1965, foi levada a efeito a operação "Lenda" por forças das CCaç 1420 e 1423, constando de um golpe de mão a um acampamento a sul de Gamol; o lN flagelou por 3 vezes as NT, sofreu 6 mortos, tendo sido capturada uma pistola metralhadora.

Na retirada, desapareceram um oficial e 5 praças. Apesar da intensa actividade desenvolvida, quer nessa zona quer nas mais prováveis linhas de trânsito ln para o sul, não foi possível recuperá-los.

Na área de Fulacunda, fizeram-se imediatamente a eguir as operações "Busca", "Ovo" e "Eco".

Em 14Dez, o BCaç 1860, através das CCaç 797 e CCaç 1420, realizou a operação "Onça", na península do Gampará. O ln opôs resistência durante o desembarque das forças da CCaç 797 em Ganquecuta; emboscou por 2 vezes as mesmas forças na região de Gambachicha, causando 3 feridos e flagelou forças da CCaç 1420, perto de Tumaná, sofrendo 5 mortos. As NT
fizeram 10 prisioneiros e capturaram 1 espingarda, 2 pistolas, 2 "longas", carregadores e outro material.

(...) Sobre as duas companhias envolvidas:

A CCAÇ 1420, mobilizada pelo RI 2, partiu para o CTIG em 31/7/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Fulacunda, Bissorã e Mansoa. Comandantes: cap inf Manuel dos Santos Caria; cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil inf Adolfo Melo Coelho de Moura.

Pertenceu ao BCAÇ 1857 (Bissau, Mansoa, Mansabá, 1965/67).

A CCAÇ 1423, mobilizada pelo RI 15, partiu para o CTIG em 18/8/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Bolama, Empada e Cachil. Comandantes: cap inf Artur Pita Alves; cap inf João Augusto dos Santos Dias de Carvalho; cap cav Eurico António Sacavém da Fonseca;

Pertenceu ao BCAÇ 1858 (Bissau, Teixeira Pinto, Catió, 1965/67). (...)
______________


(... ) Comentário do nosso coeditor Virgínio Briote: 

Rui: Ao publicar o artigo que o Santos Oliveira me enviou sobre a história do BCaç 1860, reli o que escreveste sobre o caso dos desaparecidos, que é como a história do Batalhão retrata, rapidamente, o caso.

Duas imagens me saltaram. A primeira, foi a leviandade com que a ausência dos nossos Camaradas foi sentida. Quatro longos dias, abandonados. E o Batalhão  na sua história, neste caso pequena acrescento eu, foge do assunto, de tão notórias lhes são devidas responsabilidades.

A outra é a História que, com base nos depoimentos do Lauro, tu contaste. Como se fosses tu o encarregado de acrescentar a História deles à história do BCaç 1860, para além dos nomes dos desaparecidos com que os escribas da hitória do Batalhão os homenageou.

E é assim, caro Rui, que a tal História, a de todos nós se vai fazendo, já que com as histórias das unidades não iríamos muito longe, se é que queremos contar a tal História com verdade.

Sim, nós sabemos que há sempre duas histórias. A oficial, escrita, e a outra feita destas Histórias, que tão bem descreveste.

Um abraço, Rui, e um obrigado por nos teres possibilitado prestar esta pequena homenagem à memória dos Nossos Camaradas desparecidos, ou mais propriamente abandonados.
vb


(***) Vd. poste de 19 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1972: Prisioneiros de Conacri: Jacinto Madeira Barradas (Alter do Chão) e José Vieira Lauro (Leiria) (Benito Neves)

(...) Um outro camarada.  ex-prisioneiro de Conacri foi o José Vieira Lauro, que já era prisioneiro em Conacri quando o Jacinto Barradas lá chegou (...).

Foi um dos que mais tempo esteve aprisionado e, na prisão, cabia-lhe a tarefa de distribuir a comida pelos restantes prisioneiros. Na maior parte das vezes (segundo o Jacinto Barradas) apenas era distribuído arroz porque, das poucas vezes em que a refeição trazia alguma carne de galinha, esta era roubada pelos guardas.

O José Vieira Lauro vive na região de Leiria - telef. 244 881 695; telem. 919 086 150. (...)


Vd. também poste de 18 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1967: Prisioneiros em Conacri, capa da Revista do Expresso, 29 de Novembro de 1997: o que é hoje feito deles ? (Henrique Matos)

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20836: (De)Caras (151): O soldado José Vieira Lauro, que se rendeu ao IN, em 10/10/1965, em Gamol, Fulacunda, mostrou que afinal havia uma saída, menos gloriosa, era verdade, mas mais esperançosa; de resto, não há guerra que não tenha um fim... (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário de Cherno Baldé,ao poste P20814 (*):

Esta triste acontecimento, do meu ponto de vista, mostra o efeito forte e que pode ser nefasto, do doutrinamento ideológico ou psicológico nos conflitos.

Muitos não concordarão, mas acho que o último soldado [, José Vieira Lauro], em desespero de causa e sem ter a coragem suicida dos colegas, mostrou que, afinal, havia uma saída, menos gloriosa é verdade, mas que permitia continuar a ter esperança, pois, como se costuma dizer, não há conflito/guerra que não termine em paz, assim como não há escravidão que não termine em liberdade.

Mas, isto sou eu a pensar e no ano não menos funesto de 2020.

Com um abraço amigo.
Cherno Baldé

2. Comentário do editor LG:
Capa da 2ª edição (2003),
"Rumo a Fulacunda"


Tinha lançado um desafio aos nossos leitores (*):

"Se fosse eu que estivesse no lugar do alf mil Vasco Cardoso, o militar mais graduado, o que é que eu faria ?"...

Recorde-se que, neste episódio (excerto do lirvo "Rumo a Fulacnda"), o seu autor, o nosso camarada Rui A. Ferreira reconstitui, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o Alf Mil Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, morreu, depois de ver morrer mais quatro homens ... O sexto elemento, o soldado José Vieira Lauro, rendeu-se e foi feito prisioneiro, levado para Conacri e mais tarde, já em 1968, libertado, sendo entregue à Cruz Vermelha do Senegal. Foi o único do grupo que restou, para nos contar esta, que é uma das mais trágicas histórias da guerra da Guiné.

Porventura sinal dos tempos que estamos a viver, cada um de nós confinado na sua "toca", ninguém dos nossos leitores ousou pôr-se na pele do alf mil Vasco Cardoso, que foi o último a morrer, em 10/10/1965, em Gamol, Fulacunda.

Comentário o Cherno, nosso amigo  e irmãozinho, que não foi combatente, mas conviveu, como "djubi" em Fajonquito com as NT... Respondi-lhe nestes termos (*)

(...) "Não posso estar mais de acordo contigo...Mas eu não queria antecipar-me a outros comentários, sobretudo daqueles que foram combatentes, como eu... Percebo o seu "pudor", e até mesmo o seu receio de "dar a cara", meio século depois, o seu receio de serem "julgados" pelos seus pares...

Que Deus, Alá e os bons irãs nos protejam nestes tempos difíceis para todos nós, portugueses, guineenses e restante humanidade." (...)


Antes tinha avançado com o seguinte comentário (*)

(...) "É claramente uma daquelas situações-limite, de vida ou de morte, em que o ser humano é obrigado a fazer escolhas radicais: resistir, lutar, matar, morrer... ou render-se. Mas só em abstracto, podemos, 52 anos depois, pormo-nos na pele de um camarada que sabia que ia morrer...

Este trágico episódio dava um extraordinário "thriller" de ação, se houvesse um realizador de cinema português que tivesse "unhas" para agarrar esta e outras memórias da guerra colonial...

É pena que não haja... Lidamos mal com a memória: só agora, 100 anos depois, se começa a fazer alguma, tímida, investigação historiográfica sobre a "pneumónica" que em 1918/19 terá morto 2% da população portuguesa (que era de 6 milhões)" (...)

domingo, 5 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20814: (De) caras (150): Acossados pelo IN, numa agonia de 4 dias, entre 7 e 10 de outubro de 1965: seis camaradas, da CCAÇ 1420 e CCAÇ 1423, no decurso da Op Lenda, em Gamol, Fulacunda, têm um destino cruel: 3 são abatidos, 2 suicidam-se e o último rende-se (Rui A. Ferreira, ex-alf mil, CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67; e ex-cap mil, CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72)

Rui A.Ferreira, alf mil,  CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)...
Com um chapéu "turra". Cortesia do autor.

1. "Rumo a Fulacunda" era o grito de guerra, muito pouco "guerreiro", da Companhia de Caçadores 1420, em cujas fileiras ingressou o Alf Mil Rui Ferreira, em rendição individual, substituindo um camarada "desaparecido em combate" (,o seu corpor nunca foi recuperado), o Vasco [Nuno de Loureiro de Sousa] Cardoso, nado e criado em Angola, como o Rui Alexandre Ferreira.

"Rumo a Fulacunda" é o título do primeiro livro de memórias do nosso amigo e camarada Rui A. Ferreira, que hoje vive em Viseu, lutando contra uma doença degenerativa, razão por que há anos que não colabora no nosso blogue, onde tem  mais de 70 referências.

Neste livro, conta-nos um cruel episódio de guerra, passado no decurso da Op Lenda,  em Gamol, Fulacunda, em 7 de outubro de 1965, envolvendo as CCAÇ 1420 e CCAÇ 1423. Seis militares, perdem-se do grosso das NT,  dividas em três colunas de progressão, na sequência de uma forte emboscada IN, nesse próprio dia.

O Rui reconstitui, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o Alf Mil Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, morreu, depois de ver morrer mais quatro homens ... O sexto elemento, o soldado José Vieira Lauro, rendeu-se e  foi feito prisioneiro, levado para Conacri e mais tarde, já em 1968, libertado, sendo entregue à Cruz Vermelha do Senegal. Foi o único do grupo que restou, para nos contar esta, que é uma das mais trágicas histórias da guerra da Guiné.

Este episódio já aqui foi publicado, há quase 13 anos atrás (*). Muitos dos novos membros da Tabanca Grande nunca o leram, e o nome do Rui A. Ferreira tende a ficar esquecido. Queremos reavivar esta história, em homenagem às vítimas mortais mas também a quem soube preservar a sua memória (o José Vieira Lauro, sobrevivente e prisioneiro; e o Rui A. Ferreira, que deu a essa memóra letra de forma).

Por outro lado, e no atual contexto de confinamento, resultante da pandemia de COVID-19 e da declaração do estado de emergência, achámos por útil voltar a reproduzir este excerto do livro "Rumo a Fulacunda", agora noutra série, "(De)Caras" (**).

É claramente uma daquelas situações-limite, de vida ou de morte, em que o ser humano é obrigado a fazer escolhas radicais: resistir, lutar, matar, morrer... ou render-se.  Fica aqui o desafio aos nossos leitores, muitos dos quais poderão pôr-se na pele dos nossos infortunados camaradas: "Se fosse eu que estivesse no lugar do alf mil Vasco Cardoso, o militar mais graduado, o que é que eu faria ?"... 

Não, não é um "jogo de guerra", muito menos electrónico... Foi escrito com sangue, suor e lágrimas... Poderia ser um estudo de caso, relevante para a formação humana e militar e que levanta inúmeras questões, do foro militar, ético, jurídico, psicológico, psicotalógico, socioantropológico, filosófico,  etc.

Falta-nos mais informação sobre este episódio e o seu contexto: por exemplo, oficial ou oficiosamente, os nossos camaradas são dados como mortos em 6/10/1965, mesmo sem os corpos terem sido recuperados...

Por outro lado, só mais tarde se terá sabido do aprisionamento do José Veira Lauro... O Rui A. Ferreira diz que a operação teve início na madrugada de 7 de outubro... Confirmámos, noutro poste [, sobre a atividade operacional do BCAÇ 1860],  que a Op Lenda, na zona de Gamol,  subsetor de Fulacunda, teve início nesse dia, e envolveu as CCaç 1420 e 1423.

Sabemos o nome de código da operação, mas falta-nos informação mais detalhada... A emboscada terá sido nesse dia. E nesse mesmo dia, à tarde, as NT terão regressado a Fulacunda... onde deram conta da falta de seis elementos... Pergunta-se:  voltaram ao local da emboscada ?... Parece que sim, no dia seguinte, realizou-se a Op Busca, envolvendo forças da CCaç 797, 1420 e 1423, na zonas de Gamol e Ganjetrá... Mas as buscas terão sido, segundo o Rui A. Teixeira,  apressadas, incompletas e infrutíferas. Houve ainda, a 18Out65, a Op Ovo, nas zonas de Gamol, Bária e Sancorlá, com forças das CCaç 797, 1420, 1423, 1424 e CCav 677.

A agonia dos nossos camaradas ter-se-á prolongado "durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias" (sic),  num trágico jogo do gato e do rato, "em manifesta desigualdade"... Quatro dias, quer dizer, 7, 8, 9 e 10... Tudo indica que a última morte, a do Alf Vasco Cardoso, terá ocorrido a 10 de outubro de 1965, bem como a rendição do sold Lauro.

[Segundo a reconstituição feita por uma equipa do portal UTW - Ultramar TerraWeb - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar,  a primeira baixa do grupo seria  o Fernando Manuel de Jesus Alves, morto no dia 8; a segunda vítima, a 9, terá sido o  José Ferreira Araújo; o  Armando dos Santos Almeida, morre a  10; o Armando Leite Marinho, morre a seguir,  possivelmente afogado, também no dia 10; o último a morrer, nesse dia, é o alferes Vasco Cardoso.]

Fica aqui a nossa sentida homenagem a estes camaradas, que tiveram sortes diferentes: 5 morreram (2 alegadamente por suicído) e um acabou por render-se ao grupo do PAIGC que os persegiu durante três ou quatro dias (de 7 a 10 de outubro de 1965).



Ficha técnica:

Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2000. [1ª ed., 2000, 2ª ed., 2003; 3ª ed., 2016].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.

Nota biográfica:

1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola
1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.
1965 - Rende, na Guiné-Bissau, o alf mil Vasco Cardoso, dado  um desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].
1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ 18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].
1973 - Regressa a Angola em outra comissão.
1975 - Retorna a Portugal.
1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir. é ten cor ref.
2000 - Publica, na Palimage, o seu 1º livro, Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra  (***)
2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.
2017 - Lança um 3º livro,  A Caminho de Viseu,  nas instalações do RI 14 de Viseu, e sob a mesma chancela, a Palimage.



Guiné > Região de Quínara > Mapa de Fulacunda (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gamol e Ganjetrá, a oeste de Fulacunda,  A norte, o rio Geba, a leste, o rio Corubal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


2. Excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003), pp. 37/40. (Subtítulos e comentário: L.G.;  fixação do texto para efeitos de edição no blogue: VB / LG).

(...) Na madrugada do dia sete de Outubro [de 1965], lá iniciaram a marcha para o objectivo, de início em bicha de pirilau, uma com a outra logo a morder-lhe os calcanhares.

À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tornando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.

Pausadamente!...Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistolas metralhadoras PPSH) feria os ouvidos e eriçava os nervos.

Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo Capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o Alferes Vasco Cardoso, directamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.

- Tomar posições de defesa! - gritou o Alferes.
- Reagrupar à retaguarda! - comandava bem lá de trás o maior da 23 [, a CCAÇ 1423], Capitão de Artilharia [ou Infantaria ?]  Pita Alves, estratega e Comandante-em-Chefe da operação.


Seis homens isolados 
e perdidos na frente

No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes, o Alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.

Por seu lado, ninguém ali conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das Companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.

Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.

Isolados frente aos turras,  permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência. Nado e criado em África, Vasco Cardoso [, alf mil, CCAÇ 1420], era dos elementos mais válidos da Companhia. Habituado ao calor e à humidade, entendia-se perfeitamente com o clima e não estranhava o mato. Nele se movia, habitualmente, com o desembaraço dum lisboeta no Chiado. Apaixonado caçador como quase todo o bom africano, este era-lhe familiar. O instinto de conservação levava-o, debalde, à busca de uma qualquer solução.

Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das Companhias. Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...

Numa tentativa suicida para inverter a situação romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.

E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro [, da CCAÇ 1423], único sobrevivente daquele grupo,  que se pode aquilatar a vastidão do desastre.

Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade.

Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.

Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.

As duas primeiras baixas 
do grupo

A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.


Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.

Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.

Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.

Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia [8 de outubro de 1965], um deles, provocando a primeira baixa no grupo...

O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!... Ao terceiro dia [, 9 de outubro de 1965] caiu o segundo. Mais um despojo que para ali ficou esquecido a marcar tragicamente a transitoriedade da vida. Tal como o primeiro,  o seu corpo para ali ficou de qualquer maneira, insepulto.

O desespero leva a 
dois suicídios

No último dia [, 10 de outubro de 1965,] em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora. Profundamente deprimido e a caminho da alienação total, pôs termo à vida e ao sofrimento, com um tiro na cabeça.


No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu...para nunca mais ser visto. Jaz com certeza morto, algures... E se não teve por benção e por morte o afogamento, serviu de repasto aos crocodilos no que certamente terá sido um final dramático.


A morte do Alferes Vasco Cardoso 
e a rendição do Soldado Lauro

O Alferes foi o último a ser abatido e o Soldado Lauro, largou a arma e entregou-se… De nada lhe serviria o sacrifício da vida. Teve início então o longo calvário que se seguiu.

A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro. A esse angustiante estado de alma se aliava o enorme desconforto motivado pelo receio do desconhecido, agudizado pela incerteza do futuro.

Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato. Da fronteira para Conacri, o transporte em viatura, a entrevista com o próprio Amilcar Cabral, a recusa em ler para a rádio Argel, onde alguns compatriotas então brilhavam, fosse o que fosse contra Portugal, a clausura numa prisão, num antigo forte colonial francês, na cidade de Kindia, cerca de uma centena de quilómetros a nordeste de Conacri.

Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler Maison de Force de Kindia, foi encontrar o 1.° Sargento Piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.

Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa. (****)

Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado. Nesse aspecto e unicamente reportando-me à Guiné, se alguém teve razões de queixa, não foi seguramente a tropa portuguesa. O próprio Amílcar Cabral nunca se cansou de afirmar que a luta era contra o Regime Colonialista que então detinha o poder em Portugal e nunca contra o povo português.

Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as Companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.

- Seis! Faltavam seis homens! Dois da [CCAÇ] 1420 (o Alferes Vasco Cardoso e o Soldado-telefonista nº 1020/64 Armando Leite Marinho) e quatro da [CCAÇ] 1423 (o 1.° Cabo Fernando de Jesus Alves e os Soldados José Ferreira Araújo, Armando Santos e José Vieira Lauro. (...) (*****)




Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Senegal > Dacar > 15 de março de 1968 > "[Da esquerda para a direita:] Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco, prisioneiros de guerra portugueses entregues pelo PAIGC à Cruz Vermelha do Senegal, na sede em Dakar."  (Reproduzido com a devida vénia...)

Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44076 (2020-4-5)

______________

(**) Último poste da série > 11 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20724: (De)Caras (122): Carta pungente do Umaru Baldé (c. 1953-2004), um dos meninos-soldados que passaram pelo CIM de Contuboel, entre março e julho de 1969... Era dirigida ao seu antigo instrutor militar, Valdemar Queiroz.

(...) Um outro camarada ex-prisioneiro de Conacri foi o José Vieira Lauro, que já era prisioneiro em Conacri quando o Jacinto Barradas lá chegou (...).

Foi um dos que mais tempo esteve aprisionado e, na prisão, cabia-lhe a tarefa de distribuir a comida pelos restantes prisioneiros. Na maior parte das vezes (segundo o Jacinto Barradas) apenas era distribuído arroz porque, das poucas vezes em que a refeição trazia alguma carne de galinha, esta era roubada pelos guardas.

O José Vieira Lauro vive na região de Leiria - telef. 244 881 695; telem. 919 086 150. (...)


Vd. também poste de 18 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1967: Prisioneiros em Conacri, capa da Revista do Expresso, 29 de Novembro de 1997: o que é hoje feito deles ? (Henrique Matos)


Militares mortos:

Armando dos Santos Almeida, Soldado / CCaç 1423 / 06.10.65 /Fulacunda-Gamol / Ferimentos em combate / Queiriga, Vila Nova de Paiva / Corpo não recuperado.

Armando Leite Marinho, Soldado / CCaç 1423 / 06.10.65 / Fulacunda-Gamol / Ferimentos em combate / Jugueiros, Felgueiras / Corpo não recuperado.

Fernando Manuel de Jesus Alves, 1.º Cabo / CCaç 1423 / 06.10.65 / Fulacunda-Gamol / Ferimentos em combate / Leiria / Corpo não recuperado.

José Ferreira Araújo, Soldado CCaç 1423 / 06.10.65 / Fulacunda-Gamol / Ferimentos em combate / Povolide, Viseu / Corpo não recuperado.

Vasco Nuno de Loureiro de Sousa Cardoso, Alferes / CCaç 1420 / 06.10.65 / Fulacunda-Gamol / Ferimentos em combate / Belém, Lisboa / Corpo não recuperado.

[No portal da Liga dos Combatentes, Mortos no Ultramar, todos estes nossos camaradas continuam a ser dados com mortos,  em combate, no dia 6 de outubro de 1965.]

Sobre as duas companhias envolvidas:

A CCAÇ 1420, mobilizada pelo RI 2, partiu para  o CTIG em 31/7/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Fulacunda, Bissorã e Mansoa. Comandantes: cap inf Manuel dos Santos Caria; cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil inf Adolfo Melo Coelho de Moura. Pertence ao BCAÇ 1857 (Bissau, Mansoa, Mansabá, 1965/67).

A CCAÇ 1423, mobilizada pelo RI 15, partiu para o CTIG em 18/8/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Bolama, Empada e Cachil. Comandantes: cap inf Artur Pires Alves; cap inf João Augusto dos Santos Dias de Carvalho; cap cav Eurico António Sacavém da Fonseca; pertence ao BCAÇ 1858  (Bissau, Teixeira Pinto, Catió, 1965/67).

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20246: Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Parte I: O ataque ao destacamento avançado, "Rancho da Ponderosa", na tabanca de Ualada, subsetor de Empada


Guiné > Região de Quínara > Empada > CCAÇ 1587 (Cachil, Empada, Bolama e Bissau, 1966/68) > Ualada > Destacamento "Rancho da Ponderosa> O soldado Jorge Patrício, à porta do destacamento. A tabanca terá sido abandonada pela população e o destacamento desativado no segundo semestre de 1968 (, facto a confirmar), na sequência da retração e racionalização  do dispositivo no CTIG, no início do "consulado" de Spínola, altura (2º semestre de 1968/ 1º semestre de 1969) em que foram abandonadas outras posições como Ponta do Inglês, Gandembel,  Ganturé, Cacoca, Sangonhá, Beli, Madina do Boé, Cheche... (Em 2009, o José Patrício vivia em Viseu, já aposentado da função pública.)

O destacamento deve ter sido construído pela CCAÇ 1423 (RI 15, Tomar), que  ocupou o aquartelamento de Empada entre janeiro de 1966 e dezembro do mesmo ano, seguindo depois para o Cachil.  [Foi comandada pelo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves, Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, Capitão de Cavalaria Eurico António Sacavém da Fonseca, de novo Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, e de novo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves. Ostentou como Divisa “Firmes e Constantes”.]


(i)  a CCAÇ 616 (RI 1, Amadora), ocupou o aquartelamento entre abril de 1964 e janeiro de 1966, quando acabou a comissão. [Foi comandada pelo nosso grã-tabanqueiro , de Ferrel, Peniche,   alf mil Joaquim da Silva Jorge,  pelo cap mil inf  Francisco do Vale,  cap inf  José Pedro Mendes Franco do Carmo, de novo pelo alf mil inf Alferes Miliciano  Joaquim da Silva Jorge e cap cav Germano Miquelina Cardoso Simões; ostentou como Divisa “Super Omnia”]M

(ii) segui-se a Companhia de Milícias n.º 6, do recrutamento local, quem ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1965 e Dezembro de 1971, até à extinção da força.

Por informação posterior, do nosso amigo e camarada Joaquim Jorge, ficamos a saber que "quem "fundou e construiu a 'Ponderosa' foi a CCAÇ 616 da qual eu era comandante em 17 de Março de 1965."
Fonte: Cortesia do CM - Correio da Manhã, edição de 4/10/2009. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bolama > Nova Sintra > 1972 > Entrada do quartel dos Duros de Nova Sintra, a CART 2711, 1970/72... É possível que este pórtico, "!Rancho dos Duros", tenha sido inspirado pelos vizinhos,  mais antigos, do "Rancho da Ponderosa", destacamento de Ualada, subsetor de Empada,  ao tempo da CCAÇ 1587 (1966/68).

Foto (e legenda): © Herlander Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagen complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[Foto à esquerda: Manuel Rosa Viegas, ex-Furriel da Companhia de Caçadores, nº 1587, Empada , Catió e ilha do Como, entre 1966 e 1968; vive em Faro; é o mais recente membro da Tabanca Grande, nº 798 (*)]


Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Parte I:  O ataque ao destacamento avançado, "Rancho da Ponderosa", na tabanca de Ualada, subsetor de Empada.


É com profunda nostalgia e tristeza que irei narrar algumas das operações em que colaborei e ataques e flagelações que sofri.

O episódio que irei transcrever em 1º lugar, não é o que mais me marcou psicologicamente, mas sim fisicamente.

Estava colocado em Empada e calhou a primeira vez, juntamente com o meu pelotão , que estava no destacamento avançado,  a cerca de cinco quilómetros de Empada, de nome "Rancho da Ponderosa" (**).

Tinha como finalidade fazer a segurança a uma pequena tabanca [, Ualada, a sudoeste de Empada,]   e ao mesmo tempo servia para resguardar a retaguarda da companhia de Empada.

O Rancho tinha uma circunferência de duzentos metros aproximadamente , e era ladeado de abrigos . Ao aproximar-se o sol posto e após os soldados terem jantado , aproximei-me deles e disse-lhes para iram para os abrigos , mas alguns deles não gostaram muito e um deles ainda disse “ o furriel Viegas é sempre o mesmo” , e três ou quatro por represália foram para a capelinha que lá tínhamos.

Acabei por me dirigir a eles diplomaticamente e fazer-lhes ver que estava na hora do inimigo atacar, a muito custo abandonaram a capelinha , tendo ficado para trás o Manuel dos Santos , que por coincidência era dos que com quem eu me dava melhor . A capelinha ficava junto ao abrigo do morteiro 81, passados alguns minutos dos soldados se retirarem para os abrigos , quase simultaneamente, atacaram-nos de norte para sul com canhões sem recuo , talvez tenha sido a primeira vez que utilizaram os mesmos.

Entretanto eu saltei para o buraco do morteiro , e o Manuel dos Santos rastejou até ás granadas que estavam próximas do morteiro , mas tanto ele como eu não tínhamos experiência de mandar as morteiradas , foi a nossa sorte, a falta de experiência , estas caíram próximas dos nossos abrigos onde eles estavam a alvejar o aquartelamento. Além das granadas que lhes caíram em cima, os dos abrigos responderam com todo o material que tinham.

O ataque não demorou muito, cerca de vinte minutos,  eles foram bastante flagelado, deixando algum material abandonado na sua retirada .

Uma das granadas caiu no aquartelamento , em cima da mesa do refeitório onde tínhamos acabado de jantar, os pratos, os púcaros e os tachos ficaram todos furados.

Eles estavam preparados para dar um golpe de mão, e matar-nos a todos, só que as coisas correram mal para eles, para nosso bem. Só com um senão da nossa parte que fica para toda a vida,  o Manuel dos Santos ficou surdo oito dias e eu fiquei surdo de um ouvido, e tanto ele como eu ficámos com um zumbido para toda a vida.

PS. - Supomos que eles tinham tudo planeado para dizimar o Rancho do Ualada ("Ponderosa") , porque nessa mesma noite eles anunciaram na rádio que tinham feito uma limpeza total e só se safou um cão.

Aproveito para dizer que a minha companhia até ao dia do embarque trouxe três flâmulas de ouro, salvo erro quem trouxe mais do que nós foram os paraquedistas  [, do BCP 12,] com cinco.

Manuel Rosa Viegas,
ex-fur mil, CCAÇ 1587 (1966/68)



Guiné > Região de Quínara > Carta de Empada (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Empada e, a sudeste, Ualala.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
_____________

Vd. postes de 


(...) Houve uma Companhia que em memória da célebre série da TV, "Bonanza",  fez um pórtico com o nome "Rancho da Ponderosa" e este vingou, ficando a ser conhecida por todo o branco como Ponderosa. 

(...) Em 1969 a Tabanca [, de Ualada, a sudoeste de Empada) ] estava deserta. Tinha sido abandonada e a população recolhida em Empada. Como tinha um bolanha muito produtiva, a população ia todos os dias para lá trabalhar nos campos de arroz e a minha Companhia fazia deslocar 2 Secções para o local, no sentido de proteger a população. Algumas das fotos que te envieiforam tiradas lá (, uma em cima de um bagabaga, pro exemplo). Vou ver se consigo um foto que já vi,  com o pórtico do Rancho da Ponderosa. (...)

9 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10643: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/68) (Parte V): O subsetor de Empada

(...) Ualada era uma tabanca junto à bolanha do mesmo nome, e junto à qual existiu um destacamento defendido por 2 grupos de combate. Tendo o destacamento sido abandonado e destru[ido pelas nossas tropas, a população de Ualada refugiou-se em Empada. (...)

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20216: Tabanca Grande (486): Manuel Viegas, algarvio de Faro, ex-fur mil, CCAÇ 1587 (Cachil, Empada, Bolama e Bissau, 1966/68)... Senta-se à sombra do nosso poilão, sob o nº 798. Padrinho: José António Viegas, régulo da Tabanca do Algarve.


Lisboa > T/T Uíge > 30 de junho de 1966 > CCAÇ 1587 > Partida para o TO da Guiné. O primeiro da esquerda é o fur mil Manuel Viegas, novo membro da Tabanca Grande. Ao fundo, vê-se a ponte sobre o rio Tejo, na véspera de sua inauguração (em 6 de agosto de 1966).

Foto (e legenda): ©: Manuel Viegas (2019). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


1. Mensagem do nosso camarada José António Viegas, um dos régulos da Tabanca do Algarve,  membro da Tabanca Grande, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54, tendo passado por vários "resorts" turisticos erm 1966/68  (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura,  colónia penal):

Data: segunda, 7/10/2019 à(s) 16:17
Assunto: Pedido de inscrição no blogue

Pede-me o meu Camarada,  ex-Furriel Manuel Rosa Viegas, para aderir ao blogue pelo qual junto alguns dados.

"Manuel Rosa Viegas, ex-Furriel da Companhia de Caçadores,  nº 1587, Empada , Catió e ilha do Como, entre 1966 e 1968-

"Junto envio uma foto actual  [, acima , à esquerda], e outra do dia do embarque no Uige em 30 de julho de 1966. "Sou o 1º da esquerda",diz ele. "De futuro contarei algumas histórias desta viagem á Guiné.  Cumprimentos. Manuel Viegas".


2. Comentário do editor Luís Graça:


Obrigado, Zé Viegas. E obrigado, Manuel Viegas, por quereres vir engrossar as fileiras da Tabanca Grande. 

Vejo pela página do Facebook que o nosso novo membro da Tabanca Grande, a quem reservei o nº 798, é algarvio de Faro, Andou na escola Escola Secundária Tomás Cabreira, e trabalhou na hotelaria, na Quinta do Lago.

Devidamente apadrinhado pelo Zé Viegas, o Manel fica muito bem sentado, à sombra do nosso poilão, para mais sendo o único representante, ao fim de mais de 15 anos de existência do nosso blogue, da CCAÇ 1587 (!!!)....

De facto, temos menos de meia dúzia de referências a esta subunidade, e até agora não havia quem a representasse. De acordo com os elementos disponíveis na nossa base de dados (*), sabemos o seguinte a respeito da CCAÇ 1587:

(i) teve como Unidade Mobilizadora o RI 2 (Abrantes);

(ii) o Comandante foi o cap mil inf Pedro Eurico Galvão dos Reis Borges;

(iii) embarcou em 30 de junho de 1966, no T/T Uíge, e regressou em 9 de maio de 1968;

(iv) Síntese da atividade operacional:

Em 6 de agosto de 1966, foi colocada em Cachil, a fim de efectuar uma Instrução de Adaptação Operacional com a CCAV 1484 e seguidamente efectuar a rotação com esta subunidade.

Em 8 de setambro de 1966, assumiu a responsabilidade do referido subsector de Cachil, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 1860.

Em 20 de novembro de 1966, por troca com a CCAÇ 1423, iniciada a 21 de Novembro de 1966, assumiu a responsabilidade do subsector de Empada, com um pelotão destacado em Ualada, no sector do mesmo Batalhão e depois do BART 1914.

A partir de 29 de novembro de 1967, tomou parte na Operação Quebra Vento, com vista à construção do destacamento de Gubia, guarnecido por um dos seus pelotões, a partir de 24 de dezembro de 1967.

Em 24 de janeiro de 1968, foi rendida no subsector de Empada pela CCAÇ 1787, tendo seguido, temporariamente, para Bolama, a fim de efectuar a segurança e protecção da visita presidencial.

Em 13 de fevereiro de 1968 foi colocada em Bissau, na dependência do BCAÇ 2384, onde substituiu a CCAÇ 2313 na segurança e protecção das instalações e das populações.

De 8 a 15 de maio de 1968, após chegada parcelar da CCAV 1615, foi rendida sucessivamente por esses efectivos, recolhendo então a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

(v) Tem História da Unidade [Caixa nº. 70 – 2.ª Div/4.ª Sec. do Arquivo Histórico Militar, Santa Apolónia – Lisboa]

Este resumo também consta do Livro do Estado-Maior do Exército – Comissão para o Estudo das Campanhas de África 1961-1974, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, 7.º Volume, Tomo II Guiné, pág. 358.

Camarada, Manel Viegas, ficamos à espera das tuas fotos e memórias. Muita saúde e longa vida, para poderes usufruir da nossa amizade e camaradagem, aqui na terra, que no céu (dos amigos e camaradas da Guiné) esse privilégio  já está garantido... (**).

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Notas do editor:


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15780: Consultório militar do José Martins (18): Forças Militares Portuguesas que passaram por Empada

1. Em mensagem do dia 8 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), a propósito da consulta feita ao Blogue pelo nosso leitor Umaru Sambu, que deu origem ao P15720, enviou-nos a relação das Unidade Militares que passaram por Empada.


Dizia-nos Umaru Sambu na sua mensagem de 6 de Fevereiro:

Sou guineense, natural de Empada, maior de 60 anos de idade, vivo em Portugal desde 1986, filho de Bacar Sambu, antigo Soldado Miliciano em Empada, e sobrinho do antigo Comandante Miliciano Bajo Sambu, falecido em combate em 1963.

Este meu tio, Bajo Sambu, passado algum tempo depois da sua morte, como tinha deixado dois filhos menores, entre cinco e seis anos de idade, por qualquer motivo, foi-nos comunicado, na altura, que dentro da companhia de militares portugueses que tinham estado em Empada na altura da morte trágica dele, estavam Bissau, na capital, de partida para a metrópole e que tinham requerido para trazerem um dos filhos deste meu tio, nomeadamente o filho mais velho que tinha na altura 6 anos de idade, cujo nome era Infamara Buli Sambu, que assim foi.

Na altura o pedido foi aceite do imediato, porque como sabe naquela altura era mesmo perigoso viver naquela aldeia de Empada por causa dos ataques dos rebeldes. Não sei como foi feito o processo da vinda dele mas de facto foi trazido por uma companhia que antecedeu a companhia de Cap. Borges, Os Maiorais.
[...]

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Guiné-Bissau > Região de Quinara > Empada > 1969 > Parque da Oficina Auto e no exterior as moranças.
Foto: © Arménio Estorninho


2. Comentário do nosso camarada José Martins:

Parece haver nesta solicitação, alguma confusão de datas.
Trata-se de factos com quase 50 anos e passado com rapazes/crianças muito novas na altura.
Fala-se de ocorrências de 1963 e outras que poderão ter acontecido, pelos factos evidenciados, entre 1966 e 1968.

Segue listagem das unidades e subunidades presentes em Empada, com a origem das mesmas, período em que guarneceram aquele destacamento e os oficiais que exerceram o comando das mesmas.
Exceptuam-se os Pelotões de Morteiro cujo comando só se poderá obter em consulta ao Arquivo Histórico-Militar, caso haja História da Unidade.


Forças Militares Portuguesas que passaram por Empada: 

Companhia de Caçadores n.º 153 (RI 13 – Vila Real), destacou um pelotão que esteve entre Julho de 1961 e Fevereiro de 1963. A companhia foi comandada pelo Capitão de Infantaria José dos Santos Carreiro Curto.

Companhia de Caçadores n.º 84 (RI 1 – Amadora), destacou um pelotão que esteve entre Fevereiro de 1962 e Abril de 1963. A companhia foi comandada pelos: Capitão de Infantaria Manuel da Cunha Sardinha e Capitão Miliciano de Infantaria Jorge Saraiva Parracho.

Companhia de Caçadores n.º 417 (RI 15 – Tomar), ocupou o aquartelamento entre Abril de 1963 e Julho de 1964, quando terminou a comissão. Foi comandada pelo Capitão de Infantaria Carlos Figueiredo Delfino.

Companhia de Caçadores n.º 616 (RI 1 – Amadora), ocupou o aquartelamento entre Abril de 1964 e Janeiro de 1966, quando acabou a comissão. Foi comandada pelo Alferes Miliciano de Infantaria Joaquim da Silva Jorge, Capitão Miliciano de Infantaria António Francisco do Vale, Capitão de Infantaria José Pedro Mendes Franco do Carmo, de novo Alferes Miliciano de Infantaria Joaquim da Silva Jorge e Capitão de Cavalaria Germano Miquelina Cardoso Simões. Ostentou como Divisa “Super Omnia”.

Companhia de Milícias n.º 6, (Recrutamento local), ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1965 e Dezembro de 1971, até à extinção da força

Companhia de Caçadores n.º 1423 (RI 15 – Tomar), ocupou o aquartelamento entre Janeiro de 1966 e Dezembro do mesmo amo, seguindo depois para o Cachil. Foi comandada pelo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves, Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, Capitão de Cavalaria Eurico António Sacavém da Fonseca, de novo Capitão de Infantaria João Augusto dos Santos Dias de Carvalho, e de novo Capitão de Infantaria Artur Pita Alves. Ostentou como Divisa “Firmes e Constantes”.

Companhia de Caçadores n.º 1587 (RI 2 - Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Novembro de 1966 e Janeiro de 1968, seguindo para Bissau. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Pedro Eurico Galvão dos Reis Borges.

Companhia de Caçadores n.º 2381 (RI 2 - Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1969 e Fevereiro de 1970, seguindo para Bissau. Foi comandada pelo Capitão Miliciano Graduado de Infantaria Eduardo Moutinho Ferreira Santos. Ostentou como Divisas “Os Maiorais” e “Pela Lei. Pela Grei”.

Companhia de Artilharia n.º 2673 (GACA 2 – Torres Novas), ocupou o aquartelamento entre Fevereiro de 1970 e Maio de 1971, seguindo para Bissau. Foi comandada pelo Capitão de Artilharia Adolfo Pereira Marques e Capitão Miliciano José Vieira Pedro. Ostentou como Divisa “Leões de Empada”.

Companhia de Caçadores n.º 3373 (RI 1 - Amadora), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1971 e Maio de 1972. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Artilharia Adérito Assis Cadório. Ostentou como Divisa “Os Catedráticos” e “Por Uma Guiné Melhor”.

Pelotão de Morteiros n.º 3020 (RI 2 – Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1971 e Março de 1973.

Companhia de Caçadores n.º 3566 (BC 10 - Chaves), ocupou o aquartelamento entre Maio de 1972 e Abril de 1974, terminando a comissão. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria João Rocheta Guerreiro Rua, Capitão de Infantaria Herberto Amaro Vieira Nascimento e Capitão Miliciano de Infantaria Pedro Manuel Vilaça Ferreira de Castro.

Pelotão de Morteiros n.º 4277/72 (RI 2 – Abrantes), ocupou o aquartelamento entre Janeiro e Agosto de 1973, seguindo para Aldeia Formosa.

Companhia de Caçadores n.º 4944/73 (BII 19 – Funchal), ocupou o aquartelamento entre Junho de 1974 e Setembro de 1974, aquando da retracção das nossas tropas. Foi comandada pelo Capitão Miliciano de Infantaria Mário José de Oliveira Pinheiro. Ostentou como Divisa “Os Galos do Cantanhez”.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15739: Consultório militar do José Martins (17): Arquivos, Bibliotecas e Centros de Documentação - Arquivo Histórico Militar