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domingo, 31 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25021: Bombolom XXX (Paulo Salgado): Como a Guerra é (re)contada

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África""Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 29 de Dezembro de 2023:

Meus Caros Camaradas,
Desejo a todos os editores do nosso Blogue, e a todos os que nele participam, Bom Ano de 2024.
Uma saudação de camaradagem e o pedido de bombolarem o meu bombolom.
Paulo Salgado



O meu Bombolom

Como a Guerra é (re)contada

Olossato, 1970 - O Alf Mil Op Esp Paulo Salgado - Foto: © Paulo Salgado


N
um dos encontros que a Companhia de Cavalaria 2721 tem realizado, pela mão de um grande camarada, para lembrar a camaradagem e a solidariedade que se construíram em tempo de guerra, dizia-me um ex-militar, graduado, face às histórias que cada um ia narrando:
- Eh pá, pelo que ouço nestes nossos encontros, dá-me a impressão que não estivemos na mesma guerra, no mesmo local, que percorremos os mesmos caminhos, que sofremos as mesmas emboscadas, que estivemos sujeitos aos mesmo bombardeamentos, sofrendo as mesmas vicissitudes!

Perante o meu espanto, prosseguiu:
- Não te admires, camarada. Participei, como te lembras, numa grande operação, houve barafunda, tiroteio forte, confusão, no meio da mata, feridos, alguns graves, evacuações. Pois bem, chegados ao aquartelamento, ouvi diferentes versões, inclusive sobre o que decidi, sobre as ordens que dei, sobre a minha intervenção. E aqui, nestes encontros, dezenas de anos depois, ouço versões diferentes, por vezes contraditórias. Isto é do caraças…!

Calado fiquei por breves instantes. Porém adiantei:
- Claro que me aconteceu uma situação similar, alguns meses despois, ao episódio que focaste. Um camarada lembrava que teria havido uma manobra mal feita pelo grupo (a que eu pertencia) que fazia a segurança ao grupo que retirava do golpe de mão, e que teria deixado passar o IN. E falava com uma certeza impressionante. Foi contraditado na altura, mas ainda hoje, mantém a mesma versão… Até posso afirmar que os camaradas que habitualmente seguiam à frente comigo nos patrulhamentos contarão os factos diferentemente uns dos outros, e de mim, naturalmente... sempre que o perigo era pressentido ou quando havia contactos…

Ouvindo a conversa nesta amena cavaqueira, logo um outro veio afirmar:
- Não foi assim que se passaram as coisas. É preciso lembrar que o IN sabia muito bem contornar as situações… o grupo que fazia a segurança (os “aguentas”), procedeu da forma correcta. Obviamente, ambos não chegaram a acordo, e cada qual ficou com a sua.

Não liguei muito ao caso sobre o foco de cada um. Nem ligo, hoje. Por duas razões.

Primeira: vivi intensa e criticamente o tempo em que estive na guerra, esforcei-me por dar o meu melhor em contribuir para todos regressarmos, o que infelizmente não sucedeu: dois mortos e alguns feridos. Escrevi notas, escrevi cartas, poetei alguma coisa, li alguns livros, comandei a companhia durante alguns meses, bem ou mal, construímos um jornal, jogámos futebol, passámos fome e sede, até fizemos operações helitransportados, fiz exames da quarta classe aos jovens, contactei e respeitei a população dentro da filosofia que o capitão imprimiu... Colaborei na feitura da História da Companhia. Fui louvado.

Segunda: por convite e convicção, fui cooperante na República da Guiné-Bissau vinte anos depois do 25 de Abril. Ao revisitar o “local” (por diversas vezes, uma delas com o cabo Moura Marques (grande soldado, meu convidado no Bairro da Cooperação, cerca de 35 anos depois), fui reconhecido pelos soldados feitos milícias. Calcorreei grande parte daquele País, acompanhado pela minha mulher, namorada na altura da guerra. Vi homens e mulheres, alguns eram crianças…! – agora libertos do jugo colonial e da força das armas. Pelo serviço prestado, foi-me concedido um diploma de honra ao mérito pelo poder instituído no País. Poucos haverá que tenham sido louvados pelos dois lados – já agora.

Para trás, os detalhes, as histórias narradas que me deram lastro para escrever (narrativa histórica ficcional) sobre alguns momentos e episódios. Sem falar da guerra, propriamente. As cartas, as abundantes cartas, que a minha mulher guardou, raramente falavam de episódios de guerra… Estão conservadas para a memória dos meus descendentes, se tal lhes aprouver.

A História é assim: cada um rememora-a como a sentiu e viu e viveu. Desta guisa, fizeram Cadamosto, Tristão da Cunha, Nola, Diogo Cão, Bartolomeu Dias… E, em especial, os cronistas, que vale a pena ler: Zurara, Rui de Pina, o grande Damião de Góis... Também Albuquerque, Duarte Menezes, entre outros, no Oriente. Em pleno século XIX, Livingstone, Serpa Pinto, Silva Porto (que foi espezinhado pelo inglês…) e outros exploradores narraram as suas andanças pelo continente africano. De forma diversa. Basta compulsar os livros. Até hoje. Repare-se: se perguntarmos aos soldados que estiveram em cima das chaimites, comandados por Salgueiro Maia, cada um conta à sua maneira o que viu no Largo do Carmo… Cada um conta a história à sua maneira, ou, se quisermos, como a viveu, e de acordo com a sua perspectiva. É a força da emoção e da percepção havida no momento, camaradas.

Nos meus livros, as crónicas são ditadas de acordo com o que e como eu vivenciei ou me contaram… mas sempre baseado em factos e personagens verídicos.

Ora, envolvermo-nos em histórias orais da natureza que introduz este desabafo é sinal de pouca clarividência, de pouca lucidez: não foi assim, dirão uns; não, estás enganado, responderão outros… Em História, podemos afirmar o seguinte: os historiadores baseiam-se em fontes, que podem ser de natureza diversa: escritas, orais, materiais… O narrador é a voz que narra os acontecimentos, faça ou não parte, como personagem, da trama.

Nós, que participámos no “teatro” (designação tão interessante esta!) da Guerra Colonial, somos narradores personagens, em primeira pessoa, portanto, relatamos os factos como participantes dos acontecimentos. E descrevemo-los segundo perspectivas que são diferentes, muitas vezes enviesadas, distorcidas, não adrede, claro.

Mas é bom que fiquem as memórias – a chamada Literatura Memorialista.

Saudações, camaradas. Bom ano. Com calor humano. Calor humano, tal como o recebi do povo nas minhas andanças em tempo de liberdade. E, também, em tempo de guerra, quando, sabem Deus e Alá a razão, as mulheres e as crianças sofriam tanto, quando o grande Suleiman me livrou de ter pisado duas minas antipessoal e me protegeu tantas vezes! A minha paga foram as vezes que o visitei no Olossato e quando o procurei ajudar no Hospital Nacional Simão Mendes, onde assisti à sua morte, serena morte, a morte de um soldado que lutou por uma Pátria (?!) que não o soube tratar como devia, a ele e a tantos…

Paulo Salgado
28.12. 23

____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21591: Bombolom XXIX (Paulo Salgado): "Dezasseis anos depois", um poema meu, que li em Santarém, no encontro anual da CCAV 2721, em Abril de 1986, onde esteve presente no final do almoço o Salgueiro Maia (1944-1992)

domingo, 5 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23327: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (27): Tabanca felupe de Iale: o bombolom de cerimónias



 

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Varela > Tabanca felupe de Iale > 22 de maio de 2022  > "Bombolom de cerimónias"

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação das fotos que o Patrício Ribeiro, nosso correspondente em Bissau, nos mandou, em 23 de maio passado, relativas ao chão felupe: praia de Varela e tabanca de Iale.(*)

Desta feita temos um "bombolom de cerimónias". Diz o fotógrafo, que tem casa em Varela, que o bombolom  serve para transmitir mensagens para dentro e para fora da tabanca. 

Nunca tínhamos visto um com estas dimensões. Não sabemos nada sobre a sua técnica de construção nem de que madeira é feita...  Fomos à procura de informação na Net. 

Aqui vai um excerto da página Meloteca > Bombolom(com a devida vénia):


(...) Bombolom é um idiofone de percussão direta tradicional da Guiné-Bissau (África Ocidental). 

É um tambor de fenda construído a partir de um tronco de árvore (bissilon) escavado longitudinalmente. Existem bombolons com cerca de 1,5 metros e outros tamanhos. 

O instrumento é percutido com baquetas de madeira e pode ser tocado por um ou dois executantes em simultâneo. São sobretudo homens que o tocam, e dos mais velhos, de pé ou sentados no chão. O som varia conforme o lado. 

Este instrumento desempenha funções de comunicação, sendo utilizado para transmitir mensagens, designadamente sobre falecimentos.

É tradicionalmente usado em todas as manifestações sócio-culturais, cerimónias de iniciação (fanados), cerimónias de toca-choro (toca-tchur). Nesta cerimónia fúnebre tradicional e festiva, em memória de uma pessoa de certa idade que faleceu há algum tempo, são sacrificados animais (porco, cabra, vaca). O bombolom tem uma componente mística, de comunicação com as divindades.

O Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau refere: “Na etnia mancanha, toca-se num conjunto de três bombolons e aquele que toca o mais pequeno tem de conhecer os parentes do defunto, transmitindo assim a história da família”. Quem toca o mais pequeno tem de conhecer os parentes do defunto, transmitindo a história da família. “Não se pode deslocar o instrumento de um lado para outro sem fazer uma pequena cerimónia que consiste em levar um litro de aguardente (cana). Durante o transporte e como determina a regra, o bombolon vai sendo tocado”. (AITGB). A aguardente é oferecida ao espírito para ter acesso ao instrumento. A palavra vem do crioulo bombolõ, com base em onomatopeia.

Colaboração: Wilson da Silva (...)

quarta-feira, 9 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23061: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XII: Conto - O hipopótamo dá boleia ao lobo

 



Ilustrações ( (pp. 69-71) do mestre Augusto Trigo, pai da pintura guineense e grande ilustrador, 
a sua obra é uma referência
 



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga


1. Transcrição das págs. 69-71 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato 

Lendas e contos da Guiné-Bissau



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



Conto - O hipopótamo dá boleia ao lobo
(pp.  69-71)



O lobo (hiena) queria atravessar o rio, mas não podia porque este tinha muita água. Então foi pedir ajuda ao hipopótamo, para este o levar para o outro lado do rio.

O hipopótamo não gostava do lobo, porque este era malandro, e respondeu-lhe:

 Não tenho tempo, tenho que ir comer e depois vou descansar.

O lobo não desistiu, e pedia, pedia, sem parar:

 Tem paciência, ajuda com boleia, tem paciência, ajuda com boleia, tem paciência, ajuda com boleia, tem paciência…  – repetia o lobo sem parar.

O lobo não se calava e a cabeça do hipopótamo já não aguentava mais, e então disse:

– Está bem, vou levar-te para o outro lado nas minhas costas, mas se me fizeres mal, vais-te arrepender.

 Obrigado, obrigado  – disse  logo o lobo, ao mesmo tempo que se ria baixinho.

O hipopótamo desconfiou daquele risinho, mas pensou que talvez fosse porque o lobo estava contente.

E o lobo lá foi às costas do hipopótamo, até ao outro lado do rio.

Quando chegaram à outra margem, o lobo deu uma dentada no hipopótamo, arrancando-lhe um bocado de carne e fugiu rapidamente com ela na boca.

O hipopótamo ferido, lançou um grito de dor e de raiva:

 
  Aaarrgh!

O hipopótamo estava furioso, e zangado, mas ferido não podia correr atrás do lobo.

Algum tempo depois passou por ali uma lebre, que, ao ver o hipopótamo ferido, lhe perguntou o que tinha acontecido.

Ao saber da maldade do lobo, a lebre que também não gostava dele, disse:

 Esse lobo é mesmo muito mau! Eu vou-te ajudar. Eu vou trazer o lobo aqui. Fica aí deitado e finge que estás morto. Não te mexas!

A lebre foi para o mato e começou a tocar o bombolom (35), chamando todos os animais.

Quando estavam todos os animais reunidos a lebre disse:

 Está um hipopótamo morto na margem do rio, vamos comê-lo.

Ao ouvir isto, o lobo disse logo:

 
  Esse hipopótamo é meu, fui eu que o matei, e eu é que vou comê-lo.

Dito isto, o lobo correu para o local onde estava o hipopótamo, mas, quando se preparava para o comer, o hipopótamo abriu a sua grande boca e deu-lhe uma dentada.

E foi assim, que o lobo foi castigado pela sua maldade.

__________

Nota do autor:

(35) Bombolom - é um instrumento musical, que é tocado com dois paus, batendo-se num tronco de árvore ao qual foi retirado o seu interior, ficando com uma abertura em cima, de modo a servir de caixa de ressonância.


2. Como ajudar a "Ajuda Amiga"?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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domingo, 29 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21591: Bombolom XXIX (Paulo Salgado): "Dezasseis anos depois", um poema meu, que li em Santarém, no encontro anual da CCAV 2721, em Abril de 1986, onde esteve presente no final do almoço o Salgueiro Maia (1944-1992)


Guiné > Região do Oio > Olossato > CCAV 2721 (1970/72) > 1970 > O Alf Mil Cav Salgado, dando uma mãozinha ao pessoal dos serviços de saúde


Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier":


Data - segunda, 26/10/2020, 16:14
Assunto . Um poema

Meu caro Luís Graça,
Meus Caros Editores,

Junto um poema que fiz em Abril de 1986. Li-o em Santarém no encontro anual da minha Companhia - CCAV 2721.

Esteve presente no final do almoço o capitão Salgueiro Maia. que veio dar um abraço à malta, em especial ao seu camarada Mário Tomé.

Peço-vos o favor - se for publicado no nosso Blogue - de atender à separação das estrofes. Obrigado.

Um abraço a todos.
E votos de resistência.

Paulo Salgado



DEZASSEIS ANOS DEPOIS

por Paulo Salgado


Anos de setenta

de surpresas e desventuras,

de guerra e de paz,

de ódio e de amor,

de carnificina e fraternidade.

 

As viaturas lançando poeira vermelha.

O cigarro fumado à sombra do mangueiro.

As crianças atraídas pela nova gente.

Os velhinhos dizendo chacota e piada.

As casas cobertas de capim.

O arame farpado rodeando o imenso terreiro.

Mulheres e homens de olhar indiferente.

As casas comerciais antigas.

As casernas  os abrigos  as valas

Os postos de sentinela o longe mirando

O rio correndo ao fundo pelos matagais

A floresta e a bolanha de grandeza nunca vistas

Os carreiros por entre matas serpenteando

- Pedaços de Abril de setenta

 

Anos de setenta

de surpresas e desventuras ,

de guerra e de paz,

de ódio e de amor,

de carnificina e fraternidade.


 P’ra trás ficou Bissorã,

Mansoa, Bissau, o Pidgiguiti cais

da luta sangrenta de operários e arrais

lá onde acostou o “Carvalho Araújo”,

(com nome do bravo marujo)

trazendo no seio carne para canhão.

 

A viagem foi lenta e segura.

Levar a bom porto tal gentalha

(que a guerra há tanto tempo dura)

p’ra alimentar de novo a fornalha.

Cada qual chorando os entes queridos,

alguns, do porão, lançando vómitos repetidos,

outros, amigos, conversando na amura.

 

Mar alto, mar de calma,

muitos companheiros nunca olharam,

mas outros antanho navegaram,

fosse Zarco ou Tristão, Nola ou Gama,

aqueles que sonharam com impérios

(se tais sonhos, loucos, ousaram)

de Lisboa até à Oceânia

vivos, agora, lançariam vitupérios

à desordem, à guerra, à infâmia

que de guerras tantas sofreram.

 

Anos de setenta

de surpresas e desventuras ,

de guerra e de paz,

de ódio e de amor,

de carnificina e fraternidade.


Olossato, Cansambo, Canicó,

Cansonco, Fajonquito, Nemanacó,

Amina Dala, Canjaja, Morés,

Iracunda, Bissancage, Maqué,

e outra belas tabancas,

de fulas, mandigas, balantas

mil etnias desta Guiné.

 

Destruídas, arrasadas, queimadas,

incultas, nuas, abandonadas,

terras que deram fruto e vida

agora chão fratricida.

Irmãos de raça ou de cor

lutando no lado de lá

com armas deitando fogo.

As voltas que a vida dá.

 

Já não se saboreiam cajus,

já não se cultivam bolanhas

nem se colhe o bom feijão

apenas se ouve o obus

e se contam as façanhas

de cada guarnição

 

Quem imagina um passeio

rio acima de canoa

ou viagem a Mansoa

Bafatá ou Farim?

Não passará de anseio,

quem pensa coisa assim?

Mancebo quer casar

bajuda formosa, nubente.

Como podem eles folgar

ao som do batuque dançar

e amarem-se no palmar

se a pobreza está presente?

 

Mistério este incompreendido

por deus.

lá no alto dos céus

bem por cima dos poilões

ele não vela

não vê o que se passa na Terra.

Terra

Negra Terra

Dura

Obscura

em que os homens são caminheiros

de estradas cortadas

esbarrando no arame farpado.

Com as mãos sangrando

aos seus deuses gritando:

Acabaram-se os sonhos?

Acabou-se o amor?

Não vedes, ó deuses,

as crianças de olhar parado e triste?

 

Anos de setenta

de surpresas e desventuras ,

de guerra e de paz,

de ódio e de amor,

de carnificina e fraternidade.


Troaram metralhadoras

e cantaram “costureirinhas”

pelo tarrafo lá ao fundo

e pelo rio atá à foz.

E a nossa voz

é um grito profundo

 

Quantos padeceram

a doença e o sofrimento

da fome e da solidão!

Quantos se picaram

e se vergastaram

pelo movimento

dos corpos suados!

Tristeza no coração.

 

Tapámos os olhos para não ver

o sangue escorrendo nas carnes feridas.

Tapámos os ouvidos para não ouvir

os ais lancinantes de desesperança

que brotavam das bucas sujas,

cheias de terra.

  

 Ah, o nosso mundo não é este.

Nos dedos escorre a morte   a dor   o suor.

Os olhos choram companheiros

sem sorte.

Nós queremos erguer

a bandeira branca

e cantar

e ouvir

canções contra a injustiça

contra as trevas

contra a infâmia maldita

que lançaram sobre o nosso destino.

 

Anos de setenta

de surpresas e desventuras ,

de guerra e de paz,

de ódio e de amor,

de carnificina e fraternidade.

 

Tantos anos já passaram

desde aquelas horas

à chuva

ao calor

ao cansaço

ao sofrimento…

 

Dezasseis anos passaram

depois de tantos homens

e tantas mulheres

e tantas crianças

morrerem

sofrerem

no mato

na bolanha

na tabanca ardida

incendiada

violada.

 

Dezasseis anos passaram

cheias de mortes,

anónimas, algumas concretas   próximas   desesperantes

vivas.

 

Dezasseis anos já passaram.

A nossa memória

paira na poeira do tempo

e da história .

Não esqueceremos

o capitão,

o Sebastião

a Kadi mulher

e os homens e mulheres

que na guerra se encontraram.

 

Tantos anos depois

não esqueceremos.

 

Anos de Abril de setenta

sonhando com Abril próximo

Abril sem ódio e sem guerra.

Com paz e fraternidade

na nossa terra.

 

Paulo Salgado

Abril de 1986 

(nas vésperas do encontro da nossa Companhia – CCAV 2721, 

em Santarém).

 __________

Nota do editor:


Último poste da série > 27 de novembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21587: Bombolom XXVIII (Paulo Salgado): Saudação e participação

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21587: Bombolom XXVIII (Paulo Salgado): Saudação e participação

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 25 de Novembro de 2020:

Meu Caro Luís Graça,
Meus Caros Coeditores,



O meu Bombolom

Era devida a lembrança do Padre Macedo. Ocorreu-me trazer esta memória ao nosso Blogue na sequência do que foi escrito acerca de clérigos que serviram na Guiné. E já após a independência. Devo trazer a terreiro que pude consultar várias obras que abordam a presença em Cabo Verde e Costa Africana até ao Golfo da Guiné de clérigos ao longo dos séculos. Aliás, ficcionei, numa das minhas "Crónicas de Guiné – Crónicas de Guerra e Amor" – a existência simultaneamente atribulada e feliz do Frei Cipriano, que, em Cacheu, se introduziu na população, e converteu, e penou… Agradeço a fotografia que encima o meu texto sobre o grande Padre Macedo.[1]

Em tempo de pandemia, procuro estar atento ao que se passa, e ler, ler, e escrever. Ajuda a combater este bitcho carêto que nos faz emburacar e isolar…
Escrevi "A Revolta dos Animais" – um livro que se dirige aos jovens e não apenas. Nele procurei colocar os animais (seus representantes por eles escolhidos) a dialogar entre si e com os deuses gregos, reunidos na Acrópole. Para, de seguida, de forma ordeira mas firme, se dirigirem à ONU para apresentar as suas reivindicações… Mais não digo.
A capa e contracapa do livro vai junto (ver anexo). O livro tem a apresentação de Tiago Rodrigues (Director do Teatro Nacional D. Maria II), meu Amigo e filho de um grande meu Amigo, o Rogério Rodrigues (ver abaixo). E tem a ilustração pro bono da grande pintora Josete Fernandes, natural de Cedães, Mirandela, onde vive e tem o seu ateliê, e onde é possível apreciar a sua riquíssima e vastíssima obra.
Ofereci o livro à Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, minha Terra. O objectivo é distribuí-lo pelos jovens do Agrupamento de Escolas Dr. Ramiro Salgado.
Quero registar outra iniciativa: a minha mulher, a Maria da Conceição, atreveu-se a fazer a fotobiografia da presença do seu soldadinho na Guiné – anos de 70-72. Para os meus netos saberem o que foi a guerra colonial e como o avô a passou, e como tanta gente sofreu, lá e cá, durante treze anos. Não é tempo para esquecer, como não se esquecem as invasões francesas, as guerras mundiais, os descobrimentos…o bom e o mau…

Outras iniciativas estão na calha. Delas falarei mais tarde.

Aproveito para dar os parabéns aos magníficos textos dos camaradas escreventes neste Blogue. Recordo, sem esquecer outros, o Hélder, o Beja Santos, os poetas, o José Martins, o Abel Santos.

Aos bloguistas e seus Familiares, desejo saúde e resiliência (lá, na guerra colonial, utilizávamos a expressão resistência…).

Um abraço.
A partir de Torre de Moncorvo.
Paulo Salgado
25.11.2020

____________

Notas do editor:

[1] . Vd poste de 24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21579: (In)citações (172): Frei Francisco Macedo (1924-2006), um madeirense, homem de Igreja e de Cultura, profundamente ligado à história contemporânea da Guiné-Bissau (Paulo Salgado, ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

Último poste da série de 23 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21475: Bombolom XXVII (Paulo Salgado): Drogas na Guerra Colonial - Um comentário e uma história

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21475: Bombolom XXVII (Paulo Salgado): Drogas na Guerra Colonial - Um comentário e uma história

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 18 de Outubro de 2020:


BOMBOLOM DO PAULO SALGADO

DROGAS NA GUERRA COLONIAL – UM COMENTÁRIO E UMA HISTÓRIA

Ainda a propósito do livro “Drogas em Combate. A Guerra Colonial”, de Vasco Gil Calado, Editora Lua Eléctrica, Junho de 2020, sobre o qual não tomo uma posição acabada e crítica, mas permito-me a liberdade de fazer um comentário e transcrever uma lenda.

1.º Comentário

Tem a ver com a minha experiência na Guiné.

Pertenci a uma companhia independente – a CCAV 2721 (1970-1972) – que esteve aquartelada no Olossato, bem perto do Morés, fazendo um triângulo com Mansabá e Farim. Segundo o modelo de combate de quadrícula, ali estávamos, no fim da picada que ia de Bissorã (a partir dali estava minada…), a mesma picada que outrora continuava até Farim, e que eu, acompanhado pela minha mulher e Moura Marques percorremos na totalidade, com uma sensação de alívio em 2006…).

Se é certo que outras zonas eram muito mais perigosas, não deixámos de sofrer nas emboscadas, nos patrulhamentos, nas flagelações – com feridos (vários) e mortos (2).

Ora, se o ambiente era de guerra, se dentro do arame farpado viviam cerca de cento e cinquenta homens, jovens éramos, tal poderia levar ao consumo de bebidas alcoólicas. E havia momentos de mais bebida, sim. No bar se bebiam à farta cervejas e whiskey, mas nunca antes de uma operação. Como evitar o cansaço, o isolamento, a pequena disputa na caserna, a ausência de notícias, em especial das mulheres dos militares já casados? No entanto, drogas, não havia. E eu estava particularmente atento, porque em Coimbra, quando estudante, passando alguns momentos na Clepsidra, sabia que estava na fase da experiência o consumo de drogas entre os estudantes, embora pouquíssimos – tanto quanto me apercebi.

Ah, mas havia a cola, um fruto, bonito fruto. As populações chupavam a cola – o fruto das plantas malvaceae, e que existem na África Ocidental e no Sudeste Asiático. Existem muitas espécies de cola. Possui um gosto amargo e detém grande quantidade de cafeína. Por terem propriedades estimulantes e até excitantes do sistema nervoso e muscular, podem ser “mascadas”, “chupadas”. Isto era utilizado pelas populações e pelas nossas milícias. Aliás, nas “banquinhas”, lá estão as diversas espécies de colas – o que apreciei melhor aquando das minhas sucessivas idas à Guiné-Bissau como cooperante.

Uma nota: os escravos mascavam colas para suportar trabalhos penosos.

Nos patrulhamentos, quando passávamos junto de uma árvore da cola houve oportunidade de a provar.

Noz de cola - Foto retirada da Wikipedia

2.º Lenda

Acerca deste fruto, a cola, transcrevo um belo texto acerca dos costumes dos povos da Guiné. É narrada pelo historiador e antropólogo que escreveu muito sobre os costumes de África, em particular da Guiné, Manuel Belchior. Se é certo que este antropólogo serviu os desígnios da nossa presença em África, também é correcto afirmar que deixou textos muito interessantes que a mim me seduzem pelo detalhe, pela descrição e pela profundidade, o que foi meritório.

Faço aqui um parêntesis para afirmar o seguinte: na Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo, a minha terra, e onde a minha mulher e eu agora estamos mais tempo, um fundo bibliográfico de notável importância do Prof. Santos Júnior (1901-1990), eminente médico, antropólogo, ornitologista que calcorreou Portugal, Angola e Moçambique. Tal fundo já foi visitado por investigadores angolanos e moçambicanos, o que vale por dizer, desapaixonadamente, que a História tem de ser contada no que tem de belo e medonho.

Pois bem, eis lenda. Escreveu Manuel Belchior:

«A um futa-fula ouvi há anos no Forreá, uma lenda a respeito da cola, o fruto cujo valor místico e simbólico não conhece par junto dos povos islamizados da Guiné. Conta essa lenda que no momento em que Ádama (Adão) e Aua (Eva) foram expulsos do Paraíso por culpa da nossa primeira mãe, ela, arrependida, chorou copiosamente. E onde essas lágrimas tombaram nasceu a primeira árvore de cola. É esse o motivo por que os frutos têm o sabor amargo e salgado das lágrimas.»

In Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume XXII, N.os 87-88. Julho-Outubro de 1967, p. 305.

Paulo Salgado
18.10.2020
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Nota do editor

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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21270: Bombolom XXVI (Paulo Salgado): Jornal "O Tabanca" da CCAV 2721 no Olossato

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 18 de Agosto de 2020:


Jornal “O Tabanca”

Companhia de Cavalaria 2721 – Olossato e Nhacra, de Abril de 1970 a Fevereiro de 1972

Pois é: no Olossato, durante algum tempo – aquele que o tempo de que dispúnhamos e a situação no TO permitiam – construímos um jornal. Chamámos-lhe “O Tabanca”. Fruto de vontades individuais que se fundiram num esforço colectivo, “O Tabanca” pretendia, acreditávamos, ser uma forma lúdica e lúcida de dar vazão a ideias que fossem para além das conversas de bar (importantes naquele escoar das horas), das jogatanas de cartas (um escape pouco saudável) e dos copos bebidos em dia de folga (se folga havia) – sempre que as forças físicas e anímicas careciam de algo diferente.

Sem qualquer pretensão, um pequeno grupo começou a magicar algo que nos envolvesse para além da solidariedade conseguida nos momentos de perigo. A ideia, creio, partiu do Capitão Mário Tomé, Comandante da Companhia, logo secundada pelo Bento, pelo Branco e por mim próprio, depois alargada a muita malta que desejava “entrar” naquela andança. E que entrou. A sério.

Foi uma azáfama: primeiro, no Posto de Comando, tendo conversado, debatido e concluído pela designação a atribuir ao jornal. Penso ter sido o Bento (um “homem grande”) a alvitrar a designação. Já tínhamos quase cinco meses de guerra no lombo, e interessava dar outra coesão às tropas – que fosse para além das actividades bélicas; segundo, ver os pontos de interesse de cada um e do corpo de militares; finalmente, envolver, de forma gradual, a malta. Tivemos sorte, porque havia várias motivações pessoais, como é bom de ver. O Branco foi um desenhador excelente, além de autor. Houve muitas participações, incluindo inquéritos a soldados, cabos e graduados sobre diversos assuntos. Cada um escreveu o que lhe apeteceu, por vezes, muitas vezes, raiando a inconveniência, “o politicamente incorrecto”.

Um sentido importante foi dado: o nome Tabanca pretendia significar a forte ligação à aldeia. Por curiosidade, a ligação à tabanca era efectuada por diversas formas: limpeza diária da aldeia com equipa de serviço e jovens designados pelos chefes de tabanca, num Unimog com bidões construídos para o efeito; reuniões semanais com chefes tradicionais, apoio à população para deslocações nas colunas para Bissorã.






Voltarei ao tema “ligação à tabanca” noutro meu bombolom.

Ainda outra curiosidade da Companhia: fizemos vários encontros culturais e recreativos na Sala do Soldado.

Saíram somente quatro números. Com alguma regularidade. Foi um escape excelente. Um espaço de convívio. Ainda nos uniu mais, na Companhia. Basta ver os artigos através dos sumários de três números, os primeiros, pois perdi o quarto. A deslocação para Nhacra, fez dispersar os diversos grupos por aquartelamentos: Dugal, Tchugué, Ponte de Ensalmá e outros – o que retirou a coesão, que não a amizade e a solidariedade.

Paulo Salgado
Ex-alferes miliciano e comandante de companhia interino
Agosto de 2020.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21211: Bombolom VI (Paulo Salgado): Amaral Bernardo, um homem bom, um homem grande

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21211: Bombolom XXV (Paulo Salgado): Amaral Bernardo, um homem bom, um homem grande


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > A famosa e feliz foto do ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007: a saída do obus 14, de noite.

"Foi tirada com a máquina rente ao chão. Bedanda tinha três. Uma arma demolidora. Um supositório de 50 quilos lançado a 14 km de distância... Era um pavor quando disparavam os três ao mesmo tempo... 


"Era costume pregar sustos aos periquitos... Eu também tive honras de obus, quando lá cheguei... Guileje não tinha nenhum obus, mas sim três peças de artilharia 11.4. A peça era esteticamente mais elegante do que o obus" - disse-me o Amaral Bernardo, no dia em que o conheci pessoalmente, no Porto, no seu gabinete no Hospital Geral de Santo António, que é a sua segunda casa, e onde é (ou era, em 2007) o director do ensino pré-graduado da licenciatura de medicina do ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar/HGSA Ciclo Clínico (ou seja, responsável por mais de meio milhar de alunos, um batalhão; reformou-se, entretanto]...


José Maria Ferreira do Amaral Bernardo, professor catedrático convidado, aposentado, Hospital Geral de Santo António, e  ICBAS, Porto  [ex-Alf Mil Médico da CCS / BCAÇ 2930, Catió, e CCAÇ 5, Catió, Guileje, Bedanda, 1970/72: ,membro da nossa Tabanca Grande ]

Fotos (e legendas): © Amaral Bernardo (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de Paulo Cordeiro Salgado [, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72); administrador hospitalar reformado; natural de Torre de Moncorvo]

Date: quinta, 30/07/2020 à(s) 12:30

Subject: Amaral Bernardo - algumas plavras

Três breves episódios sobre o Camarada, ex-alferes Médico, Dr. Amaral Bernardo, que hoje faz anos (*),

Tenho tido o privilégio de manter um contacto frequente com o nosso Dr. Amaral Bernardo.

Primeiro – O Amaral Bernardo é um intelectual emotivo. Vê-lo apresentar o livro Quatro Rios e Um Destino, de Fernando de Sousa, é comovedor, é infinitamente gratificante.

Neste livro, o autor afirma (transcrevo):

«Este livro, fala de realidades. Fala de mim, da minha vivência, da minha forma de ser e de estar, da minha entrega a tudo aquilo em que acredito. Das minhas convicções, dos meus sentimentos, da minha passagem, por uma Guerra e, suas consequências, de pesadelos sem fim, das muitas emoções.

Nele procurei inserir e exaltar os ensinamentos assimilados, das várias gerações com que me fui cruzando neste caminho da vida, de várias épocas, em dois mundos e duas culturas diferentes.»


Na oportunidade, na messe do Porto, onde decorreu a apresentação do livro, o Dr. Amaral Bernardo, escolhido pelo Sousa, exibe o grande humanismo que o norteou na missão para que foi chamado. Referiu a grande capacidade de resistência à dor do militar ferido, a quem tratou, antes de mandar evacuar para Bissau. O Dr. Amaral Bernardo exibiu, no momento clínico que promoveu, um grande profissionalismo e grandiosidade ética que sempre o norteou.

A falar dos outros, dos que sofreram consigo, mostra-nos o médico atento, organizado e sofredor - no meio de ataques e de andanças pelo Sul da Guiné.

Segundo – Em 1997, voltou o Dr. Amaral Bernardo, já professor no ICBAS [, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salzar, o Porto], à Guiné-Bissau. Num projecto de cooperação – responsável médico na formação de quadros médicos no Hospital Nacional Simão Mendes.

Ali, a mesma atitude generosa, competente, emotiva. Mas firme. Organizada. O que lhe valeu a estima dos médicos guineenses. Nem podia ser de outra forma, pois o Amaral Bernardo não pactua com amadorismo. Mas não esquece o seu humanismo. Que o digam os médicos Dr. João Maria Goudiaby, Dra. Alice e Dr. Armando. Este episódio foi por mim acompanhado de muito perto.

Finalmente, na apresentação do meu livro Milando ou Andanças por África, na Associação Portugal – África, Porto. Vi-lhe as lágrimas reclamarem-lhe a emoção. Sentida.

Amaral Bernardo, és um homem bom. Homem Grande.

Parabéns e muitos anos de vida.

Paulo Salgado (**)
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Notas do editor: