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sexta-feira, 28 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24512: Notas de leitura (1601): "Palavras e Silêncios – Memórias Femininas da Presença Militar no Ultramar", por Ana Maria Taveira, Maria Armanda Taveira e Maria de Fátima Pina; Âncora Editora, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
O assunto está longe de ser inédito, mas tanto quanto me é dado saber a metodologia é original para abarcar diferentes gerações, posturas que gradualmente se irão demarcando ao longo de sucessivas décadas, este precioso alfobre de mentalidades ajudará seguramente o historiador a olhar de maneira diferente o papel da mulher dos militares que trilharam o Império. São narrativas acaloradas, a organização da obra exemplar, é tónico estimulante para debates e conferências, abre janelas para novos trabalhos, é talvez este o não menos despiciendo préstimo de "Palavras e Silêncios", uma verdadeira surpresa no panorama editorial e acertadamente no programa Fim do Império, a que estão associadas a Câmara Municipal de Oeiras, a Liga dos Combatentes e a Comissão Portuguesa de História Militar.

Um abraço do
Mário


Aquelas mulheres de militares portugueses que percorreram o Império e a História esquece

Mário Beja Santos

A iniciativa tem o seu travo de originalidade: três mulheres decidiram reunir 32 outras de militares portugueses que serviram na Índia, em África, em Macau e Timor, e pedir-lhes testemunhos de vida desses anos. Respeitando a ordem cronológica, vamos ouvi-las desde a Maria de Lourdes, nascida em Bragança em 1924 a Patrícia, nascida em Lourenço Marques em 1975. É um abrangente retábulo de mentalidades, do modo de encarar o seu ligar de mulher, mãe e colaboradora nesta ou naquela parcela do Império, sentir-lhes nostalgia ou melancolia, aprazimento ou mortificação nesta ou naquela experiência, mas o resultado é deveras aliciante, de questionamento obrigatório, com estas memórias femininas não há nenhuma dificuldade em perceber como se praticou uma omissão indesculpável silenciando na historiografia o papel exercido pelas mulheres dos militares, na frente ou na retaguarda. É este o valor documental de "Palavras e Silêncios – Memórias Femininas da Presença Militar no Ultramar", organizado por Ana Maria Taveira, Maria Armanda Taveira e Maria de Fátima Pina, Âncora Editora, 2020.

Mulheres cujos maridos cumpriram cinco comissões, viveram doze anos em África, viveram no Estado da Índia e dali saíram precipitadamente em 18 de dezembro de 1961, mulheres que partiram para a guerra casadas de fresco, viram partir o noivo ainda em tempo de paz que os acompanharam em tempo de guerra, mulheres de oficiais das Armas, mas também de médicos e de engenheiros. Mulheres que nasceram em Goa e que ainda hoje lutam pelos seus direitos de propriedade. Mulheres que dizem abertamente que a sua identidade foi moldada dentro dos princípios da moral cristã e dos valores da ética, transmitidos pelo meio castrense. Mulheres que ensinaram em liceus e escolas, que ajudaram nos hospitais, e mesmo depois da descolonização deram apoio a quem regressou em estado de grande aflição. Mulheres que falam num estado de grande felicidade pela experiência que tiveram ao lado do seu marido. Mulheres que conheceram a permanente itinerância, a fazer e a desfazer malas, a percorrer espaços imensos, a ter que pôr os filhos nos colégios.

E vamos, no afã da leitura, apercebendo-nos de que estas mulheres não só aprenderam línguas ou a bordar ou a cozinhar, foram ampliando o seu modo de olhar as missões dos seus maridos e a própria evolução da guerra, houve aquele moroso processo de perceber e sentir a pouca ligação entre as frentes de combate e a grande indiferença na retaguarda. Em dado momento, neste sortilégio de testemunhos, alguns deles de leitura compulsiva, há que ouvir o que Maria da Graça, nascida em Luanda em 1943, diz quanto à motivação que a levou a escrever sobre a sua vida passada:
“Em primeiro lugar, porque há muita informação sobre o que foram aqueles anos no nosso antigo Ultramar, sobre a guerra, os militares, sobre a descolonização, sobre o que foi feito ou devia ter sido feito, mas tudo numa perspetiva, não só predominantemente masculina, mas também política e documental. Ficou, nalgum esquecimento, o facto de que todos os envolvidos nos processos destes anos tinham famílias, mães, mulheres, filhas que, ou os acompanharam, ou ficaram sozinhas, tendo de gerir todas as situações que lhes surgiram. Em segundo lugar, porque, passados tantos anos, as gerações dos nossos dias têm pouca noção da dor e dos problemas que passaram os que viveram aquela época. Toda essa realidade já está muito distante, faço-o para que não fique no esquecimento. Porque tenho netos adolescentes e outros ainda mais pequenos, para quem, cada vez mais, a nossa História recente será um episódio longínquo, resolvi deixar o meu testemunho. Para que compreendam por que andámos sempre com a casa às costas, porque só acabei o meu curso 20 anos depois de o começar e, acima de tudo, para que fiquem com um olhar mais verdadeiro sobre aquela vida, a minha e a de tantas outras mulheres daquela época”.

Maria Beatriz, nascida em Setúbal em 1945, conta a sua experiência na Guiné entre 1966 e 1968. Casou, e quinze dias depois o marido partia para Farim. Quatro meses depois veio buscá-la. Viveu em Farim e lembra-se do choro das hienas como lembra o fantástico pôr-do-sol. Ouviu um ataque ao K3. O marido recebeu ordem para ir para Barro com a companhia, ela ficou em Farim, só mais tarde foi para Barro, surpreendeu-se que havia muita gente que parecia nunca ter visto uma mulher branca.
“Quando me levantei e cheguei cá fora, estavam muitas mulheres e crianças para me verem, todas me tocavam e riam. Eu levava as unhas pintadas, o que foi motivo de um grande espanto. A tropa construiu uma escola. As paredes eram de uma palha entrelaçada, o teto de zinco e as carteiras foram feitas no quartel. Veio de Bissau um quadro, e o armário da escola era um barril com uma porta, onde se guardavam os livrinhos e as lousas. Eu dava aulas na escola, às meninas, da parte da manhã, de tarde os rapazes tinham aulas dadas por um rapaz guineense, que foi educado numa Missão. Normalmente, as meninas vinham-me buscar à porta do quartel para irmos para a escola. Todas queriam ir de mão dada comigo, pelo que dava um dedo a cada uma, mas empurravam-se e zangavam-se porque eu só tinha dez dedos. Passado um tempo, houve uma operação, e eu fui. Caminhámos 50 quilómetros a pé, 25 para lá, até Canja, e 25 no regresso. Na primeira vez em que saí, quando fomos inspecionar as armadilhas, ainda levei a minha pistola à cintura, para fingir que poderia fazer qualquer coisa. Fomos a Canja, não se encontrou o acampamento inimigo que se estava à espera que existisse. O regresso é que foi uma tragédia, as pernas não queriam andar”.

Não sei se outra mulher de capitão teve experiência idêntica a esta, ela descreve com a maior das naturalidades operações e patrulhamentos, conta a história de um alferes de uma outra companhia que no início da operação disse “se a senhora vai, eu não vou”. A notícia chegou a Bissau e o Quartel-General mandou uma mensagem a perguntar se havia uma senhora branca que ia às operações. Trocaram-se mensagem em tom azedo, Bissau exigia que a senhora branca saísse dali e o capitão de Barro retorquiu: “Bem, então temos um problema. As mulheres dos meus soldados (era uma companhia de caçadores nativos) são senhoras guineenses e estão com os maridos. Se as senhoras não podem estar, o que eu vou fazer com elas?”. A resposta veio seca e terminante: “Não levanta problemas que isso não é nada consigo”.

No entretanto, o quartel foi flagelado e um outro capitão foi render o marido de Maria Beatriz. “Eu estava de camuflado, e o senhor viu-me de costas. Bateu-me no ombro e, quando me virei, ia caindo ao chão. Estava para me dizer: ‘É pá, estás com o cabelo muito grande, corta-o!’”. Depois da Guiné foi a Moçambique, mas não foi a mesma coisa. “A Guiné era como se fosse minha, criei uma forte relação afetiva com a terra e com as pessoas. Tenho muitas saudades do que lá vivi, e tive muita sorte, de ter um marido que apoiava as minhas loucuras”.

Depoimentos sumarentos, documentos de valor irrefragável, conhecíamos bem o papel das enfermeiras-paraquedistas, mas nunca se entrara nos bastidores com esta grande angular cronológica, mesmo sendo justo referir que nos últimos anos têm surgido diferentes trabalhos acerca da mulher de militares nas diferentes parcelas do Império.


Palavras e Silêncios é um trabalho inexcedível, será referência obrigatória, digo-o sem hesitar.
Investigação de Sara Primo Roque, Edições Pasárgada
As Mulheres Portuguesas e a Guerra Colonial, por Margarida Calafate Ribeiro, Edições Afrontamento
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Julho de 2023 > Guiné 61/74 - P24501: Notas de leitura (1600): A Guiné pós-colonial e o funcionamento de um Estado “suave”: Um importante artigo de Joshua B. Forrest sobre a Guiné a caminho do multipartidarismo (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23714: Fichas de unidades (27): 1.ª CCAÇ/CCAÇ 3 (Bissau, Nova Lamego, Farim, Barro, Guidaje, Bigene, 1961/74)


Fichas de unidade > 1.ª CCAÇ / CCAÇ 3

1.ª Companhia de Caçadores

 Identificação: CCaç 1 

Cmdts (a): 

Cap Inf Arnaldo Manuel Serra Gomes | Cap Inf Helder Fernando Pires Ataíde Ribeiro | Cap Inf Renato Jorge Cardoso Matias Freire | Cap Inf Carlos Alberto Alves Viana Pereira da Cunha |Cap Inf Laurénio Felipe de Sousa Alves | Cap Inf António Lopes de Figueiredo | Cap Inf António Lourenço | Cap Inf João Manuel Martins Maltez Soares | Cap Inf Joaquim Tavares Cristóvão | Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques | Cap Art Samuel Matias do Amaral

 (a) Os Cmdts Comp são apenas indicados a partir de 1jan61 

Início: anterior a 1jan61 | Extinção: 1abr67 (passou a designar-se CCaç 3) 

Síntese da Actividade Operacional 

Era uma unidade da guarnição normal, com existência anterior a 01jan61 e foi constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local, estando enquadrada nas forças do CTIG então existentes. 

Em ljan61, estava colocada em Bissau, com um pelotão destacado em Nova Lamego, onde foi transitoriamente instalada, na totalidade, em 3abr61, com pelotões destacados em Sedengal e Cacheu e depois em S. Domingos. 

Após a reorganização do dispositivo de 23ago61, foi substituída em Nova Lamego, por troca, pela 3ª CCaç, regressando a Bissau, tendo destacado efectivos para várias localidades da zona Oeste, nomeadamente em Ingoré, Enxalé, Susana, Mansabá e Bigene e também, na zona Sul, em Cabedú. 

A partir de 1jul63, foi colocada em Farim, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 239, com pelotões destacados em S. Domingos e Ingoré e secções em Susana, Mansoa, Mansabá, Bigene e Barro, tendo depois ainda deslocado efectivos para Bissorã, Cuntima, Olossato, Binta, Guidage, Canjambari, Porto Gole e Enxalé, sucessivamente integrada no dispositivo e manobra dos batalhões que assumiram a responsabilidade do sector de Farim. 

Em 27out66, foi colocada em Barro, onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, então criado na área do BCaç 1887 e transferido, em 3nov66, para a zona de acção do BCaç 1894, mantendo, no entanto, dois pelotões destacados no anterior sector, em Binta e Canjambari, este último deslocado para lumbembém, a partir de meados de jan67. 

Em 1abr67, passou a designar-se CCaç 3. 

Observações - Em diversos documentos, esta subunidade era muitas vezes designado por 1ª  CCaç 1. 

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 621/ 622-


Companhia de Caçadores n.º 3

Identificação;  CCaç 3

Cmdts: 

Cap Art Samuel Matias do Amaral | Cap Inf Cassiano Pinto Walter de Vasconcelos | Cap Inf Carlos Alberto Antunes Ferreira da Silva | Cap Inf José Olavo Correia Ramos | Cap Art Carlos Alberto Marques de Abreu | Cap Art Fernando José Morais Jorge | Cap Inf João da Conceição Galamarra Curado | Cap Inf Carlos Alberto Caldas Gomes Ricardo | Cap Cav Nuno António Amaral Pais de Faria | Cap QEO João Pereira Tavares | Alf Mil Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro | Cap Inf Manuel Gonçalves Mesquita | Cap Mil Inf José Maria Tavares Branco | Cap Mil Inf António Eduardo Gouveia de Carvalho | Cap Mil Inf José Maria Tavares Branco

Divisa: "Amando e Defendendo Portugal"
Início: 1abr67 (por alteração da anterior designação de 1ª CCaç) | Extinção: 31ago74


Síntese da Actividade Operacional

Em 1abr67, foi criada por alteração da anterior designação de 1.ª CCaç.

Era uma companhia da guarnição normal do CTIG, constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local.

Continuou instalada em Barro, mantendo-se então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1894, com dois pelotões destacados em reforço do BCaç 1887 e estacionados em Binta e Jumbébém, este depois em Canjambari a partir de finais de set67. Ficou sucessivamente integrada no dispositivo e manobra dos batalhões e comandos que assumiram a responsabilidade da zona de acção do subsector de Barro.

Após recolha dos pelotões instalados em Binta e Canjambari em 20ju168, destacou, em meados de out68, um pelotão para Guidage, tendo assumido, em 9Mar69, a responsabilidade do subsector de Guidage por troca com a CArt 2412 e destacando então dois pelotões para Binta, sendo especialmente orientada para a contrapenetração no corredor de Sambuiá, onde em 21/22jan69 tomou parte na operação "Grande Colheita", realizada pelo COP 3.

Em 22fev72, rendida em Guidage pela CCaç 19, assumiu a responsabilidade do subsector de Saliquinhedim, onde substituiu a CCaç 2753 e ficou integrada no dispositivo e manobra do COP 6 e depois do BArt 3844.

Em 08dez72, foi substituída, transitoriamente, por forças da CArt 3358 no subsector de Saliquinhedim (K3) e foi colocada em Bigene para onde se deslocou, por escalões, em 26nov72 e 8dez72 e onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em substituição da CCaç 4540/72, ficando então novamente integrada no dispositivo de contrapenetração no corredor de Sambuiá.

Em 31ag074, as praças africanas tiveram passagem à disponibilidade e, após desactivação e entrega do aquartelamento de Bigene ao PAIGC, o restante pessoal recolheu a Bissau, tendo a subunidade sido extinta.

Observações - Não tem História da Unidade. Tem Resumo de Actividade referente ao período
de mai73 a set74 (Caixa n." 129 - 2.ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 627/ 628.
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Nota do editor:

Útimo poste da série > 16 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23528: Fichas de unidade (26): BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72): sem subunidades operacionais orgânicas, responsabilidade de um vasto sector, na região de Tombali, o sector S3, com sede em Catió, que abrangiam os subsectores de Bedanda, Catió, Cufar, Guileje, Gadamael e Cacine.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21626: Tabanca Grande (506): António Marreiros, natural de Sagres, a viver há 48 anos no Canadá, ex-alf mil em rendição individual, CCaç 3544 (Buruntuma, 1972) e CCAÇ 3 (Bigene e Guidage, 1972/74): senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 822


Foto nº 1


Foto nº 2

Fotos (e legendas): © António Marreiros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem de António Marreiros, a viver há 48 anos no Canadá (Victoria, BC, British Columbia), ex-alferes miliciano em rendição individual na Companhia CCaç 3544, "Os Roncos", Burumtuma, 1972,  e, meses depois, transferido para Bigene/Guidage, CCaç 3, até Agosto 1974 (*):


Date: sexta, 4/12/2020 à(s) 01:00
Subject: Hoje ...e 48 anos antes

Olá,  Luís Graça,

Depois de uma volta a pé nesta tarde cinzenta de Dezembro, fui à procura da caixa com fotos antigas e encontrei o grupo de Buruntuma e Bigene. Vou tentar copiar algumas mas não sei a melhor maneira de mandar:  Messenger, WhatsApp,  ou assim?

Para me registar na Tabanca aqui vai a minha foto tirada em Março [deste ano] no Algarve [Foto nº 2]  e …48 anos antes,  no rio Cacheu a caminho de Bolama ...e ainda muito "pira"! [Foto nº 1]. Penso que ainda tenho nalgum sítio aquele colar nativo feito com osso de peixe.

Sim, pelo apelido  de família [, Marreiros,] viste que sou algarvio! Nasci em Sagres e um mês depois de vir da Guiné estava numa longa viajem para este lado do Pacífico…

Nos primeiros 10 anos foi difícil regressar a casa periodicamente, mas com o tempo surgiram mais possibilidades e hoje volto  pelo menos cada 2 anos.

Ainda não respondi ao amigo Crisóstomo,  de New York, mas vou fazê-lo, ele foi tão pronto em me contactar!

Só agora é que tive coragem de abrir os outros links que me mandaste (P) …Tive dificuldade em ler a vivida descrição do ataque a Guidage e as emboscadas  (Amilcar Mendes, 38.ª CCmds) de Maio de 1973, porque eu fiz parte da tropa que se juntou aos Comandos nessa coluna que conseguiu finalmente chegar  a Guidage.

Tenho um nó no estômago outra vez... ver os nomes dos dois alferes que se perderam e toda aquele caos que se seguiu (eles voltaram dias depois a Bigene com a ajuda dos soldados africanos que conheciam o mato)…

Vou ler mais, mas noutro dia…
Um abraço do Canadá.
António Marreiros


2. Comentário do editor LG:

Camarada Marreiros, em meu nome pessoal, dos demais editores, colaboradores permanentes  e o resto da Tabanca Grande (que abaraça um leque de mais 8 centenas de camaradas que passaram pelo CTIG de 1961 a 1974), eu saúdo e faço votos para que te sintas sempre bem, ao nosso lado, sentado à sombra do nosso poilão...

Passas a ser nº 822... E o teu nome passa a constar permanentemente da lista alfabética, de A a Z, dos membros da Tabanca Grande, constante da coluna estática do blogue, no lado direito.

Peço desculpa de, no comentário anterior (*), ter confundido a tua segunda companhia, que não é a CCAÇ 19 (que estava em Guidage), mas sim a CCAÇ 3, da qual temos meia centena de referências. Mais à frente, no ponto 3, apresento-te um resumo do historial da CCAÇ 3.

 Em relação às tuas dúvidas... Tudo o que nos quiseres mandar (fotos, digitalizadas com boa resolução, em formato jpg, de preferência; ou textos em word ou pdf), usa de preferência o meu endereço de email, o mesmo que usaste agora: luis.graca.prof@gmail.com.

O nosso blogue tem algumas regras, simples, pacíficas, consensuais, que podes consultar aqui.

Mas, no essencial, devo dizer-te o seguinte, para te sentires inteiramente confortável aqui e à vontade para partilhares as tuas memórias, sem constrangimentos.

O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, criado em 2004, é um espaço, de informação e de conhecimento, mas também de partilha e de convívio, abertos a todos os combatentes que conheceram o TO da Guiné, entre1961 e 1974). 

O nosso comportamento (bloguístico) deve estar  de acordo com algumas regras ou valores, sobretudo de natureza ética:

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelos nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;

(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.

Não menos importante:

(xi) defendemos e garantimos a propriedade intelectual dos conteúdos inseridos (texto, imagem, vídeo, áudio...).

(xii) em contrapartida, uma vez editados, os "postes" não poderão ser eliminados, tanto por decisão do autor como do editor do blogue, mesmo que o autor decida deixar de fazer parte da Tabanca Grande.

(xiii) qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue (ou da página do Facebook da Tabanca Grande), necessita de autorização prévia dos autores (por ex., publicação em livro).

Dito isto, camarada António Marreiros, esperemos que partilhes também connosco alguns dos "segredos" que vais contar à tua neta, relativamente àquele período da tua vida (cerca de 3 anos) em que estiveste ao serviço do Exército Português... Happy Cristmas!... Luís Graça

PS - Noutra oportunidade, falar-te-ei do nosso camarada A.Marques Lopes, cor inf DFA,  que foi também alf mil na CCAÇ 3, tendo estado em Barro, em 1968. É autor do livro "Cabra-Cega: do seminário para a guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), autobiografia escrita sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira, e que conta a história de António Aiveca. É um dos históricos da Tabanca Grande. Tem cerca de 250 referências no nosso blogue.
 


3. Companhia de Caçadores nº 3  (CCAÇ 3) > Ficha de Unidade:
 
Comandantes:

Cap Art Samuel Matias do Amaral
Cap Inf Cassiano Pinto Walter de Vasconcelos
Cap Inf Carlos Alberto Antunes Ferreira da Silva
Cap Inf José Olavo Correia Ramos
Cap Art Carlos Alberto Marques de Abreu
Cap Art Fernando José Morais Jorge
Cap Inf João da Conceição Galamarra Curado
Cap Inf Carlos Alberto Caldas Gomes Ricardo
Cap Cav Nuno António Amaral Pais de Faria
Cap QEO João Pereira Tavares
Alf Mil Inf José Manuel Levy da Silva Soeiro
Cap Inf Manuel Gonçalves Mesquita
Cap Mil Inf José Maria Tavares Branco
Cap Mil Inf António Eduardo Gouveia de Carvalho
Cap Mil Inf José Maria Tavares Branco

Divisa: "Amando e Defendendo Portugal"

Início: lAbr67 (por alteração da anterior designação de 1ª CCaç)
Extinção: 31Ago74

Síntese da Actividade Operacional

Em 1Abr67, foi criada por alteração da anterior designação de 1ª Companhia de Caçadores.
.
Era uma companhia da guarnição normal do CTIG, constituída por quadros metropolitanos e praças indígenas do recrutamento local.

Continuou instalada em Barro, mantendo-se então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1894, com dois pelotões destacados em reforço do BCaç 1887 e estacionados em Binta e Jumbembém, este depois em Canjambari a partir de finais de Set67. 

Ficou sucessivamente integrada no dispositivo e manobra dos batalhões e comandos que assumiram a responsabilidade da zona de acção do subsector de Barro.

Após recolha dos pelotões instalados em Binta e Canjambari em 20Jul68, destacou, em meados de Out68, um pelotão para Guidage, tendo assumido, em 09Mar69, a responsabilidade do subsector de Guidage por troca com a CArt 2412 e destacando então dois pelotões para Binta, sendo especialmente orientada para a contrapenetração no corredor de Sambuiá, onde em 2l/22Jan69 tomou parte
na operação "Grande Colheita", realizada pelo COP 3.

Em 22Fev72, rendida em Guidage pela CCaç 19, assumiu a responsabilidade do subsector de Saliquinhedim, onde substituiu a CCaç 2753 e ficou integrada no dispositivo e manobra do COP 6 e depois do BArt 3844.

Em 08Dez72, foi substituída, transitoriamente, por forças da CArt 3358 no subsector de Saliquinhedim e foi colocada em Bigene para onde se deslocou, por escalões, em 26Nov72 e 08Dez72 e onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em substituição da CCaç 4540/72, ficando então novamente
integrada no dispositivo de contrapenetração no corredor de Sambuiá.

Em 31Ag074, as praças africanas tiveram passagem à disponibilidade e, após desactivação e entrega do aquartelamento de Bigene ao PAIGC, o restante pessoal recolheu a Bissau, tendo a subunidade sido extinta.

Observações
Não tem História da Unidade. Tem Resumo de Actividade referente ao período
de Mai73 a Set74 (Caixa n." 129 - 2.a Div/d." Sec, do AHM).

Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. .627/628
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21561: O nosso livro de visitas (207): António José de Sousa Marreiros, que vive no Canadá (Victoria, BC): foi alf mil, em rendição individual, CCAÇ 3544 (Buruntuma, 1972) e CCAÇ 19 (Bigene e Guidaje, 1973/74)

terça-feira, 19 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19600: Memória dos lugares (387): Jemberém, no Cantanhez (António Castro, ex-fur mil inf, CCAÇ 4942/72, 1972/74)



Foto nº  3 > Um “cruzeiro” numa LDM pelo rio Cacine,  entre Cacine e Jemberém



Foto nº 4 > Aqui estou eu junto do abrigo, tipo “bunker”, que foi construído a pensar em defesa do comandante e das comunicações em caso de ataque em força.


Foto nº 2 > Um quarto duplo onde morei esses 11 meses que partilhava com outro Furriel.






Foto nº 1 > Esta era a cozinha de campanha, onde se faziam maravilhas quando havia comida fresca.


Foto nº 1A > Esta era a cozinha de campanha, onde se faziam maravilhas quando havia comida fresca.




Foto nº 6 > Este era o meu grup de combate, o 3º, o Zigue-Zague, [O alferes Lima era o meu comandante de pelotão - o 3.º; o alferes Vítor Negrais o comandante do 2.º pelotão, o alferes Pires, o comandante do 4.º pelotão e o do 1.º era um "Operação Especiais" ["ranger" cujo nome já me falha. A CCAÇ 4942, os "Galos de Jemberém", foram os "pioneiros e construtores de Jemberém" [, hoje, Iemberém]

Guiné > Região de Tombali > Jemberém > CCAÇ 4942/72 (1972/74) 

Fotos (e legendas): © António Castro  (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


Guiné-Bissau  > Região de Tombali >  Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > 2 de Março de 2008 > Monumento, em bom estado,  assinalando a passagem, por aqui, da CCAÇ 4942/72, de origem madeirense, conhecida por "Os Galos do Cantanhez". Estiveram em Jemberém (os guineenses hoje dizem Iemberém) entre Março de 1973 e Fevereiro de 1974.

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2008) . Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Mensagem do António [Clodomiro Silva] Castro, ex-fur mil inf,  CCAÇ 4942/72  (Jemberém e Barro 1973/74. É membro nº 753.º da nossa Tabanca Grande (*)

Data: sábado, 16/03, 23:02
Assunto: CCAÇ 4942/72

Olá Luís,

Peço desculpa porque já passou muito tempo (*)  e parece que estou “desaparecido em combate” mas este é o combate da vida.

Depois das vossas boas vindas,  é de facto tempo de relembrar um pouco da “história” pelo que vou fazer um pequeno texto que segue abaixo e anexar 5 fotos, para publicação, se entenderam que tem interesse neste contexto.

Formamos uma Companhia Independente na Madeira, nos fins do ano de 1972. Foi denominada CCAÇ 4942. A nossa mobilização indicou - Guiné. (**)

A Companhia já completa foi para Lisboa aguardar embarque. No dia 26 de Dezembro do mesmo ano embarcamos no Uige rumo à nossa aventura.

 As notícias davam conta que o nosso destino era Bafatá. Sendo a segunda cidade da Guiné até
parecia que estávamos a caminhar para umas “férias”. Mas a apenas dois dias da nossa chegada, a notícia foi a morte de Amilcar Cabral [, em 20 de Janeirode 1973], o que nos fez logo esperar o pior. 

Depois do IAO no Cuméré, fomos para Mansoa,  a norte de Bissau,  aguardar transporte para Cadique no sul de onde passado pouco tempo fomos abrir destacamento no meio do mato, numa localidade já sem população que se chamava Jemberém e que distanciava cerca de 10 km de Cadique. (***)

Juntos com outra Companhia Independente e com o reforço de alguns fuzileiros, montamos um destacamento em círculo onde a alguns metros do “arame” escavamos valas para defesa em todo o perímetro e valas mais largas onde montamos camas de campanha para dormir, onde ficaram todos os praças e furriéis, para maior operacionalidade. Apenas os oficiais e especialistas não atiradores ficaram no centro. 

Pouco tempo depois os fuzileiros foram substituídos por um grupo de Artilharia com 3 obuses 10,5. E nestas condições ficamos durante 11 longos meses com saídas para o mato quase dia sim, dia não, em bigrupo ou com saídas de 2 dias quando era a Companhia com os seus 4 grupos operacionais a sair. Dos ataques ficaram certamente muitas recordações, mas não vou falar delas agora. Ficam algumas imagens que mostram um pouco do ambiente.

Final da história: depois deste período fomos para Barro, onde nunca mais tivemos ataques, passamos o 25 de Abril, fizemos, salvo erro, o “30 de Maio” que foi a expulsão do comandante e acabamos por regressar a Lisboa em Setembro por antecipação do nosso tempo de mobilização, em que TODOS os que integraram a nossa Companhia regressaram a casa. Sim, a nossa Companhia não teve nenhuma baixa, e teve apenas um ferido que ficou a mancar, mas mesmo assim ficou até ao fim.

Com os melhores cumprimentos,
António Castro
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Notas do editor:


terça-feira, 5 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17733: Tabanca Grande (444): António Clodomiro Silva Castro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4942/72 (Jemberém e Barro, 1973/74)

Povoação de Barro
Foto: © A. Marques Lopes

1. Mais um camarada se perfila na nossa Tabanca, desta vez o ex-Fur Mil Inf António Clodomiro Silva Castro da CCAÇ 4942/72 que palmilhou Jemberém e Barro nos anos de 1973 e 1974. Passa a ocupar o lugar 753.º da nossa Tertúlia.

Mensagem do nosso novo camarada e amigo tertuliano com data de 3 de Setembro de 2017:

Olá Luís,
Embora não te conheça pessoalmente, é como se conhecesse o teu passado (uma parte) visto que temos um passado comum na Guiné.
Descobri o vosso blogue no passado mês de Agosto, onde deixei um comentário relativo à CCAÇ 4942(1) a que pertenci.
E agora penso que poderei contribuir com algumas fotos e histórias dessa passagem que não esquecemos.
Deixo aqui os meus dados e fico a aguardar a minha inscrição para poder publicar.
António Clodomiro Silva Castro, ex-Furriel Mil. na CCAÇ 4942/72 - Companhia Independente formada no BII 19, na Madeira, e que passou pela Guiné entre Janeiro de 1973 e Setembro de 1974.
Depois do treino operacional esteve instalada em Jemberém e depois em Barro.

Com os melhores cumprimentos
António Castro

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(1) - Aqui fica o comentário deixado pelo António Castro no Poste Guiné 63/74 - P4812: Contributo sobre a CCAÇ 4942/72 (António J. Sampaio) (2): "Os primeiros dias"

Não sei se este blogue ainda mexe, mas deixo aqui o meu comentário.
Amigo Vítor Negrais, o que aqui ficou escrito é pura verdade. Andamos juntos nesta tarefa difícil de levar uma companhia formada por homens, e trazê-la inteira de volta - e conseguimos! Mesmo com a falta de um comandante unificador, nós alferes e furriéis milicianos que lidávamos de perto com os homens que comandávamos, sempre tivemos um controlo e disciplina totais. Mas eles também sabiam que fazíamos tudo o que estava ao nosso alcance por eles, pois estávamos no mesmo barco.
Compreendo a visão do amigo e então capitão António Sampaio, vindo de fora, de quem curiosamente a minha recordação é pouca, mas lembro-me que quando substituiu o anterior comandante foi de facto um alívio e uma grande serenidade.
Quando relembro estes factos ocorridos há mais de 40 anos, dou-me conta que a memória vai-se encarregando de ir apagando alguns pormenores e até a sequência fica meia confusa, mas os factos mais importantes estão gravados a fogo.

Um abraço a todos aqueles que me reconhecem, mesmo aqueles de quem eu já mal recordo os nomes, mas o Alferes Lima era o meu comandante de pelotão - o 3.º, o Alferes Vítor Negrais o comandante do 2.º pelotão, o Alferes Pires, o comandante do 4.º pelotão e o do 1.º era um "Operação Especiais" cujo nome já falha.

António Castro
Ex-furriel mil.
6 de agosto de 2017 às 12:18

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2. Comentário do editor

Caro António Castro,
Como vês, o Blogue ainda funciona embora precisemos de malta "nova" para reactivar o registo de memórias e fotos. Muitos de nós andamos por aqui quase desde a criação desta página, destinada especialmente aos antigos combatentes da Guiné, e já nos vai faltando assunto.

Camaradas como tu, que nos vão descobrindo e gostam do que lêem, serão o garante da manutenção da vitalidade deste repositório de recordações de um tempo indesejado mas que fez parte da nossa vida enquanto jovens.

Prometes, tens de cumprir, enviar fotos e textos sobre a tua passagem pela Guiné, de um período em que a incerteza era muita, quer pela dureza da guerra quer pelo tempo que mediou a passagem desde o 25 de Abril até à passagem do testemunho ao PAIGC, e regresso a Portugal com a certeza do dever cumprido.

Temos apenas seis entradas sobre a CCAÇ 4942/72 pelo que ficas com a missão de aqui relatares os factos que achares mais importantes da história da tua Companhia, enriquecidos sempre que possível com as fotos que religiosamente guardaste estes anos todos.

Em nome da tertúlia e dos editores, deixo-te um abraço de boas-vindas.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17723: Tabanca Grande (443): Estêvão Alexandre Henriques, natural da Lourinhã, ex-fur mil mec radiomontador, CCS / BCAÇ 1858 (Catió, 1965/67)... Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 751, em dia de aniversário natalício... Está de duplos parabéns!

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17287: Historiografia da presença portuguesa em África (74): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte III: Por Cacheu, São Domingos e Farim, a 2, 3 e 4 de fevereiro de 1947... No tempo que ainda era politicamente correto falar-se em colónias, raças, população indígena, colonos europeu... e felupes que "nasceram e querem morrer portugueses", setenta anos depois do "desastre de Bolor"














Recorte do Diário de Lisboa, nº 8688, ano: 26,  edição de terça-feira, 4 de fevereiro de 1947 (Director: Joaquim Manso)

(Cortesia do portal Casa Comum >  Fundação Mário Soares > Pasta: 05780.044.11039

Citação:

(1947), "Diário de Lisboa", nº 8688, Ano 26, Terça, 4 de Fevereiro de 1947, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_22318 (2017-4-25)















Recorte do Diário de Lisboa, nº 8689, ano: 26,  edição de quarta-feira, 5 de fevereiro de 1947 (Director: Joaquim Manso)

(Cortesia do portal Casa Comum >  Fundação Mário Soares > Pasta: 05780.044.11040 >  


Citação:
(1947), "Diário de Lisboa", nº 8689, Ano 26, Quarta, 5 de Fevereiro de 1947, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_22322 (2017-4-25)

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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15303: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIX Parte): Chegou a 3.ª Companhia de Comandos e Pesadelo

1. Parte XIX de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 21 de Outubro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XIX

1 - Chegou a 3.ª Companhia de Comandos 

Jeeps e Mercedes, tudo pintado de camuflado, G3 novas, e o que é que isto nos reserva, escrito nas caras deles, novas também, boinas a estrear na cabeça, de tecido camuflado para ser tudo a condizer, olhares dentro dos óculos escuros. Tudo, tudo novo a estrear, tudo camuflado. Apresentaram-se uns aos outros no cais, os tarecos nas mãos com destino a Brá, para as instalações deixadas pelos velhos.
Bem-vindos à Guiné, que tudo vos corra bem, felicidades.


A vida em Mansoa continuava animada, o IN e a selecção de futebol na primeira linha dos pensamentos. Emboscadas, patrulhamentos, um ou outro tiro, só de longe.

O grupo a caminho da Bissau, para mais uma saída, marcada para o dia seguinte. Uma Mercedes à frente, outra a fechar, o jeep no meio. Já tinham passado Nhacra há muito, estavam próximos de Bissalanca, o jeep a andar mais devagar, calor a vir do motor, cheiro a queimado, olhou para o Alegre, a boina na cabeça, as fitas verde e vermelha a baterem-lhe na nuca, o jeep a andar ainda mais devagar, então vais parar, o Alegre com a cara a ficar vermelha, meu alferes, o jeep não responde, não me digas Alegre, meteste óleo, meti ontem, meu alferes. Capot no ar, as mãos a sacudir a fumarada, e agora, caraças?
Qualquer dia dá-lhe o badagaio, pensara há tempos, tanto pisar no acelerador e tanto pensamento nisso, era inevitável, o ME-14-04 pifou, gripou mesmo. Envolto numa grande fumarada, rebocaram-no até Bissau. E em Brá, quando lhe virou costas, parou e voltou a olhar para ele. Fiel companheiro há cerca de um ano, não o podia abandonar assim, sem o tocar mais uma vez. Quando se chegou a ele, com o motor ainda a fumegar, viu esfumarem-se também recordações que ambos tinham vivido.
Em Bissau, entregaram-lhe outro, isto também gasta óleo, é bom não se esquecer, a linguagem polida do major do serviço de material do QG.

Em Brá, os novos continuavam os treinos. Na mata em frente, ouviam-se disparos e os gritos dos instrutores. Aulas de aplicação militar a tiro, para habituarem os ouvidos às chicotadas. Na parada encontrou-se com o Capitão Alves Cardoso.
Então, quando é que saem? Precisam de alguma coisa?
Preciso mesmo, leve-me alguns na próxima saída do seu grupo, ok?

Adulai Jamanca, o 1.º à esquerda e Lifna Cumba, o "Joaquim" ao centro, em Brá, antes da saída

Ajustar pormenores da acção 

Base aérea de Bissalanca. Com a devida vénia ao blogue especialistas da BA12. 

Seis horas, na Base Aérea de Bissalanca, o grupo com 4 equipas.
Helis no ar, sobrevoaram Mansoa, o Oio, o pequeno Olossato lá em baixo, sempre em rota para Noroeste, em direcção à fronteira com o Senegal.


A formação a desviar-se para a esquerda, Ganturé dum lado, Binta à direita, começaram a baixar, a bolanha, saltar, corrida para a mata. 

Estávamos na zona de Bigene. Notícias recentes insistiam em referir aumento da actividade IN no corredor Sano-Sinchã-Fangor-Canja. O objectivo do grupo era nomadizar na zona durante cerca de 48 horas, procurar indícios de actividade IN. Deram com alguns trilhos e um, com marcas de movimento, pareceu-lhes adequado para ali passarem a noite, emboscados. 
Duas ou três da madrugada, um restolho. Uma cobra mordeu uma das pernas do Lifna Cumba, mais conhecido entre eles por Joaquim. Com a ajuda de uma lanterna, localizada a mordedura, o enfermeiro deu-lhe o soro anti-ofídico depois de ter lavado e desinfectado a ferida. 
A partir daquela altura, se alguém estava com sono, acordou mesmo. Ninguém dormiu, a atenção redobrou. Após a chegada do sol calcorrearam as margens daquele trilho que acabou por os levar a uma picada. Atravessaram-na e continuaram a andar para norte em direcção à fronteira. Por volta do meio-dia, de um Dornier que os sobrevoava, receberam a ordem para voltarem para trás em direcção à estrada Ingoré-Barro, que antes tinham atravessado, e que aguardassem a recolha. Horas mais tarde o grupo foi recolhido, por uma força do BCav 790.

Na estrada Barro-Ingoré, a aguardar coluna de regresso, com o alferes Rogério Coutinho (frente direita) e mais dois elementos da 3.ª Companhia de Comandos (atrás à direita)

Locais diferentes, quase sempre o mesmo, apenas para marcar presença num dos santuários do IN. Macacos, casas de mato abandonadas, gado, trilhos pisados. 

Depois foi o regresso a Mansoa, pele gasta de tanta porcaria e tanto banho. Joaquim Lifna Cumba, em último plano, sorridente. O susto já tinha passado.
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Nota
1 - Comandante da 3.ª Companhia de Comandos

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2 - Pesadelo 


Uma povoação junto ao mar, o dia nevoento, o vento a soprar forte, a ronca do farol, a sirene dos Socorros a Náufragos, as mulheres dos pescadores, todas de preto, mantos negros das cabeças até às costas, a correrem descalças para a praia, aos gritos, um velho louco chamado Pilau a gritar para os céus, uma pistola de madeira, uma camisa verde, a bicicleta com o nome dele pintado no quadro, a brincar sozinho no quintal, o pai a deixá-lo na casa dos avós, a desaparecer ao longe na Lutz2, o nascimento do irmão, a azáfama do parto no quarto dos pais, a madrinha, o tio e a avó, o espelho interior do guarda-vestidos a partir-se, os ditos delas da má sorte que os espelhos partidos trazem, a entrada na escola, a vontade de fazer chichi, a vergonha de pedir para sair da sala, o tinteiro da carteira na mão, a transbordar de chichi roxo, o professor Martins zangado, aos berros, os outros a rirem-se, os calções a molharem-se-lhe cada vez mais, a mãe a dar-lhe palmadas no rabo enquanto lhe dava banho, seu porco, o padrinho a dar-lhe uma moeda de 2$50, uma mulher a lavar as escadas de pedra com um sabão amarelo, não passes agora que escorregas, ele sempre a teimar, a mãe a fazer-lhe pontaria com não sei quê, a acertar-lhe na cabeça, a corrida para a farmácia, a gritaria, o senhor Monteiro a limpar-lhe a ferida com álcool. 
Vontade de fazer chichi, barulhos de vozes, muito longe dali, um mal-estar sem descrição, água a escorrer pelo corpo, dentes a bater, um frio de arrepiar, o lençol todo molhado para trás, calor, a tiritar de frio outra vez, lençóis até ao queixo. 

A ida para o Gerês, naqueles tempos nem luz tinha, uma casa antiga e grande. O medo do escuro, o irmão doente, o ambiente mais escuro, uma noite quente, as janelas, todas as que estavam viradas para a serra, a abrirem-se com um sopro de vento. 
Depois a mudança para uma casa linda e cheia de sol. A escola, a paixão pela professora mal a viu, o primeiro livro de leitura, os rabiscos, as letras a desenharem-se, a primeira carta de amor para a Marília no meio do livro, a mãe a folheá-lo à noite, o encontro da carta com as mãos da mãe. O que é isto? 
Para a cama já, imediatamente! O pai a chegar mal disposto, a entrar no quarto com a carta na mão, então é isto que andas a aprender, seu malandro, o cu das calças do pijama cortado às fatias pelo cavalo-marinho. 
A noite aos ais, dentro dos cobertores, pela manhã arrastado até à escola pela mão, a conversa do pai com a professora, vermelha a ler aquelas indecências, mas é a letra do menino, quem lhe ditou esta pouca vergonha, o pai a sair todo sorrisos para ela, cara feia para ele, estás tramado, a professora com uma cara tão zangada a dizer para a classe que eram tantas as poucas-vergonhas escritas que nem as podia ler e a palmatória a cair numa mão e na outra, vezes que nem contou. 
O pior estava para vir, não acabara ainda o castigo. Vá ao quadro de honra, risque os pontos que tem neste período, já! Era uma vez o 2.º episódio do Ladrão de Bagdad, a desaparecer à medida que os pontos iam ficando debaixo dos riscos. As brincadeiras com os Dantas e com o “Merda-Seca”, as bolas de todos os tamanhos, as pistolas de pau e de barro, as corridas, o baloiço alto, parecia o trapézio do circo que vira uma vez, o baloiço a ganhar balanço, a corda a partir-se, ele e o baloiço a caírem em cima do arame farpado espalhado pelo chão, o sangue a escorrer dos buraquinhos, todo, outra vez a mãe a lavá-lo com água, sabão e palmadas. 

Vozes outra vez, uma luz difusa, noite talvez, o corpo todo picado de dor, costas e tudo, um calor de escorrer águas, lençol fora, dentes a bater.

Numa tarde quente, viu-se a subir sozinho para a Casa do Povo, ninguém lá dentro, uma sala abandonada, montes de papéis espalhados pelo chão, no meio uma fotografia grande de um homem com bigode, de cabelo escorrido, farda castanha, Adolfo Hitler escrito em baixo, quem será? 
Outra vez de cama, quente na cabeça e frio no corpo, o jornal com fotografias de muita gente junto de um caixão, oh mãe quem é este que diz aqui que morreu? 
O Chefe do Estado, o Marechal Carmona, não sabes ler? 
Dias quentes e abafados, os domingos passados em Quintã, na quinta dos Noronhas, os relatos dos jogos de hóquei em patins, Emídio Pinto, Raio, Edgar, Jesus Correia e Correia dos Santos, os golos na baliza dos espanhóis, Zabalia, Trias, Más, Rocca, Puigbó, os ruídos das interferências do rádio, é muito longe, pai? 

Gritos, pareceu-lhe ouvir, um rádio roufenho, golo de quê, Portugal não sei quantos, Inglaterra, uma voz que não era estranha, a esperança é a última coisa. 

O liceu, os dias passados entre as aulas e as viagens da camioneta do Gerês, as tardes a matrecos no Carvalhal, as aulas, os soquetes das meninas, os namoricos imaginários, os olhos presos na televisão do café, a única em toda a povoação e redondezas, que maravilha, como se pode ver ali tudo que se está a passar agora? Os jogos do Benfica com o Barcelona e o Real Madrid, as taças ganhas no meio dos vivas ao Benfica e ao Costa Pereira, ao Ângelo, Germano, Eusébio, aos Cavéns, ao capitão Coluna, o José Augusto numa ponta, Simões na outra, Bella Guttman de pé no banco, o Santamaria a chorar, o Di Stefano à beira do Gento, metro e meio de um gajo a correr como o carago, colado à linha da esquerda, manda-me esse galego para canto, um espectador com um Kentucky, enrolado numa mão, a fazer fumo, boina na cabeça que não deixava os outros verem. 
A Florbela Queiroz em biquíni na piscina, o Henrique Mendes de laço, a Simone e a Madalena Iglésias, a Paula Ribas, o Galarza a falar espanhol com um piano, o Robin Hood com um frade ao lado a assaltarem um coche, o Danger Man a chegar de descapotável ao cimo de um monte, lá em baixo as luzes de Hong-Kong a iluminarem a baía, um carro sozinho a andar com o Homem Invisível ao volante, o Santo do Roger Moore, o pai do Litlle John, do Adam, do Hoss gordo, dos Cartwrights todos, a música a incendiar a pradaria, o papel a arder, Bonanza a aparecer com eles a cavalo. 
E, num dia, outras coisas, um capitão chamado Galvão tomou o Santa Maria, o Pandita Nehru ocupou Goa, Damão e Diu, o Artur Agostinho a contar como se lá estivesse, a brava resistência das gloriosas tropas portuguesas, as chacinas das populações no Norte de Angola, tudo a seguir e ao mesmo tempo, nós todos a olhar, calados, o arrepio pela espinha, uma vontade de lá estar também, o Salazar a falar com os óculos na ponta do nariz, as tropas a desfilarem, o assalto ao quartel de Beja feito por um tal Varela Gomes. 
Lisboa, os cheiros da cidade, Mafra ao longe, o Convento, guerras com cartucho de bala simulada, com alfinetes nos caracóis, melão com verde branco, crosses em fato zuarte quase até à Ericeira, 10 dias de licença, guia de marcha para Angra do Heroísmo, alcatra com vinho de cheiro, formação da recruta, 3 ou 4 meses depois de muita maluqueira, a notícia, para a Guiné, uns dias de férias outra vez na terra, numa despedida um amor súbito a abrir-se. 
Vozes desconhecidas, os olhos pesados, caras enormes em cima dele a mexerem os lábios, devo estar a sonhar, tanta coisa junta, um de bata branca com uma seringa, o que se passa, a cabeça, o peito, as costas, o corpo todo a doer, a escorrer suor até nos pés. 
Há dois dias que está assim, ouviu longe. Fala alto, deve estar a delirar, ouviu um a dizer, vamos levá-lo para Bissau, para o hospital. 
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Nota
2 - Motorizada alemã

(Continua)

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Nota do editor

Poste anterior da série de 22 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro

1. Parte X de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 10 de Agosto de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - X

Barro, Bigene

Isto por aqui estava tudo calmo. Agora parece que chegou a nossa vez, parece não, chegou mesmo. Isto é complicado, o nosso governo tenta manter esta merda sob controlo, estamos aqui quê, 15, 20 mil gajos, não? Não é pela Guiné, claro, esta terra não tem nada, por outro lado é preciso ver, os soviéticos querem manter o Salazar sob pressão, estás a ver, dispersão de esforços, para a malta não se concentrar em Angola, petróleo, diamantes, madeira e tal, a Guiné é água e mosquitos, fazem-me a vida num inferno, os filhos da puta picam-me até dentro dos lençóis, grandes cabrões, aqui não há mais nada, é ou não é?
É pá, falam da ONU, a ONU é outro buraco, dali não sai nada para nós, pá, o Johnsson está atolado no Vietname, os Américas nem a cabeça podem pôr de fora, caladinhos que nem cucos, votam a nosso favor nas coisas de merda, votam contra nós nas outras, querem lá saber da malta!
E Barro, o que é Barro? Um buraco, num buracão que é a Guiné, correcto?
Mas nada de grandes problemas, mais ou menos calmaria até à semana passada, percebes? Agora, aquela bronca de Farim, é que foi o caraças! Está aqui a malta metida, meia dúzia de gatos-pingados, ainda por cima meias-fodas, que não têm onde cair mortos, a ver se o tempo passa, agora chegam vocês, só me faltava mais esta!
Mas qual ajuda, qual merda! Vocês montam aqui as barracadas e tal, e depois é como os enxames de abelhas, abanam a árvore, as putas das abelhas, dá-lhes não sei o quê, parecem stukas a cair em cima de nós, e depois como é?
Depois vocês vão para o quentinho, para Bissau não é, p'rás cabo-verdianas, para o meio da coxas delas, lençoizinhos brancos que elas gostam, mosquiteiro e tudo, não é, que eu bem sei, também passei por Bissau, ainda me lembro, que é que julgas, a malta aqui nem o padeiro vê, há que tempos que já nem me lembro, ó pá, aqui só tropa, mais nada!
Ouviste, desculpa lá, cabo-verdianas, pois, obrigado, agora estou sempre a lembrar-me é da mão, sim é com esta, sou canhoto, porquê importas-te? Ah bem, era só o que me faltava vir agora um guerrilheiro de Bissau dizer-me para mudar de mão, nem a professora, a D.ª Eugénia, lá de Vinhais, boa senhora, coitada, aquilo é que era uma professora, agora já não há disso, o que é que estava a dizer, ah já sei, olha que nem a D.ª Eugénia, coitada da senhora, se cansou de falar à minha mãe, não me puxavam as orelhas, qual quê, amarravam-se a elas, foda-se, estás a ver como ficaram, espera aí, acabo já, de que é que estávamos a falar, ah a mão, claro já me lembro, estou a dizer-te, amigo, nem a D.ª Eugénia conseguiu mudar-me a mão, ouviste?
Ainda há bocadinho, antes de vocês chegarem, dei com uma revista, ai nossa senhora, uma revista qualquer, sei lá, qual Playboy qual quê, essas ficam todas em Bissau nas mãos do ar condicionado e tal, espera aí, já sei, Estúdio ou Studio, agora não tenho bem a certeza pá, era uma revista de cinema, a Ava Gardner, uma artista, sabes quem é? Sentada num banco alto, ai nossa senhora, não vais acreditar, umas pernas, o vestido um bocadinho acima, os joelhos à mostra, quando fui à sentina, baixei as calças pá, não sei como, sai-me o pau virado p'ra cima, quase encostado ao umbigo, não acreditas? Estás a rir-te, pá? Não acreditas?
Desculpa, amigo, agora a sério, desculpa pá, estavas a falar de quê? Estou meio zuca, não repares pá! Não era só eu que estava a falar, desculpa lá, mas tens que ver, estou aqui há não sei quanto tempo, há dias que não falo, há dias em que só falo comigo! Espera aí, o que é que eu estava a dizer? Ah, sim! Então, vocês levantam a caça, põem-se na alheta, depois é que é o caraças, nós é que vamos apanhar com os cagalhões em cima, foda-se, fodam-se todos mas é!
Não é trovoada, não! Não ouves, porra? Ouvidos de Bissau, claro, é só carros, não têm ouvidos para outra coisa. Aqui em Barro não há surdos, ouvimos tudo!

Pouco mais de um metro e meio, cabelo farto dos lados mais que em cima, bigode farfalhudo, Toilas, o alferes Toilas como era conhecido, comandava aquele destacamento com uma garrafa de Vat 69 mesmo à mão. O outro ao lado, numa esteira presa aos pilares da casa onde estava alojada a inteligência deste posto avançado, Barro, na fronteira norte com o Senegal.
Do quarto ao lado, onde funcionava o posto rádio, o radiotelegrafista a gritar, Bigene está a ser atacado!

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Bigene, Barro

Em Bigene bebia-se bem, capitão à cabeça. Ou comando ou não comando, o comandante à rasca com as palavras.
Não fico nem mais uma noite neste quarto, daqui a bocado, ponho-me na alheta. Ou acordava com os arrotos ou com as idas do capitão ao quarto de banho, amarrado às paredes, vómitos, água do autoclismo.

Estremunhado, parecem estrondos! O barulho da locomotiva na cama ao lado entrara em velocidade de cruzeiro. Rebentamentos? Ai são, são, calças enfiadas, botas sem meias, p'rá rua já!
Clarões para os lados de Barro. Um espectáculo magnífico e assustador, tal e qual como vira uma vez, quando numa noite de um Agosto longínquo, regressava das festas da Agonia em Viana.
Galgou as duas escadas para a sala do rádio, o telegrafista de serviço na cama, a sono solto. Não se passa nada aqui, o rádio aflito a chamar, não se calava nem o militar acordava. A pé, baixinho, só para os ouvidos do radiotelegrafista. Um pulo, o coração dele também pelos vistos, ligação estabelecida, finalmente! Barro à morteirada, há meia hora pelo menos, temos feridos.
Pessoal cá fora, todos com os olhos para Barro. Chamou o Valente, falaram à parte, outra vez para o quarto. Pepsodent, cuecas e meias no saco, água na cara, porta fora.

Para Barro, margens da picada, em coluna por um, bem espaçados, a 1.ª equipa à frente, destacada uns 50 metros, cuidados mais ainda que os habituais. Uma madrugada fresca, boa para andar. À medida que iam andando, os rebentamentos iam espaçando, até que deixaram de se ouvir.
Chegados a dois ou três quilómetros da povoação, meteram-se para dentro da mata, e deixaram-se estar ali até o dia começar a clarear. Quando voltaram à estrada, um dos homens da frente chamou a atenção para o que lhe parecia ser um papel, pregado numa árvore. Duas folhas dactilografadas, tudo em maiúsculas.

"Chamais bandidos aos que lutam pela sua terra e pela liberdade do seu povo. Vós bem sabeis contudo, que verdadeiros bandidos, são vosso patrão Salazar e a camarilha de ladrões que roubam o bom povo português, mandando os jovens da vossa pátria morrer ingloriamente por uma causa injusta e por isso de antemão perdida.
Sabeis que vossas mães, noivas, irmãos e amigos choram de dor pelos vossos camaradas que morrem neste país que não é o vosso, longe da vossa pátria e da vossa família. Os nossos chefes não estão no chão francês, estão dentro do nosso país!
Vós sois escravos de um tirano, de um velho caótico de 75 anos, peru vaidoso, que demonstrando claro desprezo pelas gerações modernas do vosso país, em conferência concedida ao chefe do "Bureau da Reuter", nas Nações Unidas, declarou que gostaria de se demitir das funções que ocupa mas que não o poderia fazer pela necessidade de dirigir a política portuguesa em África. O vosso patrão considera-se o único homem em Portugal com valor para dirigir o vosso país!
Nós não passamos fome!
Nós não passamos frio!
Porque estamos na nossa terra e a lutar pela nossa pátria.
Na vossa pátria milhares de vossos compatriotas passam fome e toda a miséria possível, vendo-se obrigados a imigrar clandestinamente para o estrangeiro para não morrerem de fome. Só para a França fugiram nestes dois últimos anos mais de cinquenta mil operários, conforme declarações oficiais francesas.
O nível de vida do vosso povo é o mais baixo da Europa e um dos mais baixos do Mundo! A tropa não vai embora?
Sim, infelizmente para vós, muitos ficam!
Não voltarão mais aos seus lares, não voltarão mais ao convívio dos seus, jamais voltarão a receber os carinhos dos pais, das esposas, dos amigos.
Ainda estais a tempo de ir pelo vosso próprio pé!"

Foram entrando devagar em Barro, povoação fantasma. Ouviam risadas de alguns nativos que se iam apagando à medida que os iam vendo, fechavam a cara, ficavam a olhar para eles.

Barro. 
Foto: © A. Marques Lopes, in Luís Graça e camaradas da Guiné.

Uma loja de uma família libanesa, daquelas que vendem arroz, agulhas de coser, frigoríficos, panos, mancarra, o que havia, sentado cá fora, cara de infeliz, chávena de café na mão, o Toilas a olhar para ele.
Calmaria em Barro era uma vez. Por acaso até estava acordado, foi um estrondo a abrir, só queria que ouvisses, não, trovoada não, pá, vai gozar com o caraças, um estrondo mesmo em cima de nós, merdas a partirem-se. Não tive dúvidas, só gritei, é malta, p'rós abrigos!
Sei lá que horas eram, nem me lembrei de olhar para o relógio. Do lado do rio não, fogo foi só daquele lado, do lado do Senegal. Respondemos pois, ai não, à morteirada para não ficarmos atrás e umas bazucadas de brinde. Para onde?
P’ráqueles lados. Queres ver as marcas dos balázios dos gajos? Uma vintena de passos dados, lá estavam as paredes da pequena casa que servia de posto de comando de Barro crivada de furos.
Não, ainda não saímos daqui, o Toilas, agitado. Como é que havíamos de os perseguir, que porra!
Temos cabrito para logo! E temos mais ali, para ocasiões especiais, como esta é que espero que não! Não pode ser tudo mau, não é? Quando voltais a sair? Esta noite não, porra! E o capitão, meteu-se muito nos copos? Aquele gajo já veio bêbado da metrópole, é um profissional do mergulho!

Cabrito arrumado com cerveja, a lua e o sono misturados, num momento parou tudo. Estás a ouvir, outra vez, ouviste? Filhos da mãe, os gajos outra vez! É Bigene, o telegrafista, como se os outros não ouvissem.
Outra vez para Bigene, a mesma caminhada, quase as mesmas horas, procedimentos idênticos. Só o barulho de helis para os lados de Bigene é que foi diferente. À entrada da povoação flagelada nessa noite, os nativos remexiam no chão, nos buracos frescos e, ou não os viam a chegar ou então faziam de conta.
Ar de apardalados, caras desanimadas, uma noite infernal. O capitão, decidido, tinha pedido apoio a Farim. Chegara há momentos uma equipa médica e mais um pide. E havia mais gente dentro das cadeias improvisadas.
Bigene estava a ser atacada de fora, mas também de dentro, as trajectórias das balas, da casa do administrador e de outras casas também, para o edifício onde os oficiais dormiam, não lhes deixavam dúvidas.
Militares num magote, a uma centena de metros além do arame farpado, rodeavam dois tipos brancos com ar de polícias e um desgraçado, àquela distância parecia cabo-verdiano, no meio deles.
São os pides que estão a interrogar o administrador do posto! Está farto de enfardar, toda a maralha já molhou a sopa no gajo, um soldado para outros que corriam para lá, no meio de grande agitação.
Diga lá, senhor Sony, como combinaram então o ataque? Recapitulando, o senhor veio até aqui, esperou junto a esta árvore o Ramos, não foi? E depois, abra lá essa cloaca, conte tudo, que a gente não sai daqui sem o senhor contar tudo, não é?
O desgraçado com marcas de sangue fresco na cara, nos braços, nas costas, os olhos exaustos! Até bocados de pele e carne lhe faltavam!
É guerra, é guerra, um militar inflamado!
O espectáculo continuava, sem intervalos, agora com mais gente, população local também, todos num magote, numa agitação ainda maior.
Um dia para esquecer, ou para não esquecer nunca mais!
O grupo tinha o regresso a Bissau marcado para dois ou três dias depois, por via marítima. No dia seguinte, ao alvorecer, partiriam para Barro, onde aguardariam instruções sobre a data e hora exactas de embarque. Durmo com o grupo na “arrecadação”.

A mulher do chefe de posto, de vestido preto sem mangas, o gabinete do capitão, o tipo a levantar-se, beijo na mão, o sentar elegante e digno dela, o capitão a passar a mão pela careca, olhos de uísque, a porta a fechar-se com estrondo, o coração aos pulos, a querer abrir a porta, não abria, a maçaneta soltou-se com a força, a mão com a maçaneta aos murros na porta, capitão, capitão, não!

Acordou sobressaltado, os estrondos enormes lá longe, outra vez Barro, toda a gente a pé, a correr para a rua, o mesmo espectáculo.

Os ataques às povoações de Barro e Bigene, fisicamente não os tinham apanhado, nunca souberam nem como nem porquê, coincidências apenas.
Alguém alvitrara que as mudanças constantes terão sido um motivo, outros que talvez o IN estivesse a jogar ao gato e ao rato. Chegaram a sair aí pelas três ou quatro da tarde, fizeram grandes desvios pelo mato para disfarçar, dispuseram-se em frente a Barro uma vez e outra em Bigene, aguardaram emboscados noite fora até o Sol nascer, que os guerrilheiros flagelassem para tentar apanhá-los na retirada, eufóricos como costumavam mostrar-se quando não tinham baixas.
Nunca aconteceu. Emboscadas, patrulhamentos, nem um contacto.
Donde vêem eles? De Sano, toda a gente falava em Sano. É de lá que os gajos vêem, é um acampamento grande!
Onde fica isso, o que é que há lá, algum guia para nos levar? Uma noite destas vamos lá acordá-los. Nem penses, comigo não contes, só com uma ordem de operações na mão, arrumara definitivo o Toilas, com um cigarro a cair da boca.

E, na noite desse dia em que chegaram a Barro, prepararam-se para irem a Sano, ao Senegal, sem mais informações a não ser os caminhos que os guias de Barro conheciam. Era o 1.º dia de Dezembro, uma data festiva. O Toilas a insistir, esta noite não pode ser, hoje até é feriado! Toilas, é uma noite muito conveniente.
Um incidente à partida, invulgar para os costumes deles. O sargento Valente pegou-lhe num braço e afastaram-se uns metros.
Estamos com um problema na equipa do Black. O Bacar Jassi recusa-se a levar o lança-rockets e as munições.
Como? Recusa-se? Sempre foi assim, desde sempre, outros carregaram sempre com o material, porque não quer, porque é que o Black não consegue que ele entenda?
Que é muito peso, só quer levar 4 munições, os outros que levem as restantes!
Cheira-me a esturro, Valente, não pode ser, o Albino leva a MG, as fitas, mais de 10 quilos!
Foi ter com o Jassi, ouviu-lhe as razões, uma birra muito estranha.
Os rockets vão, contigo ou com outros, Jassi!
Não posso, meu alferes!
Algemas nas mãos, enfiaram-no num galinheiro com suspeitos apanhados nos últimos dias, arame farpado à volta, enquanto o grupo se aprestava para sair. Um comando estar preso com turras, o Jassi1 a chorar, aos gritos!
Tudo pronto para a saída, duas secções do pelotão do Toilas incluído, e o Valente outra vez, que o Bacar Jassi queria falar com o comandante do grupo. Jassi achava ter razão, que era peso a mais, que na instrução o alferes sempre dissera para pensarem com a cabeça, mas que estava pronto para cumprir a ordem e pedir desculpa.
Enquanto o resto do grupo aguardava que o sargento Valente soltasse o Jassi, o grupo começou a sair de Barro equipa por equipa. Duas ou três centenas de metros adiante, aguardaram que o grupo se recompusesse e puseram-se a caminho, os dois guias à frente, o Jamanca logo a seguir e o grupo todo atrás.
Cerca de uma hora depois arrancou a tropa de Barro, iria ficar instalada a cerca de um quilómetro de Sano. Uma noite boa para andar, lua fraca, noite seca, um pouco fresca.
Aí pelas quatro horas viram luzes, ouviram galos, estavam perto de uma povoação, os guias a dizerem que Sano era em frente, aquelas casas que se recortavam ao fundo. Fizeram o que deviam, colaram-se ao chão, em linha, bem separados. Curvado, percorreu o grupo, parelha por parelha, tudo em ordem.
Estamos em Sano, parece não haver dúvidas, Valente.
Pois, uma povoação no Senegal, se calhar só civis, guerrilheiros o que se sabe até agora é só conversa, mais nada, histórias que têm um acampamento aqui nesta zona. Isto aqui à nossa frente é uma povoação, galos a cantarem, é melhor pensar bem, não? E o meu alferes nem ordem escrita tem!
Mais de meia hora a mirarem Sano. Ok, Valente, não vamos fazer nada2. Civis lá dentro, amanhã o Shenghor, o Touré3, os N’Krumahs4 todos, um barulho danado na ONU, o Salazar furioso, inquéritos, mais chatice, ninguém nos mandou entrar no Senegal, é, vamos mas é dar meia volta, decidiu algo contrariado.
Foi o que fizeram, não sem um perguntar, então, e os rockets voltam outra vez? E outro, nem um aviso deixamos? Achas que é preciso, o furriel Azevedo a cortar.

Regressaram a Brá todos enlameados, por fora e por dentro. A guerra era para ser feita sem alardes, com inteligência. Havia que preservar o grupo de tarefas inúteis, de algumas guerras que uns escritores de relatórios gostavam de desenhar, para depois realçarem no papel a intrepidez da acção, a argúcia do ataque, os resultados brilhantes, que em vários casos só eles viram. Quem os lia no QG, achava uma autêntica felicidade, tanto fogaréu, ataques tão violentos, tantas baixas no In e a NT sem uma beliscadura, ou então uns feridos ligeiros só.
Várias vezes ouvira apartes deste tipo, das bocas de pessoal das 2.ª e 3.ª Rep., em pleno QG em Bissau.

Já à noitinha em Brá, tão exausto que se deitara só para matar saudades da cama, antes de tomar um bom banho, a cara ainda preta de carvão e suor, a voz do Vilaça, com a corda toda, a contar histórias de Bissau, ficara colado ao colchão como um íman, a noite toda.
Quando abriu os olhos viu os dentes brancos do Sany, sentado a olhar para ele. Estava sem calças, sem botas, sem meias, em cuecas só. Sem dar por nada, o Sany tirara-lhe a roupa toda mal chegou pela manhãzinha. Saco arrumado no canto, o quarto outra vez um brinco.
Infamara Sany, herança do capitão Saraiva, era um tipo raro na Guiné daqueles tempos. Uma dedicação tão treinada que incomodava. Em frente do Sany nem se arriscava a tirar a camisa. Quando ia pegar nela outra vez, já tinha ido para lavar. Botas a reluzir, fardas lavadas a cheirar a Tide, engomadas que era um regalo, o quarto a brilhar, nunca em casa alguma em que estivera antes, vira tanta coisa tão limpa ao mesmo tempo!
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Notas:
1 - Bacar Jassi nasceu em Fulacunda, em 7 Janeiro 1944. Foi incorporado em 13 Set. 1964. Tenente da 3.ª CCmds Africanos em 1974. Fuzilado no Cumeré em data não apurada.
2 - 01/12/65, Op. "Soquete", base de Sano, zona de Barro-Bigene. Apoio do BArt 733. Com a base/aldeamento à vista, bem dentro do território do Senegal, foi decidido não atacar.
3 - Sékou Touré, Presidente da República da Guiné-Conacry
4 - Kwame Nkrumah foi Presidente do Ghana de 1960 a 1966

(Continua)
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Nota do editor

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