Mostrar mensagens com a etiqueta Ansu Bodjan (cmdt). Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ansu Bodjan (cmdt). Mostrar todas as mensagens

sábado, 26 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18680: (D)outro lado do combate (30): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - III (e última) Parte (Jorge Araújo)


Foto 1 – Guiné-Bissau >  Formatura após a chamada militar numa manhã de 1974 na base de Hermangono, na Frente Norte, onde estacionavam os Corpos de Exército do PAIGC. Foto: Roel Coutinho (1974) (com a devida vénia...)

[Nota do editor LG: temos dificuldade em localizar no mapa este topónimo, "Hermangono", tanto no Senegal como na Guiné-Bissau; e não há nenhuma referência a este topónimo no Arquivo Amílcar Cabral, disponível no portal Casa Comum / Fundação Mário Soares; pode tratar-se de um erro de transliteração, por parte do fotógrafo e médico holandês Roel Coutinho]


Foto 2 - Guiné-Bissau > Escolta armada transportando uma pessoa ferida para a fronteira do Senegal, onde se encontrava uma ambulância. Foto de Roel Coutinho (1974) (com a devida vénia...)


Foto 3 - Guiné-Bissau > Primeira ambulância do hospital de Ziguinchor (Senegal) com motorista. Foto de Roel Coutinho (1974) (com a devida vénia...)

[Fotos da série PAIGC Military, Guinea-Bissau, Coutinho Collection 1973-1974.  Fonte: Wikimedia Commons. O fotógrafo, Roel Coutinho é um  prestigiado médico, epidemiologista  e professor, hoje jubilado,  de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis;  holandês, nasceu em 1946, licenciou-se em medicina em 1972, esteve no Senegal e na Guiné-Bissau em 1973/74,  especializou-se em microbiologia médica, doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis; é um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas; pelo apelido, pode ter ascendência portuguesa, e inclusive ter antepassados judeus sefarditas, marranos ou cristãos-novos, idos de Portugal para Amsterdão no séc. XVII; era uma comunidade prestigiada, pela cultura,  o dinheiro e o poder: a Grande Sinagoga Portuguesa, em Amsterdão, chegou a ter 3 mil fiéis; hoje a comunidade está reduzida a 350 pessoas; espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa",  do séc. XVII, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amasterdão] [LG]
©O titular dos direitos de autor destes ficheiros, Roel Coutinho, autoriza o seu uso por qualquer pessoa para qualquer finalidade, com a condição de que a sua autoria seja devidamente atribuída. A redistribuição, obras derivadas, uso comercial e todos os demais usos são permitidos.
Atribuição: Roel Coutinho





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974).

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > BALANÇO DOS COMBATES ENTRE AS NT E O PAIGC NO SECTOR DE FARIM  >BAIXAS E ESTUDO SOCIODEMOGRÁFICO DO BIGRUPO DO CMDT ANSÚ BODJAN (1944-1971) DO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70  (III Parte)
 

1.  INTRODUÇÃO

Com o presente texto, o último de três fragmentos (*), concluímos o balanço resumido dos combates entre as NT e o PAIGC no Sector de Farim, tendo por protagonistas, de um lado, a Companhia de Caçadores 2533 [CCAÇ 2533] e a Companhia de Caçadores 14 [CCAÇ 14] e, do outro, o bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan (1944-1971), um dos quatro bigrupos de infantaria do Corpo de Exército 199-B-70, este liderado pelos Cmdts  Braima Bangura, Joaquim N'Top e Benjamim Mendes.

Para além das duas unidades anteriormente referidas, houve necessidade de identificar, agora, mais algumas, em particular aquelas que estiveram envolvidas nas missões operacionais das NT de contra-penetração dos diferentes bigrupos do Corpo de Exército 199-B-70 do PAIGC, em trânsito das bases existentes na zona de fronteira com a República do Senegal, na Frente Norte, nomeadamente ao longo dos "corredores" de Lamel e Sitató, e que, numa relação causa/efeito, ficaram ligadas, historicamente, às ocorrências relacionadas com as baixas constantes no relatório do Cmdt Braima Bangura, documento que está na origem deste trabalho de investigação - (vidé P18551 e P18638).

Para finalizar esta introdução, recorda-se que é a partir da segunda metade do ano de 1970 que o PAIGC evolui para um novo modelo de organização militar, adaptando as suas estruturas a uma nova visão da sua luta armada. Partindo do conceito "bigrupo" e da união com mais unidades deste tipo, de infantaria e artilharia, são criados os "Corpos de Exército" identificados com o "n.º 199", ao qual lhe

foi adicionada uma letra do alfabeto latino (A, B, C, D) e o ano da sua criação.


2. MISSÕES, BAIXAS E UNIDADES ENVOLVIDAS (NOVAS)

Os episódios já referidos nas narrativas anteriores visaram contextualizar a questão de partida da investigação, tendo por base, no início, as missões levadas à prática por duas Companhias de Caçadores – a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 – em particular nas situações de combate com os elementos do PAIGC que actuavam no Sector de Farim, no caso particular o bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan. As primeiras ocorrências (emboscadas) tiveram por cenário o território situado no itinerário entre Farim e Jumbembem, o primeiro caso envolvendo a CCAÇ 2533 (14Dez1970) e o segundo caso a CCAÇ 14 (30Dez1970).



No mapa acima [Frente Norte], indicam-se os aquartelamentos das NT alvo dos vários ataques, umas vezes de infantaria, outras com recurso a artilharia pesada com "GRAD", e outros ainda à participação das duas armas, envolvendo a participação do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan, durante um ano: de Dez'70 a Dez'71. Na esmagadora maioria dos casos, os ataques iniciavam-se depois das 18h30.



Citação: (1971), "Comunicado - Cumbangor [Frente Norte]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40606 (2018-5-03) [prova do envolvimento do Cmdt Ansú Bodjan nos ataques aos aquartelamentos supra]

Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquyivo Amílcar Cabral (om a devida vénia...)

Quanto a baixas do lado do PAIGC, nos fragmentos anteriores já demos conta de nomes e respectivas datas em que tombaram alguns dos guerrilheiros. Para não nos alongarmos muito, apenas iremos fazer referência a mais dois casos.

1.º  caso:   Lamine Suana.

Este elemento do Corpo de Exército 199-B-70 tombou no dia 7 de Abril de 1971, 4.ª feira, na sequência dos ataques a Guidage e Bigene, ao tempo da CCAÇ 19 e CCAV 2721, respectivamente.

2.º caso: Ansú Bodjan, Cmdt do bigrupo do CE 199-B-70

O Cmdt do bigrupo do Corpo de Exército 199-B-70 tombou no dia 14 de Novembro de 1971, domingo, na sequência da «Operação Dura Espera», projectada pelo BART 3844 (1971/1973) sediado em Farim. Foi levada a efeito no "corredor de Sitató" durante três dias – de 14 a 16 de Novembro de 1971 – nela tendo participado forças das seguintes Unidades: CCAÇ 2753, CART 3358, CART 3359, CCAÇ 14, CCAÇ 2681, 27.ª CCmds, C Mil Cuntima, CART 2732 e CCAÇ 3476 [HU; CAP II, p3, da CCAÇ 3476].

3. ANSÚ BODJAN, CMDT DE BIGRUPO DO CORPO DE EXÉRCITO

Aproveitando o acesso e posterior consulta a mais uma lista [mapa] elaborada pelo organismo de Inspecção e Coordenação do Conselho de Guerra, esta relacionada com a composição do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan, elaborada em finais de 1970, avançámos para a realização de mais um estudo sociodemográfico, o primeiro a um bigrupo considerado de «grupo especial» ou de «elite» no contexto da estrutura militar do PAIGC. Trata-se de um colectivo criado a partir de guerrilheiros já experientes no contexto da guerra, com provas dadas e com um mínimo de quatro anos de combatente [igual a duas comissões das NT].

Quanto ao Cmdt Ansú Bodjan (1944-1971), este nasceu no Morés, região do Oio, em 1944. Era casado. Só durante o segundo ano do conflito armado é que "aderiu" à guerrilha. Tinha, então, vinte anos e a 2.ª classe, como habilitação escolar. Morreu aos vinte e sete anos no "corredor de Sitató".

No seu bigrupo, três em cada quatro elementos (n-23=76.7%) eram naturais da sua região (Oio), 10% (n-3) da região do Cacheu e 13.3% (n-4) de Tombali, a região mais a Sul, conforme dá-se conta no Quadro 1.



Quadro 1 – Distribuição de frequências dos locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan (n-30)

4. ESULTADOS DO ESTUDO

Partindo dos dados contidos na lista apresentada na "Parte II" (*), que consideramos como os casos da investigação ou a "amostra de conveniência", procura-se compreender melhor quem estava do outro lado do combate. Com este propósito, procedemos à organização de alguns desses dados referentes a cada um dos sujeitos constituintes do "bigrupo de Ansú Bodjan" sobre os quais se pretende retirar conclusões.

Para o efeito, esses dados foram agrupados quantitativamente e apresentados em quadros estatísticos de frequências (caracterização da amostra por idade: a de nascimento e a de "adesão" ao Partido) e de quadros de variáveis categóricas em relação aos restantes elementos (ano de "adesão" ao PAIGC, idade e anos de experiência cumulativas ao longo do conflito e estado civil).


Quadro 2 – distribuição de frequências em relação ao ano de nascimento dos elementos do bigrupo de Ansú Bodjan (n-29)

Da análise ao Quadro 2, verifica-se que os anos de nascimento com maior percentagem são dois; 1941 e 1943 (13.8%) com 4 casos, seguido de 1942, 1944, 1945 e 1946 (10.4%) com 3 casos. Em terceiro, com 2 casos (6.9%), 1935 e 1940.

Quando analisado por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-14) estão nos nascidos entre 1943 e 1947 (48.3%) (grupo central), entre 1935 e 1942 (n-12= 41.4%) (grupo dos mais velhos), e entre 1949 e 1951 (n-3=10.3%) (grupo dos mais novos).


Quadro 3 – distribuição de frequências em relação ao ano de "adesão" ao PAIGC dos elementos do bigrupo de Ansú Bodjan (n-29)

Da análise ao Quadro 3, verifica-se que o ano onde se registou maior "adesão" ao PAIGC foi 1963 com 17 casos (58.6%), seguido de 1964, com 7 casos (um dos quais Ansú Bodjan) (24.2%). Os anos de 1964 e 1965 registaram 2 casos cada (6.9%).

Quando analisados os anos antes e após o início do conflito, a percentagem está próxima da totalidade em relação à segunda premissa (n-28=96.6%), ou seja, existe um só caso onde a "adesão" aconteceu antes.


Quadro 4 – distribuição de frequências em relação à idade de "adesão" ao PAIGC dos elementos do bigrupo de Ansú Bodjan (n-29)

Da análise ao Quadro 4, verifica-se que a idade com maior percentagem de "adesão" ao Partido é 18 anos, com 5 casos (17.3%), seguida dos 20 e 21 anos, com 4 casos cada (13.8%). As idades de 14 e 19, com 3 casos, valem 10.4% cada.

Quando analisada a "adesão" ao Partido por períodos, verifica-se que o maior número de casos (n-16) estão entre as idades de 18 e 21 anos (55.2%), seguido pelos grupos de idade, entre os 22 e 28 anos (mais velhos), com 8 casos (27.6%). Os mais novos, entre 14 e 16 anos, representam 17.2% (n-5).

Analisada a "adesão" ao Partido entre os 18 e 23 anos, os valores apontam para uma maioria absoluta com 19 casos (65.6%), seguida por 5 casos (17.25) cada nas idades inferiores e superiores às anteriores.


Quadro 5 – distribuição de frequências em relação à idade verificada ao longo do conflito, contados após a "adesão" individual ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de Ansú Bodjan (n-29)

Da análise ao Quadro 5, verifica-se que aquando da constituição do Corpo de Exército 199-B-70, a idade mais alta era de 35 anos (n-2) e a mais baixa de 19 anos (n-1). O Cmdt Ansú Bodjan tinha 26 anos, vindo a falecer com 27 anos. À morte do seu líder os restantes elementos teriam a idade assinalada com sombreado azul.


Quadro 6 – distribuição de frequências em relação ao número de anos de experiência na guerrilha ao longo do conflito, contados após a "adesão" ao PAIGC, no caso dos elementos do bigrupo de Ansú Bodjan (n-29)

Da análise ao Quadro 6, verifica-se que aquando da constituição do Corpo de Exército 199-B-70, a maioria dos combatentes do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan (n-24=82.8%) tinham entre 6 e 7 anos de experiência, enquanto os mais novos de idade (n-4=13.8%) tinham já entre 4 e 5 anos de experiência.


Quadro 7 – distribuição de frequências em relação ao "estado civil" de cada bigrupo

Da análise ao Quadro 7, verifica-se que o número entre "casados" e "solteiros" do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan é favorável aos segundos com mais um caso. Do grupo dos "sorteiros" nascidos após 1946 (n-7=46.7%), mantiveram esse estado civil, pelo menos até final de 1971.

5. CONCLUSÕES


Chegado a este ponto, e partindo da análise aos resultados apurados e apresentados nos quadros acima, é possível concluir que a maioria dos elementos do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan:

(i) Eram originários da sua região (Oio);

(ii) Nasceram em 1941 e 1943;

(iii) A participação na luta armada iniciou-se em 1963;

(iv) Tinham 18 anos;

(v) Aquando da constituição do CE [, Corpo do Exército,] a idade mais alta era de 35 e a mais baixa de 19 anos;

(vi) Aquando da constituição do CE, o número de anos de experiência na guerrilha variava entre os 7 e os 4 anos;

(vii) Quanto ao estado civil, a diferença entre "casados" e "solteiros" era apenas de uma unidade favorável aos segundos.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
18MAI2018.
________________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de maio de 2018 >  Guiné 61/74 - P18638: (D)outro lado do combate (29): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - Parte II (Jorge Araújo)

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18640: (Ex)citações (337): A propósito das deserções nas fileiras do PAIGC, há um provérbio africano que diz "Todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo quer dizer, dentro dos seus "chãos" (Cherno Baldé, Bissau)

1. Comentário do nosso colaborador permanente, Cherno Baldé, especialista em questões etnolinguísticas da Guiné-Bissau (*)

Caro amigo Jorge Araújo,

Sobre as restantes localidades, cujas regiões não puderam ser identificadas, aqui deixo a minha contribuição para o efeito, baseada no cruzamento do nome dos combatentes e dos locais de nascimento com a sua identidade e chão de provável pertença étnica:

Nome / Localidade / Sector / Região

Bala Bodjam - Bessadjari -Morés/Mansaba - Óio
Bala Turé - Caur-ba -Quebo - Tombali
Mamadu Mané - Cauale/Can-Wal -Cacine - Tombali
N’tuntum N’codé - N’ghansonhe -Binar/Bissorã - Óio
Malam Cissé - N’gharu -Morés/Mansaba -Óio
Queba N’beghan - N’ghneghan -Bissora - Óio
N’dindin Turé - Nhanbra -Morés/Mansaba - Óio
N’yado Turé - Sansanghoté -Morés/Mansaba - Óio

Assim, feitas as devidas correcções, para o Óio,  teríamos (17+6) 74%; para Tombali (1+2) 10%; e o Cacheu mantem-se inalterável. Constatamos que,  mesmo com essas correcções, o balanço entre
as três regiões não se altera, mas Tombali aumenta um pouco e ultrapassa Cacheu.

E, em face dos dados assim obtidos,  e tendo em conta que a maior parte dos desertores, de acordo com as informações, eram originários de (ou dirigiram-se a) o sul, neste caso  a região de Tombali, a conclusão que talvez se pode tirar, na minha opiniao, é a de que havia maior probabilidade de que estas deserçoes tenham acontecido no Bigrupo de Cambano Mané onde a percentagem de combatentes originários desta região é superior a 26%, enquanto o Bigrupo de Ansu Bodjam era formado maioritariamente por naturais de Óio (74% com a correcçãoo que fiz do primeiro quadro de análise).

Em leituras que fiz em tempos das obras de Amílcar  Cabral e relacionadas com o flagelo das deserções (do norte para o sul), parece que existia no seio dos combatentes o sentimento de maior segurança quando lutavam nas suas regiões  de origem ("chãos") e, inversamente, alguma insegurança e fragilidade quando eram obrigados a combater noutras regiões e o caso mais paradigmático aconteceu com os Balantas do Sul (Tombali) que, tudo leva a pensar, não se sentiam muito à vontade nas outras frentes da luta. o que o partido tentava contrariar com medidas duras como era seu apanágio.

Não sei se chegou a haver fuzilamentos mas, pelo menos, falava-se em tomar medidas duras e, sabe-se hoje o que é que, na linguagem da guerrilha e do PAIGC em particular, isso podia dar.

Por outro lado e reportando-nos ao acontecimento aqui relatado com os elementos da companhia dos Manjacos no Óio (Mansabá?), parece que a situação não era muito diferente do lado dos elementos nativos do Exército português. 

Há um provérbio africano que diz que "todos os cães podem ser bravos, mas são mais bravos dentro das suas moranças", o mesmo que dizer, dentro dos seus "chãos"...

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

_____________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18638: (D)outro lado do combate (29): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - Parte II (Jorge Araújo)



Citação: (1965-1973), "Juramento de bandeira dos militares do Corpo do Exército 199 A-70 do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms _dc_44137 (2018-4-20) (com a devida vénia).



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974).


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > BALANÇO DOS COMBATES ENTRE AS NT E O PAIGC NO SECTOR DE FARIM >  DESERÇÕES E BAIXAS NO "CORPO DE EXÉRCITO" 199-B-70  > A MORTE DO CMDT DO BIGRUPO ANSÚ BODJAN (1944-1971) (Parte II)


1.  INTRODUÇÃO

Neste segundo fragmento, de um conjunto de três (*), continuamos a percorrer alguns dos trilhos que ficaram na história do conflito armado no CTIG [1963/1974], tendo por protagonistas elementos dos dois lados do combate, dos individuais aos colectivos.

Como já referido anteriormente, as narrativas que tenho vindo a partilhar no blogue são corolário de um interesse pessoal na pesquisa histórica sobre um período da minha vida (das nossas vidas) e que, naturalmente, nos marcou a todos… mais ou menos, e do qual temos, ainda, muitas "memórias".

No caso presente, a temática mantém-se a mesma da primeira parte – P18551 – onde foram adicionadas outras informações avulso obtidas de cada um dos lados do combate, que insistimos em coleccionar, no sentido de ampliar e/ou reconstituir essa história com mais dados.

O "balanço dos combates entre as NT e o PAIGC" continua, pois, a ser o tema central deste fragmento, com destaque para as ocorrências negativas contabilizadas pelo Corpo de Exército 199-B-70 – deserções e baixas – registadas no relatório elaborado pelo seu principal responsável, o Cmdt Braima Bangura, respeitante ao período de um ano (dez'70-dez'71), o primeiro desde a sua criação.

De referir que é neste ano de 1970 que o PAIGC evolui para um novo modelo de organização militar, adaptando as suas estruturas a uma nova visão da sua luta armada. Partindo do conceito "bigrupo" e da união com mais unidades deste tipo, de infantaria e artilharia, são criados os "Corpos de Exército" identificados com o "n.º 199", ao qual lhe foi adicionada uma letra do alfabeto latino (A, B, C, D) e o ano da sua criação, conforme se indica no ponto seguinte, e se observa na foto abaixo tirada aquando do juramento de bandeira do Corpo de Exército 199-A-70.


2. CONTEXTOS E UNIDADES ENVOLVIDAS

Recorda-se que os episódios referidos na narrativa anterior foram utilizados para contextualizar a questão de partida da investigação, tendo por base as actividades operacionais desenvolvidas pela Companhia de Caçadores 2533 [CCAÇ 2533] e pela Companhia de Caçadores 14 [CCAÇ 14], em particular nas situações de combate com os elementos do PAIGC que actuavam no Sector de Farim, nomeadamente o bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan, um dos quatro bigrupos de infantaria do Corpo de Exército 199-B-70, este liderado pelos Cmdt's Braima Bangura, Joaquim N'Top e Benjamim Mendes.


No mapa acima [Frente Norte], a seta a vermelho indica o território onde ocorreram os dois combates entre as NT e o PAIGC, localizados no itinerário entre Farim e Jumbembem, o primeiro envolvendo a CCAÇ 2533 (14Dez1970) e o segundo a CCAÇ 14 (30Dez1970).

Os três restantes bigrupos eram dirigidos pelo Cmdt Cambanó Mané, nascido em 1940 em Ioncoiá; pelo Cmdt N'Benfaé N'Tudo, nascido em 1939 em Patché, e pelo Cmdt Sambú Mandján, nascido em 1940 em Sulcó. Para além da infantaria, este Corpo de Exército dispunha, ainda, de uma bataria de artilharia, com morteiros e canhões sem recuo, o primeiro do Cmdt Quintino N'Dafá, nascido em 1935 em João Landim, e o segundo do Cmdt Armando Bodjan, nascido em 1943 em Mansoa.

Para além de outras ocorrências registadas neste sector, os diversos "Corpos de Exército", criados em 1970 por Amílcar Cabral (1924-1973), estiveram envolvidos, dois anos depois, na estratégia de isolamento de Guidaje iniciada em Abril de 1973, culminado com a "Batalha de Kumbamory", que ficará gravada para sempre na História da Guiné como «Operação Ametista Real», realizada em 19 de Maio de 1973, onde as NT contabilizaram uma das maiores capturas e destruições de material da Guerra de África.


"Croqui do plano de operações da Op Ametista Real, planeada e executada sob o comando do Ten Cor Almeida Bruno, para pôr fim ao cerco de Guidaje. Foi uma das mais curtas, sangrentas e brutais batalhas travadas durante a guerra da Guiné. Acabou por aliviar a pressão sobre Guidaje. Tratou-se de uma operação em solo senegalês, tendo como objectivo a destruição da base de Kumbamory, o que foi conseguido na manhã de 20 de Maio de 1973 [faz 45 anos]. O número de baixas foi elevado para ambos os lados: 67 mortos, do lado do PAIGC (que sofreu, além disso, a destruição de 22 depósitos de material de guerra), 25 mortos, do lado das NT (incluindo 2 alferes), e 25 feridos graves (incluindo 3 oficiais e 7 sargentos)". 

In P2786 (com a devida vénia). [Mais detalhes sobre a Op Ametista Real em: P1316, P9898 e P9939].

No contexto desta narrativa, dá-se conta da constituição das forças do PIAGC envolvidas nessa operação:

Corpo de Exército 199-B-70, com quatro bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; Corpo de Exército 199-C-70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia, grupo de foguetes da Frente Norte [GRAD], com quatro rampas; Corpo de Exército 199-A-70, com três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bataria de artilharia, deslocados de Sare Lali, na zona Leste; um pelotão de morteiros 120 mm e um grupo especial de sapadores.

Indicam-se, de seguida, os principais operacionais responsáveis pela estrutura político-militar acima referida:


Citação: (1970), "Acção Política FARP - Honório Fonseca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40452 (2018-4-20), (com a devida vénia).

A propósito da formação dos "Corpos de Exército", enquanto novo modelo de organização da guerrilha do PAIGC, em 13 de Janeiro de 1971 Amílcar Cabral (1924-1973) envia uma carta a Osvaldo Vieira (1938-1974), na qualidade de Cmdt da Frente Norte, dando conta da sua satisfação por essa decisão, nos seguintes termos:

Caro camarada [Osvaldo Vieira],

Acuso a recepção da tua carta-relatório e dos mapas relativos aos CE [Corpos de Exército] e à distribuição de tecidos aos combatentes.

1. - Corpos de Exército - foi uma boa coisa termos formado os CE como previsto. O atraso é normal dadas as dificuldades que nós todos conhecemos, mas eu penso que a reorganização foi feita a tempo. Tanto mais que o camarada "Nino" esteve doente e tiveste tu que te dedicares a mais esse trabalho.

O que é preciso agora é fazer tudo para tirar o máximo rendimento dos CE, da sua grande força. Dar mais duro nos grandes centros e quartéis dos tugas e liquidar os campos mais fracos e isolados. O ataque a Empada foi bom, e eu penso que pudemos fazer mais: pôr os tugas fora e destruir todas as instalações. Claro que devemos evitar, como sempre, grandes perdas.

Escrevi ao "Nino" uma longa carta sobre a nossa acção e no próximo correio te enviarei uma cópia. Os CE devem agir duro e ter grande mobilidade, muita iniciativa e não parar muito numa área. […]


Citação: (1971), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_34521 (2018-4-20), (com a devida vénia).


3. AS DESERÇÕES NO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70

O fenómeno das deserções em contexto de guerra é considerado normal, ainda que pontual e de percentagem reduzida. O caso da Guerra Colonial não foi, com efeito, excepção. Por isso não é de estranhar a existência de exemplos em cada um dos lados do combate.

Na situação presente, chamou-me a atenção o facto do relatório elaborado pelo Cmdt Braima Bangura, divulgado no primeiro fragmento desta narrativa, fazer referência à deserção de cinco elementos deste Corpo de Exército, mas omitindo os seus nomes.


Citação: (1971), "Relatório da acção do CE [Corpo de Exército] 199-B70, desde a sua formação, em Dezembro de 1970, até ao final do ano de 1971.", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40099 (2018-4-20), com a devida vénia.

Idêntica referência tinha já sido objecto de denúncia no relatório elaborado por Osvaldo Vieira, a propósito da sua "missão de inspecção à actividade das Forças Armadas no Norte".


Citação: (1971), "Relatório de missão de inspecção à actividade das Forças Armadas no Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_ 40059 (2018-4-20) (com a devida vénia).

Entretanto, uma outra situação de "deserção" ocorrera com o grupo "GRAD", do Cmdt Manuel dos Santos "Manecas", fazendo fé no conteúdo da carta enviada por Aristides Pereira (1923-2011) a "Nino" Vieira (1939-2009), em 19.12.1970, solicitando a "lista dos camaradas que estavam com o camarada Manecas e fugiram para o sul".


Citação: (1966-1974), "Relatório remetido por Nino Vieira a Amílcar Cabral expondo a situação na fronteira com a República da Guiné, designadamente os ataques entre Kebo e Guileje", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms _dc_40775 (2018-4-20), p.55, (com a devida vénia).


4. O BIGRUPO DO CMDT ANSÚ BODJAN (1944-1971)

Em busca de uma eventual identificação dos "desertores", a hipótese formulada partiu da variável "local de nascimento" (naturalidade), uma vez que em todos os documentos se refere que as "fugas" seguiram direcções concretas, ou para o Norte ou para o Sul.

Nesse sentido, seleccionámos duas amostras (bigrupos): a do Cmdt Ansú Bodjan, por ser aquele que serviu de base à elaboração desta narrativa, cuja lista se apresenta abaixo; e a do Cmdt Cambanó Mané, outro bigrupo do Corpo de Exército 199-B-70, para efeito de comparação estatística e complemento sociodemográfico.


Quadro 1 – Distribuição de frequências dos locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo do Cmdt Ansú Bodjan (n-30)


Da análise ao quadro 1, verifica-se que em 30% dos casos (n-9) não foi possível identificar o sector da naturalidade dos indivíduos, situação impeditiva de tirar conclusões. Ainda assim, podemos referir que 56.7% (n-17) nasceram na região do Oio, situada mais a Norte; com 10% (n-3) na região do Cacheu e 3.3% na região de Tombali, um caso, sendo este o mais a Sul.

Quadro 2 – Distribuição de frequências dos locais de nascimento, por sectores e regiões da Guiné, dos elementos do bigrupo do Cmdt Cambanó Mané (n-27)


Da análise ao quadro 2, verifica-se a mesma situação do observado no quadro anterior, em que 25.9% dos casos (n-7) não foi possível identificar o sector da naturalidade dos indivíduos. Ainda assim, os resultados são diferentes do quadro 1, em que 25.9% dos sujeitos (n-7) têm origem na região de Tombali, situada mais a Sul do território. A região do Oio, com 22.3% (n-6) surge em segundo lugar como origem de naturalidade. As regiões de Bissau (n-1), Bafatá (n-2), Bolama (n-1), Cacheu (n-2) e Quinara (n-1), não têm expressão estatística.

Perante estes resultados, não nos é possível tirar grandes conclusões.

5. AS BAIXAS NO CORPO DE EXÉRCITO 199-B-70 (1970/71)

Segundo o relatório elaborado em 24 de Dezembro de 1971 pelo Cmdt Braima Bangura, um dos responsáveis militares do Corpo de Exército 199-B-70, e membro do Conselho Superior de Luta e do Comité Executivo da Luta, o número de baixas desde a sua fundação (um ano completo) foi de treze.

A principal baixa vai para o seu adjunto do CE, Cmdt Benjamim Mendes, ocorrida em 11 de Agosto de 1971, o mesmo acontecendo a José N. Cus, Chefe de Grupo. Dois dias depois, mais duas baixas, as de Conko Seidy e Sana Sano. O Cmdt do bigrupo, Ansú Bodjan (1944-1971), morreu em 14 de Novembro de 1971, o último nome da lista abaixo.


As restantes baixas constam dos quadros apresentados na primeira parte.

Continua…

À vossa consideração.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
02MAI2018.
_________________

Nota do editor:

Último poste da série >  23 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18551: (D)outro lado do combate (28): Balanço dos combates entre a CCAÇ 2533 e a CCAÇ 14 e o PAIGC (Corpo do Exército 199-B-70) no setor de Farim - Parte I (Jorge Araújo)