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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12247: Memória dos lugares (248): Em Gampará, sítio desolador, o dia mais feliz era quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau... (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, 38ª CCmds, 1972/74)


Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá) > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gampará > Gampará >  1972 > Monumento da CART 3417 (Magalas de Gampará),  assinalando a passagem  por Gampará (e Ganjauará) da 38ª CCmds e de outars tropas especiais. Vê-se que por ali também passaram, ao serviço do COP 7 (Bafatá), vários DFE - Destacamentos de Fuzileiros Especiais (4, 8, 13, 21, 22), a CCP 121/BCP 12, a 2ª CCA - Companhia de Comandos Africanos, o 29º Pel Art e o Pel Mil 331.




Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá)  > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gamapará >  Gampará > 38ª Companhia de Comandos > 1972 > O Comando Amílcar Mendes, hoje taxista na praça de Lisboa, e membro sénior da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.

1. No nosso blogue, temos 12 referências (ou marcadores) sobre Gampará e 3 sobre Gaujauará. Temos falado pouco sob esta pensínsula de Gampará, correspondente à margem esquerda do Rio Corubal e durante muito tempo um "santuário" do PAIGC. Era "chão beafada"... Já a Ponta do Inglês, com 23 referências, em frente a Gampará, na Foz do Corubal, mas na margem direita do rio,  tem tido mais "tempo de antena", uma vez que fazia parte do subsetor do Xime (Setor L1, Bambadinca)...

Nos últimos anos da da guerra (1972/74) passaram por lá, pela pensínsula de Gampará, de acordo com os nossos registos bloguísticos,  a 38ª CCmds e CCAÇ 4142 (*).  Mas houve mais tropa nossa, ao tempo em que Spínola fez uma grande ofensiva contra as chamadas regiões libertadas do PAIGC (por exemplo, o Cantanhez, embora já no fim do ano de 1972).

Está na altura de revisitar um poste antigo, do Amílcar Mendes, da 38ª CCmds, que conheceu o resort de Gampará (**), antes da malta da CCAÇ 4142. Quem tem trágicas memórias de Gampará e o nosso Victor Tavares e os seus camarasas da CCP 121 / BCP 12 que, uns meses antes, em 4/3/1972, sofreram 6 mortos e 12 feridos, no decurso da Op Pato Azul (***).


2. Memória dos lugares >  Gampará (38ª CCmds, agosto/dezembro de 1972)

por Amílcar Mendes [, foto atual, à esquerda]


(i) A cerveja de marca Mijo

Em Gampará não existe gerador. As noites são mesmo noite e, tirando umas chamas improvisadas nas garrafas de Cristal, nada se vê. No arame farpado duplo, os sentinelas esfregam os olhos para tentar distinguir vultos junto ao arame farpado. Pendem do arame centenas de garrafas de cerveja vazias que são o último grito em tecnologia de alarme. Nesta terra do nada, nada há. Temos uns bidões vazios, fizemos umas caleiras em chapa para apanhar a água da chuva e é dessa água que enchemos os cantis e nos lavamos.

A população beafada, embora seja muito hospitaleira, é muito ciosa das suas coisas e não abre mão dos animais, somos então obrigados a ir ao desenrasca até porque já atingimos a saturação dos petiscos de Gampará: cubos de marmelada com bianda, bacalhau liofilizado com bianda, chouriço intragável com bianda e tudo acompanhado por cerveja com temperatura ao nível do mijo...

Dizia-se então em Gampará,  quando os hélis vinham trazer mantimentos, que vinham entregar cerveja marca Mijo. Assim se vive em Gampará!


(ii) Feliz Natal e um Ano Novo cheio de 'propriedades'...

Todas as noites,  e sempre à mesma hora, na ausência de música, ficamos entretidos a tentar contar as morteiradas que brindam o destacamento do Xime! Ficamos à espera quando acaba lá e os tubos sejam virados para o nosso lado... Nunca na Guiné atingi um estado de magreza igual. Nunca na Guiné as condições de vida foram tão miseráveis.

Entramos no mês de Outubro [de 1972]  e vei o cá uma equipa da Emissora Nacional para gravar as mensagens de Natal para a nossa família. Não foi fácil. Todos íamos para um canto repetir vezes sem conta: Queridos Pais, irmãos e irmãs e restante família, desejamos um Natal feliz e um Ano cheio de 'propriedades'!... Esta ultima palavra era emendada mil vezes, que isto com os nervos e emoção não é fácil !

E como a ladainha era igual para todos, só muito depois é que muitos se lembravam que só tinham irmão ou irmãs, mas isso não era problema. Estavam presentes as Senhoras do Movimento Nacional Feminino. Animavam-nos porque a meio da mensagem muitos desatavam a chorar. Uma das Senhoras era de uma simpatia sem igual.(Só anos mais tarde soube que era a Cilinha!) .

(iii) O dia mais feliz: quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau...

Em Gampará um dia verdadeiramente feliz para os militares era quando chegava a LDG e vinham as meninas de Bissau, trazidas pelo Patrão, e que tinham por missão aliviar o stress do pessoal.

As meninas chegavam, instalavam-se numa tabanca, o pessoal passava pelo posto de enfermagem (?), recebia o sabão asséptico, o tubo da pomada para meter pelo coiso acima a seguir ao acto... Entretanto formava-se a bicha e trocavam-se larachas para matar o tempo, do tipo Quando chegar a minha vez com tanta gente, 'aquilo' parece o arco da Rua Augusto!.

A seguir era rezar para que o esquenta não aparecesse...

(iv) O nosso regresso a Bissau

19 de Outubro de 1972.  Soubemos hoje que metade da 38ª CCmds regressa amanhã e outra metade irá permanecer aqui a fim de dar o treino operacional à CCAÇ 4142 até 3 de Novembro de 1972. O meu Grupo de Combate será um dos que regressa.

Gampará, com todas as privações, teve o mérito de reforçar ainda mais os laços de amizade e confiança da 38ª CCmds. Aprendemos na privação a dar valor às pequenas coisas que a vida nos dá. A amizade entre os praças, sargentos e oficiais é,  na 38ª CCmds, visível  a quem observa a Companhia de fora. Essa amizade irá refletir-se em diversas ocasiões e irá levar a Companhia a muitos sucessos na actividade operacional.

20 de Outubro de 1972. Pela MSG imediata 3831/c , a 38ª CCmds regressa a Bissau, donde segue para Mansoa [, CAOP1,] para um período de descanço, ficando apenas a realizar segurança imediata ao Aquartelamto. (Esse período de descanso só durou três dias, logo aseguir correram connosco para Teixeira Pinto, de tão má memória para a 38ª CCmds). (****)

Amílcar Mendes
1º Cabo Comando
38ª CCmds
Guiné 72-74

2. Comentários do editor:

A CART 3417  foi mobilizada pelo RAL 3. Partiu para o TO da Guiné em 26/6/1971 e regressou a 24//9/1973. Teve 4 comandantes, sendo o 1º o cap art António Ângelo de Almeida Faria...Esteve Mansabá, Bissau, Ganjauará, Quinhamel, Bissau e Quinhamel

A CCAÇ 4142/72 foi mobilizada pelo RI 1. Partiu para o TO da Guiné em 16/9/1972 e regressou a 25/8/1974. Comandante_ cap mil cav Fernando da Costa Duarte. Esteve sempre sediada em Ganjauará.
_________________

Notas do editor:

Vd. poste de

(*) 3 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12246: O Nosso Livro de Visitas (168): Elisabete Gonçalves, filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe que pertenceu à CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74)

(**) Vd 19 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2775: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (3): Nem só de guerra vive um militar

Vd. postes anteriores. desta série:

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador

(...) 15 de Agosto de 1972 - Pelas 09H30 do dia 15 de Agosto 1972, a 38ª CCmds segue via fluvial na LDG Alfange com destino a Gampará nos termos da mensagem Confidencial Imediata 3054/c, de 9 de Agosto de 1972, do COMCHEFE (REPOPER). Chega pelas 14h30 deste dia fazendo a sua apresentação e, passando a reforçar o COP-7 [Zona Leste, Bafatá], rendendo a 2ª Companhia de Comandos Africanos. (...)

(...) Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe. (...)

16 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

 (...) 2ª quinzena de Agosto de 1972

Passa-se fome, mesmo muita fome. Saímos em patrulhamentos ofensivos dia sim dia não, para as regiões de Campana, Nhala, Guebambol, Ganjaurá, Sama, Gambachicha, etc. etc.

Dormimos em colchões pneumáticos mas já há muito que não tenho esse luxo porque as formigas roeram-me o colchão por baixo e estou a dormir no chão. A luz vem de candeeiros improvisados: uma garrafa de cerveja com gásoleo e com corda a servir de pavio.

Come-se muito mal, a não ser algum cabrito roubado ou alguns papagaios que se matam e o resto é bianda com marmelada, bianda com chouriço, bolachas com bianda e assim se vai vivendo. Perdi cerca de 10 kg até agora.

Tivemos problemas sérios com a população. O 1º cabo Simão (que meses mais tarde viria a morrer na estrada Teixeira Pinto -Cacheu) roubou um porco que se matou e assou no forno do padeiro para melhorar um pouco a diete do pessoal. Só que, e sabe-se lá como, o Homem Grande da tabanca descobriu e foi-se queixar ao comandante. Fomos obrigados a pagar o porco e de castigo fomos p'rá mata. (...)

(***) Vd. postes de:


9 de março de 2011 > Guiné 63/74 - P7916: Efemérides (61): 4 de Março de 1972, uma data trágica para a família pára-quedista: 6 mortos e 12 feridos, em Gampará, na margem esquerda do Rio Corubal (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pará-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia, resultaram seis mortes, Alf Mil Pára-quedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa, 2 feridos graves e nove com menos gravidade, Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira, Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço, de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE" (...).