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segunda-feira, 22 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24334: Notas de leitura (1584): "Onésimo Silveira, Uma Vida, Um mar de Histórias", por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 2016 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Privilegiou-se, deste belo livro em que entrevistador e entrevistado se enlaçam com naturalidade, entrevistador bem informado e um octogenário que procura jogar o jogo da verdade, os temas mais relevantes à luta armada, como ele via o PAIGC, como se sentiu atraído para combatente nacionalista e como se afastou do PAIGC por não aceitar o dogma da fé da unidade Guiné-Cabo Verde. 

Conheceu a fundo o PAIGC e o PAICV, dá-nos uma imagem da história de Cabo Verde após a independência que não pode deixar indiferente qualquer estudioso. Doutorou-se em socialismo africano e deixa-nos comentários valiosos sobre esses líderes com quem conviveu. Não se escusa a fazer confissões íntimas como a que tece sobre Adriano Moreira, não gostou dele como Ministro do Ultramar, considera a sua obra como uma das mais meritórias da Ciência Política, mesmo as medidas que tomou para estimular o ensino universitário e acabar com o regime do indigenato. Para o estudioso é muito importante a análise que ele faz do Partido Único de Cabo Verde e do seu trabalho autárquico. Creio que o leitor irá ficar fascinado com a imagem que este cabo-verdiano dá da sua vida e da sua ligação a uma cultura específica onde o português está sempre presente.

Um abraço do
Mário



Onésimo Silveira, o PAIGC e a unidade Guiné-Cabo Verde (2)

Mário Beja Santos

Onésimo Silveira, Uma vida, Um mar de histórias, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 2016, é de leitura obrigatória por vários motivos, que destaco: temos aqui uma grande angular com olhares sobre a sociedade cabo-verdiana, o papel do PAIGC neste Estado independente, e o contributo de alguém que foi combatente nacionalista, embaixador do seu país e diplomata das Nações Unidas, autarca, poeta, romancista e ensaísta. Quem o entrevista é um jornalista conceituado, José Vicente Lopes, a quem devemos obras de referência tais como Os bastidores da independência, As causas da independência e Aristides Pereira, minha vida, nossa história.

Já vimos como este combatente nacionalista andou por várias paragens antes de passar a representante do PAIGC no mundo escandinavo. Era frontal, não escondia a sua descrença contra o dogma da unidade Guiné-Cabo Verde. Estamos agora na atmosfera do assassinato, em retrospetiva, Onésimo, que assistiu aos funerais e que dialogou então com muita gente, avalia que Amílcar Cabral e os seus próximos subestimaram os avisos de que havia uma conjura em marcha, houve autêntica leviandade desses sinais premonitórios da conjura, os cubanos disseram claramente o que se estava a preparar. 

É neste momento que o entrevistador pergunta a Onésimo em que medida Cabral era tributário dos cabo-verdianos. Vem a resposta: 

“Precisava dos cabo-verdianos. Desde logo, para justificar a existência do PAIGC enquanto movimento de libertação dos dois territórios. Por outro lado, quando a luta exigiu uma intervenção qualitativa, só os cabo-verdianos e os cubanos é que puderam dar essa contribuição. São os cabo-verdianos que se vão formar sobretudo em artilharia, introduzindo com isso um elemento novo e de valor na guerra contra os portugueses”

A conversa deriva para o projeto de desembarque em Cabo Verde, houve aventureiros, como o Conde Von Rosen que propôs operações com aviões pequenos, chegou-se a discutir a preparação de pilotos, não era para matar pessoas, era para destruir os hangares dos aviões militares portugueses. Na altura da morte de Cabral os soviéticos estavam a preparar pilotos para a guerra na Guiné, mas era uma questão diferente. O plano do conde sueco não foi por diante e internacionalmente não havia qualquer apoio ao desembarque da guerrilha em Cabo Verde.

A conversa regressa aos cabo-verdianos de Conacri, observa pessoas, faz-lhes o retrato, caso de Pedro Pires: 

“Ele é um homem que não faz questão de apresentar ideias originais, mas é um administrador de grande classe, mesmo com ideias políticas que não sejam dele”

Onésimo, que já não é militante do PAIGC, após as exéquias de Cabral regressa a Estocolmo com o sentimento de que o PAIGC precisava de mudar de política, já estavam todos no comprimento de onda de que a Guiné seria independente, mas era óbvio que havia dois problemas, os guineenses não aceitavam o mando dos cabo-verdianos, e o papel dos militares, que enquanto Cabral foi vivo era de plena subordinação ao poder político, irrompeu na luta pelo poder. Cabral tinha uma fórmula para a subordinação dos militares, eles não eram militares, eram militantes armados, foi a consigna que ele criou no Congresso de Cassacá, para expurgar do PAIGC a mentalidade do cabo de guerra. O jornalista enfatiza, volta a Cabral e pretende saber se ele no fundo era guineense ou cabo-verdiano. Onésimo é pronto a responder: 

“Pelo comportamento, Cabral era cabo-verdiano. E foi por ser cabo-verdiano que foi morto pelos guineenses. Os guineenses não viam nele um guineense”.

Como o jornalista observa que também havia cabo-verdianos que se recusavam a ver Cabral como cabo-verdiano, Onésimo dá a sua interpretação: 

“É uma situação estranha, inédita, de um indivíduo que nasce num país, faz uma revolução como cidadão de outro país (aqui Onésimo comete um erro de palmatória, Cabral nasceu em Bafatá e depois foi com a mãe viver para Cabo Verde, onde estudou e de onde partiu para Lisboa para se diplomar como engenheiro agrónomo), Cabral esteve na Guiné, viveu com os guineenses, viu o impacto da intervenção colonial na Guiné, uma situação completamente diferente de Cabo Verde. Mesmo tendo vivido na Guiné, Cabral não viveu a Guiné por dentro e nem podia”

E adianta uma observação que abre um novo ângulo de análise, que mesmo a maior parte do tempo de Cabo Verde é uma experiência são-vicentina, e Onésimo procura dar uma interpretação: 

“Não é por acaso que Cabral se preocupa com a pequena burguesia naquilo que é o pensamento político dele. Na história de Cabo-Verde, a experiência urbana e pequeno-burguesa é mais visível em São Vicente do que em Santiago. A Guiné nem sequer é para aqui chamada. Cabral é dos poucos líderes africanos que se preocupa com o papel da pequena burguesia, porque sabia, no fundo, que ele próprio era um produto da pequena burguesia africana. Tinha tudo para viver tranquilamente e confortavelmente no quadro imperial português. Em vez disso, ele entendia que tinha uma dívida a saldar com os povos de África, a começar pelos seus irmãos da Guiné e Cabo Verde”.

Esboça-se o retrato de muita gente e influenciou a luta, caso de Abílio Duarte. Onésimo afasta-se do PAIGC, conta as reuniões em que esteve, conta como o caluniaram, seria um problema de contas, ao que ele respondeu perentoriamente: 

“Pelas minhas mãos não passava um tostão da ajuda sueca para o PAIGC. Não passava, nem nunca passou”

E explica o que era a ajuda sueca, a conversa retoma a cena internacional onde se movia o PAIGC, havia mesmo a opinião de que Cabral não devia ter ido ao encontro de Paulo VI, pessoas como Vasco Cabral, comunista, temia que os soviéticos ficassem francamente aborrecidos.

Dentro desta entrevista tão agradavelmente movimentada fala-se da tese de doutoramento e de Karl Popper, de Aron e de Sartre. E chegamos ao 25 de Abril e emerge uma nova dimensão, a independência de Cabo Verde, apresenta-nos intervenientes, fala-se do partido de Baltasar Lopes, Onésimo vive aquela tensão que tinha lutado pela independência do seu país e continuava a considerar que a unidade Guiné-Cabo Verde era uma grandessíssima asneira que ainda hoje Cabo Verde estava a pagar a fatura. 

Entretanto, vem investigar para Dacar, a convite de Senghor, assiste próximo e distante o aparecimento de movimentos de independência que serão sufocados pelo PAIGC. Onésimo ingressa nas Nações Unidas, vai para Nova Iorque, depois Angola, Somália, Moçambique, Genebra, cansado pede a desvinculação e volta para Cabo Verde, antes porém fala-nos da cultura norte-americana e depois da diplomacia africana, mais tarde vamos vê-lo como primeiro presidente eleito da Câmara Municipal de São Vicente (1991-2002), será depois embaixador de Cabo Verde em Portugal até 2005, falará longamente do Partido Único em Cabo Verde, foi mesmo convidado para Ministro dos Negócios Estrangeiros por José Maria Neves, é brejeiro a contar histórias como aquela que viveu enquanto embaixador em Lisboa: 

“Tive um funcionário que tinha mulher e amante na embaixada, mas que, por razões de ordem partidária, não resolvia o problema. Uma vez a amante veio ter comigo, para me dizer que estava na disposição de liquidar a rival, se o assunto dela não fosse resolvido. Aquilo era um caso de bigamia mal disfarçada e aconselhei-a a não fazer o que pensava, felizmente o marido acabou por regressar à base".

Onésimo revela-se um conhecedor profundo da realidade cabo-verdiana, a diversidade de cada ilha e a sua poderosa cultura. No termo da entrevista haverá um balanço e vamos vê-lo a falar com a maior das intimidades dos amores dispersos e dos filhos que tem em vários continentes. Considera-se um homem de coragem, relevou amizades, e conta histórias como o apoio que deu a José Leitão da Graça em Dacar, considerados inimigos do PAIGC. 

“Entre o revolucionário, autarca e diplomata, prefiro responder que sou um lutador”

Orgulha-se de ter tido uma vida plena e de continuar a lutar pela liberdade e pela democracia.

Pelo seu desempenho na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, esta longa entrevista é de leitura obrigatória para estudiosos e curiosos.

Onésimo Silveira e Amílcar Cabral em Helsínquia
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24327: Notas de leitura (1583): "Onésimo Silveira, Uma Vida, Um mar de Histórias", por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24327: Notas de leitura (1583): "Onésimo Silveira, Uma Vida, Um mar de Histórias", por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 2016 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
É livro de leitura obrigatória, Onésimo Silveira não só exerceu funções relevantes no PAIGC, como representante na Escandinávia, é um exímio conhecedor da realidade cabo-verdiana e mostra que sempre afrontou com coragem tal dogma da unidade Guiné-Cabo Verde. O entrevistador é José Vicente Lopes, um jornalista com pergaminhos, não há ali uma pergunta que não venha a propósito, sempre cheia de acicate para dar espaço ao entrevistado para prender a assembleia de leitores. Obviamente que aqui se fará uma leitura restrita destas mais de 400 páginas de alguém que, além de combatente nacionalista, tem no seu currículo a poesia, o romance e o ensaio, a diplomacia e a experiência autárquica na Câmara Municipal de São Vicente, alguém privou ao longo da vida com Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Olof Palma, Karl Popper, Leopold Senghor e outros destacados líderes africanos. Ninguém que se pretenda informado sobre a vida do PAIGC e a luta de libertação pode dispensar esta leitura, conhecer o olhar de um cabo-verdiano que aspirava pela independência mas que nunca duvidou que havia um fosso profundo entre aqueles dois países que Amílcar Cabral tratava como uma união sagrada.

Um abraço do
Mário



Onésimo Silveira, o PAIGC e a unidade Guiné-Cabo Verde (1)

Mário Beja Santos

Onésimo Silveira, Uma vida, Um mar de Histórias, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 2016, é de leitura obrigatória por vários motivos, que destaco: temos aqui uma grande angular com olhares sobre a sociedade cabo-verdiana, o papel do PAIGC neste Estado independente, e o contributo de alguém que foi combatente nacionalista, embaixador do seu país e diplomata das Nações Unidas, autarca, poeta, romancista e ensaísta. Quem o entrevista é um jornalista conceituado, José Vicente Lopes, a quem devemos obras de referência tais como Os bastidores da independência, As causas da independência e Aristides Pereira, minha vida, nossa história.

Obra aliciante, questões bempostas e a propósito, espicaçando o entrevistado, dando o máximo de fluência à narrativa: logo sobre a infância, a exaltação que faz da mãe, o que reteve do ambiente familiar e social, o Liceu Gil Eanes, os professores e colegas. E depois vem para Lisboa, uma vida de boémia, um estudante que não o foi, o regresso a Cabo Verde, de onde segue para S. Tomé, Angola e depois o retorno a Portugal. Recorda a influência que nele teve Mário António de Oliveira em Luanda, acaba desterrado no Luso, vão vindo à flor da conversa os nomes dos intelectuais cabo-verdianos da sua geração e igualmente dos mestres, como Manuel Lopes.

Passa por Portugal, mas já escolheu outro destino, o exílio. Na Argélia trabalha com Abílio Duarte e Dulce Almada na representação do PAIGC. Fascinado pelo sistema político chinês, viaja para a China, fica horrorizado com o que viu, ali permaneceu dois anos, fala detalhadamente do nacionalista angolano Viriato da Cruz que ali teve um fim trágico e a conversa deriva para o problema do dogmatismo em Angola, como observa Onésimo:

“Muitas das desgraças que aconteceram a Angola, decorrem da forma radical e intransigente como os seus líderes encaravam a realidade, o seu processo histórico. Veja o Viriato da Cruz. Apesar da sua importância para a independência de Angola, só muito recentemente é que o seu nome foi resgatado. A mesma coisa acontece ao Mário de Andrade, que também morre no exílio porque não tinha lugar em Angola independente. No entanto, ele foi o primeiro presidente do MPLA, juntamente com o Viriato da Cruz. Isto põe um problema de transcendência histórica, normalmente o de saber se os melhores pensadores são sempre os melhores dirigentes”.

E da China parte para a Suécia, onde vai viver dez anos, trabalhando e estudando, fazendo um doutoramento sobre o socialismo africano, e encarregando-se de representar o PAIGC. Faz amizades com líderes africanos e conta histórias: 

“O Nyerere, estando em Estocolmo, mandava o embaixador telefonar-me para a gente se encontrar. Eu era correio das mensagens que Cabral lhe mandava. O Nyerere tinha uma admiração profunda por Cabral. Uma vez, o PAIGC estava com problemas financeiros, Cabral mandou-me e ao Vítor Saúde Maria a Dar-Es-Salam, o Nyerere não hesitou, sacou logo um cheque de 3 milhões de dólares”

E faz realmente referências a Senghor, Sékou Touré e Kenyatta.

Quando morre Domingos Ramos, em 1966, Onésimo escreve a Cabral, será o princípio de uma estreita cooperação, é chamado a Conacri e passa formalmente a representar o PAIGC na Suécia, o que lhe vai dar acesso a contatos com os governantes escandinavos, logo Olof Palme, que admirava profundamente Cabral. 

A entrevista centra-se, depois, no PAIGC e em Cabral, com quem ele diz nunca ter tido problemas, foi sempre um relacionamento com total abertura, podia-se discutir com o líder do PAIGC qualquer assunto. Refletindo sobre o passado, ajuíza alguns aspetos em que Cabral não fora feliz na medição dos cenários, por exemplo:

“Hoje, eu vejo que ele esteve o tempo todo numa situação difícil. Conhecia Cabo Verde, mas não tão profundamente como se poderia pensar. Tinha que dialogar com toda a gente, recorrendo, por vezes, a uma linguagem padrão, que nem sempre deu resultado. O seu desaparecimento foi uma tragédia. Mas também me interrogo se ele teria sido capaz de evitar todos os dramas que a gente vê na Guiné”

E o entrevistador questiona se seria só na Guiné ou também em Cabo Verde, para Onésimo seria sobretudo na Guiné.

O relacionamento de Onésimo com o PAIGC estende-se até ao assassinato de Cabral, segue-se a rutura, a causa do rompimento foi a unidade Guiné-Cabo Verde:

“Já nessa altura punha-se a recusa de discutir o problema da unidade. Mas mais do que possa parecer à primeira vista, nós eramos uns tantos, dentro do PAIGC, que não estávamos de acordo com a unidade orgânica entre a Guiné e Cabo Verde. Vendia-se, diplomaticamente, uma imagem dessa unidade como se ela existisse já, quando eu entendia que ela tanto podia dar resultados como não podia”.

 E dá exemplos de discussões tensas em Conacri, estiveram envolvidos vários interlocutores, é citado o caso de Osvaldo Lopes da Silva. Onésimo chegou a dizer a Luís Cabral: 

“Eu estou lá fora a vender um quadro que eu não sei bem muito o que é, e por causa disso não me sinto bem, a vender uma unidade que vocês têm como adquirida, mas que, do meu ponto de vista, não está adquirida. A unidade da luta é uma coisa, mas a unidade da governação é outra. Após a independência dos países o quadro de pertença terá de ser uma coisa diferente. Com o agudizar da situação, acabei por me ir embora”.

Lembra que os cabo-verdianos em Conacri se agrupavam, que estava envenenado o ambiente da luta. Numa reunião de quadros em que participaram Nino Vieira, Osvaldo Vieira, Chico Té, Vítor Saúde Maria, José Araújo, Pedro Pires, Abílio Duarte, Osvaldo Lopes da Silva, Amílcar Cabral denunciou gente que estava a criar divisão no partido por causa da unidade Guiné-Cabo Verde, uma coisa que, para ele, era sagrada. O mais acusado dos agitadores era Momo Turé, e Cabral tinha procurado mostrar-lhe reconhecimento e agradecimento por ele ter sofrido muito no Tarrafal. É aqui que Onésimo profere uma declaração que está hoje comprovadamente sem fundamento: 

“É através desse mesmo Momo Turé que a PIDE dá o grande golpe de morte ao PAIGC”

Decorrente desta denúncia, Momo Turé e João Tomás Cabral foram levados para a prisão, terá sido nesta prisão, conjuntamente com Aristides Barbosa, que se planificou o assassinato de Cabral, diz Onésimo. Observo eu que é uma maneira simplificada de procurar encontrar o móbil e o quadro dos figurantes do assassinato, importa não esquecer que estiveram envolvidas centenas de pessoas e dentro dessas centenas dezenas interferiram diretamente no quadro conspirativo. Aqueles três divisionistas não tinham estatuto para levar tão vasto plano por diante, mas compreende-se que Onésimo ao fazer esta declaração procure encontrar alívio e explicação para uma charada que continua sem resposta plausível, desapareceram pessoas e documentos, agora qualquer um de nós pode dizer o que lhe apetece, sabe-se que a PIDE não interferiu e não há comprovantes de que Sékou Touré também tenha ajudado à festa.

A entrevista ciranda os acontecimentos do assassinato e fala-se de Sékou Touré, Onésimo assiste ao funeral de Cabral, tem lugar uma receção do presidente da Guiné Conacri, ele diz que o PAIGC cometeu erros graves. 

“Na lógica dele, devia haver dois partidos, um da independência da Guiné e outro da independência de Cabo Verde. Por causa disso, fiquei com a impressão de que Sékou Touré tinha sido influenciado pelos indivíduos que tinham assassinado Cabral. Segundo ele, a divisão entre guineenses e cabo-verdianos tenha minado o PAIGC por dentro. Fiquei também com a sensação de que o Sékou Touré não tinha vertido uma lágrima pela morte do Amílcar. Encontro estranho, quase como falar em corda em casa do enforcado. Por maiores que fossem os problemas do PAIGC e da luta, aquele não era o momento para aquele suplício, sabendo ele que o Luís era amigo do Amílcar. O certo é que no meio da confusão que se seguiu à morte de Cabral, a polícia guineense, com o auxílio dos soviéticos, atuou imediatamente. E a conclusão: nenhum cabo-verdiano sabia que se ‘complotava’ contra Cabral, ao contrário de todos os guineenses em Conacri, que estavam a par. Quando o Cabral foi assassinado, havia uma casa em Conacri onde estavam os mutilados de guerra e quando souberam que Cabral tinha sido morto, indivíduos sem pernas, nem braços, aos gritos, davam saltos de contentamento, viram na morte de Cabral a sua libertação. A cena destes indivíduos a pularem de contentamento dá ideia dos recalcamentos criados pela luta, atesta o nível de contradições que o PAIGC, enquanto movimento de libertação, já tinha gerado no seu próprio interior”.

(continua)

Onésimo Silveira e Amílcar Cabral em Helsínquia
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24316: Notas de leitura (1582): Revisitar o livro "Memória", de Álvaro Guerra (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23702: Agenda cultural (820): doclisboa'22- festival internacional de cinema, 6-16/10/2022: Retrospectiva - A questão colonial: 35 filmes - III ( e última) Parte: destaque para a Argélia ("Harkis", 83') e Moçambique ("O Vento Sopra do Norte", 101')


"Em meados da década de 1950, o encontro entre Oumarou Ganda, então um jovem estivador do Porto de Abijão, recém-regressado da guerra da Indochina, e Jean Rouch, o engenheiro-cineasta, marca um ponto de viragem no cinema de Rouch com "I, a Negro". Uma década mais tarde, no Níger, nasce o cinema de Ganda com o autobiográfico "Cabascabo".  [Dois filmes que passaram no doclisboa2022, no passado dia 11]. 

Acima, fotograma de "Cabascabo", de Oumarou Ganda  [1969, Níger, 46’]: "Cabascabo, veterano do exército colonial francês na Indochina, regressa à terra natal no Níger e é aclamado por amigos e familiares. Em analepses fragmentadas, narra a sua aventura e as batalhas naquela terra longínqua. Durante algum tempo, desfruta da glória de veterano, mas, depois de esbanjar tudo o que tem, [...]"


1. Este ano, na sua 20ª edição, o doclisboa tem na secção "Retrospectiva", dedicada à "questão colonial", um total de 35 filmes (de curta, média e longa metragem), que já passaram ou ainda vão passar por estes dias, entre 6 e 16 de outubro, o mês do festival, o mês que "todo o mundo cabe em Lisboa"... Vamos continuar a listar, a título informativo, alguns desses filmes (*).

A Argélia, que conquistou a sua independência em 1962, há 60 anos, após um conflito extemamente sangrento com a potência colonizadora, a França (e as milícias dos "pied-noirs", os colonos franceses), desde 1954, e depois de inúmeros massacres, está talvez sobrerrepresentada no doclisboa2022... Não só devido ao seu peso "geopolítico", mas também por ter uma cinematografia mais ativa do que outros países africanos, a começar pelos PALOP.  Alguns desses filmes já passaram no festival (como "Algiers, Capital of tthe Revolutionaries"), 
outros ainda podem ser vistos até ao fim do festival, como "Harkis".

Moçambique, por seu turno,  também tem uma boa representação no doclisboa deste ano, muito superior à de Angola ou à da Guiné-Bissau. Alguns dos filmes sobre Moçambique, de cineastas moçambicanos  como Ruy Guerra e Licínio de Azevedo. ainda podem ser vistos no doclisboa2022, que termina em 16 do corrente.

O  texto e as imagens, a seguir, são extraídos do programa do doclisboa'22, incluindo as sinopses dos filmes que aqui se reproduzem para mera informação dos nossos leitores, não implicando da nossa parte qualquer juízo de valor, documental, estético, ético, técnico, político ou ideológico.

Algiers, Capital 

of the Revolutionaries

Gordian Troeller, Marie-Claude Deffarge
Aquando da independência, ficou escrito na Constituição da Argélia que todos os movimentos revolucionários e de libertação nacional poderiam reclamar asilo político. Diz assim: “O desenvolvimento do socialismo na Argélia está intimamente ligado à luta de libertação de povos noutras partes do mundo. É imperativo que qualquer movimento revolucionário apoie [...]

[Passou em 9 Out2022, 14:00, no Cinema São Jorge Sala 3]

12 Out — 22:00 / 75’
Cinema Ideal


About the Conquest

Franssou Prenant
Uma sucessão de material de arquivo (relatórios, testemunhos, memórias) é lido num tom de facto, relatando as etapas da colonização da Argélia pela França entre 1830 e 1848 e delineando a paisagem ideológica de um esforço de aniquilação espantoso.



13 Out — 17:30 / 83’
Cinema Ideal

Harkis

Philippe Faucon

Durante a Guerra da Argélia, muitos jovens argelinos pobres alistam-se no exército francês. Paira a hipótese de independência e a perspectiva para eles é sombria. O tenente Pascal insiste para que todos os homens do seu pelotão sejam evacuados para França.

A jovem nação moçambicana atraiu muitos cineastas, num movimento do qual poucos filmes sobreviveram. Rouch terá realizado Makwayela no âmbito de uma formação para jovens técnicos e cineastas. Já Ruy Guerra, que regressa ao país natal nos primeiros anos da independência, procura em Mueda a memória do início da guerra colonial.

Makwayela

Jacques d’Arthuys, Jean Rouch
O único vestígio que resta da passagem e envolvimento de Jean Rouch numa oficina de formação em Super 8mm em Moçambique é este filme. Em Maputo, um grupo de trabalhadores de uma fábrica de garrafas canta e dança todas as manhãs no pátio. A dança makwayela é uma forma de [...]

[Passou em 10out2022, 15h30, na Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro]

Mueda, Memória e Massacre

Ruy Guerra
Ruy Guerra participou activamente na fundação do Instituto Nacional de Cinema de Moçambique e realizou a primeira longa-metragem produzida no país após a independência. O filme cruza a reconstituição teatral do massacre cometido pelas forças coloniais portuguesas em Mueda, a 16 de Junho de 1960, quando soldados portugueses abriram fogo [...]
[Passou em 10out2022, 15h30, na Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro ]

Os filmes de Licínio de Azevedo, decano do cinema moçambicano, revisitam e reconstituem a história recente do seu país, num gesto que oscila entre ficção e documentário. A questão da terra e dos seus frutos no coração do conflito colonial e pós-colonial atravessa estes dois filmes, lembrando a dimensão física e económica da exploração.

Nhinguitimo

Licínio Azevedo
Pequena fábula política, Nhinguitimo analisa as relações entre a desapropriação das áreas rurais – e respectivas colheitas – e o sistema colonial. A história da revolta de um trabalhador agrícola contra os colonizadores há seis décadas pode também moldar uma reflexão sobre a exploração continuada do território e suas gentes.  
[Passou em 11out2022, 19h00, Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro]
 

A Colheita do Diabo

Brigitte Bagnol, Licínio Azevedo

“A Colheita do Diabo é a minha primeira grande experiência no cinema (…) em que pela primeira vez utilizei, além de actores de teatro, pessoas que não tinham nenhuma experiência [em cinema], sendo as personagens principais antigos combatentes, ex-guerrilheiros da FRELIMO que participaram na guerra pela independência.” Licínio de Azevedo [...]

[Passou em 11out2022, 19h00, Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro]

13 Out — 17:30 / 83’
Cinema Ideal

Harkis


Philippe Faucon
Durante a Guerra da Argélia, muitos jovens argelinos pobres alistam-se no exército francês. Paira a hipótese de independência e a perspectiva para eles é sombria. O tenente Pascal insiste para que todos os homens do seu pelotão sejam evacuados para França.


13 Out — 19:00 / 56’
Culturgest Auditório Emílio Rui Vilar

Catembe

Faria de Almeida
Catembe documenta os sete dias da semana no quotidiano de Lourenço Marques. Após uma série de entrevistas em que Manuel Faria de Almeida pergunta a transeuntes na Baixa lisboeta o que sabem sobre Lourenço Marques, o filme integrava sequências de ficção protagonizadas pela rapariga Catembe. O corte, imposto pelo Ministério [...]

14 Out — 19:00 / 101’
Cinemateca Portuguesa Sala M. Félix Ribeiro


O Vento sopra do Norte

José Cardoso
O filme revisita a última fase do colonialismo português. No seu dia-a-dia, dois rapazes e uma rapariga locais lidam como podem com a prepotência dos colonos, até que a violência passa das palavras aos actos. Do Norte, sopra o vento da mudança.


Kuxa Kanema, o projecto de cinema com e para o povo moçambicano, que não pode deixar de lembrar o mítico cine-comboio de Medvedkin, é contado pelos cineastas que o fizeram, entre eles Ruy Guerra. A missão de registar os primeiros passos da independência também passou pelo duro processo dos comprometidos, acusados de compactuar com o colonizador português.

Kuxa Kanema – O Nascimento do Cinema


Margarida Cardoso
A primeira ação cultural do governo Moçambicano após a independência, em 1975, foi a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC). As suas unidades de cinema móvel vão mostrar por todo o país o jornal cinematográfico Kuxa Kanema. Kuxa Kanema quer dizer o nascimento do cinema e o seu objectivo [...]

Os Comprometidos — Actas 

de um Processo de Descolonização

[Acta 5]


Ruy Guerra

O duro julgamento de presumidos colaboradores do regime colonial por um tribunal popular foi liderado pelo presidente Samora Machel em 1982. Ruy Guerra acompanhou o processo ao longo de seis dias de filmagem quase ininterrupta. O material resultou numa série de quarenta horas para a Televisão Experimental de Moçambique, sendo [...]
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Último poste da série >10 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23691: Agenda cultural (819): Conferência sobre Bases Aéreas de Portugal - BA 11 - Beja e BA 12 - Bissalanca, Guiné, no dia 20 de Outubro de 2022, às 18h00, Palácio da Independência, Largo de São Domingos (ao Rossio)