Mostrar mensagens com a etiqueta Aliu Barri. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Aliu Barri. Mostrar todas as mensagens

sábado, 25 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7501: Notas de leitura (180): Poemas, de Vasco Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Dezembro de 2010:

Malta,

A Guiné-Bissau possui um conjunto de poetas que merecem a nossa atenção. É o caso de Amílcar Cabral, Vasco Cabral, Hélder Proença, Agnelo Regalla, José Carlos Schwarz (**), entre outros.

Existe, aliás, uma antologia “Antologia Poética da Guiné-Bissau” (Editorial Inquérito, 1990) que a seu tempo se fará referência e que tem um convidativo prefácio do escritor Manuel Ferreira.
Hoje faz-se exclusivamente menção ao trabalho poético de Vasco Cabral, um poeta declaradamente marcado pela cultura portuguesa.

Um abraço do
Mário


A luta é a minha primavera

Beja Santos

Vasco Cabral (Farim/1926, Bissau/2005) fez a sua formação profissional e ideológica em Portugal. Em 1944, aderiu às organizações africanas que em Portugal militavam em prol da afirmação do homem africano, nos balbucios dos movimentos de libertação; em 1948, passou a trabalhar em estreita colaboração com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Mário de Andrade; conhece os cárceres entre 1951 e 1959; a partir de 1962, passou a ocupar cargos importantes no PAIGC (foi membro do Comité Central, do Secretariado-Geral e do Conselho Superior de Luta e entre 1981 e 1993 foi secretário permanente do Partido) tendo ocupado várias vezes cargos ministeriais.

Em 1981, publicou em Portugal a sua obra poética com o título “A Luta é a minha Primavera”. Foi presidente da UNAE – União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. A edição que aqui se refere é de 1999, edição trilingue (português, francês e romeno) da responsabilidade da União Latina (organização que congrega os povos de língua românica e que se destina à promoção da ideia de uma comunidade cultural latina). As ilustrações são de Sá Nogueira, indiscutivelmente um dos maiores artistas plásticos portugueses do último quartel do século XX.

Vasco Cabral foi um poeta que cultivou, na linha da sua formação cultural, o militantismo neo-realista, mesmo numa linha de liberdade estrófica e melódica. À semelhança de um Carlos Oliveira, de um Manuel da Fonseca ou de um José Gomes Ferreira, vemo-lo a poetar sobre as crianças abandonadas, os pedintes, os artistas de circo, os temas da saudade e da fraternidade são recorrentes, bem como as trovas afectivas. O seu leque de preocupações líricas abarca as histórias de encantar, as recordações de infância, os encontros de namorados, a determinação do combatente, a luta pela melhoria das condições dos oprimidos, a resistência na prisão, o hino à esperança e, com uma importância determinante, a exaltação pela independência e a determinação contra o colonialismo. Vejamos alguns desses poemas:

A luta é a minha primavera

a luta
é a minha
primavera

sinfonia de vida
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes

o cantar das pedras
e das rochas
o suor das estrelas!

a linha harmoniosa dum cisne!


O último adeus de um combatente

Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangraram de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade.
Sim! Foi por isso que eu parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!


A Luta

A luta é a minha Primavera
Sinfonia de vida:
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes
o cantar das pedras e das rochas
o suor das estrelas!
a linha harmoniosa de um cisne!


O passado e o presente

Qua foi o teu destino, meu povo!
Ó terra dolorosa da miséria!
Senti na minha carne a tua carne retalhada.
Correu da minha boca o teu sangue derramado. Vivi a tua morte.
lenta e trágica e os teus heróis de gritos silenciosos
perdidos nos passos do medo.
Sofri nas entranhas os punhais da traição
e o chicote
e o imposto
e a palmatoada.

Mas eu sabia que isso ia acabar
eu sabia que um destino novo é o que a vontade quer
e cavalguei o meu sonho na espada de esperança
e como D. Quixote bati-me com moinhos e loucuras.
Mas não foi em vão.
Hoje, qual é o teu destino, meu povo?
Das raízes das dores nasceu a madrugada
e a chuva da certeza já floriu o capim novo.
Agora, meu povo, o teu destino é este:
criar Humanidade!


PS - Este livro passa a pertencer à biblioteca do blogue, tal como os outros aqui recenseados, estando disponíveis para consulta e leitura no gabinete de trabalho do nosso editor Luís Graça, em Lisboa, à falta da futura sede da nossa Tabanca Grande... Contacto: + 315 21 721 21 93.
__________

Notas do Editor

(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7479: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (5): Dia 23 de Novembro de 2010

Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2010 Guiné 63/74 - P7470: Notas de leitura (179): A Luta Pelo Poder na Guiné-Bissau, de Álvaro Nóbrega (Mário Beja Santos)

(**) José Carlos Schwarz (1949-1977), além de poeta, grande músico, compositor e intérprete, não tem qualquer relação de parentesco, apesar do seu apelido,  como o nosso Carlos Schwarz, mais conhecido por Pepito. Morto em acidente de automóvel, em Cuba, aos 27 anos, é hoje um mito da história da cultura guineense.

Podem ouvir-se aqui algumas das músicas deste artista maior da Guiné musical,  na interpretaçao do grupo Cobiana DJazz, que de ele foi um dos fundadores, juntamente com outro grande artista, ainda vivo Aliu Barri, hoje agricultor em Buba. (Obrigatório ler esta entrevista, de 2007, com Aliu Barri, para de se perceber o doloroso parto da verdadeira e autêntica música da Guiné-Bissau, e das enormes dificuldades de se ser música naquela terra).

Ver também um poste sobre as origens (alemães) do "jovem rebelde" Zé Carlos Schwarz e o nascimento de um dos  primeiros grandes de música crioula, na Guiné-Bissua, o Cobiana Djazz.: Lamparam III > 11 de  Dezembro de 2006 > José Carlos Schwarz, elementos escolhidos (da autoria presumível de Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote", com uma nota notável do editor, o nosso amigo Leopoldo Amado).