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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20160: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (14): continuando a falar de..."futebol, elites e nacionalismo"


Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra (n. 1926) > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (, pai do nosso amigo Nelson Herbert) (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo (, falecido recentemente em Portugal 22/1/2019); no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acederá à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Norberto Tavares de Carvalho - "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor, 2011, p. 41.

Foto: © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Quer queiramos quer não, não conseguimos deixar de falar... de futebol. Temos mais de seis dezenas de referências no nosso blogue... Hoje retomamos o tema "futebol e nacionalismo" (*)...  E continuamos a celebrar os nossos 15 de existência, enquanto blogue e enquanto grupo de amigos e camaradas da Guiné que se reune à sombra do simbólico poilão daTabanca Grande (**)

Fomos encontrar, no livro do Norberto Tavares de Carvalho, a foto acima, já nossa conhecida, da seleção de futebol da província portuguesa da Guiné, onde figura o Armando Lopes (jogador da UDIB, pai do nosso amigo Nelson Herbert, e que também era conhecido como Búfalo Bill).

Recorde-se que ele fez o seu serviço militar no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques; ambos nasceram em 1920 e, infelizmente, já faleceram od dois, o meu, em 2012, o pai do Nelson Herbert, mais recentemente, em 2018. Ambos tinham igualmente uma paixão pelo futebol...

A foto que publicamos acima,  é do arquivo pessoal do João Nascimento Burgo Correia (ou Corrêa) Tavares, o Joãozinho Burgo, do Sport Bissau e Benfica... Mas o nosso blogue já tinha publicada uma igual, em 15 de agosto de 2010, do arquivo do Armando Lopes / Nelson Herbert.

Cabo-verdiano, da ilha do Fogo, onde nasceu em 1929, Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (1920-2018),  mas mais velho que o Bobo Keita (1939-2009). O auge da sua carreira é em 1960, com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame Nkrumah.

Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita, Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes (Penicilina), 'Djinha', João de Deus, 'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar já época, distante,  de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém) (p. 36).

O Bobo Keita, mais novo (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica, clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (primeiro em Bolama, depois Bissau, Mansoa, Bafatá...).

O futebol também foi um viveiro de militantes, combatentes e dirigentes do PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante aprofundar as razões deste fenómenos...


Guiné > Bissau > Março de 1970 > Estádio Sarmento Rodrigues (hoje, Estádio Lino Correia) > Jogo de futebol entre o Sporting de Bissau e a UDIB, com transmissão radiofónica. Se a memória não me falha, quem fazia o relato era o Carlos Soares (está numa mesa). Vemos à esquerda, a zona onde se localizava a Verbena e o Cinema UDIB.  O estádio foi construído em 1947 e electrificado, já no tempo de Spínola, em 1971. O Lino Correio, antigo jogador da UDIB, morreu precocemente, em 25/11/1962, em Conacri, de acidente, numa sessão de preparação física. 

Foto do nosso grã-tabanqueiro, Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Os Maiorais, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorde-se que o Júlio Almeida, antigo funcionário da granja de Pessubé, que trabalhou com Amilcar Cabral, é referenciado como um dos fundadores, em 1956, do PAIGC, ou melhor do PAI, mais tarde PAIGC. Segundo informação do Nelson Herbert, a indicação e a consequente transferência de Júlio Almeida do futebol mindelense (São Vicente, Cabo Verde) para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense, no ínício dos anos 50, pelo seu pai, Armadndo Lopes, que na altura estaava a passar férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.

Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Corona, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)... Keita, miúdo de rua, não tinha botas. As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo Sport Bissau e  Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos juniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.

Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... "A partir daí, segundo as circunstâncias, passei a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezassete anos e outro com dezoito anos", confidencia o Bobo keita ao seu biógrafo (p. 31).

Acabou por jogar a defesa direito no Benfica. Dos juniores passa às reservas e depois à equipa principal. Para além de ser o orgulho do seu pai, tornou-se muito popular entre os adeptos. O grande dérbi, em Bissau, eram o jogo Benfica-Sporting. Na época, o Benfica era de longe a melhor equipa de futebol da província, recheada de estrelas (que integravam por sua vez a seleção da província).

Foi o Victor Mendes, um treinador português, que levou Bobo Keita para a seleção e que o pôs a jogar como defesa lateral esquerdo, depois de muito trabalho... Outro clube cotado localmente era o UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau, onde jogava o seu primo João de Deus.

Nas conversas com Noberto Tavares de Carvalho, Bobo Keita recorda o Torneio da África Ocidental, que começou na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, em 1958, e que juntou outras  seleções (Cabo Verde, Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri) (pp. 39-40). Também, jogou na Gâmbia, onde a seleção guineense era, de há muito, temida, desde o tempo do Armando Lopes.

E acrescenta o Nelson Herbert: "Convém não perder de vista que ante a então apertada vigilância da PIDE, a 'bola' foi por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e cabo-verdianos em redor de ideais nacionalistas.

"E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na 'massificação'  do futebol naquela antiga província ultramarina."

2. Mas voltando ao Bobo Keita e à selecção de futebol da Guiné, que foi apurada para a final da taça Kwame Nkrumah, jogada em  Acra, capital do Gana, em 1959. 

O encontro com o presidente Kwame Nkrumah terá sido decisivo na vida de Bobo Keita. Recorde-se que a antiga colónia inglesa, Golden Coast, a Costa do Ouro, proclama oficialmente a sua independência em 6 de Março de 1957. Nkrumah, num cerimónia de receção nos jardins do seu palácio, incentivou então os jovens futebolistas a lutarem pela independência dos seus países. 

Em 1 de outubro de 1960, Keita está em Lagos, capital da Nigéria, outra vez num torneio de futebol, por ocasião das festas da independência de mais um grande país africano (p. 44-46). Que memórias guarda desse tempo ?

"Como acontecera com o discurso do Nkrumah, fui de novo sacudido por um mar de interrogações, sempre falando com os meus botões e acabando por concluir que tudo aquilo era bonito, mas completamente impensável na Guiné. No entanto, pela segunda vez, o acaso punha-me de caras com os pensamentos revolucionários daquele tempo. Só que desta vez senti algo a despertar em mim" (p. 45)...

E mais à frente acrescenta, na entrevista com Norberto Tavares de Carvalho, publicada em livro, que temos vindo a citar:

"Fiquei com aquela imagem de um povo confiante, independente e livre. Esse quadro ficou gravado em mim como o segundo factor de formação da minha consciência nacionalista" (p. 46).

Três meses depois, em 26 de dezembro desse ano, Bobo Keita, que tinha apenas a 4ª classe da instrução primária, "vai no mato", isto é, entra na clandestinidade, mais exatamente segue em viagem para o sul, disfarçado de alfaiate, mas com destino certo: Conacri. Em 12 de janeiro de 1961 tem à sua frente Amílcar Cabral, o homem que lhe tinha dado um bola, quando "djubi" do Cupelom, seu bairro natal...

Como é que um jovem e promissor jogador de futebol chega até aqui, ou seja, entra em ruptura com a sociedade onde, mal ou bem, está integrado ? Antes de mais, é de referir o sentimento de injustiça e de revolta que começa a apoderar-se dos jovens jogadores da seleção da Guiné. Na Nigéria não recebem os prometidos e ansiados prémios de jogos. Sentem-se explorados e inferiorizados quando comparados com os jogadores das outras seleções africanas, em particular os nigerianos. Na capital da Gâmbia, Bathurst, o conflito, latente, estala, passando a conflito aberto, manifesto... Recusam-se a jogar... Acabam por ceder para "não ficarmos mal vistos" (p. 48), mas recebem no final o dinheiro prometido...

Os dirigentes da seleção estranharam o comportamento jogadores e não gostaram... No regresso a Bissau, entra a PIDE em ação. O ambiente é de crispação, dentro e fora do balneário. Chegou-se a pensar prender toda a selecção, mas acabou por imperar o bom senso... Os jogadores, incluindo Bobo Keita, foram discretamente interrogados, um a um, pela PIDE nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Bissau (pp. 52 e ss.). Dada a sua popularidade, os jogadores da seleção, envolvidos no conflito passado na Gâmbia, acabaram por se safar... Acrescenta o Bobo Keita, que até o próprio Governador, na altura o Peixoto Correia [1913-1988; governador entre 1958 e 1962], "uma ardente adepto do futebol", não terá apreciado a ação da PIDE (p. 53)...



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A valorosa equipa de futebol da CCAÇ 12, que disputou campeonatos em Bafatá...  Supremacia branca, discriminação racial, elitismo ?... Nada disso, os graduados e especialistas metropolitanos da companhia eram apenas um terço; o resto da companhia era do recrutamento local, de etnia fula... Os fulas, pastores, místicos  e guerreiros,  não jogavam à bola, ou   não tinham especial apetência pela prática do futebolmuitos deles numa tinham visto uma bola de futebol, ou um equipamento desportivo, lá nas suas tabancas dos regulados de Badora e de Cossé...

Mas é bom lembrar que, na Guiné do nosso tempo, e devido à guerra o futebol estava praticamente confinado a Bissau... se bem, que houvesse também equipas de futebol no interior (Bafatá, Mansoa)... Do Clube de Futebol Os Balantas de Mansoa (Mansoa) [Região do Oio], era, ao que parece o Corca Só, lendário comandante do PAIGC que um dia terá prometido "limpar o sebo" ao "Tigre de Missirá", o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos...

Enfim, o futebol continuava a ser  o desporto, por eleição, dos "tugas", no final dos anos 60...mas também fora um viveiro de dirigentes e militantes do PAIGC no início da década...

Os "tugas" da CXAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71=, aqui fotografados,  da esquerda para a direita, são, na primeira fila:

(i) Gabriel Çonçalves, o "GG" (1º cabo cripto, vive em Lisboa),

(ii) Francisco Moreira (alf mil op esp, cmdt do 1º Gr Comb, vive em Santo Tirso);

(iii) Arlindo Roda (fur mil at inf,. do 3º Gr Comb, vive em Setúbal);

(iv) Arménio Fonseca, o "Campanhã" (sold at inf, 1º Gr Comb, vive no Porto);
(v) e o guarda-redes, João Rito Marques (o 1º cabo quarteleiro, vive no Souto, Sabugal);

e na segunda fila:

(vi) Fernando Sousa (1º cabo aux enf, vive na Trofa),

(vii) Luciano Pereira de Silva (1º cabo at inf, 4º Gr Comb, natural de São Mamede do Coronado, Trofa, emigrado em França);

(viii) Fernando B. Gonçalves (1º cabo aux enf, que veio substituir o 1º cabo aux José M. Sousa Faleiro, evacuado logo no início para o Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas; morada atual desconhecida)

(ix) Alcino Carvalho Braga (sold cond auto; vive em Lisboa)

(xi) Manuel Alberto Faria Branco (1º cabo at inf, 2º Gr Comb; vive na Póvoa do Varzim)

(xi) e o António Manuel Martins Branquinho (fur mil at inf, 1º Gr Comb; falecido, vivia em Évora).

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

__________

Notas de leitura:

(*) Vd. postes de:



(**) Último poste da série > 24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20091: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (13): Hoje faz anos, 73, o António Fernando Marques... Porque recordar é viver duas vezes, e blogar é três... Relembramos o fatídico dia, 13/1/1971, em que o PAIGC nos quis mandar para os anjinhos... O meu querido Marquês, sem acento circunflexo, tem filhos, netos, amigos e camaradas que o adoram... E o Mário Mendes, morto de morte matada 16 meses depois... será que alguém ainda o recorda na sua terra natal? (Luís Graça)

domingo, 30 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19345: In Memoriam (332): Armando Duarte Lopes (1920-2018): antiga glória do futebol guineense, morreu no passado dia 18 o "Búfalo Bill"; foi a enterrar na sua terra natal, o Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde (Nelson Herbert Lopes, EUA)



Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo; no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acedeu à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Noberto Tavares de Carvalho -  "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor,  2011, p. 41.

Caboverdiano, da Ilha do Fogo, onde nasceu em 1929, Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (n. 1920) mas dez anos  mais velho que o Bobo Keita (n. 1939). O auge da sua carreira é em 1960, com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame Nkrumah.

Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita, Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes ('Penicilina'), 'Djinha', João de Deus, 'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar na época de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém)

O Bobo Keita  (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica, clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (Mansoa e Bafatá, por ex.).

O futebol, tal como o exército,  também foi um viveiro de militantes, combatentes e dirigentes ao PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante saber porquê...

O pai do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Lopes Herbert, de seu nome Armando Duarte Lopes, foi também, pois, uma antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense ("Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor futebolista da UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau. Também jogou no Sport Bissau e Benfica, de longe a melhor equipa de futebol da província,  e foi internacional pela selecção guineense.

Trabalhou depois na administração de portos da Guiné, e inclusive na   porto fluvial de Bambadinca, entre 1969 e 1971, na altura em que eu estive em Bambadinca, na CCAÇ 12 (julho de 1969/março de 1971). Tenho pena de o não ter conhecido pessoalmente, mas seguramente que nos cruzámos algumas vezes....


Foto: © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].





Armando Duarte Lopes (Mindelo, 1920 - Mindelo, 2018),antiga glória do futebol de Cabo Verde e da Guiné


Fotos: © Nelson Herbert Lopes  (2018. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Monte Cara, Mindelo, S Vicente, Cabo Verde  >  Monte Cara é uma montanha na parte ocidental da ilha de São Vicente, Cabo Verde. Assemelha-se a um rosto humano olhando para o céu, daí o seu nome, o que significa 'Montanha do rosto'. Foto (e legenda) de cronologia da página do Facebook do nosso amigo Nelson Herbert. (Reproduzida aqui com a devida vénia).


1. Mensagem, com data de 26 do corrente, nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Herbert Lopes [jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e  guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America):

Meu Caro Luis

Espero que tenha tido um bom Natal cheio de surpresas agradaveis.

Estas linhas apenas para lhe deixar saber que infelizmente o meu “Velho” Armando Duarte Lopes faleceu no passado dia 18 de Dezembro com 98 anos de idade... e foi a enterrar na última sexta feira no seu Mindelo natal. Não resistiu a uma paragem cardíaca...

Um abrço e um Feliz Ano Novo.

Nelson Herbert

2. Comentário do nosso editor Luís Graça:

Tínhamos até agora uma meia dúzia de referências ao pai do nosso amigo Nelson Herbert Lopes (*). Chega agora ao fim da sua viagem terrena. 

Cabo-verdiano do Mindelo, nasceu em 1920 (ou em 1922 ?)  fez o serviço militar na sua terra natal, no RI 23. em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques (1920-2012):  ambos tinham uma paixão pelo futebol, e ainda é possível que se tenham conhecido...(**)

O RI 23 foi também a unidade onde prestaram serviço, como expedicionários durante a II Guerra Mundial,  o Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, e o Porfírio Dias (1919-1988), pai do nosso  camarada Luís Dias. (*)

Ao filho Nelson Herbert e demais família e amigos, ficam aqui registadas as condolências dos amigos e camaradas da Guiné que se sentam sob o poilão da Tabanca Grande. (***)

3. Mensagem de Nelson Herbert, de 20 de outubro de 2011,  21:05 (***)

Assunto: Futebol e Nacionalismo

Caro Luis

"As equipas de futebol deram bastantes militantes ao PAIGC... Era interessante saber porquê...No caso do Bobo Keita, foram decisivas as viagens ao estrangeiro (Ghana, Nigéria...) com a seleção nacional, até 1960, ano em que ele passou à clandestinidade"... E eis (mais) um capítulo da história da Guiné ainda por aprofundar !!!

Repare que a seleção de que Bobo Keita fazia parte, contava igualmente com um dos elementos fundadores do PAIGC, refiro-me pois ao cabo-verdiano Júlio Almeida (guarda redes, que deduzo estar na foto a que fez referência) , então técnico agrário da Granja de Pessubé, [onde trabalhou com] Amílcar Cabral !!!

A indicação e a consequente transferência de Júlio Almeida do futebol mindelense para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense - creio que [no ínício dos] anos 50- pelo meu pai [ Armadndo Lopes], na altura de férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.

Convém não perder de vista que, ante a então apertada vigilância da PIDE, a "bola" foi por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e cabo-verdianos em redor de ideais nacionalistas.

E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na "massificação" do futebol naquela antiga província ultramarina.

Obrigado por partilhar!

Mantenhas

Nelson Herbert
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. por exemplo postes de;



sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19342: Memória dos lugares (384): Tradições do Natal crioulo em Bissau: o "fanal" e o "mbim pidi festa" da meninada do meu tempo (Nelson Herbert)


Desenho de um "capelinha"  feitas pelas crianças de Bissau  no Natal... Segundo Nelson Herbert, era o "fanal2 (que tinha sempre no interior um pequeno presépio montado e uma vela acesa)...

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo Nelson Herbert [jornalista, de origem guineense e cabo-verdiana, filho da antiga glória do futebol guineense,  Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill (1920-2018); vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America]:

Data - quarta, 26/12, 16:00

Assunto - Tradições do Natal crioulo da Guiné (*)

O “esqueleto” da capela [, vd. imagem acima]  era feito do “miolo-esponjado” da cana de bambu [escapa-me agora o nome em crioulo do material também usado na confecção de peças de mobiliário tradicional- (cadeiras e banquinhos - particularmente no Leste da Guiné )] e as “paredes”  eram forradas de papel de seda, meio transparente, e de várias cores.

Ao artefacto que tinha sempre um pequeno presépio montado no interior e uma vela acesa, nós,  a meninada,  dávamos o nome de “Fanal”...

"Kandi foi, kandi foi para Belem..." (quando foi, quando foi para Belem...)  era um dos versos da lírica da “ladainha” que metia ainda referências ao “Menino de Jesus” e demais figuras do “Presépio”... É tudo o que ainda me recordo.

De resto havia um “Ritual” (De Pidi Festa)  que, de porta à porta, pelo Natal, se impunha como o tal arauto de “Boas Festas” pelo “nascimento do Menino” às famílias visitadas... e sempre a troco de alguns “trocados”...

Mbim Pidi Festa !

Nelson  Herbert
____________

Notas do editor:

(*) Vd,. postes de:

27 de dezembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19338: Memória dos lugares (383): Essa tradição do Natal crioulo, descrita pelo Mário Dias, e vivida por ele em 1952, em Bissau, vou ainda encontrá-la em Nova Lamego, 15 anos depois, em 1967!... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933,1967/69)

25 de dezembro de 2018 >  Guiné 61/74 - P19334: Memórias dos lugares (382): Bissau, 1952, quando lá passei o meu primeiro Natal, aos 15 anos: uma tradição crioula que se perdeu, as crianças de Bissau, vindas do Chão Papel, Alto do Crim, Cupilon, Gã Beafada, Santa Luzia e outros bairros, que inundavam as ruas com as suas casinhas luminosas ou com os “kinkons” articulados e garrafas para marcar o ritmo, "tintim, tintim, kinkon, kinkon"... (Mário Fernando Roseira Dias, compositor musical, ex-srgt 'comando' reformado, Brá, 1963/65)

11 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5628: Antropologia (16): Canções antigas do Natal de Bissau (Manuel Amante da Rosa)

sábado, 8 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10774: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1): Embarque de vacas no porto de Bambadinca


Foto nº 28 > Porto fluvial de Bambadinca, no Rio Geba... Enmbarque de vacas... Do outro lado era a bolanha de Finete e o caminho para Missirá, o destacamento mais avançado do Setor L1 na região do Cuor


Foto nº 32 > Embarque de vacas, muito provavelmente para o BINT (Batalhão de Intendência)


Foto nº 29 > Não tenho a certeza, mas na foto parece ser o fur mil amanuense do CA [Conselho Administrativo] da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), o Manuel António Rodrigues Brás


Foto nº 30 > Mais um aspeto da atribulada operação de embarque de vacas


Foto nº 31 > Em primeiro plano, à direita, o fur mil Lopes, de camuflado, o autor destas fotos


Foto nº 33 > Dois barcos civis acostados à margem esquerda do Rio Geba (Estreito) em Bambadinca... Em geral eram barcos fretados pelo BINT (Batalhão de Intendência, de Bissau)


Foto nº 34 > Rio Geba (Estreito)... O cais acostável de Bambadinca... Estes fotos (as de cima, de 28 a 32) devem ser de finais  de 1969, já no tempo da CCAÇ 12, e da autogrua Galion, chegada a 24/11/1969, e que veio melhorar as operações de cargas e descargas.

Na foto, vê-se por detrás do cais o entreposto do pelotão de intendência.


Foto nº 35 > Esta  foto e as anteriores (33, 34) não tenho a certeza se são da mesma época. Estas gruas, azuis, mais pequenas foram substituídas em 24/11/1969 pela autogrua Galion, mais potente.


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do nosso camarada José Carlos Lopes, que era fur mil, amanuense do Conselho Administrativo (CA) da CCS... Não se percebe muito bem se é um embarque ou desembarque de vacas no porto fluvial de Bambadinca... (Provavelmente a numeração das fotos é arbitrária, não é sequencial...). Mas é mais provável tratar-se de um embarque. A zona leste fornecia gado vacuum para outras partes da Guiné, incluindo o "ventre" de Bissau (onde o bifinho com batatas fritas e ovo a cavalo era o prato favorito da tropa que vingam do "Vietname", sinónimo de "mato & porrada").

O CA da CCS era presidido pelo 2º comandante do batalhão. O chefe da contabilidade era o alf mil Nelson de Sousa Ribeiro Adão, o tesoureiro o alf mil Carlos Augusto Correia... Havia dois furriéis amanuenses, os já supracitados José Carlos Lopes e Rodrigues Brás...

Do Lopes lembro-me muito bem, de resto já nos temos encontrado (, a última das quais, em circunstâncias infortunadas, no funeral da nossa querida amiga Teresa Reis, esposa do Humberto Reis), somos de resto quase vizinhos, e ainda ontem falei com ele ao telefone, a pedir-lhe autorização para publicar estas fotos que me vieram parar às mãos, em Coimbra,  num dos últimos encontros do pessoal de Bambadinca (1968/71)... Havia ainda dois 1ºs  cabos escriturários,  o Manuel Ferreira da Costa e o Rui Manuel de Matos M. Flor. 

Estou grato ao Lopes por querer partilhar, connosco, estas fotos, de grande valor documental... Quem terá comido os bifes destas vacas ? Talvez a malta do BINT possa (e queira) ajudar a melhorar as legendas das fotos. Em Bambadinca, havia um Pelotão de Intendência (PINT), e um grande entreposto junto ao rio. O movimento portuário era constante, obrigando-nos a montar segurança, na outra margem,  na zona do famigerado Mato Cão (onde será mais tarde, no tempo do BART 2917, montado um destacamento permanente).

Nesta altura (finais de 1969) já estava  a operar a autogrua Galion,  no cais (um pontão de madeira!) de Bambadinca... O Rio Geba era navegável até Bafatá, mas do Xime para cima o curso do rio, sinuoso e mais estreito, só permitia a navegação de pequenas embarcações militares (LDM, LDP, lanchas) ou civis (por exemplo, da Casa Gouveia)...

O transporte desta grua,  do Xime até Bambadinca,  foi uma epopeia, a cargo da CCAÇ 12!,,, Fazia anos o Tony Levezinho no outro dia, 24 de novembro de 1969... A grua atascou-se na estrada  Xime-Bambadinca, bebemos o "champagne" refrescado com a água da bolanha, na noite de 23 para 24, enquanto montávamos segurança à "prenda" enviada pela Engenharia Militar...

O pai do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Lopes Herbert, de seu nome Armando Duarte Lopes, uma antiga glória do futebol caboverdiano e guineense ("Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor futebolista da UDIB, do Benfica de Bissau, internacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa"...) , trabalhou na administração do porto fluvial de Bambadinca, entre 1969 e 1971... O que só vem comprovar que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! (L.G.)

Fotos editadas por L.G., com a devida autorização do José Carlos Lopes (a quem já foi formulado o convite para ingressar na Tabanca Grande).

Fotos: © José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10282: Meu pai, meu velho, meu camarada (30): Dispositivo militar metropolitano em Cabo Verde (Ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal) durante a II Grande Guerra (José Martins)

1. O nosso camarada, amigo e colaborador permanente José Martins mandou-nos, em 27 de julho passado, os seguintes quadros com a seguinte nota
 

Boa tarde: Aqui vai quadro da distribuição, pelos locais de destino, das forças enviadas para Cabo Verde [durante a II Guerra Mundial].


Ab. José Martins













a) Joé Martins, maio de 2012


2. Comentário de L.G.:  

Zé, sei que estás a passar por um momento difícil, tu e a tua família (a tua ainda recente passagem à reforma, o desemprego, inesperado e litigioso,  da tua esposa, a nossa querida amiga Manuela...), mas mesmo assim ainda consegues pensar no nosso blogue e arranjar tempo e pachorra para procurares,  no silêncio dos arquivos,  preciosos dados relativos ao nosso dispositivo militar em Cabo Verde, durante a II Grande Guerra.

Sabes do carinho que eu tenho por aquela terra, onde o meu pai (e os pais de outros amigos e camaradas nossos, como o Nelson Herbert, o Hélder Sousa, o Augusto S. Santos...) estiveram como expedicionários, integrando o RI 23...Lembremos aqui os seus nomes:  Luís Henriques, Ângelo Ferreira Sousa, Porfírio Dias e Armando Lopes... 

Ainda há dias descobri mais outro, o António Caxaria, de 94 anos, ex-furriel miliciano, muito amigo do meu pai, natural de (e residente em) o concelho da Lourinhã... Irei um dia destes visitá-lo na sua quinta, em São Bartolomeu dos Galegos, e relembrar histórias do seu tempo em Cabo Verde (1º Batalhão de Infantaria do RI 5, integrado no RI 23, Mindelo, Ilha de São Vicente, 1941/43). Está com uma ótima cabeça e tem algumas fotos desse tempo. 

Em face dos teus números, pode-se concluir que cerca de 52,9% dos nossos expedicionários (de um total superior a 6300) estavam concentrados numa só ilha, a Ilha de São Vicente, dado o seu interesse estratégico (porto atlântico ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos). O resto distribuía-se pela Ilha do Sal (35,3%) e pela Ilha de Santo Antão (11,8%).  Menos de 1% estava afeto ao serviço de transmissões.

O meu velhote, Luis Henriques (1920-2012), se fosse vivo, teria feito ontem 92 anos... Dedico-lhe, à sua memória e à memória do Ângelo e do Porfírio (que também já nos deixaram), e em homenagem ao Armando (felizmente ainda vivo,  vai completar 92 anos em 23 deste mês), este poste que tu preparaste com a competência e o carinho que pões em tudo o que se refere aos nossos antigos combatentes, alguns dos quais foram nossos pais... Um alfa bravo para ti, um xicoração para a Manela. LG



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 2006 > Ponta João Ribeiro > Restos da baterias de artilharia de costa, do tem,po da II Guerra Mundial...  Estas posições de bateria de artilharia de costa protegiam a baía do Mindelo. A Ponta João Ribeiro fica hoje a 3 km da cidade do Mindelo. Em frente, a uns escassos 600/800 metros, situa-se o ilhéu dos Pássaros.

Foto: © Lia Medina (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série > 8 de maio de 2012 >Guiné 63/74 - P9870: Meu pai, meu velho, meu camarada (29): Luís Henriques (1920-2012): Você deixou o nosso ranchinho abandonado... (Luís Graça)

sábado, 14 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9744: Meu pai, meu velho, meu camarada (28): O RI 23, (re)constituído na Ilha de S. Vicente (agosto de 1941/dezembro de 1944): a unidade a que pertenceram Luís Henriques, Ângelo Ferreira Sousa, Porfírio Dias e Armando Lopes (José Martins)

1. Comentário do nosso colaborador permanente José Martins, com data de 11 do corrente, ao poste P4926 (*):


A foto nº 2 [, à esquerda,] tem uma referência, com interrogação, acerca do RI 23.
[Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 2 > Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do R.I. 23 (?)... Tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'.]


O RI 23 foi constituído em Cabo Verde, na Ilha de S. Vicente, sob o comando do Brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares (Agosto de 1941 a Dezembro de 1944).


Faziam parte deste regimento:


1 Batalhão do RI 5 (Caldas Raínha)
1 Batalhão do RI 7 (Leiria)
1 Batalhão do RI 15 (Tomar)
Bateria de Artilharia Costa 1
Bateria de Artilharia Costa 2
Bateria Artilharia Contra Aeronaves 9,4 cm
Bateria Artilharia Contra Aeronaves 4 cm
Bateria de Referenciação, a 2 Divisões
2ª Companhia de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2


Mais os seguintes serviços de apoio:


Parque de Engenharia
Secção de Padaria
Depósito de Subsistências e Material
Laboratório de Análise de Águas
Hospital Militar Principal de Cabo Verde
Depósito Sanitário
Tribunal Militar


Ab
José Martins


2. Comentário do editor:


A origem do RI 23 remonta à epoca da Restauração (1641). A designação de RI 23 data de 1806. Notabilizou-se na luta contra as tropas napoleónicas (por ex., defesa de Almeida e  batalha do Buçaco, 1810). Ao RI 23, (re)constituído na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, pertenceram os "nossos camaradas" Luís Henriques (1920-2012) (pai do Luís Graça), Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001) (pai do Hélder Sousa), Porfírio Dias (1919-1988) (pai do Luís Dias) e Armando Lopes (felizmente ainda vivo) (pai do Nelson Herbert). (**)

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segunda-feira, 19 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)


Para o meu pai, Luís Henriques
(n. 1920, Lourinhã, ex- 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43) (*)
e para todos os pais,
os nossos pais,
que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte



Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás a chegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…
É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar de Nossa Senhora da Guia,
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto jovial pela anedota,
Pelo verso de improviso,
Pelo dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?
(Sempre brejeiro, sem nunca dizer um palavrão!)




Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Eu já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho,
Um dia de cada vez,
Sem dores,
Com o teu sorriso doce
E com o segredo da tua alegria
Que contagia(va) tudo e todos...
Queria que chegasses, para já,
Até o dia 19 do próximo mês de Agosto,
Dia dos teus anos,
Para a gente poder vcoltar a ouvir de novo os dois,
Numa cumplicidade pai/filho,
A tua coladera preferida,
Aquela que eu te ouvia cantarolar, desde miúdo,
Sem nunca entender, ao certo,  a letra em crioulo...
Lembras-te ?
Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode (**)...



Se calhar estou a ser egoísta,
Miseravelmente egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”…
(É assim que me tratas,
Sempre me trataste,
Por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Vou-te animando,
Vou-te desafiando para ir comer um peixinho,
Desafiando-te para ir ver o mar,
Não o mar azul da baía do Mindelo,
Aonde nunca mais voltaste, 
Mas o mar do Cerro da tua infância
Com as  Berlengas ao fundo...
Para limpar a vista, como  tu gostas de dizer... 
Anda, anda a tomar o teu café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Na Praia da Areia Branca...
Que eu vou pedindo a tua amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
Que no céu não há disto!”…


O que te prende à vida, meu velho,
Mesmo sabendo que és um homem de fé ?
A tua velha companheira,  
A minhã mãe,
A tua cachopa, agora muda e queda,
Ali a teu lado,
Na Senhora da Guia ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão
Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ir à vila,
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não jogas às damas,
Já não lês a Bola,
Já não ouves, na rádio,  o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo,
 Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”…


Já não corres, meu pai,
Grande ponta direita,
Velha glória de clubes de futebol
Sem história,
As pernas tramaram-te,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida,
Nos campos de futebol e fora deles…
Já não corres,
Mas ainda continuas a ganhar,
Meu velho,
A marcar pontos,
Meu camarada…
Os dos exemplos de bondade,
E de humanidade,
E de coragem
E de sabedoria,
Que eu gostaria de poder transmitir aos meus dois filhos
E aos meus netos (quando os tiver)…


Um bom dia do pai,
No Dia do Pai,
Para ti,
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!


Alfragide, 19 de Março de 2012
Luís Graça

2. Já que estamos numa homenagem ao(s) pai(s), ao(s) nosso(s) pai(s), a todos os nossos queridos pais, feita a duas, quatro seis, múltiplas mãos, aqui fica, ao cair do dia, a mensagem carinhosa que os meus dois filhos, Joana e João, quiseram deixar no nosso blogue, no Dia do Pai...

Amigos, camaradas, camarigos: Entendam-na como a expressão dos sentimentos de todos os nosso filhos, já que uma das nossas máximas é justamente essa: "Os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são"... (LG)

Para o nosso Pai:


Chegámos a casa e não parámos de chorar pela bonita homenagem que fizeste ao teu Pai! 


Pai!, como consegues tocar no coração das pessoas com as tuas palavras, o verso curto, a palavra certa, o sentimento todo, certeiro?!


Pai!, como consegues adivinhar o que sentimos nós, também, a sofrer ao longe, mas a pensar que os outros são fortes, quando afinal a todos o coração enfraquece.


Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, que disse que quem não viveu não pode viver.


Pai!, e o avô viveu e deu a viver, e viverá para sempre nas nossas histórias, aquelas que tu e nós vamos contar aos nossos filhos, sim, por que ser avô é uma bênção, e queremos dar-te essa alegria também.


Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, escondida, mas forte pela subtileza e bondade.


Pai!,  vamos levar nas nossas vidas a celebração da vida através da poesia embrulhada de afetos.


Com afeto,


Joana e João


Alfragide, 19 de Março de 2012

3. Magnífica lição sobre a música popular urbana de Cabo Verde, por parte do nosso amigo Nelson Herbert [ jornalista, VOA - Voice of America, Washington, DC, filho de um camarada do meu pai, velha glória do futebol caboverdiano e guineense, Armando Lopes, mais conhecido por Búfalo Bill] que, do outro lado do Atlântico, se apressou a responder ao meu pedido de tradução da letra da coladera Velocidade (que faz do álbum da Cesária Évora, Voz d'amor):

Caro Luís:


Antes de mais, votos de rápidas melhoras para o seu "Velho"...


De facto esta sarcástica coladera é do tempo da vivência do seu "Velho" em S. Vicente, é da década de 40/50, anos em que fez um estrondoso sucesso...

Época áurea do Porto Grande de Mindelo, dos marinheiros dos navios que aportavam à ilha, do corpo expedicionário, clientes dos bares e casas de música e "engates" famosas da ilha...


Sarcástica como praticamente todas as coladeiras, ela retrata no fundo uma espécie de sermão, com laivos de ciumeira, aparentemente dirigida à m'nina de vida, como se diria naqueles tempos... (Hoje simplificando, e falando politicamente correto, uma prostituta ou profissional do sexo).
Mindelo era conhecido na altura pelo seu Porto (Porto Grande)... Como diria o poeta italo-caboverdiano Sergio Frusoni, era o tempo em que os gatos eram engordados à base da gemada ... e pelo seu intenso traáego portuário,  com todas as demais actividades paralelas,nomeadamente a prostituição !


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "O belo porto de mar de São Vicente; ao centro, o ilhéu [dos Pássaros] que se confunde com um barco. Outubro de 1941" [Foto de Luís Henriques, 1º cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão, Regimento de Infantaria nº 5, Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo, 1941/1943].


E de tão profícua atividade, a m'nina de vida tendia a sobressair-se... pelo seu ar sobranceiro e exibicionista...

E é, pois, reflectindo essa realidade que esta sarcástica coladera é feita.  Salvaguardando as expressões idiomáticas do crioulo caboverdiano, por vezes difíceis de traduzir, a tradução da letra desta coladera ficaria mais ou menos assim (Ver abaixo). Mantenhas. Nelson Herbert

Coladera Velocidade
Trad. para português: Nelson Herbert

E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim


[É melhor deixares-te desses disparates
antes que ganhes a alcunha de Velocidade.
Vê bem, que tudo que é forte
não deixa um dia de ter um fim.]


[Comentário: ... Um dia deixas de ser forte... No fundo, um dia com a velhice, ainda te cai a crista !]


(Bis)


Refrão


Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode


[Se tens estado a dar nas vistas, pela vida que levas,
eu cá não sei..
Se a tua vida, o que fazes ou (des)fazes ja está na boca do povo...
Nao fui eu o culpado, nada tenho a haver com isso]

(Bis)


Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital


[E lá vem ela de novo, qual donzela,  saracoteando,
Com toda a sua vaidade, estilo e charme
Que nem deu conta daqueles desgracados (supostamente os clientes habituais...)
Que algures numa esquina, observam-na e preparam-se para  disputar a sua companhia]...

________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série >  23 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7164: Meu pai, meu velho, meu camarada (24): Bijagós, memórias de menino e moço (Manuel Amante)

(**) Letra recuperada aqui, no sítio Vagalume... Letra da coladera tradicional,  Velocidade,  magistralmente interpretada por Cesária Evora (1941, Mindelo - 2011, Mindelo)  (Vídeo no You Tube disponível aqui)


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'Velocidade
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

(Bis)

 Refrão

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

(Bis)


Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital


 (Bis)

Refrão

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8947: Notas de leitura (292): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte II): Futebol e Nacionalismo (Nelson Herbert / Luís Graça)





Gâmbia > Bathurst > 1953  > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra >  Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita,  Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (SB Benfica), Armando Lopes (UDIB),  Theca (SB Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB);  de joelhos, também da esquerda para a direita:  Mário Silva (SB Benfica),  Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB),  Emílio Sinais (SB Benfica), Joãozinho Burgo (SB Benfica) e João Coronel (SB Benfica)...

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo; no 2º jogo,  as duas seleções empataram 2-2 (com golos,  pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acedeu à independência em 1965.

Foto: ©  Armando Lopes / Nelson Herbert  (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Legenda de João Burgo Correia Tavares (vd. De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita, 2011, p. 41).


1.  E a propósito (e na continuação da leitura do livro) das memórias do Bobo Keita (*)... Fomos encontrar, no livro do Norberto Tavares de Carvalho, uma foto já nossa conhecida, da seleção de futebol da província portuguesa da Guiné, onde figura o  Armando Lopes (jogador da UDIB, pai do nosso amigo Nelson Herbert, e que também era conhecido como Búfalo Bill; fez o seu serviço militar no Mindelo, em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques; ambos nasceram em 1920 e, felizmente, continuam vivos; ambos tinham igualmente uma paixão pelo futebol).

A foto, que vem na página 41,  é do arquivo pessoal do João Nascimento Burgo Correia Tavares, o Joãozinho Burgo, do Sport Bissau e Benfica... (Mas o nosso blogue já tinha publicada uma igual, em 15 de Agosto de 2010, do arquivo do Armando Lopes) (***).

Caboverdiano, da Ilha do Fogo, onde nasceu em 1929,  Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (n. 1929) mas mais velho que o Bobo Keita (n. 1939). O auge da sua carreira é em 1960,  com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame  Nkrumah.


Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita,  Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes ('Penicilina'),  'Djinha', João de Deus,  'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar na época de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém) (p. 36).

O Bobo Keita, mais novo (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica (**),  clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (Mansoa e Bafatá, por ex.).


O futebol também foi um viveiro de   militantes, combatentes e dirigentes ao PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante saber porquê... 

Recorde-se que o Júlio Almeida, antigo funcionário da granja de Pessubé que trabalhou com Amilcar Cabral, é referenciado como um dos fundadores, em 1956,  do PAIGC, ou melhor do PAI, mais tarde  PAIGC (**).

Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra'... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Coronoa, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)... Keita, miúdo de rua, não tinha botas. As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo SB Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos júniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.


Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... "A partir daí, segundo as circunstâncias, passei a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezasste anos e outro comn dezoito anos", confidencia o Bobo keita ao seu biógrafo (p. 31).


Acabou por jogar a defesa direito no Benfica. Dos júniores passa às reservas e depois à equipa principal. Para além de ser o orgulho do seu pai, tornou-se muito popular entre os adeptos. O grande dérbi, em Bissau, eram o jogo Benfica-Sporting. Na época, o Benfica era de longe a melhor equipa de futebol da província, recheada de estrelas (que integravam por sua vez a seleção da província)


Foi o Victor Mendes, um treinador português, que levou Bobo Keita para a seleção e que o pôs a jogar como defesa lateral esquerdo, depois de muito trabalho... Ao que parece, ainda estará vivo. Outro clube cotado localmente era o UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau, onde jogava o seu primo João de Deus.


Nas conversas com Noberto Tavares de Carvalho (*), Bobo keita recorda o Torneio da África Ocidental, que começou na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, em 1958, e que juntou outras as seleções (Cabo Verde, Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri) (pp. 39-40). Também, jogou na Gâmbia, onde a seleção guineense era, de há muito, temida, desde o tempo do Armando Lopes.


Na fase final, foram jogar a Acra, capital do Gana, em 1959. O encontro com o presidente Kwame Nkrumah terá sido decisivo na vida de Bobo Keita. Recorde-se que a antiga colónia inglesa, Golden Coast, a Costa do Ouro, proclama oficialmente a sua independência em 6 de Março de 1957. Nkrumah, num cerimónia de receção nos jardins do seu palácio,  incentivou então os jovens futebolistas a lutarem pela independência dos seus países. 


Em 1 de Outubro de 1960, Keita está em Lagos, capital da Nigéria, outra vez num torneio de futebol, por ocasião das festas da independência de mais um grande país africano (p. 44-46). Que memórias guarda desse tempo ?


 "Como acontecera com o discurso do Nkrumah, fui de novo sacudido por um mar de interrogações, sempre falando com os meus botões e acabando por concluir que tudo aquilo era bonito, mas completamente impensável na Guiné.  No entanto, pela segunda vez,  o acaso punha-me de caras  com os pensamentos  revolucionários daquele tempo. Só que desta vez senti algo a despertar em mim" (p. 45)...


E mais à frente acrescenta, na entrevista com Norberto Tavares de Carvalho (*): 


"Fiquei com aquela imagem de um  povo confiante, independente e livre. Esse quadro ficou gravado em mim como o segundo factor de formação da minha consciência nacionalista" (p. 46).


Três meses depois, em 26 de Dezembro desse ano, Bobo Keita, que tinha apenas a 4ª classe da instrução primária,  "vai no mato", isto é, entra na clandestinidade, mais exatamente segue em viagem para o sul, disfarçado de alfaiate, mas com destino certo: Conacri. Em 12 de Janeiro de 1961 tem à sua frente Amílcar Cabral, o homem que lhe tinha dado um bola, quando "djubi" do Cupelom, seu bairro natal...


Como é que um jovem e promissor jogador de futebol chega até aqui, ou seja, entra em ruptura com a sociedade onde, mal ou bem, está integrado ? Antes de mais, é de referir o sentimento de  injustiça e de revolta que começa a apoderar-se dos jovens jogadores da seleção da Guiné. Na Nigéria não recebem os prometidos e ansiados prémios de jogos. Sentem-se explorados e inferiorizados quando comparados com os jogadores das outras seleções africanas, em particular os nigerianos. Na capital da Gâmbia, Bathurst, o conflito, latente, estala, passando a conflito aberto, manifesto... Recusam-se a jogar... Acabam por ceder para "não ficarmos mal vistos" (p. 48), mas recebem no final o dinheiro prometido...

Os dirigentes da seleção estranharam o comportamento jogadores e não gostaram... No regresso a Bissau, entra a PIDE em ação. O ambiente é de crispação, dentro e fora do balneário. Chegou-se a pensar prender toda a selecção, mas acabou por imperar o bom senso... Os jogadores, incluindo Bobo Keita, foram discretamente interrogados, um a um, pela PIDE nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Bissau (pp. 52 e ss.). Dada a sua popularidade, os jogadores da seleção, envolvidos no conflito passado na Gâmbia, acabaram por se safar... Acrescenta o Bobo Keita, que até o próprio Governador, na altura o Peixoto Correia, "uma ardente adepto do futebol", não terá apreciado a ação da PIDE (p. 53)...

Iremos continuar a respigar e comentar algumas notas de leitura (****) da 'longa conversa' que o Bobo Keita teve como Norberto Tavares de Carvalho, antes de morrer, em Portugal, em 2009. Era senhor de uma notável memória, era uma homem frontal, mas também de grande cordialiade.  Por sua vez, o autor do livro, com formação em ciências sociais, dá provas de honestidade intelectual e de preocupações com o rigor metodológico.

Leia-se o que diz o próprio Norberto Tavares de Carvalho:


"O trabalho de recolha, de entrevista e de releitura, durou mais de dois anos. Até que  no dia 19 de Dezembro de 2008 me desloquei a Lisboa para tratar com o comandante Bobo Keita os últimos trechos do livro. Fui visitá-lo ao hospital [, presume-se que o Amadora-Sintra,] onde estava internado. Ao ouvir a voz que o saudava, perguntou imediatamente: 'Quando é que chegaste ?'. Fiquei perplexo pois os rumores diziam que o velho combatente tinha perdido a memória. Animei-me de esperança. Tinha ainda mais perguntas a fazer-lhe para o aprofundamento de certos dados importantes. E devia ler-lhe a última parte do manuscrito" (p. 16).

O livro (brochado, 303 pp.,  incluindo fotos), edição de autor, está à venda no Porto, na UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, sita na Praça Carlos Alberto, 128-A, 4050-159 PORTO >  Email: Unicepe@net.novis.pt; Telefone: + 351 222 056 660. Preço: 15 € (12 €, para associados da Unicepe).


2. Sobre este tema reproduzimos aqui uma mensagem recente do Nelson Herbert, que vive em Washington onde é editor da Voz da América:

Data: 20 de Outubro de 2011 21:05
Assunto: Futebol e Nacionalismo


Caro Luis


"As equipas de futebol deram bastantes militantes ao PAIGC... Era interessante saber porquê...No caso do Bobo Keita, foram decisivas as viagens ao estrangeiro (Ghana, Nigéria...) com a seleção nacional, até 1960, ano em que ele passou à clandestinidade"...
E eis (mais) um capítulo da história da Guiné ainda por aprofundar !!!


Repare que a seleção de que Bobo Keita fazia parte, contava igualmente com um dos elementos fundadores do PAIGC, refiro-me pois ao caboverdiano Júlio Almeida (guarda redes, que deduzo estar na foto a que fez referência) , então técnico agrário da Granja de Pessubé, [onde trabalhou com] Amílcar Cabral !!!


A indicação e a consequente  transferência  de Júlio Almeida do futebol mindelense para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense - creio que [no ínício dos] anos 50-   pelo meu pai [ Armadndo Lopes],  na altura de férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.


Convém não perder de vista que ante a então apertada vigilância da PIDE, a "bola" foi  por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e caboverdianos  em redor de ideais nacionalistas.

E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na "massificação" do futebol naquela antiga província ultramarina.


Obrigado por partilhar !

Mantenhas
Nelson Herbert



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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8941: Notas de leitura (290): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho

(**) Comentário de Nelson Herbert ao poste de 2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense, nos anos 50


(...) "Apareceram também clubes de futebol como o Sport Lisboa e Benfica, 'por iniciativa de alguns nomes conhecidos da sociedade portuguesa, Gama das Construções [Gama] Lda, Pimenta do Cadastro, Casqueiro, etc.', e o Sporting Club de Bissau, 'sob a égide de Eugénio Paralta, irmão Zé Paralta, Chico Correia'...

"A UDIB já existia, diz-nos Cadogo Pai. No entanto, o desenvolvimento do futebol, 'trouxe mais um bafo de rivalidades, olhando a situação dos jogadores cabo-verdianos, importados pelo Benfica, que, para os atrair, os adeptos bem colocados, tinham que lhes oferecer bons empregos. Bons rapazes, no fundo, Antero, os sinais [?] Tcheca, Marcelino Ferreira (Tchalino), etc." (1ª Parte, p. 6).

(...) A origem das equipas de futebol da Guiné é, por sinal, uma das temáticas que há meses vinha eu já ensaiando propor a 'debate' a (e como contribuição para) o blogue ...Sobre esta temática tenho eu recolhido alguns testemunhos, por incentivo do meu próprio progenitor...por sinal, da leva dos futebolistas cabo-verdianos que povoaram o meio desportivo guineense da época. Aliás, modalidade-rei, com a qual os cabo-verdianos estavam em certa medida familiarizados, através dos ingleses que, pelas passagens pelo Porto Grande da Ilha de São Vicente, introduziram o futebol e o 'cricket'...Quanto a este último. facto curioso, nos demais territórios 'ultramarinos' de Portugal, foi o único onde a modalidade pegou e conserva ainda alguns resquícios da sua prática.

Dessa 'hegemonia' de futebolistas cabo-verdianos...Antero, Marcelino (Gazela), Armando Lopes (Búfalo Bill , meu pai), Tcheca, Júlio Almeida (referenciado como um dos fundadores do PAIGC), na sua maioria atletas do Sport Bissau e Benfica e da UDIB (caso do meu pai que, 'importado' de Cabo Verde, inicia a sua carreira na UDIB,transferindo-se anos mais tarde para o Benfica de Bissau), houve na época a necessidade de se contrabalançar essa então 'primazia' de futebolistas das ilhas, pelas razões já expostas acima...

E seria pois com base nesse pressuposto que nasceria o Sporting Club de Bissau (clube de que fui futebolista júnior, apesar da minha paixão clubística pela UDIB), outrora Império, e no qual militaram numa primeira fase da sua fundação, e na sua quase totalidade , futebolistas originários da Guiné. 'Cabo-verdianos' do Sporting viriam depois... e entre os nomes sonantes dessa época, cito aqui o nome de 'Djinha.'" Almeida...

Por iniciativa dos irmãos Paralta, e de mais um lote de futebolistas, de novo, na sua maioria cabo-verdianos que, na época do defeso do campeonato provincial, praticavam o ténis nos adstritos 'courts' do então estádio Sarmento Rodrigues, nasceria a ideia de fundação do Tenis Club de Bissau...

Eis pois aqui uma proposta de 'debate' e de recolha de testemunhos de que o Blogue tem sido profícuo...

Por exemplo, que papel teve a 'tropa'.  na sustentabilidade do futebol na Guiné, pelo menos a nível das equipas do interior do país, alguns, que com início da guerra deixaram de ser parte do campeonato provincial da Guiné.

Entretanto, relativamente à participação das equipas do futebol guineense, incluindo a própria seleção provincial, nas competições regionais africanas da época...Bobo Keita, um histórico comandante da guerrilha e talentoso futebolista guineense, entretanto já falecido, recordou em tempos, em entrevista por mim conduzida, o seu primeiro contacto com a ideia da necessidade da emancipação do homem africano...Aconteceu pois aquando de uma digressão da seleção provincial da Guiné ao Gana de Kwame Nkrumah (...)

(***) Vd. poste de 15 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6853: Futebol e nacionalismo na década de 1950 (Nelson Herbert, filho do jogador da selecção da província, Armando Lopes ou Búfalo Bill)

(****) Último poste da série > 24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8942: Notas de leitura (291): Arquitectura Tradicional da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)