Mostrar mensagens com a etiqueta António Melo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta António Melo. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11443: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (22): Respostas (nºs 40/41/42): António J. Pereira da Costa (Cacine, 1968/69; Xime, Mansambo e Mansabá, 1972/74); António Melo (Catió e Bissau, 1972/74); e José Teixeira (Buba, Quebo, Mampata e Empada, 1968/70)

Resposta nº 39  (*) > António José Pereira da Costa
[, Cor Art Ref, ex-Alferes de Art,  CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69;  e ex-Cap Art  e Cmdt CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; vive em Mem Martins. Sintra]


(1/2) Quando é que descobriste o blogue ? Como ou através de quem ?

Por acaso. Ao procurar, pelo meu nome a minha posição na net.


(3) És membro da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia) ? Se sim, desde quando ?

Não me recordo. Talvez desde 2008.

(4) Com que regularidade visitas o blogue ? (Diariamente, semanalmente, de tempos a tempos...)
Quase diariamente.

(5) Tens mandado (ou gostarias de mandar mais) material para o Blogue (fotos, textos, comentários, etc.) ?

Tenho mandado, sempre que tenho algo para dizer. Participo nos "comentários" com a minha opinião.

(6/7) Conheces também a nossa página no Facebook [Tabanca Grande Luís Graça] ? Vais mais vezes ao Facebook do que ao Blogue ?

Não uso o Facebook

(8) O que gostas mais do Blogue ? E do Facebook ?
A troca de opiniões e a possibilidade de se comentar o sucedido.
(9) O que gostas menos do Blogue ? E do Facebook  ?

Ver a resposta à questão 6.

(10) Tens dificuldade, ultimamente, em aceder ao Blogue ? (Tem havido queixas de lentidão no acesso...)

Acedo com facilidade.

(11) O que é que o Blogue representou (ou representa ainda hoje) para ti ? E a nossa página no Facebook ?
Representa um elemento de ligação a alguém que passou pela mesma experiência histórica que eu. Considero o blogue um elemento de investigação histórica para os vindouros.  Creio que as divergências entre os participantes raramente são profundas.

(12) Já alguma vez participaste num dos nossos anteriores encontros nacionais ?

Participei em quatro.

(13) Este ano, estás a pensar ir ao VIII Encontro Nacional, no dia 8 de junho, em Monte Real ?

Irei (iremos) a menos que surja um imprevisto.


(14) E, por fim, achas que o blogue ainda tem fôlego, força anímica, garra... para continuar ?

Tem força anímica. Deve ser devidamente "espicaçado" através da apresentação de novos temas. Mesmo que sejam "fracturantes". 

Por mim propunha que se abrisse uma frente de "Artesanato". O artesanato que encontrámos e o que praticámos: mobiliário, (de bar, quarto e outros) utilizando restos de armamento (munições, caixas de cartucho, etc.).

(15) Outras críticas, sugestões, comentários que queiras fazer.

Sei que vamos sendo, cada vez, menos. Por outro lado, a dado momento, forçosamente cada um de nós esgotará as suas histórias e experiências (no fundo, só lá estivemos dois anos e numa fase inicial da nossa vida activa). Por isso acho que deveremos procurar temas e, mesmo que pareçam secundários, fazem parte da nossa vivência. E até pode ser que surjam novos temas. Poderão aparecer novos camaradas, pois ainda somos bastantes (os combatentes) e alguns não conhecem o blog. É necessário divulgar...


Resposta nº 40 > António Melo [, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74; vive em Espanha]
(1) No ano 2009.

(2) Pesquisando, no Google,  temas sobre a Guiné e sobre o BCaç 2930.

(3) Sim,  desde 1 de abril de 2012.

(4) Diariamente,  faz parte do meu alimento literário.

(5)  Algo não tanto como gustaria mas o tempo é escasso.

(6/7)  Sim, conheço o facebook,  mas no o visito muito.

(8) Gosto mais  do blogue,  sem dúvida.

(9) [Do que gosto menos ?... De coisas que não dizem muito respeito ao que aqui se trata, que é a Guine ou os ex-miitares

(10) Nunca tive difilculdades de acesso.
(11) Para mim, é  parte da minha leitura e aprendizagem diárias,  de tudo o que eu fiz parte na minha juventude

(12)  Nunca,  mas não queria morrer sem um dia poder confratenizar com os meus camaradas do nosso blogue.

(13) "Me gustaria".. mas está tudo dependente do meu trabalho
(14)  Tem e muito,  como não poderia ser de outra maneira pois é um jovem.

(15) Que continue como até agora sempre atento a tudo que nos diga respeito,  aos ex militarese, ex-combatentes da Guiné

E agora, para ti, querido amigo blogue, "en hora buena, por tu noveno aniversario", são os desejos deste teu servidor. Que continues a elucidar-nos do que se passou naquelas terras longínquuas, e que me tornas mais jovem quando te leio. Pois tu não és só um blogue, tu és parte da cultura de todos nós, camaradas, e da história de Portugal mais profundo e ocuri. Sem ti, eu e alguns de nós viveríamos sempre n escuro do que foi a guerra de independência, principamente da Guiné. Por tudo, aqui vai os meus parabéns.

Resposta nº 41 > José Teixeira [, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/79; uve  em São Mamede de Infesta, Matosinhos]

(1) Descobri o blogue em julho de 2005.

(2) Através do Xico Allen, meu companheiro de viagem numa romagem em Abril desse ano à Guiné-Bissau.

(3) Em Novembro de 2005 entrei para a Tertúlia. Logo em Dezembro pelo Natal o Luís Graça recebeu-me em casa de familiares na Madalena em Gaia,  juntamente com vários elementos da tabanca de Matosinhos, nascida em fins de Abril de 2005. Logo se firmou entre nós uma amizade profunda que perdurará até aos confins do nosso tempo.

(4) Tomo a Tabanca Grande ao pequeno almoço e volto a espreitar ao fim do dia, no mínimo.

(5) Estão registados 155 postes sem contar grande parte dos que escrevi na primeira série ( O Luís teve a graça de estar a repor o "meu diário",  um pobre conjuto de escritos que fui registando a quente durante a minha permanência no teatro de guerra), Obrigado,  Luís,  pela tua persistência.

(6) Conheço o Facebook mas não sou muito adepto.

(7) Vou mais vezes ao blogue, claro está.

(8) O que gosto mais do Blogue ?... Das estórias de acontecimentos reais vividos pelos combatentes – estamos a escrever a nossa história.

(9) Apenas me aborrece quando alguém em defesa da sua dama, leia-se conceitos e preconceitos, ou pontos de vista, provoca discussões estéreis,  por vezes numa toada agressiva.

(10) Está lento, mas compreende-se.

(11) Para mim, o blogue possibilitou o desabafo a redescoberta de "fantasmas no sotão" que se forma dissipando, ou seja,  uma espécie de catarse que só me fez bem. A descoberta de muitos amigos de hoje, que ontem nem sabia que existiam. A sensibilização para a realidade do sofrimento de tantos camaradas, que afinal viveram uma guerra muito mais difícil que a minha. Eu,  ao lado de alguns camaradas, considero que afinal passei umas "férias" na Guiné entre 1968 e 1970.

(12/13) Sim, fui a Monte Real em 2011. Este ano, ainda não me decidi. Parto para a Guiné-Bissau no próximo dia 29. Quando regressar decido.

(14)  Nota-se algum cansaço (é a velhice) por parte dos escrivas e talvez alguma redução na procura. Quanto ao cansaço, creio que temos de incentivar os novos (velhos) guerreiros que vão aparecendo a escrever, escrever, escrever. Quanto á redução de procura se é que a há pode ser interpretada positivamente. Para mim é sinal de que algo se acalmou na mente e já não há tanta necessidade de ler e reler a guerra que vivenciamos e nos marcou para sempre.

(15) Outras críticas, sugestões, comentários... Força, força companheiros que a viagem ainda não terminou.


Creio que o blogue tem sido o motor de toda uma relação entre os combatentes do principio ao fim da guerra, gerador de amizades, convívios, encontros, debates, desabafos,choros, etc. talvez curas.

Não pode deixar-se morrer. Confesso que já não me sinto tanto motivado a escrever. As minhas estórias já estão a passar segunda vez, graças ao Luís Graça, que viu nos meus escritos durante a guerra algo que nem tinha pensado.

Para mim eram o resultado de um esforço de me encontrar comigo mesmo e não me perder na "barafunda" de uma guerra que não queria, num meio hostil em vários aspetos, com uma população maravilhosa vítima tanto quanto eu da guerra, onde eu era um estranho na cor, na mentalidade e forma de ser e estar na vida, mas que tinha uma arma ( por acaso não tinha porque a entreguei ao cabo quarteleiro ao fim de dois meses de guerra), mas tinha as armas do meu lado e quem tem as armas é que manda, bem ou mal, mas quase sempre mal.

Gosto de ler e continuo a ler todos os dias os postes que vocês amavelmente e com que sacrifício lá colocam. Bem hajam.

Estou muito grato a todos vós os editores pelo trabalho coletivo que desenvolveram e que tanto tem ajudado os combatentes a reencontrar-se.

A amizade que me une a cada um, nomeadamente ao Luís e família, ao Carlos e à Dina e ao Pira de Mansoa [, o MR,] é gratificante. Abraço fraterno do Zé Teixeira

______________

Nota do editor:

(*) Vd último poste da série > 22 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11443: 9º aniversário do nosso blogue: Questionário aos leitores (21): Resposta (nº 36/37/38): José Marques Ferreira (ex-sold apontador armas pesadas inf, Ingoré, 1963/65), António Eduardo Carvalho (, ex-Cap Mil, CCAÇ 3, Bigene, e CCAÇ 19, Guidaje (1974) , António Sampaio (, ex-Alf Mil, CCAÇ 15 e Cap Mil, CCAÇ 4942/72, Barro, 1973/74)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10783: Blogoterapia (219): Reflexão sobre a nossa condição militar (António Melo, camarada da diáspora)

1. Mensagem, de 1 do corrente, do António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf,  BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), camarada que vive em Espanha [, foto à direita]:
Hoje quero falar um pouco sobre as verdades do passado, presente e futuro dos ex-militares que na sua juventude partiram para uma aventura desconhecida, que para uns foi enriquecedora, para outros nem fu nem fa, para outros amarga e para alguns, não poucos , foi o final da sua curta vida (e que aqui rendo a minha homenagem a esses valorosos caídos).

Hoje todos nos somos  esquecidos  pela classe politica que nos governa.
  
Mas vou explanar-me sobre o fictício mas que foi um extrato retirado de cada um de nós, ex-militares, e que ao lê-lo cada um extraia a parte  que lhe corresponde da verdade.

E que assim este texto seja de todos nós ex-soldados do Exército, Marinha ou  Força Aérea,  quer tenham sido praças, sargentos ou oficiais, hajam servido nos comandos, fuzileiros, paraquedistas ou tropa regular, e de todos os que estavam na frente de combate e dos que estavam na cidade no ar acondicionado como assim já aqui li algumas vezes.

Mas que,  sem esses que estavam na cidade,  ns os que estávamos na frente de combate não sobreviviríamos porque nos faltaria a logistica de apoio, como as munições, os conbustíveis  para a viaturas, os alimentos,  a organização de comando e o correio das nossas famílias que tanto apreciávamos e que era para nós o ar que necessitávamos para continuar a viver e não me quero alongar mais porque era incomensurável o labor que faziam para podermos  sobreviver.

E que ao ler este,  saibam que aqui inclu0 a todos que tenham servido Portugal em Cabo Verde, Guiné, São Tome e Príncepe, Angola, Moçambique, Índia, Macau ou Timor,  para todos os meus respeitos.

Um dia partia um jovem vestido de verde, azul ou branco,  com sua mochila ao ombro e uma mala na mão,  caminhava com passo seguro,  cabeça baixa e por seu rosto lhe caíam as lágrimas e sem olhar para trás,  pois nesse momento não queria ver o rosto dos que deixava destroçados e de rastros, sua mãe,  seu pai, seus irmãos,  tios,  primos,  vizinhos e amigos, e que que aos gritos pronunciavan o seu nome.

 Partia em direção à sua unidade  e no dia seguinte era o embarque  rumo a África.
  
No dia seguinte o embarque e a viagem. Para África,  claro está.   

E cada um que idealize a sua,   e já chegados  ao seu destino  lhe foi dado o seu lugar na unidade que lhe tocou, para uns um aquartelamento adequado,  para outros umas tabancas e ainda para outros uma árvore, uma arma, uma pá e uma pica e agora...  vai à vida que a tropa manda desenrascar.

Já acomodado a sua nova vida, pára. E pensa um pouco.

Mas de verdade,
 o que faço eu aqui???????'??????????????? 
aqui nao perdi nada!!!!!!!!! 
por isso nada posso encontrar!!!!!!!,
lutar, combater, morrer ou ser morto, porquê? 
se esta gente não me fez nada,   porque tenho eu que lutar? 
a mim sempre me ensinaram que tens que lutar pelo que é teu,
e isto não é meu? 

E de momento voltou à realidade e se deu conta que havia passado quase uma hora, rebobinou os seus pensamentos e encontrou a resposta:
- Sim,  é verdade,   tenho que combater, lutar,  porque e a minha vida é essa,  sim que é minha e está aqui.

Assim foram passando dias, meses e anos,   lá foi vivendo, lutando,  recebendo o correio que tanto adorava da família. E asim passa o tempo e, quase chegada a hora do regresso, ,cada vez e maior o aperto que sente dentro de si porque as saudades são muitas e quer ver a família e agora que lhe restam poucos dias para os ver adopta todas as cautelas para que nada lhe passe  porque lhe vem a mente alguns dos camaradas que como ele para ai foram e ja nao estao partiram para uma viagem sem retorno uns por acidente outros por enfermidade e outros na frente de combate.
´
Se termina o tempo e  são substituídos por outros,   chega a hora do regresso e lá vem o jovem.  Ao chegar é recebido por sus familiares e amigos,  agora já um homem curtido,  endurecido pelo que representou aquela estadia em África. Os primeiros dias vai visitando os sítios que costumava frequentar antes da vida militar, em alguns casos entra a medo,

Não  é medo que lhe possam fazer mal,  mas porque não quer aceitar a realidade que alguns dos amigos vizinhos ou conhecidos ou até   pessoas com que pouco havia tratado,  também já partiram uns que morreram,  outros que imigraram,  mas assim é a vida e,  aos poucos, vai assumindo a realidade porque quando partiu deixou uma realidade e agora encontra outra.

Dias depois começa a pensar o que vai fazer da nova vida pois nada é o mesmo,  a empresa onde trabalhava fechou as portas e ele tem de tomar uma decisão.

De todos esses que regressaram uns continuam seus estudos que tiveram que interromper para cumprir o serviço militar,   outros  voltam aos mesmo posto de trabalho que deixaram,  outros que não tiveram tanta sorte e a sua cabaça não aguentou  foram para lá uns homens com todas as faculdades mentais intactas e voltaram feitos farrapos, a sua cabeça já não é a mesma e se lançaram às ruas da cidade uma vida sem rumo. Outros há que seguiram a vida militar, outros ainda deles optaram pela imigração e assim alguns se encontram hoje repartidos pelos quatro cantos do mundo desde a Patagónia ao Canada, desde as gelidas terras do norte da Europa  África, Austrália e países asiáticos,  nunca mais se voltaram a ver aqueles que um dia e por determinado tempo foram camaradas,  viveram melhor ou pior, mas da mesma maneira sofreram choraram ou riram juntos.

Formaram um lar,  casaram, vieram os filhos e os netos,  hoje gente com o cabelo prateado, vamos sendo cada vez menos.

Agora, caros amigos, tabanqueiros,  deram-nos estes avanços técnicos  e estamos aqui reunidos ou atabancados,  como queiram.

Aquele jovem és tu,   sou eu e somos todos. Espero um dia poder estar num conivio e que possamos falar de coisas alegres e tristes mas isso só a vida nos dirá o que nos reserva.

Um grande abraço a todos e para ti amigo, Carlos, um muito especial. António Melo
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10534: Blogoterapia (218): Voltei ao Éden (Felismina Costa)

domingo, 16 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10391: (Ex)citações (195): Considero que todos os ex-combatentes do ultramar são Heróis (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de hoje 16 de Setembro de 2012, a propósito do livro "Heróis do Ultramar", de autoria do jornalista Nuno Castro, divulgado no poste P10389:

Camaradas e amigos ex-combatentes
Aqui me encontro de novo a comentar algo com que estou em desacordo.

Ao ler hoje no nosso blog o pedido de divulgaçao do livro escrito por Nuno Castro, com o titulo heróis do ultramar que escrevo com letra minúscula de propósito porque me repugna o título e não penso lê-lo.

No pouco que li escrito pela sra Maria Teresa Almeida que pede a sua divulgação, e que conste que isto não é nada contra a senhora mas sim pelo que escreve, nem sequer pela sua divulgação pelo nosso blog, pois tudo o que se escreve merece ser divulgado, mas sim porque eu com a minha fraca opnião considero que todos os ex-combatentes do ultramar são HERÓIS e passo a explicar.

Para mim todos são heróis todos aqueles que saídos do seu ambiente familiar e levados para uma guerra de interesses e que não sabiam se voltariam a ver os seus entes queridos (pais, esposas, filhos, oitros familiares) como aconteceu com milhares dos nossos camaradas.

Todos aqueles que carregaram com seus camaradas às costas, uns mortos outros feridos; todos os que tiveram que cavar seus abrigos; os que carregaram água para nos banharmos; os que foram apanhar lenha para que se cozinhar; os que rotos e sujos tiveram que trabalhar a abrir as picadas para nos movimentarmos; os que carregaram material de guerra para nos defendermos, às vezes exaustos de dor pelo peso; os que dormiram em qualquer lado menos numa cama; os que molhados de barro e água, cansados e tinham que caminhar (recordo-me do título de um filme que é caminha ou rebenta); os que tinham que trabalhar fora dia e noite para que ao outro dia estivesse operacional um camião ou qualquer outro meio de transporte para sair; os que muitas vezes doentes tiveram que sair para qualquer missão e se calavam para serem solidários com os camaradas ou porque pensavam: - com o aspecto que tenho não me vão fazer prisioneiro, mas estava verdadeiramente e a sua honra e coragem era heróica; os que para salvar um camarada da morte, como os médicos e os enfermeiros, sem meios, tiveram que fazer intervenções cirúrgicas em qualquer lado no mato e muitas vezes correndo perigo da sua própria vida; os jovens oficiais e sargentos que tão jovens como nós, nos tinham que conduzir e muitas vezes corrigir; também os que se destacaram na frente de combate aos que se referem no citado livro, todos foram heróis por isso discordo do titulo que ressalta uns quantos.


2. Comentário de CV:

Caro camarada António.
Não pondo em causa a justeza da tua apreciação, apenas venho esclarecer-te do seguinte:

A senhora D. Maria Teresa Almeida, funcionária da Liga dos Combatentes e senhora que dedicou toda a sua vida ao serviço do combatentes do ultramar, e nos considera a todos de igual modo quer nos conheça quer não, apenas pediu para divulgar o livro já que nele eram entrevistados camaradas da nossa tertúlia. Eu, que editei o poste, é que pesquisei na internete a sinopse do livro assim como a sua capa. Se lesses bem verias lá a indicação da sua procedência, no caso o site da Fnac.

Não ires ler o livro é uma opção pessoal que se respeita, mas não pode ser baseada nos argumentos que referes. Julgo que as entrevistas são uma amostragem, que foram ouvidos aqueles militares como poderiam ter sido outros quaiquer, dos tais que tu muito bem referes e que como milhares e milhares de camaradas (eu e tu incluídos) serão verdadeiros HERÓIS anónimos que nunca constarão da História.

Muito obrigado pela tua opinião que, como vês, mereceu a nossa melhor atenção.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10371: (Ex)citações (194): O então cap mil Jorge Saraiva Parracho foi o meu primeiro comandante de companhia, a CCAÇ 462, em Chaves e em Ingoré, 1963/64 (José Marques Ferreira)

sábado, 25 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10299: O Nosso Livro de Visitas (145): V. Lucia B. Melo, filha de António Melo, camarada da diáspora, ex-1.º Cabo Rec Inf, CCS/BCAÇ 2930 Catió, e QG, Bissau, 1972/74

1. Mensagem da filha do nosso camarada António Melo, que presumimos viva em Espanha, tal como o pai:

De: V Lucia B. Melo <vbentodemelo@gmail.com>
Data 12 de agosto de 2012 13:32
Assunto: Filha de ex-1º Cabo Rec Inf António Melo, CCS/BCAÇ 2930, Catió, e QG, Bissau, 1972/74)



Buenas

Me dirijo con gran alegria a los compañeros de mi Padre.

Soy hija de António Melo y me dirijo ud. por que me siento orgullosa de mi Padre que como vosotros fue un luchador y de mi Madre que le seguio los pasos.

Me seguire comunicando ud. para mandar pequenos poemas, pequenãs frases que describo a todos vosotros.

Un gran abrazo de

V. Lucia B. Melo



CORAZON DE GUERRERO
[autor:  Carlos Torrejon Cuenca]

Todos te reprochan
tu lucha es difícil
tu lucha es imposible...
no podrás triunfar, vas a caer...

Pero tú ya has visto la muerte
el infierno, y la oscuridad de tu alma
tus oídos están sordos para palabras cobardes
tu alma te impide retroceder.

La razón poco o nada significa, verdad?
en ti arde el fuego del guerrero
es tu naturaleza desafiarte
llegar hasta el borde del abismo
ver el infierno, a sus demonios
y enfrentarlos...
La lucha imposible
la lucha por lo olvidado
o por aquello, que no trae mas recompensa
que no haber hecho nada...

Esa es tu forma de Fe
esa es tu forma de creer en Dios
así sabes que Dios es quien
decide sobre tu alma y sobre tu sendero.

Tus ojos no ven peligro, ven desafío
al borde de los secretos del poder...
Y por eso tu lucha siempre será digna
como la verdad...
SIEMPRE HAS LUCHADO HASTA EL FINAL...

Tu fuerza como el sol brilla
tu alma como la luna, el infinito refleja
Que Dios te abraze
Nai elwë vayurva le
Que encuentres la luz en la oscuridad
lucha... y cuando encuentres al final
la paz... siéntate al borde del mar de las memorias 
y sueña... pero esta vez, vive tu sueño
ahí estarás... tu sueño será tu realidad
encontrarás... al final el lugar que Dios te prometió.


2. Comentário de CV:

Cara amiga Lúcia:
Muito obrigado pelo seu contacto e pelas palavras tão sentidas que dirige a seu pai e a nós seus camaradas, ex-combatentes da guerra colonial.

Nós queríamos publicar no nosso blogue o poema que nos mandou, mas como respeitamos a propriedade intelectual, queremos que nos diga, caso não o tenha escrito, o nome do autor para constar do post. 

Esta mensagem segue para conhecimento de seu pai para o caso de ter dificuldade em entender português, ele a possa ajudar.

Receba os nossos cumprimentos
Carlos Vinhal

PS - Identificámos o autor do poema, que é boliviano, e localizámos um fórum  onde ele, Carlos A. Torrejon Cuenca, escreve o seguinte, com data de 9 de junho de 2007: 

"Hey hola... bueno solo queria pedirles q porfabor pongan quienes son los autores de los poemas q usan y eso lo digo porque el autor del poema q aqui citan "corazon de guerrero" soy yo... Carlos A. Torrejon Cuenca... no estoy en contra de q lo usen... si ayuda a inspirar a gente... me siento feliz... pero porfabor pongan de quien es... sucede q en otra parte del internet lo usaron para dedicarselo q Pinochet... y bueno eso si q no me gusto... asi q quiero evitar ese tipo de cosas porfabor...
gracias :)".
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 17 de agosto de 2012 >  Guiné 63/74 - P10273: O Nosso Livro de Visitas (144): Nasce Biblioteca Pública em Bissau, graças ao trabalho da ONGD 'Afectos com Letras' (António Bernardo, CCS/BART 2920, Bafatá, 1970/72)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10289: Tabanca Grande (355): Manuel Dias Pinheiro Gomes, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM / Agrupamento de Transmissões da Guiné (Catió e Bissau, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Dias Pinheiro Gomes (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM / Agrupamento de Transmissões da Guiné, Catió e Bissau, 1970/72), com data de 17 de Agosto de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal
Sou: Manuel Dias Pinheiro Gomes.
Ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM do Agrupamento de Transmissões.
Cheguei à Guiné em 24 de Agosto de 1970  e regressei à metrópole a 08 de Agosto de 1972.
Estive em Catió entre Agosto de 1970 e Julho de 1971, seguindo para Bissau em Agosto onde permaneci até ao fim da comissão. Neste espaço de tempo ainda estive cerca de um mês em Nova Lamego.

Aceitando o convite público do nosso camarada António de Melo, não posso deixar de pertencer a essa grande família. Espero o teu bom recebimento.

Junto envio uma foto do tempo de serviço militar e outra da vida civil.

Um muito obrigado e um grande abraço do amigo
Manuel Gomes


2. Comentário de CV:

Caro Manuel, não sei como vais querer ser conhecido na tertúlia, se por Manuel Gomes ou Manuel Pinheiro, depois dirás.

Resolveste aceitar o desafio do camarada António Melo, e o meu convite, para te juntares à tertúlia. Serás bem recebido porque além de seres um camarada da Guiné, és um daqueles portugueses que enfrenta a vida na diáspora, e isso toca-nos especialmente.
Temos muitos camaradas da tertúlia espalhados pelos mais diversos cantos do mundo que mantêm contacto connosco e colaboração regular no Blogue. Tu és um dos que estão mais perto, Espanha, ao contrário de alguns camaradas, como o José Belo, bem lá no Norte da Europa, quase a tocar o Polo, ou outros que estão radicados no Brasil, América do Norte e Canadá, por exemplo.

Vamos então recordar um pouco do que escreveste ao camarada António Melo e que foi publicado no Poste 10222*:

[...] Assentei praça no RI8 em Braga no dia 28 de Julho de 1969. Aí fiz a instrução e no dia 28 de Setembro do mesmo ano fui para o Porto para o Regimento de Transmissões na Arca d'Água, aí estive fazendo a especialidade de Radiotelegrafista até ao dia 22/2/1970. Passei ao Regimento de Transmissões, fui promovido a 1.º Cabo e aí fiz um estágio muito bom, onde fazia de Cabo Dia e algum Cabo de Reforço. Como já tinha muito tempo pensava que já não ia à guerra, mas a notícia chegou no dia 25/6/1970, o 1.º Cabo Radiotelegrafista NM 114485/69 vai para a Guiné. Embarquei no Uíge no dia 18/07/1970 e chegou o periquito à Guiné no dia 24/07/1970. Como ia em rendição individual fui no porão da mercadoria, bom depois de dois dias de viagem chegou o pior o enjoo mas tudo passou.

Chegando a Bissau lá fomos para o Quartel General a que o Agrupamento de Transmissões estava adido, só mais tarde já no ano 1973 tinha as suas instalações próprias. Chegando a Bissau me dão uma folha para preencher na qual havia uma pergunta, se tinha algum familiar na Guiné, como tinha um primo, diz o Manuel: tenho um primo! Então havia um colega que estava esperando transporte para Catió, esse já não foi para Catió e foi o Manuel, tendo o outro ido para Piche. Quando chegou o dia de ir para Catió lá fui por mar, deram-me então uma ração de combate mas não água. Ia com os marinheiros e mais embarcações de civis, esses senhores marinheiros bebendo as suas cervejas e comendo a sua boa comida e o pobre do Manuel olhando para eles que nem sequer perguntaram se queria água ou comida.[...]

O melhor é ir ler o resto da tua estória ao poste porque vale o trabalho.

Esperando que tenhas mais memórias em carteira, ficamos à espera delas.

Recebe desde já o abraço de boas-vindas da tertúlia e dos editores, que te é devido, e instala-te porque estás entre camarigos (camaradas+amigos).

O teu camarigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10222: O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (59): Catió, a emigração em Espanha e o nosso Blogue unem dois camaradas (António Melo / Manuel Pinheiro)

Vd. último poste da série de 15 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10259: (Ex)citações (192): Ainda as afirmações do senhor René Pélissier àcerca do nosso blogue (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 31 de Julho de 2012:

Amigo Carlos Vinhal
Aqui me encontro de novo e, como todos os dias, acabo de ler o blogue que para mim já faz parte do meu dia a dia. Repassando algumas coisas de que foi publicado, vou comentar a avaliação que o sr. René Pélissier fez ao nosso blogue, porque já afirmei que estava em total desacordo com ele, mas quero-me alongar um pouco mais.

O sr. René é francês e como francês que é não cumpriu o serviço militar como nós portugueses, que entre os anos sessenta e setenta e quatro, do século passado, na sua esmagadora maioria, tiveram que ir para África ou para Ásia e cito, Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Angola, Moçambique, Índia (Goa, Damão e Diu), Macau e Timor. E é isso que nos diferencia do tal senhor que com demagogia faz uma ideia errada do nosso modo de pensar e das nossas recordações que só se apagarão quando fecharmos os olhos e pare para sempre o bater do coração, aquele que levamos dentro de nós, aquele que nos doeu e sangrou, aquele que se sentia apertado quando algum dos nossos camaradas caía morto ou ferido. Camaradas que tínhamos como família porque aqueles que estão a nosso lado dia e noite, que vestiam como nós, que comiam o que nós comíamos, que percorriam as mesmas picadas e que afinal eram a nossa sombra, aqueles que durante o tempo em que estávamos nessa frente de guerra, sorriam connosco e choravam quando nós chorávamos, aqueles com quem desabafávamos quando nos sentíamos impotentes para fazer alguma coisa para que esses camaradas não morressem ou ficassem sem uma perna, um braço, uma vista ou qualquer outra coisa, aqueles sim eram a nossa família.

Era bom saber escutar o amigo, saber estar calado quando a situação assim o requeria, ou então seguires a sua conversa e responder moderadamente sem o ferir mais do que já estava nesse momento, ser o seu conselheiro o vice-versa porque por vezes éramos nós que precisávamos de ajuda.

Eu tive momentos em que me afastei para um sitio onde ninguém me ouvisse gritar ao vento com todas as forças que tinha dentro de mim, depois voltava mais aliviado de toda a tensão acumulada.

Fomos para lá jovens inocentes e voltamos homens feitos e curtidos pelo sol abrasador, pelos sustos de varias índole, pelas noites dormidas em qualquer lado menos numa cama, pela fome e sede que passamos, mas aqui estamos, uns lendo, outros escrevendo, eu por mim falo, grande liçao de vida e dor apaziguada pelos anos dos que não voltarão.

Tu que hoje és pai e avô fecha os olhos e pensa um pouco, pensa nesses pais que viram partir os seus filhos e que ainda hoje os estão esperando.

Por tudo isto digo que o tal senhor René Pélissier não sabe do que fala, porque se passasse lá dois anos como nós passámos, teria seguramente outra opinião.

Também fala de como aqueles povos eram por nós subjugados e que o que a historia conta não é verdadeiro, que aquelas terras nunca nos pertenceu de pleno direito. Que sabe esse senhor? Só nos criticam aqueles que querem ser como nós.

Será que não devia ler mais um pouco sobre as invasões francesas? Ficaria a saber como nós sofremos, assim como os espanhóis, para evitar sermos dominados.

E agora resumindo dou a minha humilde opinião, que sendo eu um nada pois não sou escritor, politico ou qualquer outra coisa com significado, sou e com orgulho um simples operário da construção civil, mas com direito a ter minha opinião e estar de acordo ou em desacordo com o que oiço, vejo e leio.

Que houve excessos da parte de alguns dos portugueses que lá estavam não duvido, mas quem não tem telhados de vidro?

Saíram os portugueses e entraram Cubanos, Chineses e demais nacionalidades da nova geração, como pude verificar localmente em 2009. Fica a pergunta se agora esses países estão a fazer mais e melhor que os portugueses. Não foi o que vi.

Caros tertulianos, esta é a minha opinião com que podem estar ou não de acordo. Eu penso assim, mas como cada cabeça sua sentença, quem não estiver de acordo comigo que me respeite porque eu respeitarei a dos outros. Perdoem o meu desabafo.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10251: (Ex)citações (191): Ainda guerra perdida e a guerra ganha (Juvenal Amado)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10239: Estórias avulsas (61): A minha viagem de Bissau para Catió (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 7 de Julho de 2012 com a continuação da sua viagem começada em Lisboa, no aeroporto de Figo Maduro, Poste 10042*, até chegar a Catió:


A MINHA VIAGEM DE BISSAU PARA CATIÓ

Depois de ter chegado a Bissau no dia 28 fevereiro 1972 passei uns dias a aguardar embarque nos Adidos em Brá, que de verdade me souberam a pouco porque todos os dias ia visitar o meu irmão Jaime que estava a cumprir serviço militar na BA 12 em Bissalanca na Força Aérea como Policia Militar. Comia com ele na Base o que me fazia pensar estar em férias porque não fazia nada, comia e bebia, que maravilha.

No dia 9 de março este periquito fazia 22 anitos, que linda idade, e com o meu irmão mais dois amigos que eu já conhecia da metrópole compramos umas coisas, desenrascamos outras como pudemos, e lá fez um jantar de aniversário junto ao depósito da Base que era o local onde os militares da desta costumavam fazer as petiscadas. Depois de um bom jantar, bem regado com cerveja, começam as anedotas e o tempo vai passando até que a determinada altura, cerca da meia noite, e quando já estávamos bem contentes, se ouve um rebentamento e logo pensamos que alguém me estava felicitando com ruído, mas durou muito pouco porque imediatamente nos demos conta que o fogo era lançado do fundo da pista das tabancas que aí existiam.

Como baratas tontas começamos a meter-nos por onde podíamos mas não passou de um susto porque aquilo durou pouco tempo. Foi o meu baptismo de fogo porque os senhores do PAIGC quiseram festejar comigo, só que o poderiam ter feito de outra forma porque eu não gostei nada.  Haveria outras formas para felicitar um aniversariante, por exemplo com uma prenda ou um bolo. Finalmente pude hoje expressar publicamente a minha indignação ao PAIGC que me ia estragando tudo.

Três dias depois, manhã cedo, transportado num Unimog, desloquei-me para o Pidjiguiti, despedi-me do condutor e carregando a minhas trouxas para apanhar um barco para Catió. Ia encantado com o destino que me tinham traçado. Dirigi a um sargento que estava a ordenar o embarque que me disse: Nosso Cabo o seu lugar é ali naquele barco. Eu muito espantado mirei fixamente e disse parra mim: Será possível? Porque aquilo não me parecia um barco mas qualquer coisa que imitava um barco ou uma canoa, mas enfim eram aqueles barcos de madeira que estavam ao serviço das forças armadas e quase todos os que por lá passamos andamos neles. Chegada a hora partimos rumo ao destino. Quatro Fuzileiros montaram uma metralhadora e puseram tudo a postos para alguma eventualidade. Começamos a navegar, ia uma LDM à frente, três daqueles barcos velhos e robustos de madeira e outra LDM atrás.

Assim seguia o cruzeiro de Bissau para Catió até que passadas umas horas chegamos a Bolama onde se fez um alto pois um dos barcos tivera uma avaria e já ia rebocado por uma das LDM. Como era preciso que viesse uma peça de Bissau para se proceder à reparação do barco, os Fuzileiros informaram-me que tínhamos de pernoitar ali e se eu quisesse, à saída da Ponte Cais, à esquerda, havia uma piscina onde podia dar uns bons mergulhos. Não me fiz rogado e, de fato de banho e toalha, lá fui como de um turista se tratasse. Passei um resto de tarde muito feliz e só regressei ao meu cruzeiro à hora de jantar. Fui ao saco buscar ração de combate que me haviam dado não sei se nos Adidos ou no cais e, junto a cabina do piloto, começo a comer que nem um rei.

Olhando com mais atenção, um fuzileiro vendo o que era o meu jantar, diz-me: Oh nosso Cabo, venha para aqui e coma do nosso jantar pois isto chega para todos porque o cozinheiro faz sempre comida a mais contando com a tropa que viaja connosco, e como somos só quatro, isto vai chegar pela certa. A princípio, com vergonha, diga-se a verdade, não aceitei e agradeci, mas os fuzileiros insistiram e me disseram que quem pagava eram a Armada, logo não ia comer nada que fosse deles.  Lá me juntei a eles que me serviram um prato cheio de comida que estava muito boa. Terminado o jantar ajudei a lavar a louça com água do mar.

Entretanto um deles foi ao interior do barco para ir buscar uma garrafa de whisky Ballantines, nunca mais me vou esquecer, um outro prepara uma saladeira de alumínio e acto seguido pôs-lhe um pano branco em cima da saladeira enquanto outro com a faca de mato inclina a garrafa um pouco por encima da saladeira, lhe dá uns golpes até que se parte o gargalo da garrafa. Filtrado o whisky começaram a beber o que me fez confusão. Perguntei se aquilo tinha a ver com algum rito ao que me responderam que aquela operação era para apresentarem os gargalos das garrafas intactos, como partidas na viagem, e assim conseguirem outras para beberem. Mais uma que aprendi com estes bons amigos. Noite dentro e tinham uma monumental bebedeira. Eu não bebi porque ainda hoje, com a idade que tenho não bebo porque se bebesse duas cervejas seguidas, como não estou acostumado, começava-me logo a cabeça a andar de roda. O melhor é nem tocar na bebida.

No dia seguinte passámo-lo todo em Bolama esperando a peça e um mecânico para arranjar a avaria que tinha o paquete de cruzeiro, pelo que só saímos no terceiro dia. Depois de algumas horas viajando, e chegados a foz do rio Cumbijã, paramos e aí dormimos a bordo porque se continuássemos, ao baixar da maré, ficaríamos de noite no rio por não haver já temo suficiente para chegarmos a Cufar. Seria muito perigoso ficarmos de noite metidos no rio sem água suficiente para navegar.

Ao outro dia pela manhã seguimos viagem rio Cumbijã acima até Cufar. Chegados, dirigi-me ao quartel, que mais parecia umas tabancas,  e eram de verdade, só sei que me disseram para que estivesse no outro dia pela manhã para seguir viagem com os operacionais para Catió. Voltei para o meu navio de cruzeiro que agora estava assente na lama porque já não havia água, com os nativos a descarregar tudo o que levávamos nos barcos destinado a abastecer o quartel de Cufar e as casas de comércio que vendiam aos nativos, como a Casa Gouveia e outras. Falo na Gouveia porque me lembro que existia, não sei se também em Cufar.

Vista aérea de Cufar  

Foto: © Jorge Simão (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Voltei a comer com os fuzileiros e no dia seguinte à hora marcada estava com as coisas que devia levar, e do quartel, ou do que diziam ser um quartel, até ao cais ainda era uma distância considerável e eu já estava cansado porque a minha bagagem pesava no mínimo uns vinte quilos.

Quando cheguei de imediato me mandaram para um pelotão que estava para sair e que estava armado até aos dentes.  Aí sim se me arrepiou todo o corpo e vi que de verdade estava numa frente de guerra. Colocaram-me em quarto da frente para trás e começou a marcha. Seguiam todos armados menos eu que carregava os meus pertences. Ainda pensei: Que vai ser de mim acaso isto dê para o torto, ao primeiro que possa roubo-lhe a arma.

Levávamos já uns quilómetros, só sei que olhava para trás e só via dois ou três, então ganhava coragem e avançava mais, daí a algum tempo estava quase em ultimo. Depois de uns sete o oito quilómetros nesta luta atrás e adiante, vejo que começo a ficar sozinho e pensei: Que se está passando, não me querem? Sou mau mas por favor não me abandonem que eu prometo que não serei mais uma pessoa má e que me portarei bem.  Se for necessário até irei dar milho aos pombos do Rossio, aos corvos dos Alpes ou aos morcegos de Bolama, mas por favor não me abandonem.

Foi quando dei conta que estávamos no lugar indicado e o Alferes que comandava o pelotão me disse para caminhar mais uns duzentos metros na direcção das árvores cortadas pois estavam a abrir a estrada de Cufar a Catió e esse pelotão estava a fazer a segurança aos trabalhos. Caminhei na direcção indicada e comecei a ouvir ruídos que me causaram calafrios. De repente saiu de entre os arbustos um militar branco claro que se me dirigiu, e creio eu que a brincadeira foi de propósito pois sabiam que vinha um periquito, e devem ter pensado que me iria borrar de medo. Na verdade conseguiram.

O militar, que mais tarde vim a saber que era Alferes, disse-me para andar mais uns 150 a 200 metros e encontraria uma viatura do Exercito que me levaria ao quartel de Catió. Assim que cheguei ao local subi para a Berliet que de seguida começou a andar. Quando chegou a Catió, uns sete a oito quilómetros adiante, entrou na parada, mal desci da viatura vem um cabo que me diz: Sou o Manuel Gomes do Pelotão de Rec Inf, vem comigo que eu tenho instruções para te alojar e te guiar nos primeiros passos.

Indicou-me a minha cama que era ao lado da sua e disse-me que eu estava ali porque ia a render o Cabo Coelho que havia sido raptado num golpe de mão feito na pista.

Assim terminou a minha viagem de Bissau a Catió.


____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (59): A minha ida para a Guiné (António Melo)

Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10043: Estórias avulsas (60): Gazelas em Mansambo (António Eduardo Ferreira)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10222: O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (59): Catió, a emigração em Espanha e o nosso Blogue unem dois camaradas (António Melo / Manuel Pinheiro)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo* (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 1 de Agosto de 2012:

Hoje estando eu sentado diante do meu ordenador lembrei-me de contar-te uma história bonita que se passou com dois loucos ex-combatentes da Guiné que se conheceram através do blogue e por haverem estado os dois em Catió.

Por certo no mesmo batalhão mas em datas diferentes, esses dois loucos são o Manuel Dias Pinheiro ex-1.º Cabo Radiotelegrafista e o António Melo ex-1.º Cabo Rec Inf, como te deves recordar, foste tu quem nos puseste em contacto depois do pedido do Manuel, do meu email e eu com muito gosto lhe respondi.

Daí em diante temos trocado varia correspondência, eu ao ler o que me contava convidei-o a fazer parte do nosso blogue, ele se me escapou, te garanto que é bom rapaz mas se me escapa com muita habilidade, mas te asseguro que este terá que fazer parte do nosso blogue. Depois de vária correspondência trocada já acertamos que iremos a um almoço do blogue para nos conhecermos pessoalmente visto que neste momento estamos bem longe um do outro, eu em França e ele em Espanha e não nos é muito fácil encontrarmos porque nos separa mil e duzentos quilómetros mas como te digo este vai cair.

Carlos à parte te mandarei um extracto de um email que ele me mandou para que tu com a tua paciência e amabilidade componhas este email porque te digo não tenho impressora para poder compor.

Carlos agora também quero através deste blogue pôr em apertos o Manuel e convidá-lo a juntar-se a esta família que é o blogue e como agora o convite é publico quero ver se esse louco da colina dá o nega ao meu convite.

Gracias
Manuel




2. Primeira mensagem do nosso camarada Manuel Dias Pinheiro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, enviada ao nosso tertuliano António Melo:

Um amigo que nunca mentiu

Se me recordo da viagem para Catió!!!

Te conto uma história muito grande e assim não estás aborrecido tu e eu.

Assentei praça no RI8 em Braga no dia 28 de Julho de 1969. Aí fiz a instrução e no dia 28 de Setembro do mesmo ano fui para o Porto para o Regimento de Transmissões na Arca d'Água, aí estive fazendo a especialidade de radiotelegrafista até ao dia 22/2/1970. Passei ao Regimento de Transmissões, fui promovido a 1.º Cabo e aí fiz um estágio muito bom, onde fazia de Cabo Dia e algum Cabo de Reforço. Como já tinha muito tempo pensava que já não ia à guerra, mas a notícia chegou no dia 25/6/1970, o 1.º Cabo Radiotelegrafista NM 114485/69 vai para a Guiné. Embarquei no Uíge no dia 18/07/1970 e chegou o periquito à Guiné no dia 24/07/1970. Como ia em rendição individual fui no porão da mercadoria, bom depões de dois dias de viagem chegou o pior o enjoo mas tudo passou.

Chegando a Bissau lá fomos para o Quartel General a que o Agrupamento de Transmissões estava adido, só mais tarde já no ano 1973 tinha as suas instalações próprias. Chegando a Bissau me dão uma folha para preencher na qual havia uma pergunta, se tinha algum familiar na Guiné, como tinha um primo, diz o Manuel: tenho um primo! Então havia um colega que estava esperando transporte para Catió, esse já não foi para Catió e foi o Manuel, tendo o outro ido para Piche. Quando chegou o dia de ir para Catió lá fui por mar, deram-me então uma ração de combate mas não água. Ia com os marinheiros e mais embarcações de civis, esses senhores marinheiros bebendo as suas cervejas e comendo a sua boa comida e o pobre do Manuel olhando para eles que nem sequer perguntaram se queria água ou comida.

Lá fomos, a água entrava por um lado e saía pelo outro e eu dizendo: estou "feito", aonde vim parar. Seguindo com a viagem, chegámos já à tardinha. Pararam os motores quando entrámos nas bolanhas, agarraram as metralhadoras e eu como parvo olhando para eles e pensando: isto é guerra! Mas lá chegámos na paz de Cristo. O transporte esperando e lá cheguei a Catió. Perguntei pelo meu culpado primo que de imediato me deu um grande abraço, chorando. Fomos beber umas bazucas, depois de ter passado tanta sede até já tinha vontade de beber. Deu-se a casualidade que a minha tia tinha mandado uma caixa com umas garrafinhas de vinho, uns salpicões e outras coisas. Dizia a minha Tia que tinha uma alma muito grande, e assim foi, o destino é grande e nunca fujas a ele.

À minha Maria só menti uma vez, foi quando lhe disse que casava com ela, e até essa mentira foi mentira porque casei com ela quando vim de ferias em julho de 1971. Casámos e volvi a cumprir o meu dever para com a pátria. Por coincidência hoje faço 41 anos de casado e cinco de noivos, uma vida. Como se aguenta?

Quanto às fotos não te preocupes que destas tenho muitas e mais fortes, assim prepara-te mas na condição de não fazeres coisas mal feitas.

********************

3. Segunda mensagem de Manuel Pinheiro a António Melo:

Baseando-me na tua publicação no blog de Luís Graça decidi juntar a parte dois que é a mais triste.

Depois de chegar a Catió e encontrar-me com o meu primo António Rodrigues do Bat 2865 e tomarmos umas bazucas, dirigi-me à minha residência temporária que era o Posto de Rádio dos Telegrafistas do Agrupamento de Transmissões. Depois da apresentação feita, com os meus camaradas que eram: o Soldado Tino de Tomar, o 1.º Cabo Pinto Costa que era do Porto e eu o ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, nesse dia não fiz serviço mas no seguinte comecei alinhar com os meus turnos correspondentes. Todos tiveram a sorte de regressar, assim começou o primeiro, o Tino depois o Costa, e como sempre uns regressam e outros vão e assim foi chegou o ex-Furriel Nelson Batalha, o Soldado João e o Soldado Miranda que era casado e tinha uma filha e, passado pouco tempo chegou o Soldado Neto que era de Almada.

Vão passando os dias e de pronto chegam as más noticias, em Dezembro chega um telegrama para o Soldado Miranda, com a triste noticia que havia falecido a filha, me recordo perfeitamente era o seu turno e quando abriu o telegrama começou chorando e eu também, mas como era guerra o que fiz foi agarrar a chave de Morse e como um valente transmitindo. Os dias foram passando e vais olvidando mais!

Com o tempo as coisas vão a pior porque em Janeiro chega um telegrama para mim, quando o abri partiu-se-me o coração, dizia que havia morto a minha Mãe. Já éramos dois mas como se diz não há dois sem três. O que virá depois? E assim foi, chegou o dia 14/04/1971 em que sofremos um grande ataque, no qual ficou ferido o ex-Furriel Batalha, o Neto e o João foram evacuados para Bissau nessa mesma noite. Ficamos os dois pobres, o Miranda e eu, foram tempos de muita amargura e tristeza, como éramos só os dois tocou-me chefiar o Posto de Rádio. Fazíamos turnos de 4 em 4 horas até que uns meses mais tarde chegaram dois soldados Alentejanos sem nenhuma ideia.

Como o tempo foi passando chegou também um Furriel e já estávamos todos. Entretanto em Junho fui a Bissau por motivo da morte da minha falecida Mãe e marquei as minhas queridas e desejadas férias porque tinha a minha bajuda em Portugal, desejosa da minha chegada. Assim foram os tristes dias da Guiné. Quando regressei de férias já fiquei em Bissau, era outra vida, quando comíamos as travessas de ostras e as bazucas dava gosto, tirando os maus momentos, deixam saudades esses tempos e esses aninhos que tínhamos.

Vou enviar uma foto do Posto de Rádio de Catió.

Catió - Posto de Rádio, 20 de Maio de 1971

Um grande abraço até breve
O amigo
Manuel Gomes


4. Notas do editor:

- Tentei manter a redacção o mais próximo possível com o original, emendando apenas alguns erros de português, próprios de quem há tantos anos faz vida fora de Portugal. As nossas homenagens a estes bravos camaradas que lutaram a vida inteira, primeiro na guerra e depois na paz.

- Como ambos estão ligados à nossa vizinha Espanha, como emigrantes, aplicam alguns termos que tentei manter desde que se compreenda o sentido das frases. Alguns tive que substituir.

- Removi algumas expressões mais "violentas" em vernáculo e adjectivos dirigidos a pessoas e instituições porque o autor não escreveu este texto para ser tornado público e podia não os ter escrito nesta condição.

- Caro Manuel Pinheiro, seguindo a sugestão do camarada António Melo, fica feito publicamente o convite para te juntares a nós, integrando esta Tabanca Grande. Manda uma foto do teu tempo de militar e outra actual, tipo passe de preferência, e serás apresentado como membro desta caserna virtual.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10095: Os nossos seres, saberes e lazeres (46): Não trocaria por nada aquele tempo de comissão na Guiné (António Melo)

Vd. último poste da série de 25 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10072: O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (58): O reencontro, 38 anos depois, de dois camaradas da Ponte Caium, o Cristina e o Pinto, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74 (Cristina Silva, Funchal)

sábado, 30 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10095: Os nossos seres, saberes e lazeres (46): Não trocaria por nada aquele tempo de comissão na Guiné (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada António Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 24 de Junho de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal
Um abraço

Aqui estou de novo para responder ao email em que me perguntas por onde ando, e na verdade nem eu sei bem onde vivo pois há muitos anos, mais propriamente desde 1980, que tenho a minha residência em Espanha.

Com a crise que Espanha está a atravessar e pela dificuldade em arranjar trabalho, em 2009 resolvi vir para França porque me faltavam cinco anos para me reformar. Assim posso reformar-me com a pensão completa.

Por isso mesmo, agora e até meados de 2015, estou a viver nos Alpes franceses, mais propriamente em Chambery, mas logo que me reforme vou regressar a Espanha, Badajoz, onde tenho a minha casa.
[...]
Se entretanto a vida me permitir tentarei ir a algum dos convívios que o blogue organiza, porque tenho muita vontade de estar com pessoas que como eu sabem o que foram para nós aqueles anos de juventude, de incerteza, de angústia, de sofrimento e de camaradagem. Contudo, passados todos estes anos e depois de ter visto o que vi e passado o que passei, não trocaria por nada aquele tempo de comissão na Guiné, porque posso dizer que foram enriquecedores para a minha vida.

Conhecer novas gentes, novas culturas, novos mundos, novas formas de viver, melhores ou piores, não está em causa, para mim foi uma mais valia; conhecer o diferente e hoje saber dar valor àquilo que tenho, por muito pouco que seja, e que para aquela gente seria o paraíso terrestre, embora eu ainda me lamente, mas enfim deixemos isso para outro momento.

Quanto ao que me perguntas, se depois do arranjo que tens que dar aos meus textos eles traduzem o que eu quero expressar, digo-te que fielmente transmites aquilo que eu quero dizer, sem mudar uma virgula.
Obrigado pelo teu tempo e paciência.

De momento ficarei por aqui e prometo para a próxima uma dessas historias, não tão agradáveis como o que já escrevi até agora, passadas em Catió mas que graças à sorte que sempre me acompanhou tiveram sempre um final feliz, e por isso posso contá-las.

Para todos os que integram o blogue um abraço forte e para ti especialmente
António Melo


2. Nota de CV:

Esta mensagem do nosso camarada António Melo é resposta a uma que lhe enviei perguntando se estava emigrado, e onde em caso afirmativo. Deduzi que o nosso camarada estaria na diáspora pelo seu português sem acentos, teclado não adaptado à língua portuguesa, e pelo modo como se expressa, onde se adivinha a influência do castelhano. A minha curiosidade mais se acentuou porque o seu endereço está no Hotmail.fr, logo em França.

Pelo exposto, estamos perante um camarada que como muitos da nossa geração se aventuraram por esse mundo fora, no caso do António Melo, praticamente porta-com-porta com Portugal. Curioso o seu percurso em Espanha e recurso a França onde está a completar o tempo necessário para ter direito a uma pensão de reforma completa, que desejamos seja compensatória após tantos anos de labuta.

Curioso o facto de apesar de ter a sua residência permanente paredes-meias com o nosso rectângulo, Badajoz, por lá preferir ficar, ao que se supõe, até ao fim dos seus dias.

Caro António, dar-nos-ias uma alegria muito grande se um dia conseguisses comparecer num dos nossos convívios anuais. Quem sabe, um dia o farás a partir de Badajoz.

Conta com a nossa disponibilidade para, como fazemos com outros camaradas, acentuar o teus textos e dar um jeito ao teu castelhano.

Desejamos que até 2015 tudo te corra pelo melhor e completes o tempo que te falta para teres direito ao merecido descanso.

Recebe um grande abraço em nome da tertúlia.
Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

Vd. último poste da série de 15 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10037: Os nossos seres, saberes e lazeres (45): Para breve o lançamento do livro "Palavras de um defunto... antes de o ser", por Mário Tito (Mário Serra de Oliveira)

sábado, 16 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 11 de Abril de 2012:

Caro amigo aqui estou de novo.
Já hoje visitei o blogue, o que se tornou um hábito.
Não passo um dia que não o visite. Felicito-vos por tão grande iniciativa.
Os meus parabéns, pois foi o blogue que me ajudou a superar certos traumas que eu tinha desde aqueles tempos idos. Hoje não me envergonho de haver sido militar e ter servido na Guiné porque vocês me deram a força interior para quando em algum sitio que eu esteja presente e surja uma conversa sobre a guerra do ultramar, ou a guerra colonial, digo sem rodeios que eu cumpri o serviço militar na Guiné e quando os que menos sabem do que lá se passou começam a dizer asneiras, e muitas vezes a denegrir a imagem dos ex-combatentes no ultramar, antes eu me calava, mas agora tenho força suficiente para os desmentir e dizer-lhes que calados estariam melhor pois nunca lá estiveram e porque nasceram noutra época e não lhes tocou o que nos tocou a nós.

Por tudo isto o meu muito obrigado.
António Melo


A minha ida para a Guiné

Pertenci ao BC 5 de Campolide mas estava destacado em serviço no Forte do Alto Duque em Algés, e como éramos poucos, o Comandante mandou metade do pessoal passar a casa o Natal e a outra metade o Ano Novo e assim ficaram todos contentes. A mim tocou-me estar de serviço pelo Natal e ir passar o Ano Novo a casa com a família. Por sorte minha chegou a minha mobilização no dia 24 de Dezembro e quando chegaram os que foram passar o Natal, o sargento da secretaria ao ver a mensagem de que eu estava mobilizado para a Guiné calou-se para não me estragar o fim de ano com a família. Ao regressar no dia 4 de Janeiro de 1972 ao destacamento chamaram-me à secretaria e deram-me a notícia de que estava mobilizado e que tinha que preparar todas as minhas coisas para me apresentar no BC 5 que era a minha unidade,

Um pouco tristonho e meio confuso pelo que se estava a passar porque tinha nessa altura um irmão a cumprir o serviço militar na BA 12 de Bissalanca, na Guiné, pensando pelo caminho, se me acendeu uma luz e disse para mim mesmo: - Eu não vou porque dizem que não podem estar dois irmãos ao mesmo tempo no ultramar.

Quando cheguei ao BC 5, cheio de coragem, porque os ia fintar, apresentei-me, eles repassaram uns papéis que tinha na sua frente e disseram-me que eu ia para a casa da rata porque era um desertor. Ali mesmo se me baixaram os fumos e tentei explicar que só havia saído nesse mesmo dia do destacamento do Forte do Alto Duque porque só naquele dia me haviam comunicado a minha mobilização. Por resposta recebi a contestação de que me deveria ter apresentado no dia 25 de Dezembro e que portanto era um desertor. Insisti que não era como eles diziam mas sim como eu lhes estava a contar. Um Primeiro-Sargento que me escutava mandou-me sair um bocado e, não sei se por telefone ou por que meios, comunicou com o Destacamento e confirmou que eu estava falar a verdade. Assim terminou tudo em bem e este rapaz respirou de tranquilidade.

Comunicaram-me que me iriam fazer uma guia de marcha para me apresentar nos Adidos onde me tratariam de tudo, incluindo vacinas, para poder embarcar para a Guiné. Foi então que eu pensei: - Esta é a minha oportunidade, vou atacar agora mesmo. Disse-lhes que tinha um irmão na Guiné a cumprir o serviço militar e que por isso mesmo eu não poderia ir porque estava legislado que não poderiam estar dois irmãos ao mesmo tempo no ultramar, ou na guerra, palavra que a mim me parecia melhor. O tal Primeiro-Sargento que me havia mandado sair um pouco de novo interveio e disse:
- Sim senhor, tens razão, vou-te preparar um documento para que o assines.

Enquanto esperava que preenchessem o documento pensava para comigo mesmo: - Esta partida já a ganhei. Estava contentíssimo pois eu não era um parolo e a mim não se engana facilmente. Que contente estava cá o rapaz até que chegou o momento de me chamarem e me disseram:
- Assina aqui este documento para que vás para casa, e quando o teu irmão regressar, no fim da comissão, tens que te apresentar para ires cumprir a tua missão.

Respondi ao meu queridíssimo sargento que para ir depois do regresso do meu irmão preferia ir já. Retorquiu o sargento que não havia necessidade de o ter chateado tanto quando afinal a minha vontade era ir. Calei-me porque a minha vontade era mandá-lo a um sítio que agora não digo.

Deram-me a guia de marcha e lá fui apresentar-me nos Adidos. Depois de cumpridas as formalidades e andar de um lado para o outro e tudo o mais que tocava a todos e de que pouco me recordo, deram-me uma licença para ir para casa e apresentar-me em determinado dia.

No dia seguinte à apresentação foram as vacinas da praxe que todos nós conhecemos, mas quando estava para embarcar surge o inesperado, dizem que eu não estava vacinado. Eu de novo a insistir que estava e eles a dizerem o contrário. Escusado será dizer que a minha palavra não valeu de nada e de novo mais vacinas. Dizia para mim mesmo: - Como é possível isto estar a acontecer, mas cala-te porque se vai passar igual ao que te aconteceu no BC 5. Come e cala.

Quando estava de novo vacinado é que foi tudo muito rápido. Fui informado que no dia 26 de Fevereiro tinha que estar cedo no Aeroporto de Figo Maduro ou então 2 horas antes aqui nos Adidos, ao que respondi que me apresentaria no aeroporto no dia seguinte.

Levantei-me às 5 da manhã, preparei as minhas coisas despedi-me da pessoa que tinha ao meu lado, a minha esposa, pois havia casado há pouco mais de um ano. Não me despedi de mais ninguém porque as despedidas sempre me custaram. Apresentei no aeroporto e, cumpridas as formalidades, meteram-me num avião, um Boeing da Força Aérea que cá para mim estava muito bem, mas a verdade, vista agora, que entendia eu de aviões para dizer que estava bem? Ainda porque, acima de tudo, era a primeira vez que eu ia andar de avião.

Chegou a hora e o aparelho levantou voo. A partir daí já só pensava na Guiné e no que havia deixado para trás. Levava comigo uma mágoa, deixava a família e a esposa por dois anos. - Vamos lá que sou jovem.

Quando levávamos algum tempo de viagem fomos informados de que iriam servir a comida. Pensei: - Nada mais acertado pois já levo algo aqui dentro que necessita ser aconchegado.

Começa o movimento e vejo vir uma hospedeira que pesava uns cento e vinte quilos e usava farda da Força Aérea. Tinha bigode e não cabia no corredor de tão gorda. Eu que pensava que ia ser servido, como ouvia dizer, por uma senhorita modelo, e toca-me só hospedeiros. Mas que é isto?

Eu queria era uma hospedeira não cabos especialistas da Força Aérea mas, enfim, vamos a isto. Põem-me um pacotezito que parecia os que nos dão nos cafés com açúcar, eu sem saber nada daquilo, olhei para o lado pois aí ia também um cabo especialista que tinha vindo de férias e era do Montijo. Conhecia-o bem, era o Dimas, embora creio, ele não me conhecia. Eu sabia que ele era cabo especialista porque o conhecia e ao ouvir a conversação com outros que viajavam ao seu lado dei conta de que tinha vindo de férias. Vamos lá ver como fazem os outros porque não sei o que isto é. Espero e, como eles fizerem, faço igual. Assim foi, quando eles abriram o tal pacote e começaram a lavar as mãos, eu também. A esperar, a ver e a imitar, lá me fui desenrascando, mas qual no foi a minha surpresa, ao olhar para o lado vejo um parceiro a comer o guardanapo perfumado que era para lavar as mãos. Calei-me como se não me desse conta mas por dentro estava a rebentar de riso ao ver a cena. Quando deu conta da asneira, teve o bom censo de esperar, ver e repetir como fazia cá o macaquinho de imitação.

Com tudo isto lá chegamos ao aeroporto de Bissalanca e para mim o baptismo de voo, pois foi a primeira de muitas e longas viagens que já fiz na minha vida e que por certo me encantou. Desembarcámos e, quando estávamos na sala de desembarque para sair, começou o que não sabíamos ser o coro de periquito, periquito!!!. Começaram todos a recuar pois ninguém queria ser o primeiro a sair. Diz o tal amigo que viajou ao meu lado, pois já nos tínhamos feito amigos durante a viagem:
- Oh, pá não saias porque é só, periquito, periquito!!!
- Eu quero lá saber, que se f…. porque eu estou ali a ver o meu irmão.

Saí e corri para o meu irmão, abraçámo-nos, beijámo-nos e, num abraço demorado, choramos os dois. Um que era eu, com a farda verde, e ele de farda azul da Força Aérea.
As vozes de periquito, periquito, calaram-se e fez-se silêncio porque nesse momento dois militares choravam banhados em lágrimas. Os que chamavam periquitos quiseram saber o que se estava a passar. Com o meu irmão estava um amigo que era da Moita com quem se dava muito bem e que eu conhecia de o ter visto duas vezes antes de irem para a Guiné. Foi ele que fez saber que éramos irmãos e por isso chorávamos. Pois por mentira que pareça, não mais se ouviu a palavra periquito.

Tocou-me aquela gente, mais negros que brancos, que me deram imediatamente uma lição, porque eu levava metido na cabeça que os negros não eram gente como eu, e ali me demonstraram que eram humanos e sensíveis, por isso os respeitei e respeitarei porque souberam compreender a dor de dois irmãos que naquele momento se sentiam alheios ao mundo que os rodeava. Só queríamos saber um do outro e o meu irmão perguntar coisas dos nossos pais, dos nossos irmãos e restante família.

Passado o momento de glória que foi abraçar o meu irmão, cumprimentei o Moita ou mais correctamente o Piedade que é o seu nome, em seguida fui para os Adidos onde o meu irmão e o amigo me acompanharam.

Depois da formatura da ordem, apresentações e de mais coisas que já nem recordo, eles que já eram batidos, falaram por mim e na verdade após me acomodar na caserna fui com eles para a BA 12 comer uns bons enchidos e outras coisas mais que a minha querida mulher me havia metido no farnel. Foi tudo bem acompanhado de boa cerveja e, já com o meu irmão bem tratadinho, fomos comer ao refeitório da Base. Nessa noite dormi na base.

Meus caros amigos, por hoje não vos vou molestar mais.
Um abraço para todos os camaradas da tertúlia, em especial para o Carlos Vinhal.

Nota: - Peço desculpa pela falta de ortografia mas o meu computador é espanhol e por vezes não posso escrever como quero. Sou também muito novato nestas andanças.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9792: Estórias avulsas (58): Fotos de Bedanda (Luís Gonçalves Vaz/Mário de Azevedo)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9803: Tabanca Grande: oito anos a blogar (10): Mensagens dos nossos tertulianos Fernando Gouveia, Felismina Costa e António Melo

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 24 de Novembro de 2011:

Neste oitavo aniversário do blogue não podia deixar de dizer algo, tanto mais que o blogue foi responsável por mudanças na minha vida, à partida impensáveis.

Recordo mais uma vez o que escrevi na minha primeira comunicação ao Luís Graça, quando há cerca de quatro anos descobri, por mero acaso, o blogue: …”pelo menos já tenho que ler até ao fim da minha vida”.

Se muitos camaradas de armas, dos que andaram mesmo metidos no barulho, têm revisitado com prazer a Guiné, podem imaginar o que foi sentido, em visita semelhante, por quem lá esteve mas numa zona calma “sem tiros” - o meu caso. Recentemente escrevi: “arrepender-me-ia para sempre se lá não tivesse ido”.

Podem facilmente imaginar o prazer e a comoção sentida ao encontrar, passados quarenta anos, pessoas que só lá tinha visto uma única vez e que me reconheceram.

Além de tudo isto o blogue permitiu aumentar o leque de amigos, que nesta fase da vida tem um interesse inquestionável.

Foi o blogue que me levou à Guiné, aos almoços regulares nas várias “tabancas” e que me fez viver momentos inesquecíveis. O blogue foi, por último, o primeiro responsável a levar-me a escrever um livro - o livro da minha vida.

Termino referindo que dou por terminado o processo “Na Kontra Ka Kontra”, tendo atingido o objectivo a que me propus: Contribuir com algo para as crianças da Guiné-Bissau. Assim, foram vendidos 97 livros, dando um lucro de 310 €. Comprei material escolar (lápis c/ borracha e aguça, esferográficas de várias cores e cadernos). Só lápis foram 3468 unidades. Tudo isso foi encaixotado e entregue à “Ajuda Amiga”, bem como 50 € sobrantes, contributo para o envio do contentor para a Guiné-Bissau.

Camaradas, mais uma vez me emocionei quando, uma noite, encaixotava o material escolar para a Guiné-Bissau. Sentimentos que ultimamente só o blogue me fez reviver.

Com abraços.
Fernando Gouveia

************
2. Mensagem da nossa amiga tertuliana Felismina Costa com data de  22 de Abril de 2012:

Há sensivelmente dois anos, que o adoptei, como o meu “jornal diário”!
Um jornal diferente, mas pleno de informação, sobre um tempo e um acontecimento que marcou a nossa geração!

Um acontecimento, que hoje motiva encontros, onde muitos dos seus intervenientes recordam dias, que os marcaram para sempre.
É um espaço virtual, onde se espraia a expressão das vossas vivências, a todos comuns.

Para mim, ele representa um “manual,” onde encontro informação sobre o conflito, uma tertúlia, onde falo, às vezes mais do que devia, um centro de convívio, onde tenho a certeza, ter feito amigos para a vida.

Quero felicitar mais uma vez o seu criador, “Mestre Luís Graça,” e seus incansáveis co-editores, a saber:
Carlos Vinhal, o homem do leme.
Magalhães Ribeiro
Virgínio Briote

E todo o séquito de colaboradores:
Humberto Reis
Hélder Sousa
Jorge Cabral
José Martins
Torcato Mendonça.

Obrigada pelo sítio, pela amizade nele encontrada e vivida.
Obrigada pelo aumento substancial do meu grupo de amigos, pelo conhecimento adquirido, pelo reviver da Juventude, pese embora o motivo que o origina.

Desejo longa vida ao Blogue, e que seja um veículo que conduza a um estudo aprofundado de causa e efeito.

Parabéns ao Blogue e a todos quantos aqui se encontram!
Obrigada.
Felismina

************

3. Mensagem do nosso camarada António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 23 de Abril de 2012: 

Para ti BLOGUE que hoje cumpres o teu aniversário te felicito carinhosamente.
Que cumpras muitos e continues como até agora a dar-nos noticias boas e menos boas mas que nos tenhas informados e que nos avives as mentes pois sabes estamos um pouco passaditos e já nos vai falhando a memória.
Contigo jovem e desperto nós continuaremos relembrando a nossa juventude que passámos naquela terra linda que é a Guiné.

Sem mais, os meus parabéns e um abraço para todos sem excepção
António Melo
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9798: Tabanca Grande: oito anos a blogar (9): Os "nós" e os "laços" do nosso querido Blogue (Manuel Joaquim)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 1 de Abril de 2012:

Camarada Luís
Venho pedir com humildade que me aceitem para fazer parte do vosso blogue pois ando há cerca de dois anos a lê-lo e nunca tive coragem para me alistar neste batalhão.

Hoje, depois de ler o comunicado do dia 1 de abril fiz um comentário ao mesmo. Tinha quase a certeza de que era mentira mas mesmo assim fi-lo. Agora que fui descoberto pelos amigos, que estou a mercê de ser tiroteado ou de um golpe de mão, dou a cara, e que façam justiça, mas por favor peço que me poupem a vida. Já que na Guiné nada me aconteceu e andando pelo mundo me tenho defendido razoavelmente, não queria morrer nas mãos amigas. 

Camarada Luís, não cumpro com todos os requisitos para poder ingressar no blogue porque de momento não tenho scaner para poder mandar as fotos, mas prometo que no mais breve espaço de tempo cumprirei a dívida e para que não haja dúvidas a meu respeito aqui vai a minha identificação e alguns pormenores das minhas férias na Guiné.

Sou António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf
Pertenci ao BCAÇ 2930 e estive em Catió.
Fui de rendição individual substituir o 1.º Cabo Coelho que foi apanhado num golpe de mão na pista de Catió.
Fui para a Guiné em 26 de fevereiro de 1972 e regressei a 16 de março de 1974.

Como disse antes, fui para Catió e quando o Batalhão regressou à metrópole fiquei em Brá nos Adidos, sendo posteriormente colocado no Quartel General. na 1.ª Repartição - Secção de colocação de oficiais, onde estava o Major Mota Freitas e o Alferes Moutinho de quem guardo muitas e boas recordações e de quem não mais voltei a saber nada. Também estavam lá o Primeiro Sargento Martins, o Furriel Freitas, o Cabo Castanheira (desenhador) e um fascina, o Soldado Montoia, bom amigo também.

Camarada, contarei mais coisas porque a minha vida na Guiné foi fértil. Posso adiantar que estava ao mesmo tempo que eu na Guiné o meu irmão Jaime, que é mais velho do que eu um ano. Dele falarei noutra oportunidade assim como da minha mulher que mandei ir para lá quando fui colocado no QG, tinha ela apenas 17 anitos. Enviarei fotos como prova, pois vivíamos ao lado do Bar Arganilense, em frente ao edifício do Sindicato.

Camarada como te disse antes, a minha vida na Guiné foi muito fértil e haverá tempo para contar-te. Por hoje vou cumprir com parte do que tenho que pagar que é uma pequena historia.

No ano de 1972, pelo Natal, estando eu colocado no QG, o Chefe de Repartição era o Major Mota Freitas que estava incumbido de preparar a festa de natal para os oficiais e familiares.
Ao chegar à Repartição chamou ao 1.º Cabo desenhador Castanheira e pediu-lhe para fazer de Pai Natal para os filhos dos oficiais, ao que este respondeu que não. De seguida chamou o soldado fascina Montoia e recebeu a mesma resposta. Quando chegou a minha vez respondi afirmativamente. Seguidamente chamou o Castanheira e o Montoia e ordenou que naquela tarde estariam os dois de castigo de serviço na repartição os dois castigados. Eu pensei para comigo que daquela me tinha livrado.

Perguntei ao Major Mota Freitas se podia levar a minha mulher comigo uma vez que ela estava em Bissau. Ele sabia, mas eu por diferença de estatuto nunca havia tido essa conversa com ele. Respondeu que sim, que levasse a minha mulher e que fosse vestido à civil que ele logo me arranjaria uma farda, mas de Pai Natal. Verdade se diga que a minha mulher e o Alferes Moutinho me mascararam muito bem, estava irreconhecível. Gostei da experiência e foi para mim um gosto pois passei uma tarde linda, diferente e irrepetível. A dada altura dirigiu-se a mim o Chefe do Estado Maior, Cor Henrique Gonçalves Vaz, com muita cordialidade e educação, estando eu vestido de Pai Natal, me perguntou quem era eu, e eu fazendo que não havia percebido a pergunta, lhe respondi que era o Pai Natal. Ele sorriu e disse-me:
- Não essa a resposta que eu quero, quem és tu na vida militar?

Então com a mesma educação com que se havia dirigido a mim, mas sem qualquer vénia militar lhe respondi correctamente quem era, o que ele me agradeceu. Fez-me mais algumas perguntas e desejou-me um Feliz Natal.

Depois foi a saída para junto da piscina e a entrega das prendas aos filhos dos oficiais, que correu como eu pude. Era a primeira vez que estava diante de um microfone mas como se diz na tropa, desenrasquei-me.

Terminada a entrega de prendas foi a vez de ir para a mesa, mas como eu como estava à civil, quero dizer, mascarado de novo, ninguém me conhecia a não ser o Major Mota Freitas e o Alferes Moutinho que muito me apoiou para eu me integrar no convívio. Comemos alguma coisa sem restrições, mas quando vi que era a hora apropriada, retirei-me pela calada com a minha mulher.

É esta a minha historia.


2. Comentário de CV:

Caro camarada António Melo, sê bem-vindo à Tabanca Grande. Recebe desde já um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Começaste a narrar as tuas memórias com uma história passada em Bissau e num tempo que noutras circunstâncias seria de paz, a quadra natalícia. No papel de Pai Natal fizeste feliz algumas crianças que até certo ponto viviam a tensão de uma guerra, porque Bissau ficava quase à porta do conflito que se fazia sentir naquela província. Outras terás, como por exemplo os encontros programados ou ocasionais com os teus conterrâneos que, vindos da metrópole, passavam por Bissau a caminho do mato ou o contrário.

Pelas minhas contas deves ter estado cerca de 10 meses em Catió, espaço de tempo em que terás vivido algumas situações que poderás contar neste Blogue.

Quando tiveres digitalizador manda as tuas fotos para publicarmos, algumas das quais poderão servir para ilustrar as tuas histórias.

Termino desejando para ti e para os teus uma boa Páscoa com saúde e em família.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9694: Tabanca Grande (327): José Carlos Santos Pimentel, ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)