Mostrar mensagens com a etiqueta Abel Gonçalves (Maj Capelão). Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Abel Gonçalves (Maj Capelão). Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

1. Reprodução da mensagem que o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou ao autor do livro Catarse em 22 de Janeiro de 2016:

Meu prezado Reverendo Abel Gonçalves,

Agradeço-lhe muito o envio do seu livro, que muito apreciei. As duas recensões serão publicadas no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Peço-lhe o favor de ver no seu computador esta referência, é bem possível que possa rever todos os locais por onde andou.

Em 2010, voltei à Capela de Bambadinca que está felizmente recuperada pelas missionárias que ali trabalham.

Porquê publicar as nossas recordações em blogue? No meu caso, trata-se de uma colaboração que vem de longa data e não tem fim, procuro repertoriar tudo aquilo que tem a ver com a Guiné, nomeadamente os testemunhos de quem ali combateu a partir de 1963.

O seu testemunho é singularíssimo, não conheço outro capelão que tenha bisado a comissão, o que acresce a importância do seu testemunho. Seria muito tocante que se inscrevesse no nosso blogue, estou certo e seguro que tem muitas histórias para contar e rever as imagens preciosas ali contidas também podem ser um refrigério para a sua alma.

Receba o agradecimento profundo e a elevada consideração do
Mário Beja Santos


Catarse, pelo Major-Capelão Abel Gonçalves (1)

Beja Santos

É a primeira vez que oiço falar num capelão que fez duas comissões na Guiné. Tem hoje 85 anos, é major, e vive na Ordem da Trindade, no Porto. Em 2007, em edição de autor, publicou Catarse (palavra que nos remete para o procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa se cura revivendo acontecimento traumáticos). Telefonei-lhe, pedi-lhe o livro, prontamente acedeu e convidou-me a passar pela Rua da Trindade, para conversarmos. Lembro-me dele na capela de Bambadinca, num domingo em que vim muito cedo de Missirá, as fotos que ele publica no livro coincidem com a lembrança que me ficou.

Como escreve, estava pacatamente a ajudar nas confissões quaresmais, na paróquia de Oliveira do Douro, quando apareceram dois agentes da GNR que entregaram uma guia de marcha para se apresentar com urgência no RI 15, em Tomar.

Acha-se com o ordenado de alferes, habituado a paróquias pobres, começa a sonhar com uma máquina fotográfica. Em Abril de 1967, incorporado no BCAÇ 1911  [Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69], embarca no Uíge, em Bissau é despejado numa barcaça, dias depois, após uns treinos de desembarque no Ilhéu do Rei, ficam sediados em Brá. A experiência foi gratificante:


“Tive oportunidade de batizar um pequeno grupo de nativos que os militares catequistas do Batalhão de Engenharia tinham devidamente preparado".

Seguem para Teixeira Pinto numa LDM, fica a viver numa casa da missão católica e celebra numa pequena igreja. Aproveita a evacuação de um ferido grave e vai até ao Jolmete. O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama. Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe:
“Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.
Não ficou sem resposta:
“É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”.

[foto à esquerda, major-capelão ref Abel Gonçalves]

Fala da solidão, da falta de correio, da sensaboria da comida, apercebeu-se rapidamente da dureza da guerra. Regressa a Teixeira Pinto, sofrem uma emboscada, alguém a seu lado foi atingido mortalmente. Albino, o jovem cristão que guardava a casa de missionário, recebe-o com alegria quando chega a Teixeira Pinto e prepara-lhe um churrasco, ele não esqueceu a solicitude do jovem e guardou na memória a receita:
“Num tacho tinha posto rodelas de cebola, alhos, azeite, piripiri, loureiro, muito sumo de limão, de uns limões e pequeninos, casca fina como papel. Cada pedaço de carne era molhado naquele preparado e logo assado nas brasas”.

Dão-lhe instruções para sair Teixeira Pinto, vem de férias. Acaba por se comportar como qualquer militar, fica nervoso quando lhe fazem perguntas pois dirigem comentários descabidos, sente-se apático, indiferente às banalidades, tudo lhe parece insignificante com o que viu, sentiu e aguentou até à exaustão. Regressa e é destacado para um batalhão da cavalaria. Apresenta o novo território:
“É um setor muito grande, com 18 destacamentos. Trata-se de Bafatá. Na sede do batalhão não se conhecem problemas, a vida está difícil mais para a fronteira ou da povoação de Geba em diante”.

Presta igualmente assistência ao setor de Bambadinca, mas no essencial o seu território vai de Cambajú ao Xitole, de Banjara ao Xime, de Sara Bácar a Geba. Lembra-nos que a sua arma é sempre o terço, faz-se acompanhar com uma imagem do Imaculado Coração de Maria que lhe fora oferecida pelos ex-paroquianos de Ervedosa do Douro.

Cortesia do Carlos Coutinho
Gostou do ambiente de Bafatá e do primeiro comandante do BCAV 1905 [Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68]. É um capelão solícito:

“Os missionários não podiam sair da cidade, e quem prestava um mínimo de assistências às pequenas comunidades católicas era o capelão. Levava o dinheiro atribuído a essas comunidades a pedido do senhor Prefeito Apostólico. O capelão girava sempre de destacamento para destacamento, com a mochila às costas e o mínimo indispensável para celebrar a Eucaristia. Um bloco de notas para apontar pedidos”.

Levava também rebuçados, velas para oferecer às mesquitas, jornais, revistas e livros para toda a malta. Descreve as duas missões de Bafatá, a masculina e a feminina e depois dá-nos conta de certas solicitações insólitas para o seu múnus. Encontrou em cima da secretária o requerimento de um soldado que pedia para ser autorizado a usar barba, tinha feito uma promessa a Nossa Senhora de Fátima. O comandante despachou para ele. Leu, meditou e escreveu:
“Indeferido, porque não se pode prometer o que é contra a legislação”.
Falou com o soldado e tranquilizou-o, ficaram amigos.

Descreve Bambadinca:

“A povoação de Bambadinca tinha uma sala de aulas/capela, polivalente, que pertencia à missão católica de Bafatá, mas os missionários não podiam lá ir. Só os capelães militares e com grande escolta. Um cortinado separava o altar do resto da sala. Ao lado, outra sala mais pequena, sempre cheia de urnas com mortos, para oportunamente serem transportados para Bissau. Era no meio das urnas que me paramentava para a celebração da Eucaristia”.

Visitou várias vezes o Xime, bem como o Xitole, lembra-se muito bem das atribulações da viagem. E vem mais uma brejeirice que ele intitula “o médico do Xitole”:

“No Xitole havia um alferes médico, o Dr. Sílvio, que era quem praticamente comandava o destacamento.
O capitão miliciano era, creio eu, um notário que não queria saber de nada.
O Dr. Sílvio é que me recebia e sempre muito bem. Mostrava-me os abrigos que mandara fazer e as valas de acesso aos mesmos.
- Capelão, que quer comer ao pequeno-almoço? - O que o senhor doutor me receitar! 
- Umas sopas de vinho fresco que tenho no frigorífico. 
- Se dão força aos cavalos e o senhor doutor receita, vamos lá a elas!
Os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina vazio, sentados em cadeiras improvisadas com as aduelas dos pipos. E este vinho era muito cristão, pois tinha sido muitas vezes batizado pelos lugares por onde tinha passado!”.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


2. Nota do editor:

Do BCÇ 1911, temos pelo menos um membro da nossa Tabanca Grande, desde 11/12/2011, o Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto rodas, CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69).  Tem vários postes publicados sobre a história do batalhão, além de uma história deliciosa sobre um outro capelão, um jovem alferes, que ele conheceu em Bissau e a quem deu um boleia...,  e "que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário"...

____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8519: Agenda Cultural (142): Apresentação do livro “CATARSE” do Capelão Militar Abel Gonçalves

Camaradas,

Passamos divulgar o seguinte convite para a apresentação de um livro que vai ter lugar na próxima sexta-feira, dia 08 de Julho, na A.D.F.A. - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, do Porto, às 16H00, solicitando a sua divulgação junto dos vossos amigos.

APRESENTAÇÃO DO LIVRO “CATARSE” DO CAPELÃO MILITAR ABEL GONÇALVES

Convidam-se os Associados, familiares e amigos a estarem presentes na apresentação do livro “CARTARSE”, da autoria do Padre Abel Gonçalves, a ter lugar no dia 08 de Julho de 2011, às 16H00, no Salão Nobre da Delegação do Porto.
Esta obra descreve as experiências subjectivas de um ser humano na Guerra Colonial na Guiné que, simultaneamente, assume o papel de Capelão e o de militar, e é uma oferta do seu autor à Delegação do Porto da ADFA, revertendo o produto da sua venda para as obras.
A DIRECÇÃO
O Presidente
(Abel Fortuna)
____________
Nota de MR:
Vd. último poste desta série de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8502: Agenda Cultural (141): Inauguração da Exposição de Fotografia Flores Que Não Existem e lançamento do livro Na Kontra Ka Kontra, dia 7 de Julho pelas 17 horas no Vivacidade - Espaço Criativo - Porto (Fernando Gouveia)