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terça-feira, 22 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24576: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIII: Morés, Morés!

Guiné > Região do Oio > Olossato > 1966 > Vista aérea do aquartelamento, posta de aviação e povoação.  Foto do áçbum de Rui Silva (ex-fur mil, CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67). Reproduziada no livro do Amadu Djaló, pág. 25.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)


Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves).

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III.


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.



 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIII:

Morés, sempre o Morés: Op Juventude III, 
7-12 de fevereiro de 1972 (pp. 224-228)

 

Dias depois, em princípios de janeiro de 1972, eu e o Tomás Camará voltámos a Morés.

Saímos de Bissau para Mansoa, onde apanhámos uma grande coluna até Bissorã. Aqui, depois de uma curta paragem, prosseguimos para o Olossato[ 1].

Quando chegámos, o comandante da companhia[2] do Olossato apresentou-nos o guia da zona, um homem de meia-idade. Jantámos e começámos os preparativos para a saída, para norte de Morés.

Andámos toda a noite até chegarmos a uma bolanha. Aqui, o guia chamou-nos a atenção de que tinha sido nesse local que perdera um filho, numa vez em que ambos tinham saído a servirem de guias à nossa tropa. Da bolanha víamos a mata de Morés, bem à frente dos nossos olhos.

Quando começámos a atravessá-la, fomos detectados. Durante a travessia e até entrarmos na mata as morteiradas não pararam. O PAIGC devia ter muitas granadas, sempre a fustigar-nos, mas com má pontaria, felizmente para o nosso grupo. Não respondemos ao fogo.

Ao progredirmos na mata vimos um homem a preparar-se para subir uma palmeira, com uma espécie de cabaça que trazia à cintura para extrair vinho de palma.

Quando o homem estava mais ou menos a meio da subida, avançámos na direcção dele e vimos três ou quatro pessoas em fuga. Disparámos meia dúzia de tiros na direcção deles e mandámos o homem descer.

Perguntámos-lhe onde ficavam as barracas e ele respondeu ‘muito longe, é muito longe’. Estávamos detectados há já muito tempo, não havia volta a dar. Eram cerca de 15h00 da tarde. O homem foi andando connosco, enquanto as morteiradas acompanhavam a nossa progressão. Decidimos que ia ficar connosco até ao pôr-do-sol, mas como nos pareceu que o prisioneiro não tinha grande importância acabámos por deixá-lo ir à vida dele.

A seguir rumámos para poente e, das 18 até às 23h00, continuámos a andar em direcção a uma zona, onde a retirada fosse mais fácil. Durante toda a noite, a área continuou a ser batida pelas armas pesadas do PAIGC. E, já de manhã, recebemos ordem do Olossato para retirar.

Quando chegámos ao Olossato, ainda antes do meio-dia, apanhámos a coluna para Bissorã. Tudo correu sem problemas na deslocação e quando chegámos àquela pequena povoação estava uma grande coluna à nossa espera, que nos levou de regresso a Mansoa e depois a Bissau.

Terminou assim, uma operação, sem contacto directo com o IN, mas que serviu para os mais jovens comandos esquecerem a anterior odisseia que ocorreu, dias antes, bem no centro de Morés. Havíamos ainda de voltar.

Não desistíamos. Desta vez, duas companhias nossas dispersaram-se por vários locais da área de Morés. A saída[3] não tinha começado bem. À ida, mais ou a menos a meio do percurso entre Mansoa e Bissorã, uma viatura da coluna pisou uma mina anticarro e tivemos dois mortos[4] e vários feridos, entre os quais um capitão europeu e um soldado[5], que perdeu uma perna.

Depois das evacuações, retomámos o andamento e ainda a pouca distância do local onde tinha rebentado a mina, apeámo-nos e internámo-nos na mata. Guiados por um homem, bom conhecedor da zona, rumámos para nascente, sempre a andar até ao anoitecer. 

Arranjámos um local para passarmos a noite e ao romper da aurora reiniciámos a caminhada em direcção ao objectivo, um acampamento que ficava na zona de Inchula, até que, por volta das 08h00[6], ouvimos barulhos numa área de palmeiras.

Passei para a frente e, com todos os cuidados, fomo-nos aproximando de um homem que estava a preparar o material para tirar vinho de palma. Prendemo-lo e entrámos em contacto com um grupo nosso, onde se encontrava o major Almeida Bruno.

 
– Mantenham o homem aí, que eu quero falar com ele.

Depois de chegar, perguntou-lhe onde se situava o acampamento do PAIGC.

– Muito longe  – respondeu.

Um interrogatório sem resultados, o homem não sabia nada de nada ou dizia sempre o mesmo, que o acampamento era longe demais.

Estavam a ser 09h00 e a nossa presença já devia ter sido notada desde o dia anterior. Uma avioneta esteve a sobrevoar a zona, a nossa presença não era novidade para ninguém. Nestas condições, o major disse-me para o acompanhar a uma tabanca abandonada, para montar a segurança, enquanto chamava os helis. E deu também instruções ao alferes Carolino para se manter emboscado no local onde se encontrava.

O nosso grupo foi caminhando para Sinchã, a tal tabanca abandonada. Enquanto o major pedia o helicanhão estendemos uma tela de sinalização. O heli chegou, o major Bruno entrou no aparelho e, quando estava a ganhar altura, ouvimos tiros e rebentamentos, vindos do local onde estava emboscado o grupo do Carolino, da 2ª Companhia. Tentei o contacto rádio com o Carolino, mas não obtive resposta. O que ouvi, foi ele a pedir uma evacuação mike[7].

Já no ar, o major perguntou-me o que se estava a passar. Respondi que não era nada com o meu grupo, que tinha ouvido o Carolino pedir uma evacuação e que ia tentar saber mais pormenores. Voltei a tentar o contacto com o Carolino até que, finalmente, tive resposta.

Transmiti-lhe que ia tentar progredir na direcção dele e que avisasse os seus homens da nossa aproximação. Quando o encontrei, disse-me que um grupo do PAIGC tinha caído na emboscada.

 Caíram na emboscada e vocês tiveram um morto? E eles?

– Talvez alguém do PAIGC esteja caído ali em frente.

Abrimos em linha e, cautelosamente, fomos avançando até encontramos uma picada. Não vimos nada, nem um único rasto de sangue.

 Como é possível, Carolino, vocês estarem emboscados, não fazerem nenhum morto ao PAIGC e foram vocês que sofreram um morto? Como é possível, Carolino?

Quando estavam emboscados, os homens do grupo do Carolino viram um grupo do PAIGC. Pensaram que era o Djamanca e os seus homens que vinham na direcção deles e um soldado, o Sherifo Canhá, levantou-se e disse-lhes:

– É para aqui!

Levou logo uma rajada que o atingiu com muita gravidade[8].

A seguir recebemos ordem para regressarmos para Mansoa, pelos nossos meios, a pé. Sem esperar mais nada, iniciámos a marcha, até que, por volta das 16/17h00, atingimos a estrada que liga Bissorã a Mansoa. 

Quando a atingimos pedimos por rádio que nos enviassem viaturas. Ficámos surpreendidos com a resposta que nos deram. Que não estava previsto nos planos da operação regressarmos em viaturas e que, enquanto fossemos andando, contactássemos o posto de Braia, onde estava um destacamento das NT, e dizer-lhes que íamos passar lá a noite. Não tivemos outro remédio senão prosseguir a pé até Braia, quase à entrada de Mansoa.

Quando chegámos, o comandante do destacamento lamentou-se, que ninguém os tenha avisado e, portanto, que não estavam a contar connosco. Pediu também desculpa por não ter guardado jantar mas que tinha sobrado uma panela de sopa. Deu um prato para cada um, o que nos caiu muito bem.
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Notas do autor ou do editor literário (VB);

[1] Nota do editor: a cerca de 17 km, a nordeste de Bissorã.

[2] Nota do editor: da CCav 3378.

[3] Nota do editor: 7 fevereiro 1972, operação “Juventude III”.

[4] Nota do editor: 2 feridos graves evacuados para o HM241, onde ainda nesse mesmo dia morreu o soldado comando Issufi Turé e no dia 15 fevereiro o furriel comando Mamadu Saliu Djaló.

[5] Ussumane Seca, DFA.

[6] Nota do editor: de 8 fevereiro 1972.

[7] Morto.

[8] Nota do editor: o soldado comando Serifo Canhá, da 2ª CCmds, foi evacuado para o HM241, onde morreu no dia 11 de fevereiro 1972; a Op “Juventude III” foi dada por encerrada em 12 fevereiro de  1972.

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24493: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXII: Op Safira Solitária, na véspera do Natal de 1971, "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos a sofrerem 8 mortos e 15 feridos graves (pp. 212-224)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23964: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte VII: Tabanca e destacamento de Braia, na estrada Mansoa-Bissorã

Foto nº 1 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > A autoestrada"  (Mansoa-Bissorã)...


Foto nº >1A > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > A autoestrada" (Mansoa-Bissorã)... Ao fundo, do lado direito o fortim de Braia...


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Sem legenda...


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Malta do destacamento a fazer o "tacho"...


Foto nº 3A > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Malta do destacamento a fazer o "tacho"...

Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Vista, do interior, do destacamento com o fortim, ao fundo, do lado esquerdo...


Foto nº 4A > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Vista, do interior, do destacamento com o fortim, ao fundo, do lado esquerdo...


Foto nº 4B > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Vista, do interior, do destacamento  com militares jogando à bola (?)...


Foto nº 5 > Guiné > 
Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia >   A segunda ponte, com miudos a saltar para a água...


Foto nº 6 > Guiné > 
Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia >  Alunos e alunas do posto escolar militar


Foto nº 6A > Guiné > 
Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Alunos e alunas do posto escolar militar.


Foto nº 7 > Guiné > 
Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Alunos e alunas do posto escolar militar.


Foto nº 7A > Guiné > 
Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/d > c. 1970 >  Braia > Alunos do posto escolar militar.

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).

Organização e seleção feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa) e Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971) (médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar).

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Julgamos que já fez, em 2022, os 86 anos. Vive num país africano de língua oficial portuguesa. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971. Os capelães eram, em geral, graduados em alferes, não eram portanto oficiais milicianos. Um ou outro podia do quadro.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa.

Estas são as primeiras de um lote de 24 sobre o destacamento (e tabanca) de Braia, que ficava a noroeste de Mansoa, na estrada para Bissorá. Sobre Braia temos 15 referências no blogue.  

 Desejamos um ano cheio de saúde e de graças ao nosso amigo,  antigo capelão,  José Torres Neves. E obrigado por mais estas "prendinhas". Um abraço também ao Ernestino Caniço que nos vai ajudando a alimentar o blogue com as belíssimas fotos do José Torres Neves (*).


Guiné > Região do Oio > Mansoa  (1954) > Carta de 1/50 mil  > Posição de Jugudul, Mansoa, rio Mansoa, Braia e Infandre. Braia e Infandre ficava na estrada Mansoa-Bissorã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 1 de dezembro de  2022 > Guné 61/74 - P23834: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte VI: Bissá: as últimas fotos do destacamento e tabanca balanta

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23346: Notas de leitura (1455): "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac; Europa Editora, 2022 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2022:

Queridos amigos,

Permitam-me justificar a minha incredulidade face à leitura desta narrativa. Passado meio século, manda a sabedoria do perdão que acompanha os velhos, há ressentimentos, azedumes e horas más que passam para a categoria dos desperdícios. Irineu Mac apresenta-se como uma exceção, di-lo frontalmente: "Toda a guerra depois de finda ainda vive em nós. Uma guerra não acaba enquanto houver um último sobrevivente e enquanto os familiares ou amigos que sofreram danos colaterais tiverem memória. Aqui são retratadas as vivências de um miliciano, em jeito de alter ego, forçado a entrar numa guerra de causas e motivações alheias em condições muito adversas".

 É uma narrativa confessional, onde a guerra propriamente dita e a sua relação com os outros merece escassos parágrafos, no entanto, terá vivido uma experiência bem dura em territórios marcadamente hostis em derredor de Mansoa, foi cofundador e professor na escola regimental de Mansoa, voluntariou-se na escola primária da aldeia na preparação para exames de 4ª classe, são assuntos tratados de raspão, questionamos porquê, numa narrativa onde o timbre é dado pelos tais azedumes e recordações de que a idade nos liberta, tal como ele observa nos encontros de ex-combatentes teimamos nesta bonomia de avançar para o outro de braços abertos.

Um abraço do
Mário



Lembranças da CCAÇ 15 (1970-1971), com amargores e ressentimentos

Mário Beja Santos

É cada vez mais raro encontrar nas obras de cunho memorial sobre a guerra colonial algo que fez parte da 1.ª fase deste ramo literário: os ajustes de contas, a revolta incontida pelos comportamentos militarões, o azedume pelo facto da tropa ter impedido os estudos, a catilinária sobre a absurdez e a perversidade daquelas guerras. A idade e o peso da memória fazem outros escrutínios, é aquela sabedoria em que o fel e a bílis já não têm papel na nossa vida. "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac, Europa Editora, 2022, é uma história pessoal de um furriel miliciano que pertenceu à Companhia de Caçadores Nativos, a 15, sediada em Mansoa. 

Revela que lhe interromperam os estudos, que o mundo desabou à sua volta, estava preste a concluir o 7.º ano de liceu. Quando regressou era uma amostra de si próprio, pesava 54kg com 170cm de altura, já tinha os dois irmãos mais velhos nas penas de África, ainda hoje não consegue esquecer o olhar de despedida e a compaixão de familiares e amigos quando lhe disse que ia para a Guiné. A guerra não acabou para Mac. É a vivência na Guiné que ele vai relatar. Antes, porém, conta-nos que estudou num colégio privado, chegou o dia mais infeliz da sua vida, assentou praça nas Caldas da Rainha, confessa que nunca foi capaz de abrir o baú e deixar que as memórias viajassem pelo mundo fora. Agora, já está mais descontraído, fala-nos da sopa intragável, dos treinos nas serranias laterais ao rio Séqua, estava desarranchado, tinha um companheiro de quarto que acabou por desertar. 

“As atitudes danosas e injustas da tropa, deixaram ao Mac marcas desagradáveis e de aversão, ainda hoje, à flor da mente e dentro da pele”.

Irineu Mac esboçou a arquitetura sobre a forma de diálogos com o amigo, há pergunta e resposta, e depois de se falar em classificações do curso, ei-lo que parte em rendição individual para CCAÇ Nat 15. 

“O mundo de Mac sofre um segundo terramoto. Faliram os projetos, desabaram os sonhos. Nunca mais o futuro se escreveu da mesma maneira”

E parte, em estado lúgubre, em 3 de fevereiro de 1970. Dá-nos a nota de rodapé a composição do quadro de oficiais, sargentos e praças oriundos da metrópole, juntam-se todos em Bolama, onde diz que as condições de vida eram péssimas. E partem para Mansoa, descobre que não pode vir a férias até à metrópole por ter 8 dias de prisão no cadastro, coisas que se passaram em Tavira, tudo má sorte. Tira carta de condução de mota. Foi forçado a ir votar num cidadão qualquer, coisas de eleições do Estado Novo. Conta a história de uma cobra que se escapuliu para um buraco da bota, segue-se um rol de peripécias, mete caça, comida, a vida em Cutia tinha as suas durezas. Não se escapa às considerações erótico-sexuais. Não lhe escapou à memória uma encenação feita para jornalistas estrangeiros, um simulacro de combate na mata, uma autêntica montagem cinematográfica. Há acidentes com armas, fala-se de ataques de abelhas.

Nova confissão, há ressentimentos que pesam: 

“Mac foi impelido para a tropa pela intimação, pela força da lei e dos homens dominados, pela obsessão na qual não navega a razão. Ainda tentei, por duas vias, adiar a tropa para a incorporação seguinte. Em especial porque queria muito concluir o ano letivo. Nunca obtive resposta. Voltei com a guerra às costas. Sem bater à porta, fez-se de convidada, entrou sem autorização e sentou-se à mesa da vida. Enquanto a malária, de febre em riste, entrava pelo postigo, pelas frestas das janelas e pelos interstícios dos telhados. Mas não penses que foi fácil regressar. Inventavam atrasos atrás de adiamentos. Já nos íamos adentrando pelo 25.º mês e ainda não tínhamos sido substituídos. Quanto mais o tempo passava, mais o medo aumentava e a coragem e a vontade de arriscar escasseavam. Ninguém queria morrer ao quebrar da onda na areia”.

Há referências esporádicas a operações, patrulhamentos, situações de fogo cruzado. E vem a história de Zé Mamede que em outubro de 1970 abalou de Mansoa em direção ao seu destacamento, Infandre. Chegou notícia cerca do meio-dia de ter havido uma emboscada entre Braia e Infandre, foi logo gente em auxílio. 17 feridos, 10 mortos, entre eles o Zé Mamede. O alter ego de Mac pergunta-lhe se o Zé Mamede deve ser homenageado enquanto heróis, resposta do Mac: 

“O Zé Mamede não é herói. É uma vítima, mortal, inocente, de estratégias alheias e inconsistentes das ideologias reinantes. O Zé é uma vítima de ambições de grandeza desproporcionadas, ultrapassadas e nefastas. O Zé é uma vítima da ambição errónea e condenável de outros. Da opção do orgulhosamente sós”.

Mais adiante, sentencia: 

“Jamais psicólogo algum ou alguma psiquiatria salvará do trauma a quem matou mesmo para sobreviver”.

O alter ego de Mac tem acesso à sua correspondência: 

“A solidão é a minha companheira. Oh esperança, não me abandones! Fica comigo. Agora. Alimenta e alenta a minha vida em frágil equilíbrio sobre o gume das armas. Agora.”

Escreveu poesia. Em jeito de rememoração, dá-nos a saber que fazia parte da estratégia de Spínola formar companhias de caçadores nativos de elite, Mac integrou uma força operacional, atuou nas matas cerradas. Deu trabalho, mas ao fim daquele tempo todo, foram metidos num avião, regresso a Lisboa. Ficamos a saber que entre a tropa metropolitana e os soldados africanos houvera solidariedade devido à luta vital conjunta que se travava. E descreve demoradamente as peripécias do regresso. Confessa ao seu alter ego: 

“Não tenho estátua, mas tenho um louvor e uma insígnia. Não me perguntes como nem porquê. Nem sei bem responder. O que posso garantir é que, decerto, não foi pela minha valentia ou por qualquer ato de heroísmo. Acredito que possa ter sido por me voluntariar a instaurar uma escola regimental para os soldados africanos aprenderem a ler. E isso bastou-me para obter benefícios propinários, deu-me direito a isenção de propinas extensível aos filhos. Cumpri deveres porque me sujeitei a eles. Também não abdiquei daquele direito. Contudo, preferia não os ter tido”.

Despede-se do leitor, desta vez sem azedumes nem ressentimentos:

“A guerra tira, mas também dá. Enobreceu em nós o espírito de entreajuda e o sentido da amizade. Continuamos unidos pela amizade construída sobre a solidariedade vivida nas matas do Oio, do Olossato, do Morés, do Changalana, do Locher. Eu sei que, ainda hoje, essa união se mantém na trajetória de muitos ex-combatentes. Eu sei porque tenho observado muitos dos seus almoços-convívios. Paro, sempre extasiado pelos abraços emotivos que vejo”.

Vista parcial do destacamento de Cutia. Foto: César Dias, com a devida vénia
Localização do destacamento de Cutia

Crachá da CCAÇ 15

Estandarte do CCAÇ 15
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23341: Notas de leitura (1454): “La fin de l’empire colonial portugais, Témoignages sur un dénouement tardif et tourmenté”, por Éric e Jeanne Makédonsky; L’Harmattan, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 7 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18498: Tabanca Grande (462): António Lopes Pereira, ex-1º cabo atirador de infantaria, 4º Gr Comb, CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Braia e Infandre, 1970/1973): tem um café e restaurante no Porto e vive em Matosinhos; passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 771


António Lopes Pereira, ex-1º cabo atirador de infantaria, 4º Gr Comb, CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Braia e Infandre, 1970/1973)


Hoje é proprietário de "Le Café de Paris", na Praça do Marquês de Pombal, Porto; vive na Senhora da Hora, Matosinhos.


1.  Mensagem do nosso camarada e novo grã-tabanqueiro nº 771, António Lopes Pereira

Diamantino Rafa Pereira 

Data: 5 de abril de 2018 às 16:44

Assunto: António Lopes Pereira

Uma boa tarde,  Luís Graça.

Já tive oportunidade de entrar em contacto consigo no passado.(*)

Encontro-me actualmente a morar em Matosinhos e a trabalhar no Porto, onde sou proprietário de um estabelecimento de restauração.

Venho saber qual seria a sua disponibilidade em deixar o meu perfil, morada e contacto no seu blogue, com o intuito de contactar e ser contactado por ex-companheiro meus.

Venho também lhe pedir se tem a disponibilidade em fornecer os meus dados ao ex-1º Cabo Germano Santos, que cumpriu missão na Guiné, em 1970/73, na CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832 com a finalidade de entrar em contacto comigo.

A minha procura tem se revelada uma árdua tarefa ao longo dos anos, e sem a sua preciosa ajuda, não tenho como atingir os meus objectivos.

Espero que tenha em atenção o meu pedido e deixo toda a informação necessária.

António Lopes Pereira
Ex-1º cabo atirador da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Braia e Infandre, 1970/1973

Morada: [...] Senhora da Hora, Matosinhos.

O meu estabelecimento fica localizado na Praça do Marquês nº 114, Porto.

"Le Café de Paris".

Contactos: tem + 351 911 024 688 | telef . + 351 225 021 421

Obrigado desde já pela sua ajuda.


Guiné > Região do Óio > Mansoa > CCAÇ 3305 )1970/73) > "Aqui, em 1972, entrada do quartel de Mansoa onde passei alguns meses da minha juventude fazendo parte de uma guerra que não era a minha pois tudo fiz para fugir a esta guerra mas tudo me correu mal. Porra, 25 meses foi muito tempo, passámos fome, passámos sede, fomos picados pelos mosquitos, vivíamos com o medo de perder a vida a qualquer momento, fizemos coisas mas tivemos que lidar com situações para as quais não estávamos preparados. Desde então nunca mais fomos os mesmos, as feridas cada dia que passa se agravam, foi um preço muito alto" (...).


Guiné > Região do Óio > Mansoa > Braia > CCAÇ 3305 )1970/73) > Aqui junto à velha ponte de Braia, estas mulheres com redes apanhavam os peixes que ficaram encurralados nos locais mais fundos do rio sendo as principais fontes de alimento para toda esta gente que passava fome e que vivia sempre com o medo de sere apanhada no fogo cruzado porque sempre que houvesse um ataque ao aquartelamento as suas casas ficavam em fogo eram sempre os civis que apanhavam por tabela?


Guiné > Região do Óio > Mansoa >  CCAÇ 3305 )1970/73) > s/l > s/d > À civil,  junto de população balanta.

Fotos (e legendas): © António Pereira Lopes (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


2. Resposta do editor Luís Graça:

Camarada Lopes Pereira: interpreto o teu pedido como a aceitação do nosso convite, aberto de resto a todos os camaradas que passaram pelo TO da Guiné, de 1961 a 1974, para ingressares na nossa Tabanca Grande. Contigo passamos a ser 771 os camaradas e amigos da Guiné, formalmente registados nesta rede social de antigos combatentes.

O teu pedido vem em nome de Diamantino Rafa Pereira, que presumimos seja teu filho. Vamos tomar boa nota deste endereço de email para futuros contactos. Muitos camaradas da Guiné não têm endereço de email e, em muitos casos, não acedem sequer à Internet. É um problema geracional.

Já em 2014, o nosso coeditor Carlos Vinhal, que mora em Leça da Palmeira, te tinha escrito o seguinte:

(...) "Na nossa terra (Matosinhos) realiza-se anualmente, no primeira sábado do mês de Março, o almoço dos ex-combatentes da Guiné. Temos inscrito um camarada de Santa Cruz do Bispo com o nome de António Lopes Pereira Gomes. Se não fores tu, ficas desde já a saber da nossa iniciativa. Voltando ao Blogue, o nosso Editor Luís Graça disse-me para te convidar para aderires formalmente à nossa tertúlia. Se quiseres então fazer parte desta família de ex-combatentes da Guiné, basta uma mensagem tua a confirmar a tua adesão, e se quiseres, o envio de uma pequena história passada contigo, seja em Mansoa, Infandre ou Braia, acompanhada de fotos que tenhas." (...)

Na altura diversos camaradas que passaram por Mansoa, deixaram comentários ao teu pedido. Destaco, por exemplo, o do ex-cap mil Jorge Picado, cmdt da CCAÇ 2589:

(...) "Bem vindo,  António Pereira, a esta Tabanca, que não sendo as de Infandre ou de Braia, é uma Tabanca Grande que engloba todos os camaradas da Guiné que nela desejam conviver.  Espero e desejo que te sentes connosco sob as ramadas do Grande Poilão que nos resguarda, enquanto contamos e relembramos tempos passados, tal como faziam os Homens Grandes dos diversos lugares que cruzámos. Por mim, que "entreguei" a área que percorreste, quando vocês chegaram em Fevereiro de 1971, muito gostaria de tomar conhecimento das tuas memórias e rever fotos que possuas, não só de Mansoa, mas sobretudo de Infandre e Braia." (...)

Vejo que tens página no Google Mais, com diversas fotos do teu tempo de Guiné. Aproveito duas ou três, com as tuas legendas. Ficas devidamente apresentado à Tabanca Grande, sentas-te no lugar n.º 771 (**) e vamos pôr-te em contacto com o teu e nosso camarada Germano Santos. Ele e o saudoso França Soares (1949-2009) são as únicas referências que temos (pouco mais do que uma dúzia) à tua CCAÇ 3305.
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16733: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (23): Ainda a história rocambolesca do David Costa, meu camarada, que terá sido capturado pelo PAIGC em 17 ou 18 de maio de 1967, entre Mansoa e Braia, e que andou desaparecido 3 a 4 meses... (Jorge Lobo, ex-1º cabo at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68)


Guiné > Mapa geral da província > Escala 1/500 mil (1961) > Posição relativa de Mansoa e Braia (NT) e Iracunda e Morés (PAIGC). O David Costa que saiu do quartel de Mansoa por volta das 15h do dia 17 de maio de 1967, terá seguido, sem rumo, na direção de Braia (onde havia um destacamento das NT) e sido intercetado nesta região, mais tarde,  por forças do PAIGC que o levaram até à base do Morés e depois para o Senegal, Ziguinchor, onde terá conhecido o médico, português, desertor, e militante do PAIGC, Mário Pádua.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


1. Comentário do nosso camarada Jorge Lobo ao poste P16721 (*)

Relativamente ao comentário que a nossa Tabanca Grande fez ao poste do  Jorge Araújo, eu gostaria de acrescentar algo ao que eu próprio já tinha cá escrito sobre a deserção do David Costa.(**)

Ora bem, depois da cena da carta com a fotografia que alegadamente teria sido enviada pela namorada de um camarada do David, de nome, Chantre, 1º cabo enfermeiro da Cart 1660, o David acabrunhado com a situação decidiu sair do quartel de Mansoa vagueando pelos arredores
da vila até se perder no terreno.


1º cabo at art, Jorge Lobo, CART 1660 (Mansoa, 1967/68),
subunidade que esteve adida aos BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912.
Tem um pequeno blogue, com 9 postes publciados
desde 2011, Guiné 1967/1968. Vive em Corroios,. Setúbal,

Eu estava na caserna no momento em que começou a sua odisseia, isto em 17/05/1967. A sua saída do quartel aconteceu por volta
das 15 horas,   logo após a distribuição do correio....

Entretanto, anoiteceu e deduzo que o David se tenha desorientado seguindo a estrada na direção de Braia [- Infandre-Bissorã].

Pelo que ele conta no seu livro, viu as luzes do quartel de Braia (?) ou então Cutia, mas decidiu não arriscar a entrar dentro do arame farpado.

Sou de opinião que o pessoal das tabancas na saída de Mansoa-Braia colaboraria com os guerrilheiros do PAIGC e,  ao ver aquele militar fardado, só e desarmado,  a sair da vila, provavelmente comunicou isso ao PAIGC. Tê-lo-iam seguido durante a noite, penso que o local da captura não seria muito longe do quartel, talvez entre Mansoa e Braia.

Os guerrilheiros do PAIGC teriam capturado o rapaz [, já no dia 18 de maio de 1967,]  tendo-o levado para a zona de Morés e arredores, nomeadamente para Iracunda,  perto da estrada que liga Bissorã a Mansabá. É uma região que conheço bem devido a várias emboscadas e ataques que lá fui fazer com a Cart 1660.

O rapaz, após a sua captura teria estado em alguns acampamentos do PAIGC incluindo na mata de Iracunda perto da estrada Bissorã-Mansabá e onde a minha companhia posteriormente fez um golpe de mão com vário material de guerra apreendido. Iracunda situava-se junto à tal picada, Bissorã-Mansabá, que na altura estava intransitável devido a imensas árvores que o PAIGC atravessou nessa via e que eu próprio constatei em várias operações  em Morés.

De Iracunda o David deve ter partido em direção ao Senegal (Zinguichor), levado pelo grupo do PAIGC, o mesmo grupo que o tinha antes capturado.
  Recordo que o David esteve desaparecido cerca de 3 a 4 meses, período este em que viveu a sua terrivel odisseia atravessando a Guiné entre Morés, Zinguichor, etc, odisseia que só ele saberá contar em pormenor.

Sei que depois do seu regresso a Mansoa, ele foi interrogado no quartel Foi até bastante mal tratatado chefe de operações do BCAÇ 1912 ao qual a Cart 1660 estava agregada, tendo inclusive saído com uma das companhias desse batalhão na tentativa de se conseguir que ele os levasse aos locais que antes ele tinha visitado, o que não foi conseguido porque o David compreensivelmente não conseguiu descobrir o seu anterior trajeto até à sua captura.

Segundo o rapaz contou na altura, o regresso dele foi feito através de Dacar, mas também já li por cá outras histórias diferentes em relação ao local onde a avioneta militar o foi buscar no Senegal.

Está correta a data da sua saída do quartel, 17/05/1967.
O caso da fuga do Daniel Alves deve ter acontecido já depois do julgamento do David, ao qual eu assisti, ao vivo.

O meu camarada foi condenado a 2 anos,  um mês e um dia de prisão nos primeiros dias de novembro de 1968, cerca de uma semana antes da CART 1660 ter regressado à metrópole. (***)

Jorge Lobo, 1º cabo Lobo, atirador da CART 1660 (Mansoa, 1967/68).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2016~>  Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)

(**) Último poste da série > 15 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16722: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (22): Quem terá sido o Daniel Alves, "duplamente desertor" ? Primeiro, fugiu das nossas fileiras, possivelmente em 1967, e depois das fileiras do PAIGC... Amilcar Cabral, traído e preocupado, escreveu: "O Daniel Alves conseguiu enganar a malta (sic) e fugiu em Dacar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos"....

(***) Sobre o caso do David Costa, vd. ainda os postes de;

5 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)

27 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7351: Controvérsias (112): David Costa, da CART 1660 (Mansoa, 1966/68): Déserteur malgré-lui ? / Desertor à força ? (Jorge Lobo, ex-1º Cabo, CART 1660)

23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6776: Notas de leitura (133): Desertor ou Patriota, de David Costa (Mário Beja Santos)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13996: Em busca de... (251): António Lopes Pereira, ex-1.º Cabo Atirador do 4.º Pelotão/CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Infandre e Braia, 1970/73), procura camaradas

1. Mensagem do nosso camarada António Lopes Pereira, ex-1.º Cabo Atirador da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Braia e Infandre (1970/73), com data de 30 de Novembro de 2014:

Uma óptima noite desde já. 
Camarada,
Pela primeira vez me identifico como ex-1.ª Cabo António Lopes Pereira do 4.º Pelotão da CCAÇ 3305/ BCAÇ 3832, e estive na zona de Mansoa, primeiro em Infandre, depois em Braia e novamente Mansoa.

Moro em Matosinhos e procuro os meus camaradas.

Foi com profunda tristeza que soube do falecimento do meu maior amigo, o ex-Furriel França Soares.
Foi o meu furriel e andámos sempre juntos do primeiro dia ao último dia. 

Espero que me consiga ajudar na minha procura ou apenas numas palavras com as quais possa ter alguma identificação. 

Aguardo uma resposta sua e agradeço lhe desde já a sua atenção.

Antonio Lopes Pereira

Quartel de Mansoa
Com a devida vénia a BCAÇ 2885

************

2. Comentário do editor

Caro camarada Lopes Pereira, muito obrigado pelo contacto.
Aqui fica o teu pedido para encontrares camaradas da tua Companhia.
Não sei se reparaste mas temos na nossa tertúlia o teu camarada Germano Santos, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 3305. Mando-te o seu contacto por outra via.

Na nossa terra (Matosinhos) realiza-se anualmente, no primeira sábado do mês de Março, o almoço dos ex-combatentes da Guiné. Temos inscrito um camarada de Santa Cruz do Bispo com o nome de António Lopes Pereira Gomes. Se não fores tu, ficas desde já a saber da nossa iniciativa.

Voltando ao Blogue, o nosso Editor Luís Graça disse-me para te convidar para aderires formalmente à nossa tertúlia.
Se quiseres então fazer parte desta família de ex-combatentes da Guiné, basta uma mensagem tua a confirmar a tua adesão, e se quiseres, o envio de uma pequena história passada contigo, seja em Mansoa, Infandre ou Braia, acompanhada de fotos que tenhas.

Deixo-te um abraço em nome dos editores e da tertúlia, com o votos de Boas Festas com saúde e alegria.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13778: Em busca de... (250): Camaradas do Esquadrão de Reconhecimento 2350 (Bafatá, 1966/68), com vista ao próximo Convívio de 2014 (António Bastos)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11417: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (1): Jugudul, onde o PAIGC, em 23/1/1973, provocoiu 6 mortos e destruiu mais de meia centena de moranças



Guiné > Região do Oio (Mansoa) > BCAÇ 4612/72 (1972/74) > Foto nº 1 > Jugudul. Reordenamento. [Não sabemos ao certo a data desta imagem, se é antes ou depois do ataque, referido por António Graça de Abreu: em 23 de janeiro de 1973, em que o PAIGC destruiu mais de meia centena de moranças, ataque de resto confirmado pela consultada à história da unidade].



Guiné > Região do Oio (Mansoa) > BCAÇ 4612/72 (1872/74) > Jugudul > Foto nº 2 >  s/d > Ruínas da tabanca, destruída pelo PAIGC.



Guiné > Região do Oio (Mansoa) > BCAÇ 4612/72 (1972/74) > Jugudul > Foto nº 4 >  s/d > Ruínas da  tabanca, destruída pelo PAIGC.


Guiné > Região do Oio (Mansoa) > BCAÇ 4612/72 (1972/74) > Jugudul > Foto nº 5 > s/ d Ruínas da tabanca, destruída pelo PAIGC.




Guiné > Região do Oio (Mansoa) > BCAÇ 4612/72 (1972/74) > Jugudul > Foto nº 82 > Ruínas da tabanca, destruída pelo PAIGC.


Fotos: © Carlos Alberto Fraga (2013). Todos os direitos reservados


1. Início da publicação do álbum fotoográfico do Carlos Fraga, o mais recente membro da nossa Tabanca Grande (nº 611). Ele esteve em Mansoa, nos últimos meses de 1973, como alf mil, numa espécie estágio operacional, antes de ir comandar uma companhia em Moçambique, já depois de 25 de abril de 1974.

Algumas das fotos do nosso camarada Carlos Fraga já foram aqui publicadas, integradas no álbum fotográfico do Jorge Canhão. Problemas de legendagem têm vindo a ser esclarecidos com o Carlos Fraga que, entretanto, teve a gentileza de nos enviar mais fotos para publicação. Vamos tentar manter a numeração original do seu CD que chegou às mãos do Jorge Canhão e do Agostinho Gaspar, e de que temos uma cópia (parcial, e com numeração diferente). Publicamos hoje imagens da martirizada tabanca de Jugudul.

No seu Diário da Guiné, António Graça de Abreu escreve (Mansoa, 3 de fevereiro de 1973):

(...) "Atravessámos o rio Mansoa de jangada, num lugar chamado João Landim e depois, já não muito longe de Bissau, em Safim, cortámos para a estrada até Mansoa. Três quilómetros antes de Mansoa fica uma aldeia chamada Jugudul onde os guerrilheiros, há dez dias atrás, destruíram cem tabancas acabadas de construir pela NT, destinadas a realojar população. A povoação está num estado miserável, toda a gente fugiu. Isto aconteceu por causa da estrada em construção que começa exactamente no Jugudul, vai até Porto Gole e irá terminar em Bambadinca, uns sessenta quilómetros a leste. As estradas novas, alcatroadas dão sempre problemas, os guerrilheiros tentam obstar à sua construção. "(...).

De acordo com a respetiva história da unidade, o BCAÇ 4612/72, em 28 de novembro de 1972, assumiu a responsabilidade do Setor 4, com a sede em Mansoa,  e abrangendo os subsetores de Mansabá, Mansoa, Jugudul e Porto Gole e, a partir de 29 de outubro de 1973, também o subsetor de Polibaque, então criado para assegurar a protecção e segurança dos trabalhos da estrada Jugudul-Bambadinca. Em Jugudul ficou a 2ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72. No regulado de Jugudul viviam, em 1972, cerca de 1500 habitantes, de maioria balanta.

Em janeiro de 1973, há pelo menos notícia de dois ataques violentos a Jugudul (aquartelamento e tabanca), a  10 e depois a 23, a seguir à notícia da morte de Amílcar Cabral. Nesta última flagelação, além de seis mortos, o IN queimou mais de meia centena de moranças do reordenamento, pronto a inaugurar.

Pode ler-se na história do BCAÇ 4612/72 o seguinte:

(i) (...) Em 102250JAN73 GR IN não estimado flagelou o aquartelamento e tabanca de JUGUDUL com MORT 82, RPG e AAUT durante cerca de 10 minutos, tendo causado mortos 03 (02 colaborantes da defesa),  02 feridos ligeiros (01H e 01C) na população e queimado 06 casas. As bases de fogos IN estavam instaladas: MORT 82 e AATU, em MANSOA 416.59, só AAUT em MANSOA 418.57. Simultaneamente flagelou MANSOA com tiros de Canhão S/R, sem consequências, com bases de fogos na região do CUFAR. Ainda conjuntamente com estas flagelações o IN flagelou o destacamento de BRAIA com 02 tiros de MORT.82 da região de MANSOA 5G2." (...)

(ii) (...) "Em 232350JAN73 um grupo IN não estimado mas bastante numeroso flagelou MANSOA e CUSSANÁ sem consequências. Seguidamente iniciou flagelação ao aquartelamento e reordenamento de JUGUDUL, causando 06 mortos (01 colaborante da defesa), 04 feridos graves e 08 feridos ligeiros à população de JUGUDUL, queimando 54 moranças" (...).


2. Sobre as datas destas fotos, o Carlos Fraga acaba de nos dizer o seguinte, por mail:

"Caro Luís: A tabanca do Jugudul foi destruída no ataque de 23/1/73. Tirei as fotos que te mandei dos restos dessa tabanca. As moranças já estavam construídas,  quando lá estive a substituir as que foram destruídas no ataque. Não sei de que data são as fotos. As câmaras [fotográficas] nessa altura não eram digitais pelo que não tenho as datas. Algumas,  como as das operações,  seria fácil se encontrasse a agenda onde marquei todas as operações quando lá estive ou relendo a história da companhia no período em que estive lá,  também me é possível localizar. Mas fotos assim avulsas podem ter sido tiradas em qualquer dia. Abraço. C. Fraga".

´Consultando a história do BCAÇ 46127/72, verifica-se que o novo reordenamento de Jugudul começou a 7 de março de 1973, e que a construção da estrada Jugudul-Bambadinca era um "espinho" cravado na garganta do PAIGC... Citem-se excertos, relacionados com o setor de Mansoa e o subsetor de Jugudul,  com informações relevantes da "contra-informação" das NT, dando conta de um crescente mal-estar entre a guerrilha que atuava na região (Morés, Sara-Sarauol...).

(...) "Notícia de 10JAN73 refere que terroristas de IRACUNDA e MORÉS, estão muito descontentes por o PAIGC não ter cumprido as promessas ultimamente feitas, de a guerra terminar DEZ72, terão entrado em desacordo com LAMINE SISSE estando este em dificuldades para dominar os ânimos de alguns mais exaltados.

"CHICO BA, um dos mais descontentes, parece que ao ser chamado ao MORÉS para recomeçar as habituais reuniões, teria dado a entender que está farto de pregar mentiras às populações. Em conversa particular com o informador, CHICO BA mostrou-se arrependido por ter fugido de BISSAU há anos, e comentou, pois hoje estaria bem e ao serviço do PAIGC só AMÍLCAR CABRAL vive bem, não correndo os riscos da vida do mato.

"Acrescentou ainda que MAMADU INDJAI e PASCOAL de IRACUNDA, tendo receio de se apresentarem as autoridades portuguesas, seguiram ou esperam seguir para a fronteira abandonando o PAIGC e tratarem da vida no SENEGAL. Além das promessas não cumpridas outros motivos têm provocado grande descontentamento no IN, tais como falta de alimentos, vestuários e não terem os combatentes o mínimo de conforto.

"CHICO BA terá dito ao informador que até final da época seca [virão] muitos chefes do PAIGC apresentarem-se as autoridades portuguesas, incluindo ele próprio.

"Notícia de 10JAN73 refere ter chegado ao QUEREI, onde foi colocado como Comandante efectivo daquela área, o terrorista BASSANTE, da etnia Balanta, natural de IMBUÉ - ENCHEIA. Desconhece-se a sua procedência segundo a origem. UAGNA TCHUDA e MAMASSALI foram transferidos para a área de BIAMBE.

"(…) Notícia B-2 MA 1 12JAN73 refere que em 06JAN73 SALUM TURÉ, chefe de um grupo dependente da base do SARA, foi ao MORÉS pedir homens para atacar os trabalhos da estrada JUGUDUL/BAMBADINCA. JOSÉ, que estava no MORÉS, foi a SANTAMBATO buscar 01 grupo de 45 elementos. chefiados por LIFNE GUADE. Este grupo seguiu para a região do SARA na noite de 07JAN73, tendo cambado a estrada entre CUTIA e MANSABÁ. Neste grupo 27 elementos estão armados com armas ligeiras.

"(…) Notícia de 15JAN73 refere que nas duas últimas flagelações a JUGUDUL, foram orientadas por INFANDA NABENA este participou directamente no último (10JAN73) e com 30 elementos retirados do seu grupo, actuou na estrada em frente ao reordenamento. Segundo a origem, foram nativos de BINDORO que indicaram àquele terrorista o local onde se encontravam os elementos da auto-defesa de JUGUDUL. Notícia de 15JAN73 refere que em reunião recentemente efectuada no MÓRES, orientada por ANDRÉ PEDRO GOMES e a que teriam assistido vários chefes de grupo, entre os quais MARTINHO DE CARVALHO, UAGNA TCHUDA, MAMASSALI e INFANDA NABENA este apresentou como necessária e muito urgente a captura de FERNANDO INDAFÁ CUBALA, Régulo de JUGUDUL, porque nos últimos tempos tem colaborado activamente com as autoridades portuguesas.

"(…) Notícia de 27JAN73 refere que após o falecimento de AMÍLCAR CABRAL foi emitida em CONAKRY uma directiva assinada pelos elementos preponderantes do PAIGC, mandando incrementar actividade IN em todas as frentes de luta. Notícia refere que na última flagelação contra JUGUDUL pelo grupo IN de INFANDA NABENA auxiliados por um grupo de Comandos sob chefia de IRENEU DO NASCIMENTO LOPES. Na retirada o IN sofreu 04 feridos, provocados por uma granada de Obus.

"(…) Será de prever a intenção do IN de tentar por todos os meios evitar ou no mínimo dificultar a abertura da estrada JUGUDUL /BAMDADINCA, cujo traçado vai colidir com zonas onde têm locais de refúgio. A abertura da estrada facilitará a intervenção das NT na região SARA-SARANOL, onde o IN tem implantado um forte dispositivo militar – CE 199/C/70 - pelo que será de esperar uma forte reacção aos trabalhos de abertura, tendo o IN possibilidades de actuar por emboscadas, flagelações, implantação de engenhos explosivos e até por ataques à frente de trabalhos, não esquecendo as intimidações que as Pop vêm de há muito a ser sujeitas.

"(…) Em 07MAR/73 tem inicio a construção do novo reordenamento do JUGUDUL

"(…) Em 09MAR73 SªEX.ªGENERAL GOVERNADOR desloca-se ao JUGUDUL onde presidiu a cerimónia de graduação do Comandante da CMIL do JUGUDUL COBANA INTCHUDA". (...)


segunda-feira, 18 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11271: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (22): A guerra no setor de Mansoa, ao tempo do BCAÇ 4612/72, entre fevereiro e junho de 1973


1. O António Graça de Abreu  esteve em Mansoa, no CAOP1, entre inícios de fevereiro de 1973 e meados de junho de 1973… Foi lá fazer os seus 26 anos. [Foi "apanhado na rede" no 3º ano da Faculdade de Letras, daí a diferença de idade em relação à média etária dos milicianos...].   Em Mansoa conheceu a guerra por perto, mas ainda não teve o seu batismo de fogo, que só chegaria aos 17 meses, em Cufar, no sul, na região de Tombali.

No seu Diário da Guiné (Lisboa: Editora Guerra e Paz, 2007),  o  António Graça de Abreu dá-nos conta do recrudescimento da atividade operacional do PAIGC, no setor de Mansoa,  com  (i)  ataques ao destacamento de Cussaná, nas imediações de Mansoa; mas também às guarnições de (ii) Braia, Infandre, Jugudul e Bissá;  assim como  (iii) emboscadas na estrada Mansoa-Mansabá-Farim e ainda (iv) emboscadas e flagelações na estrada Jugudul-Bambadinca (em construção)… 

O nosso camarada esteve lá, em Mansoa,  no tempo do BCAÇ 4612/72,do Jorge Canhão e do Agostinho Gaspar. Em finais de junho de 1973, o CAOP1 é transferido para Cufar. A 38ª CCmds [, do Amílcar Memdes,] estava nessa altura afeta ao CAOP 1, tendo vindo de Teixeira Pinto para Mansoa, com o António Graça de Abreu e o pequeno staff do CAOP1, que era comando pelo cor pára Durão.   Eis aqui a descrição, no seu diário, de escaramuças entre o PAIGC e as NT, no setor de Mansoa, de que resultarão diversos mortos e feridos.


[Foto à direita: O alf mil António Graça de Abreu,   CAOP 1, junto ao obus 14, Mansoa, 1973. Foto: António Graça de Abreu ]



(...) Mansoa, 3 de Fevereiro de 1973 

As minhas mãos doem, estão inchadas. Tanto trabalho! A cabeça está boa, a laborar em pleno na aprendizagem das novas coisas da guerra.

Carregámos vinte e quatro Berliets com os materiais do CAOP 1 e da 38ª. de Comandos. Tanta tralha, dos armários e secretárias aos dossiers, aos cunhetes de balas! Foi empacotar, levar para as viaturas, chegar aqui, descarregar tudo, conferir o destino de cada peça, instalar.

O Tomé, que também teve de transferir o material das Transmissões – rádios, antenas, sei lá que mais! – dorme sossegado a um metro de mim. Temos um quarto minúsculo, o Cravinho safou-se da mudança, está de férias em Portugal. Quando regressar, vai abrir a boca até à nuca ao saber que tem Mansoa à sua espera.

A viagem correu bem. Saímos de Teixeira Pinto às sete e meia da manhã. Viemos com dois pelotões da 38ª. de Comandos - cerca de sessenta homens, - que nos deram segurança durante o percurso. Vim sentado num Unimog, a meio da coluna, de camuflado, a espingarda entre os joelhos, com bala na câmara. Só entre o Pelundo, Có e Bula era possível uma emboscada. Mas tudo sossegado.

Atravessámos o rio Mansoa de jangada, num lugar chamado João Landim e depois, já não muito longe de Bissau, em Safim, cortámos para a estrada até Mansoa. Três quilómetros antes de Mansoa fica uma aldeia chamada Jugudul onde os guerrilheiros, há dez dias atrás, destruíram cem tabancas acabadas de construir pela NT, destinadas a realojar população. A povoação está num estado miserável, toda a gente fugiu. Isto aconteceu por causa da estrada em construção que começa exactamente no Jugudul, vai até Porto Gole e irá terminar em Bambadinca, uns sessenta quilómetros a leste. As estradas novas, alcatroadas dão sempre problemas, os guerrilheiros tentam obstar à sua construção.

Mansoa é diferente, mais pequena, pobrezinha e feia do que Teixeira Pinto. O quartel também é mais fraco. Tive uma surpresa, vivem cá cinco ou seis mulheres de oficiais e dez de sargentos. Connosco, na coluna trouxemos a mulher do capitão Pancada e a esposa com os dois filhos, quatro e dois anos de idade, do capitão da 38ª. de Comandos. (...)
            

[Foto à esquerda: O alf mil António Graça de Abreu  CAOP 1, em Teixeira Pinto, setembro de 1972. Foto de António Graça de Abreu]


Mansoa, 9 de Março de 1973

O general Spínola encontra-se aqui próximo, em Jugudul a três quilómetros de Mansoa. Esta manhã há cerimónia de imposição de insígnias a novos milícias africanos. Jugudul precisa de ser defendida. A 10 e 23 de Janeiro deste ano, os guerrilheiros foram lá e quase arrasaram a povoação, queimaram tabancas, entraram nas casas dos que mais colaboravam connosco e limparam-nos. Ainda estávamos em Canchungo e esta terá sido uma das razões que motivou a nossa transferência para Mansoa, com carácter de urgência.

Os ataques de Janeiro foram muito bem planeados. Mansoa tem o grosso da tropa, antes de nós chegarmos e trazermos a 38ª. de Comandos já eram cerca de 400 homens, depois à nossa volta encontram-se 70 militares em Jugudul, 40 em Braia, outros tantos em Infandre, na estrada para Bissorã. Pois nos dois ataques de Janeiro, os guerrilheiros atacaram simultaneamente Mansoa, Braia e o Jugudul, com uma finalidade simples, fixar a tropa de Mansoa dentro do quartel enquanto, com sucesso, concentravam meios sobre Braia e o Jugudul. 

Nesta última povoação visitada hoje pelo Spínola, queimaram mais de cem casas das cento e cinquenta existentes, e provocaram uma dezena de mortos entre a população. Nos nossos aquartelamentos, o costume, nem mortos nem feridos, só estragos materiais. Os homens do PAIGC não são capazes de tomar um aquartelamento português, mesmo pequeno e relativamente isolado como Braia ou o Jugudul. Atacam e fogem.

Esta zona aqueceu muito por causa da construção da estrada alcatroada que ligará a Bambadinca e a Bafatá, a segunda cidade da Guiné. Os guerrilheiros tentam impedir a construção de estradas e intimidar as populações que estão com as NT. A segurança nos trabalhos da estrada é levada a cabo por grupos de combate do Batalhão 4612, estacionado em Mansoa, e este nosso pessoal anda naturalmente nervoso, preocupado. (...)




Foto s/ nº > Constantino Veira da Rocha, sold cond auto, da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72




Foto s/ nº > Constantino Veira da Rocha com outro camarada


Foto s/nº > "O troféu" [presume.-se que este grupo seja de  militares da 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72]


Foto s/ nº > "A tempestade" [ Instalações militares de Mansoa, depois de um temporal]


Foto s/ nº > "Guerrilheiro morto" (1)


Foto s/ nº > "Guerrilheiro morto" (2)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74) > Fotos do álbum do Jorge Canhão, ex-fur mil, da 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72 (Mansoa e Gadamael, 1972/74)-


Fotos (e legendas): © Jorge Canhão (2011). Todos os direitos reservados

Mansoa, 12 de Março de 1973


Bissá, um pequeno aquartelamento doze quilómetros a sul de Mansoa, foi atacado sábado passado às nove e meia da noite, estava eu a beber um café na esplanada do Simões, o restaurante. Foi um ataque a sério que se prolongou por quarenta e cinco minutos, apesar da distância ouviam-se os disparos e rebentamentos com muita nitidez. Os dois obuses de Mansoa ajudaram ao barulho e dispararam cinquenta e sete granadas de canhão sobre as zonas prováveis de retirada do IN. Só hoje soube os números.

Resultado, o IN destruiu e queimou oitenta e sete tabancas, houve três mortos entre a população, muitos feridos e gente intoxicada. As NT de Bissá não sofreram nada, além do desgaste psicológico que uma flagelação tão dura como esta costuma provocar.

Mantive-me tranquilo, mas se em vez de Bissá a ser atacada tivesse sido Mansoa diria, por certo, adeus à pacatez e à calma. Estar dentro de um quartel cercado de arame farpado e experimentar as sensações fortes de ouvir os foguetões, as granadas de morteiro e canhão sem recuo a vir em nossa direcção ou a cair não muito longe de nós, faz com que os rebentamentos comecem a ficar cá dentro. Agora entendo melhor porque é que, depois do regresso a Portugal, um ex-combatente ouve um foguete rebentar na romaria da aldeia e corre, tremebundo, a esconder-se no primeiro buraco que lhe aparece. (...)


Mansoa, 19 de Março de 1973


Foi a vez de Infandre “embrulhar”, um aquartelamento com quarenta militares e cerca de mil habitantes, dez quilómetros a norte daqui. Levaram com foguetões, canhão sem recuo, RPGs, morteiros, armas automáticas, foram atacados com um enorme potencial de fogo. No destacamento, não houve feridos, apenas os usuais estragos materiais. A pobre da população é que pagou as favas. Em Infandre, como em muitos outros lugares da Guiné, os negros tanto fazem o nosso jogo como apoiam o PAIGC. Mas a população é sempre infeliz. Nas flagelações à distância, os guerrilheiros não acertam na tropa portuguesa e acabam por provocar mortos e feridos nos habitantes negros que tantas vezes até não lhes são adversos. É a guerra impiedosa, cruel. (...)

Mansoa, 13 de Maio de 1973


Esta manhã, dia 13 de Maio, na hora da missa e do adeus à Virgem de Fátima, tivemos uma surpresa. Todas as noites estamos à espera do tal ataque das tropas do PAIGC e ele não vem. Agora, em pleno dia, com todo o descaramento, resolveram chatear. Canhão sem recuo e morteiro 82 contra Cussaná, a 800 metros do centro do nosso quartel. Daqui reagiu-se com as armas do costume, obuses e morteiros. Eu, muito calmo entre a tropa, a ver a movimentação dos soldados, a nossa capacidade de resposta numa flagelação deste tipo. O ping-pong não teve consequências, nem eles acertaram, nem nós. Escrevo quase a brincar, hoje tudo isto foi inofensivo, não passou de barulho.

A vida sexual das NT. Dizem-me que aqui em Mansoa há uma puta negra que a troco de comida, ou algum dinheiro, abastece todo o Batalhão. (...)


[Foto à direita: O alf mil António Graça de Abreu  CAOP 1, de G3 e máquina fotográfica, na estrada Mansoa-Porto Gole, 1973. Foto de António Graça de Abreu]


Mansoa, 21 de Maio de 1973 


Eu não quero, mas só oiço guerra, vejo guerra, sinto guerra. Hoje foi pior -  já não sei bem o que é pior! -  do que os três comandos mortos pela explosão dos dilagramas, em Teixeira Pinto. Atacaram, emboscaram a coluna de Mansabá para Mansoa, aqui abaixo de Cutia. Ainda há menos de duas semanas lá passei quando acompanhei os nossos condutores e os dois grupos da 38ª de Comandos na viagem sem regresso para o David Viegas. Todos os dias a tropa se desloca para cima e para baixo, armada, evidentemente, mas quase à vontade. 

Esta tarde, às três horas foram emboscados, a dezassete quilómetros de Mansoa. Nos primeiros disparos houve logo quatro mortos, um furriel e três soldados da companhia de Mansabá que está a um mês de regressar a Portugal. A tropa daqui foi dar uma ajuda. Quando lá chegaram, os guerrilheiros tinham retirado após incendiarem um Unimog e quase destruírem um camião Berliet. Os feridos foram chegando a Mansoa, os hélis não os vão buscar ao mato, mas voam até aqui. De Mansoa a Bissau é zona pacificada pelas NT. Vieram dois hélis e três DOs.

É difícil imaginar o que é a chegada das viaturas carregadas de mortos e feridos, os intestinos saídos para fora das barrigas, os tóraxes atravessados por balas, braços cortados, estilhaços e sangue por todo o lado. Os companheiros de armas não conseguiam suster as lágrimas. Colocaram-se os rapazes destroçados em macas, prestaram-se os primeiros socorros possíveis, os frascos de soro, as ligaduras de ocasião manchadas de sangue. Dez soldados, todos brancos, alguns em estado gravíssimo, foram evacuados para Bissau. Estive no transporte dos homens da enfermaria para a pista, para o heliporto. Sujei as mãos, a farda de sangue. Nunca tinha sentido a boca tão seca e, na garganta, uma espécie de coágulo de poeira e sangue.

A vida continua para os que continuam vivos. (...)

Mansoa, 11 de Junho de 1973

Dois pelotões da 38ª. de Comandos foram dar uma ajuda à tropa do batalhão que fazia a segurança nos trabalhos da estrada Jugudul-Bambadinca e foi flagelada. Houve contacto com o IN e os Comandos, que não sofreram feridos, fizeram quatro mortos. Para o CAOP, trouxeram as armas dos guerrilheiros, três Kalashnikovs e uma Simonov de fabrico russo e chinês. Eu escrevi:


Quatro armas frias,
puras do húmus da terra,
de sangue ainda fresco,
num pano de lona verde.

Uma a uma,
tomei nas mãos as Kalashs,
culatra atrás, bala na câmara,
patilha de segurança.

As armas dos homens que tombaram,
outra vez caídas,
silenciosas, mortas. 
 O canto doloroso da razão. (...)

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Nota do editor:

25 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11000: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (21): A morte de Amílcar Cabral e a mudança do CAOP1 para Mansoa