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domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24245: In Memoriam (476): João B. Serra (1949 - 2023), historiador, professor, programador cultural, biógrafo do escritor e militar Manuel Ferreira(1917-1992) (que esteve com os pais de alguns de nós, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial)



João B. Serra > s/l > s/d >  "Almoço dos primos"... Era primo do nosso camarada Manuel Resende pelo lado da esposa deste, a nossa amiga Isaura Serra Resende... Os primos Serra reuniam-se anualmente. O João B. Serra, nascido nas Caldas da Rainha em 22 de abril de 1949,  morreu no passado dia 19, de cancro, doença que lhe fora diagnosticada há 10 anos.



Caldas da Rainha > 9 de maio de 2019 > Última aula do Professor João B. Serra, aqui na foto com Jorge Sampaio (1939-2012).



Lisboa > Centro Cultural de Belém (CCB) > 16 de dezembro de 2017 > O João B. Serra discursando no encerramento das comemorações do centenário de Manuel Ferreira.


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2023). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Faleceu passado dia 19, aos 73 anos, o historiador, programador cultural e professor do ensino superior João Bonifácio Serra, natural das Caldas da Rainha. Tem no nosso blogue cerca de uma dezena de referências.

O funeral realizou-se no sábado, dia 22, no Centro Funerário de Cascais, em Alcabideche, onde o corpo foi cremado. justamente no dia em que completaria 74 anos. (*)

A notícia foi-nos dada, logo na quarta feira,  pelo João Rodrigues Lobo , membro da nossa Tabanca Grande, também ele, como o falecido, antigo aluno do ERO (Externato Ramalho Ortigão), das Caldas da Rainha. Sendo uma figura pública, de projeção não apenas regional como também nacional, a notícia do seu falecimento teve ampla cobertura pela comunicação social, nomeadamente na imprensa de referência como o Expresso e o Público. Foi também notícia no jornal Região de Leiria e Gazeta das Caldas, e ainda na imprensa de Guimarães.

Era professor coordenador jubilado do Politécnico de Leiria, Foi também investigador e docente no ISCTE e na Universidade NOVA de Lisboa. Para além do percu
rso académico,  foi programador e presidente da Fundação Cidade de Guimarães, responsável pelo projecto Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Foi igualmente presidente do Conselho Estratégico Rede Cultura 2027, entidade responsável pela candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027.

Mas já antes, de 1996 e 2006, trabalharia com o Presidente da República Jorge Sampaio,desde o primeiro até ao último dia nos seus dois mandatos, na qualidade de consultor, assessor e depois chefe da Casa Civil.

Licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, iniciaria a atividade profissional como professor do ensino secundário em 1970. Ajudou a criar a Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha, tendo sido ainda titular, nessa Escola, da cátedra Unesco em Gestão das Artes da Cultura, Cidades e Criatividade.

Autor de diversos estudos sobre temas de história política e social portuguesa dos séculos XIX e XX, e  designadamente sobre a História da República e o republicanismo, integrou ainda a equipa de investigadores encarregada de elaborar uma História do Parlamento Português. Teve um especial carinho pela sua terra natal, Caldas da Rainha. 

Tinha página no Facebook. Era primo do Manuel Resende, pelo da esposa deste. AS fotos que publoicamos são deste nosso amigo e camarada, régulo da ;Magnífica Tabanca da Linha.



2. A sua ligação com o nosso blogue remonta a 3 de abril de 2017, quando nos escreveu o seguinte mail:

Professor Luís Graça,

Através do seu blogue, onde tem publicado informação muito relevante e inédita sobre campanhas africanas efectuadas pelas forças armadas portuguesas, colhi indicações úteis para um trabalho de investigação que estou a realizar.Trata-se de uma biografia do escritor capitão Manuel Ferreira, nascido em 1917, com o propósito de participar nas comemorações do seu centenário que passa em Julho próximo.

O meu pedido de ajuda respeita a imagens que tem publicado no seu blogue sobre a presença militar em Cabo Verde dos expedicionários de 1941. Essas imagens abarcam a cidade do Mindelo, as instalações militares em São Vicente e Sal, dispositivos e operações militares.

Gostaria de poder utilizar algumas delas na exposição que estou a organizar e no respectivo catálogo. Para tal pretendia aceder aos originais, de modo a tentar obter a melhor qualidade de reprodução possível. Se me autorizar, farei a digitalização dos positivos ou negativos que me puder disponibilizar, devolvendo de imediato os originais.

Poderá ajudar-me neste meu projecto?
Fico-lhe muito grato.

João Serra
Prof. Coordenador do Insitituto Politécnico de Leiria



Caldas da Rainha > Museu José Malhoa > 22 de julho de 2017 > Exposição temporária "Manuel Ferreira: capitão de longo curso" > Imagem do RI 5,  cuja secretaria Manuel Ferreira (1917-1992) chefiou, entre 1954 e 1958, e por onde muitos de nós passámos, antes de ir parar à Guiné, durante a guerra colonial (1961/74)...Escritor e investigador, e mais tarde capitão SGE Manuel Ferreira (Leiria, 1917 - Oeiras, 1983) passou por aqui, já depois de ter estado no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (e 1941-1946), e na Índia Portuguesa (1948-1954).

Foi neste quartel, em 1957, quando chefiava a secretaria regimental, e nesta cidade onde viveu 4 anos, que ele escreveu o seu livro de contos, "Morabeza" (publicado no ano seguinte, em 1958).  Será depois  ser transferido para Lisboa. Em 1962, sai o seu primeiro romance de temática cabo-verdiana, o "Hora di Bai". E em 1965 é mobilizado para Angola. como tenente SGE, tendo feito parte até então da direção da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores.




T/T Vera Cruz > A caminho de Angola > Em primeiro plano, o ten SGE Manuel Ferreira (Gândra dos Olivais, Leiria, 1917- Oeiras, 1992) a bordo do paquete Vera Cruz em agosto de 1965 a caminho de Luanda. Cortesia de João B. Serra.

Foto (e legenda): © João B. Serra (2017). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. À volta da figura do escritor Manuel Ferreira (1917-1992) e dos militares expedicionários em Cabo Verde, e nomeadamente no Mindelo, Ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial, trocámos umas dezenas de emails.  Uns meses depois ele agradeceu, publicamente, no seu blogue a colaboração
que lhe prestámos (nomeadamente, cedência de fotografias mas também contactos, na Gândara dos Olivais, Leiria, terra natal do militar  e escritor).(**)

18 de Dezembro de 2017 ·

(...) Um ano depois. Chegou anteontem ao fim, no CCB, o programa de comemoração do centenário de Manuel Ferreira. Tudo começou há um ano, quando, ocasionalmente, me encontrei com a primeira edição de uma uma obra sua, que desconhecia. (...)

Foi uma sessão de homenagem digna a que anteontem se efectivou. Amigos, antigos alunos, admiradores e familiares encheram a sala "Almada Negreiros" para lembrar as múltiplas dimensões daquele que perfaria este ano o seu centenário. Ouvimos os testemunhos de historiadores, escritores, professores de hoje sobre o percurso de vida e a obra imensa, generosa e pioneira de um militar que José Saramago equiparou a um Pêro Vaz de Caminha. Alguém que se aplicou em dar a conhecer a descoberta de novos países - através das suas criações literárias -, num processo em que ele próprio se descobriu como outro.

Não me cruzei no passado com Manuel Ferreira. A biografia que dele fui traçando ao longo deste ano não teve outro antecedente que o da curiosidade em preencher lacunas sobre a produção do livro com o qual me deparei em Dezembro de 2016. O empenho colocado nesta investigação não resultou de nenhum apelo ou solicitação externa. Repito: não me foi pedido nem encomendado.
 
O livro foi “A Casa dos Motas”, publicado em 1956. Esta edição, a primeira, de autor, foi impressa no Bombarral e tem ilustrações de Ferreira da Silva, um ceramista cuja obra tenho estudado e sobre o qual estava a preparar um ensaio (aliás, inserido num volume coordenado por Isabel Xavier, que viria a ser editado em princípios de 2017). A relação entre Ferreira da Silva e Manuel Ferreira, intrigante para mim, constituiu o ponto de partida da investigação.

Falei com pessoas que o tinham conhecido e coloquei a possibilidade de Manuel Ferreira ter sido professor na Escola Comercial e Industrial das Caldas da Rainha. Nenhuma destas diligências foi frutuosa. Manuel Ferreira militar? Essa passou a ser a melhor hipótese. Tentei o Arquivo Histórico Militar. Existia um processo, sim, mas estava ainda no Arquivo Geral do Exército, e para o consultar eu teria de me munir de uma autorização de um herdeiro legalmente habilitado. Fui à procura de um descendente, o Eng. Hernâni Ferreira, e foi assim, e aí, que tudo principiou.

Os elementos que a consulta do Arquivo Geral do Exército me facultou eram fascinantes. Excediam tudo o que entretanto tinha apurado sobre a trajectória de Manuel Ferreira, constante quer das notas biográficas divulgadas nas suas publicações, quer das memórias que o próprio filho e amigos retiveram. Pareceu-me justificado que a celebração do centenário de Manuel Ferreira, em Julho de 2017, pudesse ir além de uma cerimónia protocolar e constituísse uma oportunidade para conhecer a sua biografia. Propus a diversas instituições nacionais que o assumissem e elaborei, com vista a fundamentar essa proposta, um texto com informação relevante inédita sobre Manuel Ferreira, que fiz chegar aos seus responsáveis. (...)

O que me motiva hoje é referir e agradecer a todos aqueles que se entusiasmaram com o projecto de aprofundar o conhecimento sobre Manuel Ferreira e a sua acção, que acompanharam o desenvolvimento da pesquisa, que colaboraram no esclarecimento de alguns dos respectivos passos, que acolheram ou participaram na sua divulgação, que, enfim, manifestaram solidariedade com os meus propósitos e corresponderam com empenho ao que lhes foi solicitado.

Agradeço em primeiro lugar às direcções do Instituto Politécnico de Leiria e da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha a liberdade de, em sobreposição aos meus deveres profissionais de professor e investigador, desenvolver este projecto de cariz cívico. Senti a presença reconfortante de Rui Pedrosa e de João Santos.

 (...) Agradeço (...) a Adriano Miranda Lima que me dispensou elementos da sua própria investigação.  (...)

 Agradeço a Luis Graça (...), Augusto Silva Santos e Helder Sousa que me proporcionaram elementos dos seus arquivos pessoais. (...)

Num mail de 26 de junho de 2017, 12:35, escreveu-me:

(...) Fui ontem a Gândara dos Olivais. Tive uma cicerone excelente, no trato e no conhecimento, a tua prima Glória Gordalina. O encontro e a conversa com a Dra. Piedade, sobrinha de Manuel Ferreira, foi muito proveitoso. Esclareci melhor ambientes, referências e circunstâncias familiares e fundamentei algumas pistas pelo que ouvi e pelos silêncios que também escutei. Obrigado, Luis. (...)

As fotos do João B. Serra que publicamos acima,  são da autoria do Manuel Resende, nosso camarada e amigo, primo do falecido, pelo lado da esposa do Manuel, a nossa querida amiga Isaura Serra Resende.

Guardo dele a imagem de um homem de trato agradável e afável. E enquanto meu vizinho da Estremadura, sinto que é uma perda difícil de reparar na área da educação, da cultura, e da preservação da nossa memória coletiva. 

 família e aos amigos mais próximos do falecido, bem como ao Instituto Politécnico de Leiria, apresentamos as condolências da Tabanca Grande.

______________

Notas do editor:

(`) Último poste da série > 10 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24216: In Memoriam (475): Coronel de Infantaria Reformado, Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro (1926-2023), ex-Major Inf, 2.º Comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23549: Meu pai, meu velho, meu camarada (67): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte VI

Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > Agosto de 1941 > "Dias depois da nossa chegada. O regresso do banho da linda praia da Matiota". [Luís Henrique está assinalado na foto, é o primeiro do lado esquerdo, da 3ª fila]. Foto: arquivo da família.


Verde > S. Vicente > Mindelo > Praia da Matiota > Maio de 1943 > "Matiota e a sua baía que é a melhor de S. Vicente, aonde se passa um bocado divertido". 

O meu pai falava muito deste local. Tendo nascido à beira-mar, e gostando de nadar, muito provavelmete passou aqui muitas das suas horas de lazer.  As forças do RI 5 (Caldas da Rainha), entretnato integradas no RI 23, estavam aquarteladas no Lazatero, no sopé do Monte Cara,a oeste do Mindelo. Na altura não havia aeroporto (hoje em São Pedro). Nem a Baía das Gatas (na ponta leste da ilha) era uma praia turística...

Foto: arquivo da família.


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Outubro de 1941 > "O belo porto de mar de São Vicente; ao centro o ilhéu que se confunde com um barco [o ilhéu dos Pássaros]". Foto: arquivo da família.


Cabo Verde > S. Vicente > 1943 > Postal da época,  foto Melo. Coladeira do S. João"  [ou cola san djon] >  Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível): "Dançando o batuque (sic) na Ribeira de São João, no dia de São João , no interior (?) de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943". 

A festa de São João Baptista  continua a ser uma das festividades maiores das ilhas do Barlavento  e da comunidade cabo-verdiana da diáspora, por exemplo, no bairro da Cova da Moura, Amadora; ainda hoje, "em São Vicente a festa decorre na Ribeira de Julião, localidade que dista poucos quilómetros da cidade do Mindelo. Mesquitela Lima descreve-a como uma espécie de romaria onde há de tudo um pouco: missa, comeres, beberes e dança, acompanhada de tambores e de apitos. A dança é a umbicada. A anteceder o dia de São João Baptista, coincidindo com a festa pagã do solstício de Junho, há o tradicional saltar da fogueira (lumenaras)" . Foto: arquivo da família.


Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo (ou Ribeira de Julião?) > c. 1943 > "Jantar em San Vicente. Nos tera. Nativos em festa. Recordação da minha estada em C. Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques". Presumimos que se trata de uma Foto Melo. Foto: arquivo da família.


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Maio de 1943 > "A cidade do Mindelo e ao fundo o Monte Verde. Vê-se parte da baía da Galé". 

A cidade na altura deveria ter 15 mil habitantes. O nº de militares aquartelados na ilha era de 3421: 3015 militares metropolitanos (oficiais: 145; sargentos: 233; praças: 2637) e 406 praças de recrutamento local,  o que dava um rácio de 228:1000 (228 militares por mil habitantes, ou mais do que um militar para cada cinco habitantes).  Os metropolitanos eram conhecidos, em São Vicente, como "mondrongos", termo depreciativo. Na fase da instalação da tropa houve inevitavelmente alguma perturbação e incidentes, mas em geral : "Entre os incómodos e transtornos, por um lado, e os benefícios e vantagens, por outro, o saldo da presença dos militares nas ilhas foi dum modo geral consideradi positivo. E a sua maior evidência é  o sentimento de nostalgia e saudade que a tropa metropolitana deixou nas populações cabo-verdianas" (Adriano Miranda Lima - Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial. Mindelo, São Vicente, 2020, ed. de autor, pág. 95).

Foto: arquivo da família,


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > “Em 18/5/1943. No dia em que fui para o Depósito de Convalescentes. Os comandantes das esquadras de metralhadoras ligeiras do 2º Pelotão, 3ª secção: [da esquerda para a direita: ] A. C. Pratas, J. C. Filipe e Luís Henriques. Junto à porta da nossa caserna, no Lazareto”. 

Curiosamente, o meu pai (e os seus camaradas) aparece na foto, de cigarro na boca. Julgo que devia ser para a fotografia. Nunca vi o meu pai fumar. Foto: arquivo da família.


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Cemitério de Mindelo > 1943 > Foto do álbum de Luís Henriques (1920-2012), com a seguinte legenda: "Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea  [do Monte Sossego]  depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura [Horta, conterrâneo, da Lourinhã,] no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (médica)."

Segundo o autor e a obra acima citados (Adriano Miranda Lima - Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial. Mindelo, São Vicente, 2020, ed. de autor), morreram em São Vicente, entre 1941 e 1946, 40 militares das forças expedicionários (pág. 172) e 28 na ilha do Sal (pág, 173).

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


6. Continuação da "história de vida" de Luís Henriques, ex-1º cabo at inf,  3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5, unidade mais tarde integrada no RI 23 (São Vicente, Cabo Verde), 1941/43) (*).

Esteve no Mindelo entre julho de 1941 e setembro de 1943. Era natural da Lourinhã. Faria 102 anos, se fosse vivo, no dia 19 de agosto de 2022. 

A pandemia de Covid-19 impediu, há dois anos atrás, a realização de uma pequena sessão, pública, da homenagem que a família e alguns amigos lourinhanses queriam prestar-lhe por ocasião do seu centenário. 

 O seu filho mais velho, o nosso editor Luís Graça, reuniu entretanto, numa pequena brochura de 100 páginas, o essencial da informação documental sobre a sua vida (*).

Publicam-se hoje mais umas tantas fotos, legendadas, desse período de 26 meses em que  esteve no Mindelo. 

(Continua)
___________


(...) Antes de partir para Cabo Verde, o jovem Luís Henriques foi ao Nadrupe reiterar a sua vontade de continuar a namorar a filha do senhor Manuel Barbosa, pequeno agricultor com terras próprias (e outras de renda), e sete bocas para alimentar (a esposa e seis filhos, 3 rapazes e 3 raparigas)…

O futuro sogro terá sugerido que rompesse o namoro, porque não se sabia o que podia acontecer, “podia morrer ou arranjar outra” (sic)… Mas o meu futuro pai manteve-se fiel à promessa de continuar a namorar a Maria da Graça (que também assinava Maria da Graça Barbosa, mas no seu BI era apenas a Maria da Graça, nascida em 6 de agosto de 1922, no dia da festa local, o da N. Sra. da Graça). (...)

(...) À semelhança dos Açores (cuja guarnição militar foi reforçada com 30 mil homens, bem como da Madeira, com mil homens), para a defesa de Cabo Verde, e sobretudo das duas ilhas com maior importância geoestratégica, a ilha de São Vicente e a ilha do Sal, foram mobilizados 6358 militares, entre 1941 e 1944, assim distribuídos por 3 ilhas (i) 3361 (São Vicente): (ii) 753 (Santo Antão); e (iii) 2244 (Sal).

Mais de 2/3 dos efetivos estavam afetos à defesa do Mindelo (, ou seja, do porto atlântico, Porto Grande, ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos). 

Os portugueses, hoje, desconhecem ou conhecem mal o enorme esforço militar que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultramarinos. Cerca de 180 mil homens foram mobilizados nessa época. (...)

(...) Tinha memórias muito fortes (incluindo registos fotográficos, de que se selecionam aqui alguns) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943). Mas voltemos à partida, em 18 de julho de 1941, do paquete "Mouzinho de Albuquerque, que teve honras de título de caixa alta no vespertino "Diário de Lisboa" (...)


(...) Um mês antes do Luís Henriques partir para Cabo Verde, no T/T “Mouzinho” (em 18 de julho de 1941), Portugal acabava de perder um barco de pesca e um navio da marinha mercante:

(i) o barco de pesca "Exportador I" fora cobarde e miseravelmente atacado a tiro de canhão por um submarino italiano. a sul do Cabo de São Vicente, em 1/6/1941....

(ii) o navio da marinha mercante portuguesa, de carga e passageiros, da Companhia Colonial de Navegação, o “Ganda”, de 4.333 toneladas brutas, com 72 tripulantes e passageiros a bordo, tinha sido atacado e afundado, em 20/06/1941, ao largo da costa de Marrocos, pelo submarino alemão U-123, sob o comando do capitão tenente Reinhard Hardegen (1913-2018): moreram 5 tripulantes e os s náufragos foram deixados à sua sorte, num salva-vidas, mas mais tarde recuperados por um navio de pesca português e outro espanhol.(...)


(...) Era casado com Maria da Graça (1922-2014), doméstica. Deixou, como descendentes, 4 filhos (Luís, Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel), 12 netos, 8 bisnetos. Era filho de Domingos Henriques Severino, natural do Montoito, e de Alvarina de Sousa, natural da Lourinhã, mas com raízes em Ribamar.

Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques Severino, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar. Ficou órfão, aos 2 anos, de sua mãe, Alvarina de Sousa, natural da Lourinhã. (...) 

sábado, 21 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22472: Meu pai, meu velho, meu camarada (67): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte V


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > c. 1943 > A cidade, a baía o Porto Grande e o Monte Cara ao fundo.  Ao centro,  em segundo plano, o edifício de maior volumetria é o Liceu Gil Eanes, por onde passou a elite do Mindelo e onde estudou Amílcar Cabral (que ali completa o 7º ano do liceu, em 1944, seguindo depois para Lisboa onde se licenciou em engenharia agronómica, no Instituto Superior de Agronomia
). 

Cortesia de Adriano Miranda Lima / Blogue Praia de Bote (2012). Informação complementar de Adriano Miranda Lima: “Foto de origem desconhecida mas que parece ser da Foto Melo ou do José Vitória”. 



Estrada Lourinhã-Peniche EN 8-2], cruzamento para a Praia da Areia Branca > 7/9/1942 > Foto enviada pelo irmão, Domingos Severino, o primeiro a contar a esquerda. Possivelmente foi em “dia de sortes”, do grupo dos nascido em 1922… Reconhece-se o Toni, o segundo a contar da esquerda;  o Carlos Fidalgo,  o terceiro; e o Rei, o quinto;  todos falecidos. Não 
é possível identificar o 4º elemento e 6º (de bicicleta). Foto: arquivo da família.



Lourinhã, estrada Lourinhã-Peniche, 7/9/1942... Uma fotografia com amigos, contemporâneos do meu pai... Do grupo da foto anterior. Nenhum deles está hoje vivo, se bem os reconheço. O segundo do lado esquerdo, é o meu tio, irmão do meu pai (dois anos mais novo) e meu saudoso padrinho de batismo, Domingos Henriques Severino. O terceiro é o Toni. O quinto  é o Carlos Fidalgo (, mais trade sócio da firma Fidalgo & Matos Lda) e o sexto o José Frade. A foto, enviada para Cabo Verde, está assinada pelo Domingos Severino.



Lourinhã > 6/12/1942 > Da esquerda para a direita: Nazaré, Ascensão e Maria Adelaide, três vizinhas e amigas de Luís Henriques, fotografadas na ponte sobre o Rio Grande, Lourinhã. Foto enviada para o amigo e vizinho, expedicionário em Cabo Verde, com "votos de verdadeira e sincera amizade". A primeira parte da legenda é ilegível.

Lembro-me de todas elas. A Maria Adelaide já morreu. Da Ascensão perdi-lhe o rasto. A Nazaré, conhecia-a bem, era a tia da Mariete, a família toda foi para a América,   em meados dos anos 50. E julgo que casou por lá... Será que ainda é viva ? Era "ajuntadeira" (costureira de calçado), e trabalhou muito para o meu pai, sapateiro, que dava trabalho a muita gente na Lourinhã.

Lembro-me bem da ti Adelina, mãe da Nazaré, nossa vizinha, e que era um, espécie de curandeira lá do bairro... Nós morávamos na rua dos Valados, ou do Castelo, e elas na rua, paralela, a do Clube... Quando puto, e quando doente, ela - a tia Adelina - aplicava-me as suas mezinhas, receitas da medicina popular com séculos de eficácia simbólica e terapêutica... Lembro-me, com repulsa, das suas unturas, na garganta, feitas com “gordura de galinha”, para tratar da papeira... Foto: arquivo de famíl



Lourinhã > s/d > c. 1940/50 > Passeando com primos e primas… Luís Henriques é o primeiro da esquerda. Na outra ponta, o primo António Francisco Sousa (que emigrará, muito mais tarde, para Moçambique). Foto: arquivo de família.


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > “Maio de 1943. O jardim de Mindelo onde respirei lufadas de perfume e pó de arroz: isto quando se passava por grupos de senhoras ou meninas. Quando se ouvia tocar a música, à volta deste jardim passeavam milhares de transeuntes”. Foto Melo, pertencente ao arquivo da família.

Na realidade, tratava-se da Praça Nova, ajardinada (hoje, Praça Amílcar Cabral), onde havia/há um coreto, um quiosque, um lado e os bustos de dois insignes portuguesa, o poeta Luís de Camões e o Marquês Sá da Bandeira (Santarém, 1795 - Lisboa, 1876), 
uma grande figura, como militar e político do liberalismo, que  liderou a  luta contra o esclavagismo no Portugal do séc. XIX.




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Maio de 1943 > O jardim de Mindelo. A estátua de Luís de Camões, inaugurada em 1940… Foto: arquivo de família


Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "Junho de 1943. Alguns internados do depósito dos convalescentes. Entre eles, estou também eu, sentado, lendo [o livro ] ‘Os Bastidores da Grande Guerra’. Luís Henriques , 1º Cabo nº 188/41, 1º Batalhão Expedicionário, R.I. nº 5. S. Vicente. C. Verde".

 [ O meu pai é o primeiro da 1ª primeira fila, do lado direito, assinalado com um círculo a vermelho; esteve internado cerca de 4 meses, já no final da comissão, por doença de pulmões; a morbimortalidade entre os expedicionárias era elevada; o livro em, questão podia o ser de Adolfo Coelho, "Nos bastidores da grande guerra", documentário, editado em 1934, em Lisboa, pela Livaria Clássica Editora].



Cabo Verde > S. Vicente > 1/12/1942 > "Uma das fases do jogo de voleibol no dia da festa da Restauração, organizada pelo R. I.  nº 5, em Lazareto, 1/12/1942, S. Vicente, C.Verde. Luís Henriques". Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Cais acostável, baía e o Monte Cara, ao fundo > “Agosto de 1942- A nossa maior alegria, depois dos trabalhos, o banho, em que tantos aprenderam a nadar. Entre tantos, estou eu, Luís Henriques. Em cima do cais, estão os nossos sargentos Peralta e M. Pereira (falecido)”.

 Segundo nos contava, ainda chegou a salvar mais do que um camarada, em risco de se afogar… Um deles, ao que parece, terá tentado o suicídio, uns meses antes do regresso a casa: sofria de sífilis, um das doenças sexualmente transmissíveis que mais afligia o contingente expedicionário, numa altura em que ainda não exista a “bala mágica”, o antibiótico… Recordo-me de o meu pai me dizer que no Mindelo “até as pedras tinham vénereo” (sic)… Segundo o nosso camarada Adriano Lima, a penicilina só chegou a Cabo Verde no início de 1945. Foto: arquivo da família.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


5. Continuação da "história de vida" de Luís Henriques, ex-1º cabo at inf, 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5, unidade mais tarde integrada no RI 23 (*). Esteve no Mindelo entre julho de 1941 e setembro de 1943. Era natural da Lourinhã. Faria 101 anos,se fosse vivo, no dia 19 de agosto de 2021. A pandemia de Covid-19 impediu a realização, o ano passado, da homenagem que a família e alguns amigos lourinhanses queriam prestar-lhe.  O seu filho mais velho, o nosso editor Luís Graça, reuniu entretanto, numa pequena brochura de 100 páginas, o essencial da informação documental sobre a sua vida (*).
 

Antes de partir para Cabo Verde, o jovem Luís Henriques foi ao Nadrupe reiterar a sua vontade de continuar a namorar a filha do senhor Manuel Barbosa, pequeno agricultor com terras próprias (e outras de renda), e sete bocas para alimentar  (a esposa e seis filhos, 3 rapazes e 3 raparigas)… 

O futuro sogro terá sugerido que rompesse o namoro, porque não se sabia o que podia acontecer, “podia morrer ou arranjar outra” (sic)… Mas o meu futuro pai manteve-se fiel à promessa de continuar a namorar a Maria da Graça (que também assinava Maria da Graça Barbosa, mas no seu BI era apenas a Maria da Graça, nascida em 6 de agosto de 1922, no dia da festa local, o da N. Sra. da Graça).

Do Mindelo escreve à sua namorada, futura noiva e esposa, Maria da Graça. Eis algumas quadras que chegaram  até nós:

Deus ao fazer as três Graças,

Sua obra deu por finda,

Nasces tu, Maria da Graça,

A quarta Graça, a mais linda.

(c. 1941)

Desterrado nesta terra,

A saudade me consome,

Que Deus nos livre da guerra,

Já nos basta a sede e a fome.

 

Estou farto de engolir pó,

Nesta ilha abandonada,

Mas sinto-me menos só,

Quando penso em ti, minha amada.

 

Maria, minha cachopa,

Não me sais do pensamento,

Logo que eu saia da tropa,

Vou pedir-te em casamento.

 

 (c. 1942)

 


Lourinhã > Lourinhã > Abril de 1991 > Luís Henriques (1920-2012), com 70 anos, com a esposa, Maria da Graça (1922-2016). Celebravam nesse ano os 45 anos de casados ( e as "bodas de ouro", em 1996). Foto: arquivo da família.


Correspondia-se também com vizinhos, amigos e amigas da Lourinhã. Infelizmente, essa correspondência perdeu-se, com o tempo. Escrevia em papel fino, e ia mandando fotos, em geral de formato reduzido, legendadas no verso e algumas vezes a tinta verde.

Nos tempos livres, dedicava-se ao desporto: futebol, voleibol, natação. E gostava de ler e escrever. É natural que houvesse uma biblioteca  pública no Mindelo. E o próprio RI 23 deveria ter alguns livros para ocupação dos tempos livres dos expedicionários.

Era um leitor compulsivo. Lembro-me de me ter citado, entre outros, o romance do escritor austríaco, de origem judaica, Stefan Zweig (1881-1942), “Vinte e quatro horas na vida de uma mulher” (1935), que eu, confesso, nunca li.

Sinopse: "A rotina de um hotel na Riviera é abalada por uma notícia escandalosa. Uma mulher abandona o marido e as duas filhas, em nome de uma paixão por um jovem que havia acabado de conhecer. Este episódio despoleta uma acesa discussão entre os hóspedes do hotel e leva a Senhora C., uma aristocrata inglesa de sessenta e sete anos, a recordar um episódio secreto da sua vida que a tortura há mais de duas décadas. Vinte e quatro horas na vida de uma mulher é um relato apaixonante e intimista sobre a vida de uma mulher que se liberta das correntes do pudor e do preconceito social em nome de uma paixão avassaladora." (Fonte: A Esfera dos Livros).

Em 1942, o escritor e a mulher haviam-se suicidado em Petrópolis, no Brasil, país que os acolheu, no exílio.  Antes tinham passado duas vezes por Portugal. O meu pai deve ter tido acesso à edição de 1937, com a chancela da Civilização, Porto, trad.  Olando Alice. Terá sido um dos livros que  mais o marcou na sua vida, a avaliar pelo número de vezes que o citava. 

Em Cabo Verde, Luís Henriques foi contemporâneo dos pais de outros membros  da Tabanca Grande, nossos camaradas  (Hélder Sousa, Augusto Silva Santos, Luís Dias) ou amigos (Nelson Herbert)... Recorde-se os seus nomes: 

  • Ângelo Ferreira de Sousa (1921- 2001) (nascido no Cartaxo, a 28 de abril de 1921);
  • Armando Duarte Lopes (1920-2018) (nasceu no Mindelo; emigrará depois para a Guiné, onde foi futebolista);
  • Feliciano Delfim Santos (1922-1989) (esteve na ilha do Sal) (nascido a 22 de abril de 1922);
  • Porfírio Dias (1918-1988) (esteve no Mindelo, quase 3 anos, entre julho de 1941 e maio de 1944) (nasceu em Lisboa, em 30 de julho de 1919).

(Continua)

_________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série > 


22 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21282: Meu pai, meu velho, meu camarada (65): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III

20 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22470: Meu pai, meu velho, meu camarada (66): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte IV


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Lazareto [?] > Novembro de 1941 > "Em diligência no paiol [?], eu e 30 colegas. Eu, ao centro”… Pormenor do grupo: ao centro. Luís Henriques está assinalado com um retângulo a amarelo. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Num dos funerais que cá se realizou , ao passar nas salinas (?) em São Vicente. 1942. Luis Henriques" Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > No dia 15 de Fevereiro de 1942, os três amigos íntimos [, da direita para a esquerda,] Luís Henriques, António F. Delgado e José Leonardo... os três bigodinhos, à revelia do RDM,  querem é dizer que têm bigode... discreto, à Clark Gable (1901-1960)... [Eram três 1ºs cabos inseparáveis, todos da mesma companhia, sendo o José Leonardo, da Serra do Calvo, Lourinhã: emigrará depois para a América onde irá faleceu]. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Duas secções [. Menos de um pelotão,] em diligência. No paiol, São Vicente, novembro de 1941. Luis Henriques". Foto: arquivo da família



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > "Duas secções [. Menos de um pelotão,] em diligência. No paiol, São Vicente, novembro de 1941. Luis Henriques". Pormenor da foto anterior: o 1º cabo inf Luís Henriques é o segundo a contar da direita para a esquerda. Foto: arquivo da família


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Novembro de 1941. "(Ao fundo, navio italiano) Para as refeições [ilegível] nos juntávamos todos os 30 [do pelotão]". [Ao lado esquerdo, um grupo de miúdos, à espera dos restos...]. Foto: arquivo de família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 > 1941 > O primeiro Natal passado na ilha. Foto: arquivo de família.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Lembrando, no centenário do seu nascimento,
 a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, 
o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte IV




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > 1941 > Luís Henriques.
1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5. unidade mais tarde
integrada no RI 2.  Esteve no Mindelo entre julho de 1941 e setembro de 1943.  
Foto: arquivo de família.



4.  Figura muita popular e querida da sua terra natal, Lourinhã, e ainda ali  lembrado com saudade, nasceu há 101 anos,  em 19 de agosto de 1920 e morreu com 91 anos, os últimos cinco dos quais passados no Lar e Centro de Dia de N. Sra da Guia, na Atalaia. Foi um pequeno empresário (sapateiro), seccionista e treinador de futebol de camadas jovens do SC Lourinhanse (, de que era,antes de morrer, o sócio nº 1). 

Devido à pandemia de Covid-19, a família e os amigos  tiveram  que adiar a singela homenagem que tencionavam fazer-lhe, no dia 22 agosto de 2020, no centenário do seu nascimento. Também não será ainda neste ano da (des)graça de 2021, que essa homenagem se fará. Mas a família, no próximo domingo, irá recordar, em cerimónia privada, a sua figura: faria ontem 101 anos, se fosse vivo. Vamos continuar a publicar uma série de postes que já preparados, há um ano,  sobre a sua história de vida,  para publicação no nosso blogue  (*)


 
O RI 23 foi constituído em Cabo Verde, na Ilha de S. Vicente, sob o comando do Brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares (Agosto de 1941 a Dezembro de 1944). Faziam parte deste regimento as seguintes unidades (**):

  • 1 Batalhão do RI 5 (Caldas Rainha) ( a que pertencia o Luís Henriques e outros camaradas, naturais do concelho da Lourinhã)
  • 1 Batalhão do RI 7 (Leiria)
  • 1 Batalhão do RI 15 (Tomar)
  • Bateria de Artilharia Costa 1
  • Bateria de Artilharia Costa 2
  • Bateria Artilharia Contra Aeronaves 9,4 cm
  • Bateria Artilharia Contra Aeronaves 4 cm
  • Bateria de Referenciação, a 2 Divisões
  • 2ª Companhia de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2

Ao RI 23 pertenciam ainda os seguintes serviços de apoio:

  • Parque de Engenharia
  • Secção de Padaria
  • Depósito de Subsistências e Material
  • Laboratório de Análise de Águas
  • Hospital Militar Principal de Cabo Verde
  • Depósito Sanitário
  • Tribunal Militar

À semelhança dos Açores (cuja guarnição militar foi reforçada com 30 mil homens, bem como da Madeira, com mil homens), para a defesa de Cabo Verde, e sobretudo das duas ilhas com maior importância geoestratégica, a ilha de São Vicente e a ilha do Sal, foram mobilizados 6358 militares, entre 1941 e 1944, assim distribuídos por 3 ilhas (i) 3361 (São Vicente): (ii) 753 (Santo Antão); e (iii) 2244 (Sal).

Mais de 2/3 dos efetivos estavam afetos à defesa do Mindelo (, ou seja, do porto atlântico, Porto Grande, ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos).

Os portugueses, hoje, desconhecem ou conhecem mal o enorme esforço militar que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultramarinos. Cerca de 180 mil homens foram mobilizados nessa época.

Em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados. Quantas vezes me falava disso, o “meu pai, meu velho, meu camarada”... Ele, que simpatizava com os Aliados, falava-me da presença discreta dos alemães na ilha: chegaram a fazer um desafio de futebol com a tripulação de um navio alemão (, não posso afirmar se civil ou militar). E antes do reforço do nosso dispositivo de defesa da ilha de São Vicente e Santo Antão, o que só começa a ocorrer em meados de 1941, os submarinos alemãs eram com relativa frequência avistados ao la largo da ilha de São Vicente,e  das que estão mais próximas (Santo Antão, São Nicolau mas também Santiago) (Vd. Adriono Miranda Lima - Forças Expedicionárias  a Cbo Verde na II Guerra Mundial, edião de autor, Tipografia S. Vicente, Mindelo, 2020,  pp. 105 e ss.)

No Mindelo, tal como em Lisboa, havia espiões de um lado e do outro, alemães, italianos, ingleses, portugueses... E terá sido nesta época de fome, de guerra e de desgraça que se começou a desenvolver o nacionalismo cabo-verdiano que estará na origem do futuro PAIGC, fundado e liderado por Amílcar Cabral (a partir de 1956).

Só havia “vapor” (barco), com mantimentos e correio, de dois em dois meses… A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o furriel miliciano Caxaria, o Jaime Filipe, ambos da Atalaia, o Boaventura Horta, da Lourinhã, o Leonardo, da Serra do Calvo, e outros, que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44). 

Todos, infelizmente, já falecidos, o último, o António Caxaria, com 102 anos (**)... Já há não sobreviventes dessa geração... Para mais, foi uma geração sem cronistas. É uma pena que as suas memórias desapareçam com a sua morte física, a  morte física nossos pais, últimos soldados do império tal como nós... Mas todos eles trouxeram consigo algumas lembranças da ilha, e nomeadamente fotografias do célebre estúdio Foto Melo... 

Enfim, estas pequenas histórias que aqui se deixam, do Luís Henriques e outros "expedicionários",  fazem parte da história comum de Portugal e Cabo Verde (**)...

Numa época de elevado analfabetismo (, mais de 40% dos homens no grupo etário dos 20-24 anos, em 1940, eram analfabetos!), o Luís Henriques sacrificava, com gosto, os seus tempos livres, escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, dos seus nomes completos e até das moradas (!) para onde enviava as cartas.

Em nome do Fortunato Borda d'Água, do Cercal, Azambuja, por exemplo, chegava a escrever 22 cartas por semana... O Fortunato tinha duas namoradas, uma morena e outra loura, "uma que chorava ao pé da mãe dele, e outra que se ria, em plena rua" (sic)... O meu pai um dia teve que o ajudar a decidir-se:

- Ó Fortunato, afinal de quem é que tu gostas mais ? Com quem queres casar, quando voltares à terra ? Quem é que vai a ser a mãe dos teus filhos ? A que se ri, na rua, ou a que chora no ombro da tua mãe ?...

- Ó Luís, claro que é da que chora np ombro da minha mãezinha...que eu gosto mais.

Durante anos, visitaram-se mutuamente.

Lembrava-se também dos nomes e de algumas histórias dos seus oficiais, alguns, bem “prussianos, militaristas, germanófilos”, de acordo com figurino da época, um deles herói da Guerra de Espanha, "com as pernas todas furadas por balas" (sic)...

Lembrava-se até dos resultados dos renhidos torneios de futebol e de voleibol que se realizavam no Lazareto, entre o Mindelo e o Monte Cara, entre tropas de diferentes subunidades... e em que ele participava. 

Claro, lembrava-se das praias e dos tubarões, dos navios, e até dos espiões (que lá também os havia, como em Lisboa, ao serviço de um lado ou do outro das potências beligerante)... E a chegada de qualquer navio era uma festa, tanto para os expedicionários como para os naturais da ilha...Chegou a ir a bordo de um navio da marinha mercante para estar com um vizinho, membro da tripulação, que era natural de uma povoação vizinha da Lourinhã (, Atougia da Baleia, se não erro).

Ia a missa aos domingos, como bom católico. E tinha uma menina, uma "Bia", que gostava dele, encontravam-se na igreja de N. Sra. Luz... O sonho das raparigas da ilha era arranjar um namorado metropolitano e sair daquela miséria...

Tinha o bom hábito de ler. Tinha uma bela caligrafia e uma escrita com desenvoltura. Fez a 4ª classe com 9 anos, e começou logo trabalhar. Era bom em números... No Mindelo, escreverá centenas e centenas de cartas, em nome daqueles que na época (e eram muitos...) não sabiam ler e escrever... Escrevia uma média de 20 e tal cartas por semana...

Muitas vezes eram os próprios rapazes cabo-verdianos, engraxadores de rua, escolarizados, alguns estudantes do liceu Gil Eanes (o único que havia nas ilhas, e cujo reitor era um professor goês, culto...) que liam as cartas recebidas pelos expedicionários, metropolitanos, analfabetos... Que triste ironia!... 

Para mais numa época de pavorosa seca e epidemia de fome que roubou a vida a milhares de cabo-verdianos (cerca de 25 mil) (**)... Apesar de menos sentida na ilha de São Vicente do que nas outras ilhas, a fome foi também aqui mitigada graças à solidariedade dos "nossos pais, nossos velhos, nossos camaradas"...

Mas, coisa linda e fantástica, os ex-expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O meu velhote costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Rainha... até que as pernas começarem a fraquejar  e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer.  O António Caxaria  costumava dar-lhe boleia,de carro (***). 

O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde ficou-lhes no coração para sempre...

Capa do romance de Manuel Ferreira (1917-1992), que fazia parte da exposição comemorativa
do 1º centenário do escritor Manuel Ferreira (1917-1992), também ele expedicionário em São Vicente, neste período, com o posto de furriel miliciano


O autor de "Hora di Bai" (1962) era natural da Gândara dos Olivais, Leiria, onde tenho amigos e familiares que o conheceram em vida. Morreu em Linda a Velha, Oeiras.

Expedicionário do RI 7 (Leiria), o fur mil Manuel Ferreira (1917-1992), futuro capitão SGE e escritor, conheceu, no Liceu Gil Eanes, aquela que virá a ser a sua muher e mãe dos seus filhos, também ela escritora, notável contista, Orlanda Amarílis (1924-2014). Ambos frequentavam este liceu. Orlanda era colega de turma do Amílcar Cabral (1924-1973) ... A família de Amílcar Cabral mudou-se para o Mindelo em 1937: é de todo provável que nos dois anos e tal que lé esteve, entre julho de 1941 e setembro de 1943, o meu pai se tenha cruzado com o futuro dirigente do PAIGC.

Manuel Ferreira acabou por ficar seis anos no Mindelo (1941-1947) e ser um dos cofundadores e animadores da revista literária "Certeza" (1944), de vida efémera mas com grande impacto na vida cultural da ilha.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Dia 14 de agosto [de 1942], data gloriosa para a nossa gente lusa (Aljubarrota). Recordando essa data em Mindelo com o içar da bandeira nacional junto ao liceu Gil Eanes e marchando o regimento de infantaria 5 nas ruas da cidade". Foto: arquivo de família.

É um edifício com história, hoje conhecido como Liceu Velho... A elite do Mindelo passou por aqui... O liceu Gil Eanes (antes, Infante Dom Henrique) funcionou aqui de 1938 a 1968. A sua construção data de meados do séc. XIX. Teve vários usos, além de estabelecimento de ensino, foi quartel e correios...



A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram milhares e milhares de mortos (inspirando o romance de Manuel Ferreira (1917-1992), “Hora di Bai”, publicado em 1962), tiveram impacto na consciência de bom português, bom cristão e bom lourinhanense, que era o 1º cabo Luís Henriques. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreria, de fome e de doença, em meados de 1943.

Ainda se comovia, passados tantos anos, ao dizer-me que deu à família do miúdo todo o dinheiro que tinha em seu poder (c. de 16$00) - na altura, estava hospitalizado -, para ajudá-la nas despesas do enterro. 

Lembro-me de ele me dizer que um 1º cabo, em comissão em Cabo Verde, ganhava na época qualquer coisa como 130$00 por mês... De volta à metrópole, não terá mais do que 200$00 ou 300$00 no bolso. Para ele o dinheiro “nunca foi fêmea”...

Para se ter um ideia do valor do dinheiro nessa época de racionamento alimentar e especulação de preços dos géneros mais essenciais, podemos acrescentar o seguinte: 

(i) um quilo de bacalhau, em 1943, no Porto, custava 10$40, preço tabelado, ou 16$00, no mercado negro; 

(ii) um quilo de arroz, em 1941, na Guarda variava entre os 2$80, preço tabelado, e os 4$00, no mercado negro; 

(iii) o preço de um litro de azeite, em 1941, na Guarda, variava entre os 7$50 (azeite corrente) e os 8$50 (azeite extra), mas no mercado negro os preços podiam atingir 3, 4 ou 5 vezes mas;

(iv) um assalariado agrícola, na década de 1950, dez anos depois, não ganhava mais do que 20$00.

Numa população, como a do Mindelo, que não devia ultrapassar os 15 mil habitantes, a passar por graves problemas como o desemprego crónica, a seca, a fome e a emigração forçada, a presença de mais de 3300 “expedicionários” na ilha, entre 1941 e 1944, teve um grande impacto, com aspetos positivos e negativos (Vd. o livro do nosso camarada Adriano  Lima, 2020)(**). Manuel Ferreira, por ex., refere o seguinte, no seu livro “Morabeza” (1ª edição, 1958):

“Durante a última guerra, com a presença da tropa, o ritmo da vida do arquipélago, em muitos aspetos foi alterado, e daí terem surgido várias mornas alusivas a factos que mais chocaram a população, principalmente a de São Vicente [B.leza, pseudónimo de Xavier Cruz, compôs uma morna intitulada “punhal de vingança” onde refere que as moças agora só se encantam com “furrié”]. [p. 30]

 [ Citado por João Serra, in: 4 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17507: Memória dos lugares (361): Mindelo em plena II Guerra Mundial, visto por Manuel Ferreira (1917-1992) (João Serra). Disponível em https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/06/guine-6174-p175007-memoria-dos-lugares.html   ]

(Continua)
__________


Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

22 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21282: Meu pai, meu velho, meu camarada (65): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III


(**) Vd. também:

14 de junho de  2021  > Guiné 61/74 - P22279: Notas de leitura (1361): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", de Adriano Miranda Lima; Março de 2020, Edição de Autor (Mário Beja Santos)

11 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21346: Notas de leitura (1306): "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial", livro de Adriano Miranda Lima (edição de autor, Mindelo, 2020, 241 pp.): a história escrita com paixão, memória e coração (José Martins)