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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10819: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XVI): O "Mau agoiro"; O cadáver adiado; Encontro com a má fortuna; A regra ou excepção?

1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74), com data de 13 de Dezembro de 2012.


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XVI

O “ MAU AGOIRO “ ; O CADÁVER ADIADO ; ENCONTRO COM A MÁ FORTUNA; A REGRA OU A EXCEPÇÃO?

Confesso que não lera o P10786*, mas ao receber um comentário do fundador deste nosso Blogue, eivado de tristeza e de desconforto, deu-se-me um aperto no coração, pois se há algo com que não pactuo é com a leveza com que se classifica o trabalho das outras pessoas e, neste caso particular, a forma imerecida, indevida e injusta como se passa a “certidão de óbito” a um espaço vivo, repositório de enorme saber, consultado por “tudo que é gente” com um número enorme de leitores, onde a liberdade de expressão é um direito, onde tantos de nós conseguiram ultrapassar o silêncio que a nós se colara durante tantos e tantos anos e aqui, pela primeira vez, como foi o meu caso, conseguiram começar a falar da guerra da Guiné e onde receberam palmadas amigas nas costas e afectos tão importantes que nos ajudaram a deitar cá para fora o que tanto nos incomodava.

Que fique claro, esse espaço chama-se LUÍS GRAÇA % CAMARADAS DA GUINÉ a quem presto homenagem na pessoa do seu fundador o Camarada Luís Graça! Quer isto dizer que estou em total acordo com tudo o que é publicado? Não senhores, não estou e manifestei-o há tempos quando Camaradas meus foram insultados pela publicação de um texto vindo de um qualquer blogue e, que fique bem claro, não tenho nada contra a publicação da história de qualquer Companhia, mas apenas contra os insultos à laia de apresentação que caíram sobre camaradas meus na Guiné que comeram o pão que o diabo amassou.

Adianto até que, ao contrário do que pensava, não mereci da parte do Luís Graça uma qualquer resposta à minha intervenção, ele que havia sido o editor de tal publicação!
Quer isto dizer que nunca me aborreci com ninguém? Não, sofri pelo menos uma desilusão de quem apregoa amplas liberdades, mas que, quando alguém emite opinião diferente da sua, corta relações pessoais!

Mas que culpa tem o Blogue? Nenhuma! E se, Luís Graça, não viste nenhuma coruja pousar sobre a nossa Tabanca à meia noite, o Blogue não morrerá em breve, segundo S. Cipriano, para desanuviar!

O meu Camarada Alberto Branquinho que sempre leio com gosto e atenção, refere que a expressão “cadáver adiado que procria” é usada pelo poeta algarvio António Ramos Rosa para nos ensinar que todos nós somos falíveis, fugazes, efémeros mas o HOMEM, tal como o BLOGUE LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ, continuará a andar por aí.

Sem me querer armar aos cágados dizer que esta expressão é retirada de um poema de Fernando Pessoa, intitulado:

D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza 
Qual a Sorte a não dá. 
Não coube em mim minha certeza; 
Por isso onde o areal está 
Ficou o meu ser que houve, não o que há. 
Minha loucura, outros que me a tomem 
Com o que nela ia. 
Sem a loucura que é o homem 
Mais que a besta sadia, 
Cadáver adiado que procria? 

Lidos os comentários fui então ao Poste Má Fortuna do meu camarada e amigo José Dinis! O cenário deste episódio é em tudo idêntico a outros já relatados pelo autor; os actores principais são os mesmos, o Cap. Trapinhos e os dois primeiros sargentos e a conclusão também a mesma: roubaram à tripa forra.

Alguns camaradas dizem ter sido esta a regra, outros que este tipo de comportamento terá sido excepção. Deixo o assunto para quem apresente provas… e há tantos estudiosos!

Não sei se houve da parte do Zé Dinis coragem para lhes ter dito na cara o que agora escreve e, se sim, a minha admiração! Não, não me venham com essa dos galões pois quando há razão e provas… venha quem vier!

Curiosamente, após os quatro meses que fiz de estágio em Angola e no retorno a Mafra, onde pouco ou nada aprendi, havia da nossa parte, os então tenentes de proveta, uma conversa recorrente: como será o primeiro sargento? Se forem assim estamos feitos, se forem assado estamos safos!

Era o medo da entrega da Companhia no final da comissão que nos preocupava, emprenhados que estávamos com histórias e histórias que se contavam de sargentos que se ofereciam para fazer comissão atrás de comissão! Mas se lá, no Ultramar, ganham não sei quantas vezes mais… diziam uns.

Não é só o que ganham de ordenado é também o que ganham por fora, contavam outros e havia sempre um camarada que ouvira dizer que fulano ou beltrano ou sicrano enriquecera num instante, enfim à boa maneira portuguesa.

Eu que vivi no mato com os meus homens, tinha a secretaria em Aldeia Formosa, onde diariamente nos deslocávamos para ir buscar os géneros e só muito mais tarde, creio que em finais de 1973 vieram para o Cumbijã, já com outras condições de habitabilidade! O primeiro sargento da minha CCav 8351 chamava-se António Joaquim Redondeiro, já falecido, em quem sempre acreditei, que sempre, sem titubiezas, me apresentava o que eu pedia, pois ser economista tem algumas vantagens, que me abraçou a chorar quando tivemos a saga de Nhacobá, que sempre soube ter o pré no primeiro dia de cada mês, que nunca atrasou um mapa e que era respeitado por todos nós!

Aqui deixo a sua fotografia a modos de homenagem


Foste a regra ou foste a excepção? 

Um bom Natal para toda a malta da Tabanca Grande!
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10786: História da CCAÇ 2679 (57): Encontro com a má fortuna (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 19 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10279: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XV): Que a ânsia de números e o bater de recordes não maltrate as pessoas

domingo, 19 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10279: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XV): Que a ânsia de números e o bater de recordes não maltrate as pessoas

1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, dirigida ao nosso Blogue:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XV

QUE A ÂNSIA DE NÚMEROS E O BATER DE “RECORDS” NÃO MALTRATE AS PESSOAS!

Havia prometido a mim mesmo nunca mais intervir neste Blogue, não por motivos de doença, que é desculpa que facilmente se invoca para o afastamento e no meu caso até é verdade, mas pelo desagrado de algumas intervenções e comentários que fogem dos parâmetros da sã convivência e da camaradagem que devem reinar nestes espaços. Depois, porque é minha norma de conduta não ofender ninguém, o que não me impede de expressar com inteira liberdade, que bebi do meu pai muito antes do 25 de Abril, a minha modesta opinião! Até o expressar de opinião sincera me causou dissabor pessoal ao ver que a máxima “se não és por mim és contra mim” também é propriedade de camaradas de alto gabarito intelectual que cortam da lista dos que se diziam muito amigos, os que não querem ser “meninos do coro“!

Mas por vezes o silêncio, que é o mais alto de todos os gritos, não é suficiente!

Tenho o maior respeito pela obra que o nosso Camarada Luís Graça foi capaz de saber fazer, pelo bem que o Blogue me fez, pelo que nele aprendi, pelos amigos que aqui conheci, pelo manancial de riqueza de informação que o Blogue proporciona, onde mestrandos e doutorandos vêm beber mas, e perdoa-me a franqueza, Luís Graça, sinto de há algum tempo a esta parte, que a quantidade passou a ser “demasiado” importante e então, quando os assuntos sobre a Guiné escasseiam, fotocopiem-se livros e revistas e publiquem-se…

A chama do Blogue está a apagar-se (?) então respigue-se o caso do Guileje, copie-se na íntegra para a Tabanca Grande um outro blogue nem que o mesmo tenha apenas e só um poste escrito há quase três anos, e vá de publicar isto por capítulos!

Não vou perder muito tempo com a análise do conteúdo de O Blogue Guileje 3325 - Vamos Falar verdade!!, pois nunca estive no aquartelamento do Guileje e, embora ignorante, não sou atrevido apesar de, e porque fui quase vizinho, ouvir no meu Cumbijã os embrulhanços a que os meus camaradas estavam a ser sujeitos! Para quem como eu pertenceu a uma Companhia que embrulhou tantas vezes, sofreu dois ataques ao arame, ainda vivíamos em barracas de lona, sofreu uma série de emboscadas, teve de assaltar Nhacobá, participou na construção da estrada até Nhacobá, prestou segurança na nova estrada de Buba, teve de levantar um aquartelamento de um deserto minado, tinha de fazer uma coluna diária a Aldeia Formosa para abastecimento, tem três mortos em combate bem como mais de duas dezenas de feridos, possuo, tal como a minha companhia, curriculum para emitir uma opinião vivida e verdadeira!

Não gostei por isso de ler o referido Blogue!

Apenas alguns exemplos:

1 - …tenho obrigatoriamente que corrigir os factos, e as afirmações de pessoas que, no desempenho das suas funções, e tendo abandonado (fugido) o nosso Aquartelamento, vieram mais tarde afirmar que tinham sido obrigados a fazê-lo por estarem a ser atacados por todos os lados. NÃO É VERDADE!

2 - A verdade é que os combatentes do PAIGC, como não vissem qualquer reacção às suas flagelações ao quartel começaram a aproximar-se lentamente.

3 - O aproveitamento pessoal de situações que o povo desconhece e a deturpação dos factos por vergonha da verdade. 

Etc, etc, etc,

Para quem já se encontrava na metrópole quando tudo isto aconteceu, é obra! Como é possível fazer estas e outras afirmações que mancham o bom nome de todos os meus Camaradas de Guileje?

Criticar-se o responsável pelo abandono? Porque não? Tomaria eu a mesma decisão no seu lugar? Porventura não! Tivesse existido outro apoio e seria a solução diferente? Porventura sim!

Serei, eventualmente de todos os camaradas que fazem parte deste Blogue, o que mais tempo lidou com a CCav 8350, já que a preparação da minha CCav 8351 aconteceu em Estremoz no mesmo horizonte temporal dos “Piratas de Guilege” e quis o destino que os meus Camaradas de Guileje se juntassem a nós no Cumbijã a 29 de Novembro de 1973.

Tendo a minha Companhia saído do aquartelamento em 25 e 26 de Junho com destino a Bissau, via Buba, os nossos camaradas da CCav 8350 lá se mantiveram, tendo pois convivido connosco durante cerca de sete meses!

Nestes sete meses nem foram melhores nem piores do que os meus soldados, foram apenas, e só, iguais! Todos eles, desde o Comandante ao básico!

Quarenta anos após estes acontecimentos, enquanto os Combatentes lá vão sobrevivendo com os seus achaques, maltratados pelos governos, esquecidos pela população, alguns expulsos do seio da sua própria família, muitos deles doentes e abandonados, pergunto para quê, neste espaço que eu cria e queria de são convívio, vir dar realce a um assunto tão estafado, que tantas mossas já provocou nesta Tabanca, ainda por cima com assinatura de um elemento não pertencente à Tabanca Grande!

Só se for para cumprir números!

Ao meu querido Amigo e Camarada da Guiné, Manuel Augusto Reis, homem bom, tolerante e solidário, que na sua honestidade intelectual dá sempre, ainda que sozinho, o peito às balas, dizer-lhe que é por ti que aqui estou a quebrar o meu silêncio, pese embora a nossa diferença de opinião sobre tão diversos assuntos! Vasco Augusto Rodrigues da Gama
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8068: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIV): Nunca fui ao 10 de Junho, mas se um dia for, será no 10 de Junho de todos os combatentes

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8068: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIV): Nunca fui ao 10 de Junho, mas se um dia for, será no 10 de Junho de todos os combatentes

1. Mensagem do nosso camarigo Vasco da Gama, o tigre-mor do Cumbijã [, foto à direita, actual, como respeitável régulo de Buarcos]:


Data: 3 de Abril de 2011 17:32
Assunto: Comemoração do 10 de Junho


Camarigos, só agora cheguei beneficiando portanto do que vocês já escreveram, o que não me impede de fazer uma abordagem ligeiramente diferente, no que penso dever ser o texto a enviar a todos os nossos Camaradas que combateram nas diversas frentes (*).

Julgo que o texto deve ser, antes do mais, pedagógico e não encerrar apenas e só revolta face á forma como os combatentes são tratados.

Parece-me importante aglutinar todos numa mesma manifestação, mesmo os que politicamente são afastados e pensam de forma diferente.

Há camaradas nossos que partiram para a guerra plenamente convictos da existência de um Portugal uno e indivisível, capazes de dar a vida pela pátria.

Há outros camaradas que, eventualmente com outra preparação política, ou frutos de outro tipo de educação, viam na guerra e na impossibilidade de a ela escaparem, uma tremenda injustiça.

Extremei propositadamente estas duas categorias, pois outros tipos de combatentes poderíamos incluir nesta despretensiosa análise, para dizer que ao chegarmos aos matos da Guiné de Angola ou de Moçambique, por mais abissais que fossem essas diferenças trazidas de Portugal, elas esbatiam-se de imediato, comungando todos na mesma solidariedade, na mesma entreajuda, no mesmo sacrifício até nos tornarmos verdadeiros irmãos.

De outra forma não seria possível existirem todos estes encontros que vamos fazendo de sorriso aberto, de prazer sincero, que terminam com abraços verdadeiros de quem se estima como estima um familiar chegado.

Quero aparecer no dia 10 de Junho ou no 34 de Setembro, de cara lavada,  sem que ninguém nos conote politicamente com qualquer rótulo, mas mostrar aos que nos ignoram que a guerra existiu e que ceifou a vida a milhares de jovens, que destruiu imensos lares, que levou muitos de nós ao suicídio, à interrupção dos estudos, que atirou outros para arrumadores de carros, para a droga ou vivendo da caridade alheia.

É em honra destes meus camaradas que eu marcho, apenas e só em nome deles.

Vasco A. R. da Gama (**)
 ___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8040: Carta Aberta ao Presidente da República: o 10 de Junho, Dia dos Combatentes (Joaquim Mexia Alves)


(**) Último poste da série > 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 – P7546: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIII): A Companhia Maior e a Maior Companhia, partos do mesmo querer?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 – P7546: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIII): A Companhia Maior e a Maior Companhia, partos do mesmo querer?


1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 2 de Janeiro de 2011:

Envio mais uma Banalidade para o nosso Blogue, solicitando aos estimados editores que coloquem em "su sitio" as duas fotografias que anexo.

Um abraço
VG



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XIII

A COMPANHIA MAIOR E A MAIOR COMPANHIA

PARTOS DO MESMO QUERER?

A cena está aberta enquanto o público autorizado apenas a entrar em cima da hora marcada se vai acomodando. O sussurro dos espectadores à medida que se acomodam vai diminuindo até ao silêncio total. Os personagens todos eles dormem nas mais diversas posições, indiferentes ao público e a quem os rodeia.

Dormem profundamente, ignorando tudo e todos; dormem apenas, presentes na matéria, ausentes em espírito.

Só acordam quando o príncipe beija a princesa.

Mas, surpresa das surpresas, enquanto dormiam o tempo não parou. O tempo, esse foi passando e todos ao acordar estão mais velhos.

Como reiniciar a viver?

Talvez tenham estado acordados todo o tempo e apenas sintam que renasceram, pelo simples exercício de evocar a memória (1)

Companhia Maior em cena

O elenco desta Companhia Maior ligada ao Centro Cultural de Belém é composto por artistas com mais de sessenta anos, onde, a par de pessoas que pisam pela primeira vez o palco, pontificam intérpretes altamente experientes como a bailarina luso-americana Kimberley Ribeiro, ou o músico francês Michel e ainda o regressado a estas lides, o nosso camarada do Blogue Carlos Nery que, tal como todos os outros elementos da Companhia Maior, passou no workshop a que foi sujeito, levado pela mão de sua filha.


Cumbijã > Aquartelamento

Regressei da guerra da Guiné em finais de Agosto de 1974 e durante anos e anos e anos, não falei, não li, não quis saber da guerra.

Recusava participar em tudo que com a guerra se relacionasse.

Nenhum ruído guinéu, por mais forte que fosse, conseguia despertar-me do sono profundo, da indolência, da apatia com que brindava tal tema.

Só acordei quando alguém me indicou a nossa Tabanca Grande, o Luís Graça e Camaradas da Guiné.

O Luís Graça desempenha na nossa Maior Companhia, o papel do príncipe na Bela Adormecida da Companhia Maior.

A mim, como a tantos de nós, acordou-nos, fez-nos renascer, obrigou-nos a evocar a memória, a enfrentar os pesadelos do passado, a lidar com eles e a superá-los.

Mas fez mais, ajudou-me a encontrar centenas de novos camarigos com quem vou trocando opiniões, aprendendo com todos, sendo que para aqui pouco importa a qualificação de cada um, pois comungamos da mesma experiência no teatro operacional da Guiné.

Juntou-nos a todos na Maior Companhia, também todos nós acima das seis décadas, conciliando diferentes saberes, diferentes experiências, diferentes capacidades, diferentes talentos, diferentes opiniões, mas com o mesmo denominador comum: a Camarigagem.

Aplaudi de pé, em Estarreja, na companhia da minha mulher e do nosso querido camarigo Manuel Reis a Companhia Maior, como aplaudo também de pé o nosso Blogue e o nosso “encenador” Luís Graça.

Queixava-se-me o Carlos Nery que em certos blogues “há pessoas que escrevem como anónimas e dizem coisas horríveis… que estão para aí a gastar dinheiro com os velhos. Nós, continuava ele, aqui não temos a sensação de que somos velhos. Estamos a trabalhar como profissionais”.

É assim mesmo Carlos, a "Companhia Maior" vai muito para além da criação artística, mostrando à sociedade portuguesa que pessoas, todas elas na idade da reforma, estão no pleno uso de todas as suas capacidades e que a sua grande experiência é uma mais valia que não pode ser ignorada.

Também é assim com a nossa Maior Companhia, pois, para além de termos imposição e o encargo de legar a nossa memória aos vindouros, estamos mais do que ninguém habilitados a fazê-lo.

Temos a experiência
Temos o conhecimento
Temos a vivência

Somos vozes sábias e dignas, merecedoras de serem escutadas e reconhecidas, como já vai acontecendo com as informações que nos são solicitadas por doutorandos, mestrandos ou pela iniciativa de qualquer camarada que a nós se junta, nem que seja apenas, e só, para partilhar uma lágrima.

Sinto-me feliz, honrado e orgulhoso por pertencer a esta Tabanca, à Maior de todas as Companhias.

Do meu Buarcos lindo, hoje sem ponta de luar, o meu abraço para todos os Camarigos.

(1) folheto de apresentação da peça
__________

Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7392: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XII): Sobre a nova Série do nosso Blog “O fim do Império português na Guiné” do nosso camarigo Magalhães Ribeiro

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 – P7392: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XII): Sobre a nova Série do nosso Blog “O fim do Império português na Guiné” do nosso camarigo Magalhães Ribeiro



1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 6 de Dezembro de 2010:

Junto anexo mais uma Banalidade desta feita referente ao post do nosso camarada M.R.

Um abraço para todos.
Vasco da Gama



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XII

Sobre a nova Série do nosso Blog “O fim do Império português na Guiné” do nosso camarigo Magalhães Ribeiro.

Estive na Guiné no período de Outubro de 1972 até finais de Agosto de 1974, a maior parte do tempo passado no Cumbijã, tabanca que havia sido abandonada julgo que em 1966 e que a minha companhia, a Companhia de Cavalaria 8351, companhia independente às ordens do Comando Chefe veio a reocupar nos princípios de 1973, então território de terra queimada sem o mínimo vestígio de gentes mas profusamente atulhado de minas que, pacientemente, fomos levantando até rapidamente termos ultrapassado o quarteirão, entre as antipessoal e as anticarro, simples ou recheadas com mais ou menos armadilha, tarefa que finda nos permitiu colocar duas fiadas de arame farpado para que pudéssemos erguer as nossas “moradias”, nem mais nem menos que as tendas de campanha, cavar umas valas e aguentar firme…

Entre o assalto a Nhacobá, a protecção diária à estrada Quebo-Nhacobá e à estrada Quebo-Buba num período posterior, vivíamos num perfeito isolamento, onde as notícias chegavam sempre atrasadas e onde, juro-vos, nunca ouvi falar de Migs nem de Cop’s nem nunca me deram conhecimento superior de Guidaje nem Gadamael e se o Guileje não nos passou despercebido foi porque os embrulhanços eram perfeitamente audíveis tanto no Cumbijã como em Nhacobá, tão perto e tão longe estávamos dos nossos camaradas da CCav 8350.

Ao chegar a este espaço que é o nosso Blog “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, fi-lo sobretudo para aprender com camaradas que vivendo experiências diferentes da minha me completassem o pouco que sabia da Guiné, no seu conhecimento estrutural, também para emitir uma ou outra opinião que ajudasse a escrever a história da Guiné, homenagear os meus queridos camaradas para que os seus nomes não ficassem esquecidos, mesmo dos mármores que vão aparecendo aqui e acolá, se calhar mais em jeito de sossegar consciências de quem “ordena” do que propriamente homenagear os nossos mortos, os nossos feridos, os nossos camaradas que se vão suicidando ou estendendo a mão à caridadezinha.

Só o ler nos princípios orientadores do nosso espaço que aqui “não nos insultamos uns aos outros, que somos capazes de conviver civilizadamente com as nossas opiniões diferentes, sejam elas políticas, religiosas ou outras” encheu-me de alegria tal que de pronto me desinibi para escrevinhar aqui e acolá e comentar esta ou aquela opinião.

Faço-o agora, e de pronto, ao post 7388, não pretendendo beliscar minimamente o interesse documental das fotografias que o M.R. começou a publicar, iniciativa que aplaudo enquanto amante da aprendizagem sobre a Guiné.

Ao ler a introdução à nova série do nosso camarigo M.R. que hoje se inicia onde expressa em letras garrafais, cuja utilização a outros criticou, o conceito “de ultramar português”, para de seguida apelidar alguns camaradas ex-Combatentes de ignorantes, de ressabiados, de fantoches apalhaçados, de idiotas, de serventias lacaias, que deturpam factos e acontecimentos porventura fatais à lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais”, temendo que esses “tipos” deturpem a História de Portugal se calhar, apenas e só, por não pensarem como ele.

Não, não gostei de ler esta introdução e entristeceu-me a linguagem utilizada, eventualmente porque serei ignorante no seu entendimento, e dizer ainda antes de tocar em meia dúzia de coisas, que o 25 de Abril (por extenso, para que todos entendam) é por mim considerado como o dia da Liberdade que devolveu aos portugueses a possibilidade de aqui, ou em outro qualquer lado, discutirem com todo o àvontade o que o regime salazarista nos impedia de fazer, trocando sem medos de espécie alguma os nossos argumentos.

Não foi o 25 de Abril que colocou nas rédeas da governação este ou aquele partido, deu apenas e só ao povo a possibilidade de o fazer, o que há muito lhe era vedado: ir às urnas expressar o dever sagrado do voto, de participar activamente na eleição dos seus governantes.

Escolhemos mal? Culpemo-nos a nós que os elegemos mas deixemos o 25 de Abril sossegado.

Caro Pira de Mansoa, ao teu conceito de ultramar português, faltam algumas coisas, em meu modesto entender, apesar de também conhecer, como tu, muitas famílias
simples e trabalhadoras que, obtido que fosse o passaporte salazarista, para lá, sobretudo Angola, se deslocavam trabalhando no pequeno comércio ou na função pública conseguindo melhor sustento que a pátria salazarista lhes negava.

É que não te podes esquecer das famílias portuguesas que ascenderam a grandes patamares de riqueza à custa do controlo das matérias primas das colónias, não te podes esquecer da exploração da mão de obra indígena, do aproveitamento da escravatura, do absoluto desprezo pelos direitos dos trabalhadores, da inexistência de condições laborais com o mínimo de dignidade, da exploração da mão de obra infantil.

Administrámos territórios que foram “nossos” durante séculos a fio e estamos de mãos lavadas face à situação catastrófica em que a “nossa” Guiné se encontra?
A “nossa” Guiné, é por ela que o nosso Blog existe, ocupava o lugar n.º 175 entre 177 países no que ao índice de desenvolvimento humano diz respeito (é o terceiro pior país do mundo para se viver), tem uma mortalidade infantil de 200 por mil e um Produto Interno Bruto (P.I.B.) inferior à facturação anual de várias empresas portuguesas.

Só mais uma coisa, dizes que os portugueses procuravam uma terra que lhes desse o que não lhes era dado no Continente, justificando assim a sua ida para África…

É verdade.

E o que fazemos nós, os europeus, sim, além de Portugal também a Bélgica, a Inglaterra, a Alemanha, a França etc. foram potências colonizadoras, o que lhes damos em troca aos africanos que procuram aqui apenas e só o sustento que lhes mate a fome?
Impedimos a sua entrada, não com arcos e flechas, mas com armas mais mortais; as do racismo, da indiferença, da miséria, do desemprego ou fechando-os em guetos.

Escolherás o saco onde me catalogarás, mas deixa-me dizer-te que em minha opinião os maiores amigos da Guiné são os nossos camaradas combatentes, tenham feito a guerra por amor à pátria ou obrigados, como foi o meu caso.

Não os insultes!

Do meu Buarcos lindo, hoje carregado de nuvens cinzentas, com as paredes da minha casa brilhantes de humidade, a parecerem-se com a tristeza dos meus olhos, vos deixo, a todos, camarigos um abraço fraterno.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7130: (Ex)citações (101): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Vasco da Gama / José Brás)

Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6675: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XI): O escritor, o teatrólogo e o atrevido escrevinhador

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6675: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XI): O escritor, o teatrólogo e o atrevido escrevinhador

1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 5 de Julho de 2010:

Comecei por escrever um comentário ao poste do Nery e fui andando, andando até ao anexo que publicarão se assim o entenderem....

Um abraço amigo.
Vasco da Gama


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XI

O ESCRITOR, O TEATRÓLOGO E O ATREVIDO ESCREVINHADOR


Camaradas e Amigos,
Por motivos que me ultrapassam, mas com quase toda a certeza ligados à minha nabice informática, não consegui colocar um comentário ao texto referenciado no P6672**, publicado pelo nosso camarada Carlos Nery, penso que a pedido do Mário Cláudio, conceituado escritor com uma vastíssima obra da qual possuímos, a minha mulher e eu, alguns livros. Não entendo a razão porque não foi o próprio a enviá-lo, pois parece-me que é membro da nossa Tabanca Grande, faltando-lhe apenas o envio das fotografias actuais para que a sua entrada seja devidamente “formalizada”.

Confesso a minha iliteracia “Claudiana,” pois ainda não li qualquer obra de um escritor premiado com o prémio Fernando Pessoa e com o prémio Vergílio Ferreira, entre outros, o que constitui uma “falha” que prometo colmatar se a minha cabecinha, cada vez menos pensadora, não me trair nessa intenção.

Como grande parte dos meus camaradas sabe sou pessoa ligada ao teatro amador no meu querido Grupo Caras Direitas, fundado há mais de uma centena de anos, onde colaboro na escolha, encenação e produção de algumas peças que vamos apresentando aqui e acolá, tendo neste momento prontas a apresentar em qualquer lado “A Gota de Mel”, de Leon Chancerel, “Perguntem aos Vossos Gatos e aos Vossos Cães” do Manuel António Pina e ainda uma peça mais ligeira, a única das três que vai dando escasso retorno, chamada “Só Cenas”, que é um conjunto de vários quadros mais ou menos revisteiros, mas que tocam alguns assuntos como a pedofilia, a má governação, crítica social local, misturados com danças e canções mais ou menos popularuchas.

Vem isto a propósito da peça “Cantora Careca” que terá sido levada à cena em Bissau…, em tempo de guerra. Como sabem a Cantora Careca do Ionesco enquadra-se naquilo que se designa por anti-teatro ou teatro do absurdo.

Muito resumidamente o texto mostra como um casal “desconhecido” após dialogar de uma forma não muito fácil de ser entendida por todo o público, chega à conclusão que mora na mesma rua, habita na mesma casa e dorme, pasme-se, na mesma cama.

Em Bissau, em tempo de guerra, demonstra alguma coragem levá-la à cena, a não ser que tivesse sido apresentada para a elite militar e suas esposas…

Torci pois o meu nariz ao ver estas notas, que no entanto me despertaram a curiosidade para ler e reler o texto do Mário Cláudio.

Como disse, li e reli e queridos camaradas sem qualquer pretensão em armar-me em crítico literário, a minha senilidade ainda não chegou aí, gostei do texto são e escorreito, mas perdoem-me o atrevimento, não tem rigorosamente nada a ver com o nosso Blogue, em minha opinião, obviamente.

O texto é um panfleto contra a presença da tropa na Guiné e é apenas e só pura literatura.

O Blogue diz respeito ao somatório de opiniões de combatentes que expressam as suas experiências nessa guerra colonial, onde alguns se bateram por convicção e outros foram obrigados a combater no mato em condições infra humanas, que os senhores do ar condicionado de Bissau ou de outras metrópoles, milicianos ou profissionais, jamais poderão imaginar.

No meu Blogue interessam-me os escritos dos camaradas da Guiné e as suas experiências dolorosas, contadas por gente com estatuto de escritor, ou por outros que mal sabem escrever.

Literatura e opinião política, leio-a noutro lado.

Já agora e relativamente ao texto parece-me que ficar-se apenas pelo “mata” é curto; na guerra também se morre. Não aceito estes unilateralismos, para não dizer que os abomino.

A guerra não é só o que está descrito no texto; não é só o mata e se erros houve foram de parte a parte.

Fui andando, andando e agora, meus pacientes editores, publiquem ou não.

Do meu Buarcos lindo, passada que foi a meia noite e com um cheirinho a maresia a invadir o meu “castelo”, envio um abraço fraterno para todos os meus camarigos.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6399: Parabéns a você (114): Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAÇ 8351, Cumbijã, 1972/74 (Carlos Vinhal / Belarmino Sardinha / Giselda e Miguel Pessoa / JERO / Manuel Maia)

(**) Vd. poste de 4 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6672: Para o livro de ouro do Capitão Garcez, um inédito de Mário Cláudio

Vd. último poste da série de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (X): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (X): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

1. O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviou-nos, em 5 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO X
AS MINHAS (in)CONGRUÊNCIAS OU AS MINHAS (in)COERÊNCIAS ?

Da revolta interior contra o que me obrigara ir combater para a Guiné, até ao regresso a Portugal já livre dos pesadelos horrorosos, tinham passado vinte e dois longos meses de sofrimento.

Desembarquei no Figo Maduro, estava Agosto de 1974 quase no fim, fui com os meus camaradas para o RALIS (?) onde entreguei o que havia a entregar, meti-me num táxi, disse aos três camaradas da minha região, o Lopes da Esperança, Alhadas, o Piscas de um local pequenino com um nome engraçado -Perna de Pau – e o Preto da Tocha e “ordenei”: vamos embora que eu pago o transporte.

O nosso embarque da Guiné para Portugal foi marcado de um momento para o outro, pelo que não houve tempo de a maior parte da malta avisar os seus familiares, o que foi aliás, o meu caso.

Vinte quilómetros antes de chegarmos à Figueira da Foz, seriam sete e pouco da manhã, telefonei aos meus pais a dizer que daí a pouco estaria em casa e que fossem avisar a minha mulher, morávamos então em casa dos meus sogros ausentes em África, que o Vasquito estava a chegar.

Lá os consegui convencer que não era nenhuma brincadeira e passado pouco tempo estava com a minha outra família, a que nunca quereria ter abandonado, a única que havia tido antes da partida para a Guiné.

De mim, camaradas, vão sabendo alguma coisa pelo nosso Blogue ou nalguma comezaina onde nos vamos juntando; o Lopes enviuvou mas está bem na vida, reformado, mas no activo ajudando o filho na oficina.
O Preto continua na faina marítima, não tendo perdido o vício da sua garrafa de tinto, que substitui pelo garrafão quando o mar está mais bravo e o meu camarada Piscas suicidou-se, como vos contei há uns tempos. Atirou-se para debaixo de um comboio, abandonado pela família e pela “querida pátria” que ele um dia, convictamente, defendera nessa Guiné.

Cheguei da Guiné confuso e desenvencilhei-me dos camuflados, das botas, dos quicos, enfim de tudo a que cheirasse a tropa e à Guiné. O outro diria Guiné jamais (jámé)…

Não quero ouvir falar mais na tropa e no tempo que perdi, agora que estou num Portugal livre!

Vamos ser um grande país, confiava à minha mulher perante a aprovação do meus pai.

Vou terminar as cadeiras que me faltam e agora sim, vamos combater pela nossa Pátria, pela Democracia, pela Liberdade, por um Portugal melhor sem Salazares nem Caetanos...
O curso terminei e empreguei-me… o resto falaremos noutra altura…

O “jámé” Guiné, foi substituído pelo Guiné “for ever” e hoje, dia nenhum a leitura do nosso Blogue falha. Pode falhar tudo, mas o nosso Blogue é sagrado.
O bichinho da Guiné morde-me cada vez com mais intensidade e a minha outra família, a que me havia sido imposta numa guerra que eu odiava, é cada vez mais verdadeira e está cada vez mais presente.
Foi com eles que lutei, foi por eles que lutei, foi com eles que vivi vinte e dois meses no mato profundo, sempre juntos, sem população, sem instalações e sujeitos a constantes ataques.

Cumbijã era um deserto de terra queimada coberto por minas e todos nós a viver em barracas de lona… Quando regressávamos das patrulhas muitas das vezes não havia água para o banho, mas havia a força suficiente para amassarmos blocos com os nossos pés, pois tínhamos de fazer por nós próprios habitações com o mínimo de dignidade.
Tínhamos uma meta a atingir e conseguimos fazer as nossas casernas. Cada grupo de combate tinha o seu palácio feito pelos Tigres.

É também por eles que hoje aqui venho! Pela minha outra família, que de imposta passou a verdadeira.

Aconteceu o 25 de Abril e passado muito pouco tempo sabíamos das festas e convívios que as N.T. faziam praticamente por todo o lado com o P.A.I.G.C. Li já algumas dezenas de postes onde camaradas nossos ilustram fotograficamente esses encontros.

Curiosamente os nossos soldados nessas fotografias aparecem sempre desarmados e quase sempre trajando despreocupadamente, enquanto os guerrilheiros estão sempre bem ataviados e armados até aos dentes.

Abraçam os guerrilheiros como se fossem amigos de longa data, quase sempre numa posição que dá a ideia de alguma subserviência que eu não aceito.

Trocam-se quicos e bandeiras e lenços e botas e mais não sei o quê….

Sabem, camaradas, a minha Companhia de Cavalaria “Os Tigres”, manteve-se no Cumbijã até ao dia 25 e 26 de Junho, tendo seguido para Buba nesses dois dias, partindo a 27 para Bissau. Pois dois meses após o 25 de Abril nunca por nunca o P.A.I.G.C. se aproximou do nosso aquartelamento.

Vi um grupo quando comandava a coluna Cumbijã - Aldeia Formosa, espalhado num dos lados da estrada, mandei parar a coluna, todos nós estávamos armados e apenas eu me apeei e perguntei ao chefe do grupo: Tudo bem?
O homem acenou a cabeça afirmativamente, cumprimentou-me, mas nunca me passaria pela cabeça convidá-los a visitarem o meu aquartelamento.

Sei que logo após a nossa saída, o quartel havia ficado entregue aos milícias e a dois pelotões da C.Cav. 8350 do Guileje, na altura comandada pelo Capitão Vieira, hoje coronel reformado, os guerrilheiros entraram, devidamente autorizados, eventualmente para convencerem as milícias de que…

Ainda bem que não nos “visitaram” nesse período.

Dou-vos a minha palavra de honra que não saberia o que fazer!
Entregar o meu aquartelamento ao P.A.I.G.C., feito pelas nossas mãos, depois de tanto trabalho, de tanta emboscada, de tantos embrulhanços, de ataques ao arame?

Conviver com fraternidade com os guerrilheiros?

O que diriam os meus mortos e os meus feridos, alguns dos quais vieram a morrer em Portugal? O que diria a minha família de combatentes com quem lutei e por quem lutei?

Não tive que resolver esse problema…felizmente.

Mas como é que este gajo, que foi assumidamente contra a guerra colonial, ainda tem dúvidas? Que os meus camaradas me ensinem a responder à pergunta, caso contrário fico-me pelas minhas (in)congruências ou pelas minhas (in)coerências.
Legendas das fotos:
1. Cumbijã renovado: instalações 5 estrelas.
2. Alô; Alô, aqui posto de comando.
3. O Cumbijã que os Tigres encontraram: um deserto de minas. O Alf. Beires, o Alf. Abundâncio e eu próprio tratando de uma anti carro.
4. Amassando blocos para a construção das casernas.
Fotos: © Vasco da Gama (2010). Direitos reservados.

Do meu Buarcos, cada vez mais lindo, segue um abraço de amizade para toda a nossa Tabanca Grande.

Vasco da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
___________
Nota de M.R.:

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6206: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IX): Coincidências de Aniversários ou algo mais?


1. O nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviou-nos, em 20 de Abril de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas e Amigos,
Mais liberto dos meus compromissos teatrais, eventualmente espicaçado pelo nosso camarada Alberto Branquinho, eis-me a enviar um texto desde o meu Buarcos lindo...

BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - IX
Coincidências de Aniversários ou algo mais?

Li há dias que o nosso Blogue, a nossa querida Tabanca Grande, vai completar seis anos nos finais do corrente mês de Abril e alguns camaradas nossos têm-se referido de forma elogiosa, atribuindo com toda a justiça, ao nosso Comandante Luís Graça e aos seus co-editores, o êxito deste espaço magnífico de diálogo e de discussão, que eu leio diariamente e onde aprendo sempre qualquer coisa.
Deixarei para os mais talentosos de escrita os elogios rasgados, os louvores e os aplausos públicos que o Luís merece, encómios esses aos quais eu me junto, por antecipação, sem qualquer rebuço.

Decidi então contribuir para o aniversário do nosso Blogue com uma história passada em Mafra em finais de Abril de 1971, para mim de enorme importância e altamente marcante para toda a minha vida.

Demorei todo este tempo a trazê-la a público pois tinha a necessidade absoluta de conhecer alguém que também a tivesse vivido para poder, em quaisquer circunstâncias, testemunhar o ocorrido.

Fui incorporado em Mafra no dia 11 de Janeiro de 1971, tendo feito a recruta no quarto pelotão da 1ª Companhia, pelotão comandado por um homem de elevada educação e cultura, sempre preocupado em transmitir aos instruendos o que a sua experiência de combatente na Guiné lhe ensinara: o então Alferes Mário Beja Santos, que hoje faz o favor de ser meu amigo.

O segundo ciclo, julgo que se estendeu de Abril a Junho, cumpri-o no primeiro pelotão da 4ª Companhia, pelotão constituído por elementos escolhidos para o curso de capitães milicianos, também chamados “capitães de proveta” e não me recordo do nome do comandante desse pelotão.

Os meus camaradas que passaram por Mafra, terra a que nunca mais voltei, mas que espero visitar quando a reforma da minha mulher lhe bater à porta, lembram-se da foz do Lisandro, recordam-se do Vale Escuro, da Aldeia dos Macacos e da travessia da lagoa que existia na Tapada e do rigor muitas vezes descomedido da revista às botas, às armas e à barba que nos permitia, ou não, sair daquele convento para petiscar aqui ou acolá, beber um fininho ver um pouco de televisão ou conversar, em grupos de dois três elementos, sempre em andamento por causa das “escutas”.

Estaria Abril, particularmente chuvoso nesse ano, já na parte final quando uma desgraça aconteceu na travessia da lagoa.
O exercício não seria mais difícil do que por exemplo o andar no pórtico, ainda hoje abomino essa palavra, ou saltar para o galho, mas as chuvas tornaram a lagoa num charco barrento que tornava a travessia mais difícil, sobretudo para os últimos elementos desse pelotão, pois a lama já revolvida, o ter de manter a G3 acima da cabeça e o peso da mochila, tudo isso provocava nos mais temerosos um receio a roçar o medo.
Um cadete atrapalha-se a meio da travessia, um camarada vai em seu auxílio e é puxado para o fundo, um terceiro volta para trás tentando socorrer os outros dois que, na sua aflição o arrastam também para a morte.
Penso que os corpos só foram encontrados por mergulhadores da Marinha.

Mas a minha história não termina aqui e o que se passou a seguir constitui na minha opinião, a maior homenagem que poderíamos prestar aos nossos camaradas mortos; nós cadetes, simples soldados cadetes, homens arrancados aos estudos, outros com os cursos já feitos, que de um momento para o outro passam a ser números de uma máquina sem coração, não fomos cadetes, fomos Homens.

Com o refeitório cheio de algumas centenas de nós preparados para o almoço, em sentido obrigatório como era da praxe, recebemos a ordem talvez do oficial de dia:

- SENTAR!

Como fez barulho o silêncio que se seguiu!

Ninguém, ninguém se mexeu!

Impávidos, serenos, comovidos, com os olhos brilhantes, ninguém, ninguém obedeceu!

Músculos retesados, firmes no nosso querer e na nossa razão, pêlos eriçados, ninguém, ninguém, nem os “engraxadores” hesitaram.

Foi chamado o Comandante Maior.

- SENTAR!

Trovejou uma voz ainda mais potente, como se a estridência do grito fosse directamente proporcional ao número de riscos amarelos que o ombro suportava.
Ninguém, ninguém cumpriu a ordem.

- DESTROÇAR!

E lá foram os cadetes, olhando-se com respeito, olhos nos olhos.
Não me apercebi de medo em nenhum rosto.
O meu íntimo regozijava.
Fomos para a sala nº 10, todos, sem excepção para uma reunião espontânea que foi interrompida quando recebemos ordem para ir de fim-de-semana.
Seria quarta ou quinta, não me recordo, sei apenas que o rigor muitas vezes despropositado da revista às armas, foi substituído pelo deixa andar.
Era preciso mandar estes gajos para fim-de-semana em passo de corrida.

Como foi isto possível?

Afinal… era possível.

Um abraço de parabéns para toda a Tabanca Grande.
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5370: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VIII): As “licenciaturas” dos tigres do Cumbijã.

sábado, 28 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5370: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VIII): As “licenciaturas” dos tigres do Cumbijã.


1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 28 de Novembro de 2009:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO- VIII

AS “LICENCIATURAS” DOS TIGRES DO CUMBIJÃ

Tratado com “paninhos de renda” pela menina Adelaide, a minha mãe, que me deixou repentinamente, nos idos anos oitenta, antes mesmo de completar setenta anos de idade, vivi uma infância sem o mínimo sobressalto, pois para além dos miminhos que só as nossas mães sabem oferecer, tinha nela uma bela guarda-costas, pois impedia que as asneiras mais graves do Vasquito, quase diárias, chegassem ao conhecimento do pai Vasco, que no seu avantajado físico, metia um medo do caraças…

Um belo dia este vosso amigo ficou doente, penso que com uma gripe forte, mas já alertara a sua mãezinha, que postal com uma “falta de disciplina”, daquelas que a secretaria do liceu enviava ao encarregado de educação, escritas num vermelho ainda mais vivo que as camisolas do meu querido Glorioso, e que dizia respeito a uma expulsão de uma qualquer aula por uma qualquer coisa que eu havia feito, vinha a caminho e estava prestes a chegar. É desta que eu não escondo o postal seu malandro, ameaçava a minha mãe, mas os seus lindos olhos traíam de imediato as palavras e eu, repimpadamente, estava pronto para a próxima.

O meu pai saía para o trabalho pelas oito e meia, regressava por volta da uma para o almoço, o “sacana” do correio chegava pelas dez e meia, portanto tudo controlado. Nesse dia em que a gripe não me deixara levantar e em que deitado “estudava” uma qualquer disciplina, com uma revista do Condor ou do Cisco Kid entre as páginas do livro, aí pelas onze da manhã violentas pancadas, ainda hoje as ouço, de martelo na porta do meu quarto tiraram-me daquela modorra que a caminha nos proporciona.

Entre o assustado e o aterrorizado, senti logo que o pior acontecera.

O sr. Vasco havia esquecido qualquer coisa em casa onde regressara a buscar, julgo que documentos para uma escritura, e, galo dos galos, o carteiro havia-lhe entregue a correspondência e lá vinha a terceira “falta de disciplina” à mesma cadeira que me deixava o ano tapado.

Não consegui mexer-me e só passado um intervalo de segurança, quando as pancadas desferidas na porta pararam e o grito lançado pelo vozeirão do meu pai, de “bandido” se escoara havia mais de cinco minutos, me levantei e pé ante pé, abri a porta do meu quarto, espreitei e pasme-se, o meu pai havia pregado, sim pregado com pregos e martelo na porta do meu quarto, a “encomenda” que recebera do liceu.

Ao ler o texto sobre as escolas de Aldeia Formosa e Nhala do nosso camarada Amaro, recordei-me que lições bem aprendidas não se esquecem, até mais, fornecem-nos argumentos para solucionar problemas difíceis.

O Vasquito, já Cap. Gama na Guiné, comandava uma companhia de operacionais que após 3 ou 4 meses de calma relativa em Aldeia Formosa, foi viver em barracas de lona para o Cumbijã.

Entre os embrulhanços matinais na protecção à estrada e as festarolas que o P.A.I.G.C. nos proporcionava ao cair da tarde no nosso “aquartelamento”, com duas visitas ao arame, tínhamos de amassar blocos, cortar troncos de palmeira, abrir valas tudo isto à unha, ajudados durante algum tempo pela engenharia, quando a estrada chegou ao Cumbijã em direcção a Nhacobá e as máquinas descansavam ao lado das nossas tendas por detrás de montes de terra que elas próprias abriam para passar as noites…

Mas, nem só de trabalho físico viviam os Tigres. Havia trabalho intelectual a desenvolver e não me refiro à leitura da Bola ou à prática obrigatória do inglês que o meu querido camarada furriel Azambuja Martins nos proporcionava quando recebia a famosa revista PENTHOUSE que era “lida” avidamente por toda a companhia.

Refiro-me sim às aulas para quem não tinha a quarta classe. Tínhamos de arranjar tempo para dar o exame da quarta a todos os nossos companheiros, pois só com essa licenciatura, tinham direito a serem funcionários públicos (alguns camaradas vieram a ingressar na G.N.R.) e a tirar a carta de condução, que era o sonho de quase todos .As férias de muitos camaradas eram passadas em Bissau a estudar o código e a fazer o exame que lhes permitisse mostrar, até à exaustão a sua licença de condução, como se de qualquer diploma “internacional” se tratasse.

Vejam lá, nas condições em que vivíamos, a vontade e o entusiasmo dos nossos alunos e também dos mestres-escola que comigo iam colaborando.

Enfim, o tempo foi passando e o exame da quarta classe marcado.

Inicialmente esteve para ser feito em Aldeia Formosa, mas eu não aceitei alegando não importa agora o quê!
O exame tem de ser obrigatoriamente no Cumbijã!

As horríveis condições em que vivíamos, as imensas flagelações com que os turras nos brindavam, o facto de não termos sequer população, aquele ponto que alguns sempre aumentam quando contam a história de uma emboscada, o facto de os camaradas que nos ajudavam na protecção à estrada regressarem a Mampatá ou a Aldeia no final do dia e os Tigres terem de permanecer todos os dias naquele buraco, davam ao Cumbijã um estatuto de local “não grato”. Era um ponto a favor dos examinandos…

Chegou, proveniente de Bissau e devidamente escoltado por elementos de uma Companhia de Aldeia Formosa, onde havia aterrado pela manhã, o senhor examinador, penso que um furriel, de patente.

Se na escrita se conseguiu distrair o examinador e ajudar os Tigres candidatos ao diploma, a prova oral estava a correr mal sobretudo a dois deles, ao Armando e ao Martins. Aquilo estava a dar para o torto e o examinador insistia, insistia, de uma forma perigosa. Foi então que a lição “barulhenta” do meu pai me veio à memória e abandonando a “sala de exames” prevenindo só os mais próximos do que ia acontecer, dei ordem para que os meus três obuses disparassem em simultâneo para baterem a zona…

Imaginem ouvidos virgens de Bissau ao ouvir aquele estardalhaço!

Porra, até os alunos se atiraram para debaixo das mesas…

É verdade camaradas, todos os Tigres do Cumbijã foram aprovados, só não me recordo do grau de distinção atribuído…

Se fosse hoje, outro galo cantaria e de lá para cá, dada a rapidez da evolução da técnica, dos métodos de estudo e da qualidade dos mestres examinadores, não seriam necessárias três obusadas; bastaria um simples e silencioso fax enviado a qualquer dia da semana, incluindo um domingo, do Cumbijã para Bissau e tudo estaria “nos conformes”, com a aprovação dos meninos do Cumbijã que, honra lhes seja feita, nunca ocultaram a face perante os muitos perigos que enfrentaram, ao contrário de outros…

Desculpas para o examinador, para os turras se alguma obusada lhes acertou e parabéns aos meus licenciados do Cumbijã, alguns dos quais ainda convivem nos almoços da nossa querida Companhia de Cavalaria 8351.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 – P5359: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VII): Ontem, dia 26 de Novembro de 2009, chorei uma lágrima…



1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 27 de Novembro de 2009:



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - VII


ONTEM, DIA 26 DE NOVEMBRO DE 2009, CHOREI UMA LÁGRIMA

Alertado por camarada amigo, combatente, como eu o fui na Guiné, decidi assistir, há sempre uma primeira vez para tudo, à inauguração de um “ Memorial aos Combatentes no Ultramar da Figueira da Foz”, onde constam, gravados em pedra, trinta e cinco nomes dos figueirenses mortos ao serviço da Pátria, alguns deles tendo por sepultura uma cova aberta no mato de uma qualquer Guiné, outros jazendo em sepulturas nas antigas colónias à espera, estarão (?), que alguém , porque não a tal Pátria, os traga até ao seio das suas famílias que ainda , creio, os vão chorando.

Para todos vós, alguns dos quais tão bem conheci e com quem brinquei pelas ruas de Buarcos, a minha lágrima de respeito e de saudade. Que a mesma lágrima honre também os mortos em combate da Figueira da Foz, que por motivos que desconheço, não aparecem no Memorial e logo no local referenciámos dois.

Aos camaradas mortos digo-vos que estavam muitos combatentes que ouviram, num misto de emoção e revolta gritar, bem alto, os vossos nomes, um por um, e quase todos respondiam bem alto: Presente.

A cerimónia oficial, querem saber dela (?), foi “bonita” “pá”.

Discursou um senhor presidente da Liga da Figueira, um novel presidente da Câmara, o senhor padre, perdão, cónego, e um senhor Tenente General, no vosso tempo este posto não existia, chegado num reluzente Mercedes Benz e que é o Sr. Presidente da Liga dos Combatentes. Não digam a ninguém, mas eu nem sequer sabia o nome de Sua Excelência, mas agora temos umas “máquinas infernais”, que é como o nosso Vate Manel chama aos computadores, onde vem tudo, até o nome do Sr. General Chito Rodrigues.

Disseram coisas muito bonitas e todos eles falaram sempre na palavra Pátria e em heróis (que são vocês), porque morreram…que os mortos assim, que os mortos assado.

Sabem, peço-vos desculpa mas achei os discursos muito de plástico, muito de circunstância, muito repetitivos, muito vazios, com pouca força, sem aquele sentimento genuíno que os combatentes conhecem, mas se calhar não compreendi bem e posso estar errado, pois agora a velhice já não é um posto, como era na nossa altura, a velhice agora só atrapalha…

Agora queridos camaradas mortos em combate, mortos em acidente, mortos afogados nos rios traiçoeiros, de uma coisa eu tenho a certeza, é que nenhum dos senhores que falou teve uma pequenina palavra para os Combatentes (lato sensu), uma palavra de carinho, de apoio, de gratidão para com os antigos Combatentes.

Sabem, é que para mim, se calhar estou errado, há muitos mais “mortos” nesta guerra que todos travámos e nós, os que não morremos, respeitamos os nossos camaradas feridos com gravidade, os camaradas estropiados, os camaradas que estendem a mão à caridade, os camaradas que foram abandonados pela família, os camaradas que se vão suicidando e também os camaradas que vão andando sem grandes problemas.

Mas todos estes, queridos companheiros heróis, vão morrendo lentamente e no dia do seu funeral, se ainda houver alguém para os recordar, também serão chamados de heróis e os seus familiares também ouvirão falar em Pátria.

Nós, os combatentes que não morreram, temos de viver com um grande nó na garganta, com um grito que não se solta, com essa incapacidade, eu assumo a minha parte de não termos sido capazes de dizer a quem nos governa, em devido tempo:

BASTA! RESPEITEM- NOS!

Por temer que já seja tarde demais, choro também uma lágrima por todos nós.

Vasco A.R. da Gama
Cap Mil da CCAV 8351
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4969: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (VI): Os Novos Pelotões de Fuzilamento, os do Abandono, Esquecimento e Desprezo


1. Mensagem do nosso camarada Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74, enviada em 14 de Setembro de 2009:


BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - VI

Os Pelotões de Fuzilamento

O Coronel sr. Eurico de Deus Corvacho

O soldado sr. Carlos Gonçalves de Freitas


Quando o nosso Pira de Mansoa, veio, de certeza com a melhor das intenções, eu conheço-o bem pois já convivi com ele em circunstâncias várias para lhe reconhecer a nobreza do seu carácter, a sua disponibilidade para com o próximo, a sua dedicação ao nosso Blogue após as suas oito horas de trabalho de assalariado e a sua preocupação com terceiros, dizia eu, quando o Pira para justificar certas atitudes tentou pôr água na fervura com a troca de prendinhas e com os Pelotões Virtuais de Fuzilamento, pensei logo em contactá-lo para lhe manifestar a minha não concordância com tantos paninhos quentes.


Não foi necessário, pois, acabado de chegar de Coimbra dirigi-me de imediato ao nosso Blogue (Oh Vasco que vício… já fizeste aquilo, já trataste daqueloutro… vai perguntar a minha mulher quando dentro de uma hora chegar a casa... ) e tive o grato prazer de ler o texto do nosso Camarigo Mexia Alves, bem como os comentários que se lhe seguiram e onde , também eu, deixei uma papaia, que constituem no seu conjunto o somatório de reacções irmãs dos verdadeiros Combatentes da Guiné, mostrando a todos qual o significado de um espaço de fraternidade, de amor e também de saber perdoar, muitas vezes não perdoando.


Então qual a razão de trazer até vós, camaradas e amigos, os Pelotões de Fuzilamento?

É que eles existem e continuam a matar!

São pelotões que matam em silêncio sem utilizarem o barulho da metralha. Não usam G3, nem Kalashnikov nem morteiros nem obuses. Usam armas mais sofisticadas que causam uma morte mais lenta, mais prolongada, de muito maior sofrimento.

Usam o desprezo!

Usam o abandono!

Usam o esquecimento!

Ignoram os combatentes da Guiné!

Nem sequer nas suas campanh
as eleitorais se dignam por um segundo que seja, falar dos nossos mortos em combate, dos males que a guerra promoveu, desfazendo famílias, provocando em muitos de nós distúrbios de tal ordem graves que transformaram, alguns de nós, Homens sãos, íntegros e vigorosos em pedintes de mão estendida, esmolando pelas ruas das cidades.

Todos nós conhecemos inúmeros companheiros nossos que passam ou passaram por situações destas.

O poste respeitante ao coronel Corvacho, que todos nós conhecemos no mínimo como combatente da Guiné, encheu-me de tristeza e pode bem ser um exemplo do que acabo de dizer.

Ler, nas palavras do seu filho sr. Eurico Corvacho que o seu pai esteve numa casa de saúde ao abandono, falar em lar de idosos, em assistentes sociais, em ver se consegue o seu internamento no Hospital militar, é mostrar à evidência a existência dos silenciosos pelotões de fuzilamento.

Quantos Corvachos existirão por esse país fora? Quem não conhece camaradas que sofrem e vivem no mais completo isolamento desprezados pelos nossos “grandes homens” da política?
Eu conheço gente da minha Companhia com grandes dificuldades, que a solidariedade dos mais próximos tenta de alguma forma minorar.

Conheci de muito perto um conterrâneo meu de seu nome Carlos Gonçalves Freitas, que foi soldado condutor na minha Companhia de Cavalaria 8351 “Os Tigres”.

No dia 12 de Maio de 1973 conduzia uma das viaturas no regresso da coluna Aldeia Formosa - Cumbijã que sofreu uma violenta emboscada, da qual resultou um morto, o meu camarada António Bento Bôa e dois feridos graves; todos eles seguiam no seu Unimog.

O Freitas nunca mais foi o mesmo!

Os tiques nervosos que lhe valeram a alcunha de PISCA, aumentavam diariamente.

Os olhos não paravam de abrir e fechar, a cabeça abanava continuamente, o nariz fazia ruídos esquisitos e o consumo da cerveja aumentava exponencialmente.

Natal de 1972 em Aldeia Formosa. O FREITAS ou PISCA, é o soldado que está por trás de um capitão a puxar para o gordo (tem bigode, SEM BARBA).

Conversava com ele quase diariamente sobre assuntos da Figueira dos quais ele rapidamente fugia. Vinha em consulta externa para Bissau de onde regressava rapidamente; não aguentava estar onde não conhecia ninguém. A asa protectora dos seus camaradas, mesmo nas profundezas do mato, merecia-lhe mais que a paz da capital.

Acompanhei-o o melhor que consegui.

Quando chegámos a Portugal, trouxe-o de táxi de Lisboa até casa. Procurava-me duas, três vezes por semana. Estava com dificuldades em dar-se com a mulher e com as filhas. Tinha dias em que me aparecia com sinais evidentes de embriaguez e o seu olhar era cada vez mais duro.

Deixou de aparecer! Eu fui para o Porto e depois para Coimbra, onde por mero acaso o encontrei no hospital. Desleixado no vestir e tresandando a álcool. Tivemos uma grande conversa e lembro-me de lhe ter dado o montante que me pediu, a título de qualquer desculpa.

Dei-lhe o meu telefone e a morada em Coimbra de que ele jamais se serviu. Sabia notícias dele pelo Fernando Lopes, outro Tigre da Figueira de quem fui padrinho de casamento. A situação familiar degradava-se, a separação aconteceu até que há uns tempos atrás o Lopes ligou-me: Capitão , morreu o Pisca! Assim, de rajada.

Atirara-se para debaixo do comboio junto à estação das Alhadas.

Fui ao seu funeral onde estavam meia dúzia de pessoas.

Quebrando o silêncio de circunstância, dirigi-me às filhas e naquele momento só eu sei quanta verdade existiu quando lhes expressei o respeito e a dor pelo meu camarada que havia, finalmente, encontrado solução para o seu sofrimento.

O silencioso pelotão de fuzilamento dera mais uma vez sinal.!

Nos encontros da minha Companhia já contamos vinte mortos, fora os camaradas que nunca apareceram ou que não estão por nós referenciados que tornarão a lista, porventura, mais extensa. Um destes dias, mais ano menos ano, já não há nenhum Tigre do Cumbijã para morder as canelas dos rapazes…

Chega de lamentações e de olhar para trás.

Só peço aos meus Camaradas, a todos os Camaradas da Guiné que NÃO DEIXEMOS QUE ESTES PELOTÕES DE FUZILAMENTO NOS CONTINUEM A MATAR.

Um abraço para todos os meus Camaradas da Tabanca Grande.
Vasco A. R. da Gama
Foto: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em: