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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24056: Facebok...ando (72): Nós, os antigos combatentes, porque nos tornaram proscritos? (Angelino Santos Silva, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds, Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/72)


Capa e contracapa de um dos romances históricos do nosso camarada Angelino Santos Silva, "Geração de 70: época das chuvas" (edição de autor, 2014). (*)


I. O Angelino  Santos Silva (foto atual à esquerda), publicou na sua página do Facebook (em 16 de janeiro último) e replicou, na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, a reflexão, que a seguir reproduzimos (com a devida vénia), sobre a nossa geração de combatentes da guerra colonial, nascida nos anos 40. 

O Angelino aceitou o nosso convite para ingressar na Tabanca Grande, a comunidade virtual de amigos e camaradas da Guiné que se reune neste blogue. Iremos apresentá-lo brevemente à nossa tertúlia.

Para já aqui um breve apontamento biográfico do autor:

(i) nasceu em novembro de 1948, na aldeia de Recarei, concelho de Paredes;

(ii)  concluído o ensino básico, fez os seus estudos na cidade do Porto;

(iii) aos 17 anos entra na Efacec como estagiário escolar, situação que se manteve até ingressar no Serviço Militar Obrigatório;

(iv) como trabalhador-estudante faz o SPI para entrada no Instituto Industrial do Porto;

(v) em 1969 vai para o CIOE, em Lamego, para frequentar o Curso de Comandos, com vista à Guerra Colonial Portuguesa em África;

(vi) integrado na 26ª Companhia de Comandos, em março de 1970 embarca no navio Niassa para a Guiné, local onde esteve 22 meses (passando por  Bula, Teixeira Pinto e Bissau);

(vii)  em março de 71, sofre em combate um "acidente" provocado por mina anticarro que o projecta a cerca de 30 metros; porque ia dependurado no lado contrário ao rebentamento da mina, quis a sorte que ficasse apenas com algumas queimaduras nas costas, provocado pela água da bateria do camião cisterna, que ficou completamente destruído; sorte, que não tiveram os camaradas dentro do camião; esteve hospitalizado dois meses;
 
(viii) regressado à Efacec em 1972, inicia a carreira profissional como Técnico de Projetos de Engenharia de Equipamentos de Produção e Distribuição de Energia Elétrica, profissão que manteve até 1982;

(ix) em 1982 despede-se da Efacec e inicia uma nova carreira profissional como vendedor de Produtos Químicos de Manutenção Industrial; promovido a Chefe de Vendas ao fim de meio ano, foi promovido a Diretor Técnico/Comercial da zona Norte, ao fim de três anos, cargo que ocupou durante 20 anos na Quimivenda;

(x) o gosto pela escrita em prosa e poesia é de sempre, mas apenas em 2010 começou a publicar os seus textos; Pedaços de Vida foi o seu primeiro romance.(**)

(xi) sabemos que frequenta as Tabancas de Matosinhos e dos Melros;

(xii) contactos: Angelino Santos Silva > telem 912 998 600 | email: angelinosantossilva@gmail.com

 Fonte: Adapt. de Wook (com a devida vénia)


II. Facebok...ando  (***) > Nós, os combatentes: Porque nos tornaram  proscritos?

por Angelino Santos Silva

1. Para responder à questão, temos de recorrer à História, não só à que nos diz directamente respeito, mas também à dos nossos pais, ou seja, à história do país do séc. XX.

A vida é um somatório de passos por caminhos sinuosos com encruzilhadas à mistura. Por vezes temos dúvidas quanto ao caminho a tomar, porém, temos consciência de que temos de prosseguir por um. Noutros, alguém os escolhe por nós sem apelo nem agravo e poucas saídas nos restam para o evitar e sempre com custos elevados.

Nós, os Combatentes pertencemos a este último grupo: perante a maior encruzilhada que a vida nos reservou, alguém nos traçou o caminho e sem qualquer recurso, tivemos que o percorrer.

Vamos aos factos históricos.

A nossa Geração nasceu no período compreendido entre o início da II Guerra Mundial e poucos anos após o fim da mesma, ou seja, entre 1941 e 1953. Olhamos à distância de 70 ou 80 anos e sentimos um amor incomensurável pelos nossos pais, que nasceram no período compreendido entre o fim da Monarquia e os princípios da I República.
 
Enquanto miúdos, víamos o enorme sacrifício que faziam para nos subtrair a um estilo de vida de grande dificuldade que lhes era imposto pelo Estado Novo. Nessa época quase metade da população portuguesa era analfabeta, principalmente nas aldeias, sendo que – analfabeto  – significava apenas não saber ler e escrever com desenvoltura, porque da vida e do trabalho os nossos pais eram mestres: aos dez anos iniciavam uma profissão, aos vinte sabiam quase tudo sobre a mesma e aos trinta eram mestres na arte que escolheram para ofício. 

Para um país retrógrado como era o nosso, tal capacidade e empenho significava uma enorme riqueza, não aproveitada por um regime que mantinha pobre o seu povo e fazia da emigração, ou antes, dos dinheiros enviados pelos emigrantes, o seu pote de ouro. Porém, beneficiaram os países que acolheram a emigração, aproveitando a mão-de-obra barata depois do descalabro da II Guerra Mundial.

Por cá, o esforço e empenho dos nossos pais, também não foram aproveitados por quem tinha o dever de melhorar o nível social do país e acompanhar o desenvolvimento social da Europa do pós-guerra mundial. Aproveitamos nós - seus filhos - cada um por si e todos criamos condições para melhorar a vida de nossas famílias. 

E assim aconteceu: perante cada encruzilhada que nos foi surgindo após o Serviço Militar, não tivemos grandes dúvidas em escolher um caminho, sempre com os olhos postos no exemplo de nossos pais: os que continuaram a estudar após a 4ª classe (o ensino básico era obrigatório até aos 14 anos para quem reprovava) fizeram-no com o intuito de arranjar o melhor emprego possível e os que foram trabalhar legalmente após os 14 anos de idade, fizeram-no com o mesmo propósito. 

Todos melhoramos substancialmente as nossas vidas, criamos as bases para erradicar o analfabetismo e os nossos filhos têm hoje um razoável nível de vida. Parte significativa é licenciada e alguns já exibem um doutoramento. 

Porém, os seus filhos – nossos netos – estão nos antípodas das gerações de seus avós e pouco sabem sobre a nossa missão enquanto Combatentes na Guerra Colonial em África. Tudo é diferente nesta Nova Geração. Aparentemente, os miúdos do Séc. XXI – aos quais designo por Geração de Cristal – têm tudo ao seu alcance, mas na realidade, perante uma encruzilhada que lhes surja pela frente, já não têm tanta certeza, como a tiveram os seus pais e avós. 

É claro, que não é por culpa própria, mas sim pelas decisões políticas erradas tomadas pelas elites governantes, que a pretexto de salvar a “economia” criam dificuldades inultrapassáveis para a maioria das pessoas. 

Esta nova forma de “olhar o mundo“ e geri-lo sob um conceito estritamente económico, - o mesmo que dizer, proteger interesses dos mais ricos - está a transformar a vida dos jovens em uma “caixa de Pandora”. No ensino, parte dos cursos académicos estão desajustados às necessidades do tempo actual e de pouco servem aos licenciados, que se veem obrigados a aceitar um emprego para o qual não estudaram, precários e mal remunerados

Além da frustração que tal opção acarreta, os jovens tornam-se permeáveis aos problemas de foro psíquico e o recurso aos antidepressivos é cada vez mais frequente. Portugal é um dos países da Europa com maior prevalência do número de doenças psiquiátricas. 

No primeiro semestre de 2022 os portugueses compraram perto de 10,9 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos, o que representou um encargo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de cerca de 32,5 milhões de euros. Em média, venderam-se mais de 59.732 embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos por dia, totalizando 10.871.282 nos primeiros seis meses do ano, o que representa um aumento de 4,1% face ao mesmo período de 2021 (10.439.500), segundo dados do Infarmed.

A pandemia veio acelerar este consumo, sendo que nos jovens se verificou o maior aumento.

Ao prosseguir nesta forma de “olhar o mundo”, ou seja, sob orientação puramente económica, chegaremos a 2030 com uma juventude sem perspectivas quanto ao futuro, com um curriculum académico puramente administrativo que pouco serve, sem emprego ou com emprego mal pago, insuficiente para fazer face à vida. 

Chegados aqui, teremos a Geração de Cristal transformada na “Geração dos Nem Nem” ou seja, Nem estudam, Nem trabalham, porque mais vale viver de subsídios. Se isto não for corrigido, a geração dos nossos netos será confrontada com um recuo civilizacional de um século e chegará ao tempo da Monarquia.

2. É muito importante que falemos aos nossos netos. É muito importante que lhes expliquemos, porque motivo existe, desde o 25 de Abril, um esforço da parte dos governantes em ignorar os Combatentes e se possível, fazer deles, cidadãos Proscritos ou seja, banidos da História de Portugal.
 
3. Este esforço tem sido feito por todos os governos com maior ou menor disfarce e todos comungam do mesmo objectivo: passar em branco as páginas da História da Guerra Colonial e nela, a dos Combatentes.

4. Cabe-nos, não permitir que tal objectivo tenha sucesso. Como fazer isso? Escrever. Escrever muito sobre nós, Combatentes.

5. Porque o tempo não pára e porque estamos confrontados com a verdade inquestionável da idade, deparamos com uma nova e derradeira encruzilhada: escrever sobre nós, utilizar as redes sociais falando sobre nós, porque no ensino escolar ninguém o faz.
 
6. Os nossos filhos também não, porque ao longo da vida familiar pouco falamos sobre a nossa presença em África, absorvidos que estávamos – tal como os nossos pais – a trabalhar para lhes dar um nível social melhor do que o nosso.
 
7. Entre nós falamos muito, facto que por vezes causava espanto aos nossos familiares, quando nos acompanhavam aos Encontros Anuais e encontros de ocasião.

8. Mas devemos falar mais, porque o tempo urge. Seremos hoje cerca de 250 mil, número com algum impacto, se unidos, coisa complicada num país que se uniu para derrubar o Estado Novo, mas logo se dividiu nas artimanhas dos políticos.
 
9. Porque, parte significativa de nós anda entre os 70 e 80 anos – os mais velhos já ultrapassaram este limite – daqui a 10 anos seremos talvez, menos de 50 mil, porque segundo as estatísticas é na idade dos 80 em diante que morre mais gente. Não fugiremos a esta realidade, até porque em cima de nós vieram algumas mazelas que nos causaram desgaste físico e psíquico.

10. De abril de 74 para cá, temos andado divididos entre religião, futebol e política. Tem sido este o desenho bem aproveitado pelos políticos, que sabem que quem não tem potencial para fazer lóbi, fica irremediavelmente para trás. E assim tem acontecido e acontece com os Antigos Combatentes, disfarçado com esmolas que “desarmam” alguns.
 
11. Se nos achamos injustiçados e entendemos fazer alguma coisa, está na hora de encontrar o caminho, porque o tempo urge e já não teremos outra encruzilhada pela frente. Esta será a última das nossas vidas.

• Quanto à pergunta, PORQUE NOS TORNARAM PROSCRITOS?

A resposta é fácil: depois de manipuladas e arregimentadas as gerações que fizeram a Guerra Colonial e, por consequência, a divisão do grupo de Capitães/Combatentes, que se tinham unido para derrubar o Estado Novo, nenhum dos governantes conheceu a guerra colonial portuguesa em África.

Um abraço a todos Combatentes.

Angelino dos Santos Silva
Combatente na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau

[Revisão e fixação de texto / Negritos, para efeitos de edição deste poste no nosso blogue: LG]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de
14 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15486: Notas de leitura (788): “Geração de 70”, por A. Santos Silva, Euedito, 2014 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23220: Notas de leitura (1442): "Pedaços de Vidas", por Angelino Santos Silva; Mosaico de Palavras, 2010 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Há que confessar que nada me fora dado a ler como esta encruzilhada de vidas em que somos levados de meados do século XX até ao princípio deste século, tudo começa no meio rural, talvez na Freguesia de Recarei, Concelho de Paredes, percorre Caldas da Rainha e Santarém, Lamego e uma intensa atividade operacional na Guiné, no centro da trama estão dois amigos fraternos; mas como temos aqui uma encruzilhada de vidas, muito provavelmente se conta a história de alguém que se conhece bem que levou uma vida conjugal infernal e que tudo vai contar, desde os primeiros episódios de um ciúme obsessivo até à tentativa de espoliar o marido e viver em permanente quezília com os filhos, temos aqui uma galopada de episódios pintalgados de dramatismo, seguramente que Angelino Santos Silva ganhou coragem para este desnudamento em que expõe a sua vida, recorrendo ao escudo da malha ficcional.

Um abraço do
Mário



Pedaços da vida de um antigo Comando na Guiné e em Portugal, obra singularíssima

Mário Beja Santos

Convém, antes de mais, justificar no título o uso de “obra singularíssima”. Angelino Santos Silva dá-nos conta do seu currículo, fez parte da 26.ª Companhia de Comandos, combatendo na Guiné de 1970 a 1972, levou uma vida de trabalho, introduz no seu currículo casamento e divórcio e orgulha-se de ter sido um competente diretor de vendas. Homenageia os camaradas e execra os praticantes do ciúme, veremos adiante que a singularidade desta obra assenta em duas histórias entrelaçadas, uma envolve dois jovens, amizade inquebrantável, António e Augusto, que combaterão juntos na mesma Companhia de Comandos; e a outra a de um casal que, de peripécia em peripécia, como iremos assistir, descobrirá o inferno relacional, tudo começa em obsessões de ciúme, culminará num golpe de baú e num divórcio litigioso onde iremos presenciar, a toda a largura, o lavar da roupa suja.

Como, nestas coisas da literatura da guerra colonial, acabamos sempre de falar de nós, mesmo com recurso aos artifícios de entrepostas pessoas e até de lugares e tempos tidos por convenientes numa tentativa de afastar suspeitas de incursões autobiográficas, há que conferir coragem a Angelino Santos Silva por esta memória e esfrangalhada diatribe familiar levado ao caos. Tudo começa pela história de António Daborda e Augusto Marques, furriel e primeiro-cabo dos Comandos, e do infausto casal Mário Oliveira e Maria Carolina. Os jovens vão às sortes, apurados para todo o serviço, o Mário e a Carolina casam quando ele regressou de África. A família de Augusto socorre-se de um pilantra, o Arnaldinho, a quem entregam 50 contos, na tentativa de safar o filho de África, mal sabe Ti João que o Arnaldinho é doido por jogo e por passear com meninas, não houve cunhas nem o Augusto queria. Iremos acompanhar a vida dos jovens em Lamego, cenas de brutalidade não faltarão, tudo justificado pelos instrutores em nome da resistência que é indispensável para as tropas especiais. E as páginas vão-se sobrepondo com os primeiros anos da vida do casal Mário e Carolina e as brutalidades em Lamego, não faltarão cantis com água e urina, tudo para beber e começam os ciúmes na vida familiar, a intromissão das irmãs de Carolina na vida do casal, surgem os primeiros delírios da Carolina, forja amantes para o marido, em Lamego António Daborda revela as suas competências, tem suficiente força de caráter para todos aqueles aturdimentos e gritarias durante a noite, altifalantes e ordens para formar na parada, é a vez de Augusto chegar a Lamego, se aquela amizade feita na aldeia já era sólida vai ganhando a consistência do aço; Mário leva uma vida amargada, acaba sempre por arredar a ideia de se separar daquela mulher errática, quer ver os filhos a viver em meio familiar, sujeita-se aos caprichos de Carolina, cada vez mais dominada pelas manas e exigindo ao marido um sem-número de excursões, que tanto podem ser a Cuba, como à República Dominicana, como a Tenerife; os dois grandes amigos reencontram o meio familiar sempre que há férias, o Arnaldinho reaparece como um fantasma, os filhos de Mário e Carolina vão crescendo e, para seu espanto, a mão maltrata-os, chega a inventar envenenamentos.

O romance segue o seu curso, mais brutalidade em Lamego, vamos ter agora uma Companhia de Comandos, no meio de trabalho de Mário começa a haver inquietações, Carolina não faz outra coisa que dizer mal do marido, começa-se a duvidar da sanidade mental da senhora.

Chegou a hora do embarque, chega-se à Guiné naquele estranhíssimo período de março/abril de 1970 em que parecia que se ia chegar a um acordo de paz, havia para ali umas negociações secretas, tudo redundou, em 20 de abril, num selvático retalhamento de vários oficiais e seus acompanhantes, caíram numa cilada, a guerra recomeçou, e a vida operacional de 26.ª Companhia de Comandos seguiu o seu rumo. Carolina consegue induzir o marido para um negócio de um ginásio onde vão também participar os sobrinhos, filhos de uma muita amada irmã, Carolina disparata a toda a hora com as empregadas e vai preparar o golpe do baú, retira os dinheiros da conta comum, leva as joias e outros bens, anuncia para quem a quer ouvir que o marido a espanca e ela sofre a mais terrível das crueldades mentais daquela besta. Os filhos do casal questionam como é que o pai aguenta aquela mãe tão disfuncional, entretanto monta-se a estratégia do divórcio, António e Augusto vão com a sua Companhia até Bula, parece estar tudo calmo, ainda não se deu a tragédia do 20 de abril, estas duas histórias que andam a par vão ganhar eletricidade quer na sala do tribunal, quer na atividade operacional da 26.ª Companhia de Comandos que percorre a Guiné, assaltando bases, apoiando colunas, intervindo para resolver encrencas.

E se o julgamento clarifica que Mário está inocente de todas as acusações, a vida de Augusto e António tem outro desenlace, a Companhia tem dado apoio ao alcatroamento de uma estrada entre Mansabá e Farim, o tapete vai chegar ao K3. Há necessidade de bater uma zona, procurar uma base de morteiros, os helicópteros não conseguiam localizá-la, tal a camuflagem, vai também tropa africana. A tragédia surge no terceiro dia de operação, na mata tudo parecia calmo, está-se perto do objetivo, pede-se apoio a um helicóptero, o seu canhão mete respeito. O furriel António está a dar ordens, mas não acaba a frase, uma violenta explosão atira-o a uma distância bem folgada, não ouve nada, não sente as mãos, não sente as pernas, tenta dar alguns passos, mas volta a cair, vê alguns camaradas estendidos no chão e outros a correr, descarregando as suas armas. Deitado no chão sente a correntes de ar das pás do helicóptero, é para ali transportado, ali desmaia, acorda no hospital militar de Bissau, está intacto, apenas com umas ligeiras queimaduras nas costas, tal como aconteceu a Angelino Santos Silva, na guerra que ele viveu. Mas Augusto, o seu amigo fraterno, sucumbiu. Em janeiro de 1972, António vê-se novo no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, com os seus camaradas segue para Lamego, metem-se à estrada num táxi de Lamego a caminho de casa, viagem acidentada até ao Porto. Em São Bento toma o comboio para casa, a sua aldeia espera-o, aparece enregelado à família, tem o aspeto de desenterrado. Mete-se na cama e durante três dias esteve em silêncio, contabiliza ganhos e perdas, isto enquanto no tribunal a advogada de defesa dá os parabéns a Mário que confessa que não está feliz: “Não é uma sentença em papel, ainda que justa, que sossega a besta que em mim foi despertada por duas bestas que me infernizaram a vida e marcaram para sempre a minha e a dos meus filhos”.

Como nada até hoje li como estes pedaços de vidas, de gente que chega ao destino com todas as convicções abaladas a classifico como “obra singularíssima”.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23211: Notas de leitura (1441): “A Balada do Níger e Outras Estórias de África”, por Amílcar Correia, Civilização Editora, 2007 (4) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22985: Fichas de unidades (24): 26ª CCmds (Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/71)


Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > 35ª CCmds (1971/73) > O fur mil cmd Ramiro Jesus com um "djubi",  o "Caboiana", cuja mãe morreu, vítima de uma emboscada das NT, e que, tendo ficado órfão,  foi resgatado pelos militares da 26ª CCmds (Teixeira Pinto e Bula, 1970/71). Acabou por ser criado no quartel e tornar-se a mascote da companhia... No fim da comissão, a 26ª CCmds entregou o miúdo aos cuidado dos periquitos, a 35ª CCmds. (*)

Foto (e legenda): © Ramiro Jesus (2022).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ficha de unidade: 26ª Companhia de Comandos (**)

Identificação: 26ª CCmds

Unidade Mob: CIOE - Lamego

Cmdt: Cap Inf Cmd Alberto Freire de Matos

Partida: Embarque em 25Mar70; desembarque em 31Mar70 | Regresso: Embarque em 27Dez71

Síntese da Actividade Operacional


Após o desembarque, deslocou-se em 06Abr70 para Bula, onde iniciou o treino operacional com a 16." CCmds, de 07 a 29Abr70, deslocando-se seguidamente para Teixeira Pinto, a fim de realizar operações nas regiões de Peconha, Catum e Belenguerez, ficando depois atribuída ao CAOP (depois CAOP 1), como força de intervenção e reserva daquele agrupamento.


 Nesta situação tomou parte em diversas operações realizadas nas regiões de Churo-Caboiana, Bachile, Burné, Churobrique e Belenguerez, entre outras, com destaque para a operação "Relâmpago Gigante".

De 06 a 10Dez70, foi deslocada para Bula, a fim de reforçar o BCaç 2928, com vista à realização de operações na região de Ponate, após o que regressou a Teixeira Pinto, a fim de colaborar na segurança afastada dos trabalhos da estrada Teixeira Pinto-Cacheu e na realização de várias operações naquela área.

Em 27Jun71, recolheu, transitoriamente, a Bissau para um período de descanso, após o que voltou para Teixeira Pinto, de novo atribuída ao CAOP 1, com vista à realização de operações nas regiões de Ponta Costa, Belenguerez e Burné e ainda na colaboração na segurança e protecção aos trabalhos da estrada Teixeira Pinto-Cacheu.

Em 14Dez71, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.


Observações - Tem História da Unidade (Caixa n." 91 - 2ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág.533. (Com a devida vénia...).


2. Operação Relâmpago Gigante - 16 e 170ut1970

Um golpe de mão/emboscada foi realizado na região de Tecanhe - Barme - Balem, CAOP 1, por dois Gr Comb das 26ª CCmds, 27ª CCmds e DFE 3.

Detectada uma arrecadação na região de S. Domingos, sendo recolhido o seguinte material:

1 espingarda "Mauser"
1 pistola metralhadora "PPSH"
1 cano de espingarda "Mosin-Nagant"
1 aparelho de pontaria de canhão s/r "B-10"
1 aparelho de pontaria de mort 8,2 cm
2 canos metralhadora pesada
8 carregadores para metr "PPSH"
2 carregadores metralhadora ligeira  "Degtyarev"
3 carregadores metralhadora ligeira "M-52"
9 minas A/P
2 granadas de canhão  s/r  7,5 cm
1 granada de canhão s/r  B-10, 
8 granadas de morteiro 60 mm
1 granada de LGFog 8,9 cm
3 granadas de LGFog  "RPG-2"
31 espoletas diversas
6 cargas suplementares para mort 82 mm
6 cargas propulsoras LGFog"RPG-2"
100 disparadores diversos
126 cartuchos propulsores para mort 82 mm
95 detonadores
auscultador
1 chave Morse
3 baterias para rádio
diverso material rádio e sanitário e documentos vários.

No segundo dia foram abatidos 2 elementos lN e apreendida 1 espingarda "Mauser". Destruídas várias casas junto dum campo cultivado.

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II: Guiné: Livro 2. 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015, pág. 503. (Com a devida vénia...).


3. Não temos qualquer representante da 26ª CCmds na nossa Tabanca Grande. Há apenas 5 descritores.  
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  9 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22980: Blogoterapia (301): Que será feito do "Caboiana", o menino órfão que deixámos em Teixeira Pinto? (Ramiro Jesus, Fur Mil Cmd, 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

(**) Último poste da série > 5 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22879: Fichas de unidades (23): BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), CCAÇ 3398 (Buba), CCAÇ 3399 (Aldeia Formosa), CCAÇ 3400 (Nhala)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22980: Blogoterapia (301): Que será feito do "Caboiana", o menino órfão que deixámos em Teixeira Pinto? (Ramiro Jesus, Fur Mil Cmd, 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

Teixeira Pinto - O Fur Mil CMD Ramiro Jesus com o "Caboiana" ao colo

 
Foto (e legenda): © Ramiro Jesus (2022).Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73), com data de 8 de Fevereiro de 2022:

Boa-tarde, camaradas.

Por estes dias, ao ler o Cherno Baldé, avivou-se-me a memória, tantas vezes repetida nas últimas cinco décadas, acerca de uma criatura especial, das muitas de que me tenho lembrado, depois da minha passagem e regresso da Guiné.

Pois é, como todos que por ali passámos, e apesar das condições em que o fizemos - que não eram propriamente de confraternização com os seus naturais - houve sempre alguém daquela população civil ou outros militares e para-militares com os quais cada um de nós foi convivendo e que, em cada caso, ao deixá-los, foi criada em cada um de nós (julgo eu) uma certa carga nostálgica, agravada pelos desenvolvimentos posteriores à passagem de soberania. 

No meu caso, recordo muitos dos que pertenceram às três Companhias de Comandos Africanos, tantos deles cujos nomes fui encontrando nos jornais, que foram relatando o fim trágico a que foram sujeitos logo depois da independência e outros que, tendo escapado aos fuzilamentos, às vezes ainda aparecem em algumas reportagens.

Mas há um caso muito especial, como disse inicialmente, que me veio à memória com mais vigor: é o Caboiana, que me acompanha na pobrezinha foto que anexo.

Pois é, este menino, de que ninguém sabia o nome e nem ele (por ser bebé), era um "prisioneiro" de guerra, que nos foi entrgue pela Companhia - a 26.ª CC - que rendemos em Teixeira Pinto, e que o tinha trazido de uma operação na Caboiana (uma daquelas zonas que o PAIGC chamava libertadas), em que a pobre mãe, com ele, tinha caído numa emboscada em que perdeu a vida. 

Quando, em Fevereiro de 1973, deixámos aquela terra, deixámo-lo também a ele. Pergunto-me então:

Quem o terá criado?
Que nome lhe terão dado?
Como terá sido a sua vida?
Onde estará agora?
E... sei lá mais o quê?!

Nada sei. E sinto uma espécie de angústia.

Um abraço
Ramiro Jesus
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22939: Blogoterapia (300): O tempo passa, mas as suas marcas ficam (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9998: Em busca de... (191): Pessoal da 26ª CCmds, camaradas do João Gertrudes Luz, natural de Faro, sold cond comando (Brá e Teixeira Pinto, 1970/71), tragicamente desaparecido em 2007 (Anabela Pires, de regresso à Pátria)










Lourinhã > Casal Frade > Biofrade > 2 de junho de 2012 > Duas imagens da visita a uma das maiores empresas agrícolas, portuguesas, em modo biológico. Cicerone, o nosso amigo e conterrâneo Henrique Gomes (na primeira foto de cima, em primeiro plano, com o seu garrano, a esposa - de costas -, a Alice e a Anabela Pires)...


O Henrique Gomes é pai-fundador e líder desta exploração familiar (30 hectares, sendo 1 de estufa; vinte e tal trabalhadores permanentes), que tem, além disso,  uma vertente educacional, proporcionando visitas de estudo e estágios... 


O Henrique Gomes, que formou todos os seus cinco filhos, é também um veterano da guerra colonial (esteve em Moçambique, entre 1963/65, na "acção psicossocial"), um cidadão ativo, um líder associativo e um cristão empenhado que dá o exemplo pela palavra e pela ação... Tanto ele como a família (, incluindo o filho António Gomes, engenheiro agrónomo, dirigente da Louricoop, e um dos sócios da Biofgrade), estão ligados à Fundação João XXIII - Casa do Oeste, que tem uma série de projetos à Guiné-Bissau (dos que falaremos oportunamente, noutro poste). E aos 70 anos, o patrão Henrique ainda trabalha de sol a sol, o mesmo é dizer que trabalha por dois... É esta valorosa gente da nossa geração, bem como os seus filhos, que estão a mudar Portugal...


Ele e a esposa são um casal encantador e hospitaleiro. Afável e bem disposto, o Henrique é um excelente conversador, dando gosto ouvi-lo contar histórias, como a da origem do Casal Frade e da família Gomes...


Fotos (e legendas): © Luis Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. .



1. A  Anabela Pires, nossa recente grã-tabanqueira, esteve  este fim de semana,na Lourinhã, comigo e com a  Alice (é amiga dela e antiga colega de  trabalho, no Ministério da Agricultura). Fomos-lhes apresentar-lhe uma família de amigos nossos, que têm um exploração de agricultura biológica, um caso de sucesso no oeste (e em Portugal), a Biofrade



Criada em 1991, como empresa familiar, a Biofrade  é  vários títulos pioneira e exemplar. Desde 1998, só produz e comercializa produtos de agricultura biológica, em 30 hectares (sendo um de estufa), para além dos muitos produtores em modo biológico, nacionais e estrangeiros com quem trabalha em parceria... 


A Anabela, que tem estado em Alcobaça, na casa da irmã, ainda esteve para trazer com ela o nosso amigo comum, o JERO. Foi pena ele não estar disponível este sábado: seguramente que ficaria encantado, como eu fiquei, de ouvir contar ao meu amigo Henrique Gomes a história do Casal Frade, fundado por dois franciscanos, a seguir - pelas minhas contas - à extinção das ordens religiosas, em 1834. Fica para a próxima (a visita do JERO e a história dos dois frades que falavam com os lobos, sendo um deles o antepassado mais ilustre da família Gomes). 


Aproveitámos as sugestões da semana gastronómica lourinhanense do polvo, para almoçar à beira mar, no restaurante Foz, na Praia da Areia Branca, com o mar e as Berlengas à vista. Falámos o tempo todo da Guiné, da AD, do Pepito, do projeto do ecoturismo, de Iemberém, do Cantanhez, dos daris (chimpanzés), das cobras, da pesca (a Anabela é uma grande pescadora de linha, andou no Rio Cacine e afluentes, de canoa, a pescar!), da Cadi, da Alicinha, da Anabelinha (também já lá tem uma afilhada, a cujo parto assistiu!), da desgraça atual da Guiné, dos fulas, dos nalus, dos balantas, dos felupes, de São Domingos, da miséria de Dacar e do Senegal (, país de pedintes e crava-turistas!)... e do sonho de voltar a Iemberém em 2013,  se os novos senhores de Bissau...deixarem!


Recorde-se que a Anabela Pires esteve em Iemberém, na Região de Tambali,  desde janeiro de 2012, como voluntária  da AD, a trabalhar no projeto do ecoturismo do Cantanhez. Na  sequência do golpe de estado de 12 de abril, acabou por ir para São Domingos e depois Dacar, no  Senegal, por razões de segurança... Esteve lá mais de um mês, na casa de um amiga casada com um diplomata...  Regressou há uma semana e picos a Portugal, na esperança de voltar à  Guiné, em 2013, depois das "prometidas" (pelos golpistas!) novas eleições presidenciais... 


Entretanto, ela tinha-me falado deste seu amigo, o João  Gertrudes Luz, nosso camarada, tragicamente desaparecido em 2007, e da "dívida" que ela ainda tinha para com ele... Simbolicamente, com a publicação deste poste, fica saldada essa "dívida" em aberto, embora infelizmente tenhamos poucas notícias, no nosso blogue, da 26ª CCmds... Mas contamos, desde já, com os resultados das boas diligências dos nossos leitores, tabanqueiros e não tabanqueiros... Por certo que teremos resposta ao pedido da Anabela.


Um xicoração, Anabela, meu e da Alice. (LG )




 2. Mensagem da Anabela Pires, com data de ontem:

  Data: 4 de Junho de 2012 11:18

Assunto: João Gertrudes Luz, ex-combatente na Guiné

 Luís, olá!

Junto envio a foto do meu falecido amigo João Gertrudes Luz, natural  de Bordeira, Faro.  Foi militar na Guiné em 1970/1971, na 26ª Companhia [de Comandos], era condutor
auto, comando, esteve em Brá e em Teixeira Pinto, hoje Canchungo. 


Era casado com a minha saudosa colega Saudade Canteiro Luz e faleceram  ambos em 6 de Agosto de 2007 num trágico acidente de viação. Deixaram  dois filhos, o Cristovão José e o João Paulo e já têm uma netinha que  faz amanhã [, 5 de junho,]  3 anos e que se chama Carolina Saudade. Seria a luz dos  seus olhos se eles estivessem ainda entre nós. 

O João falava-me muito do seu grande desejo de voltar à Guiné. Assim,  quando eu fui para lá,  levei comigo uma foto do João que os filhos me  emprestaram e gostaria de ter ido a Cachungo para aí o recordar. Infelizmente não foi possível. 

Gostaria muito de saber se na Tabanca Grande alguém foi camarada de  armas do João e o que se recordam dele. Era muito divertido e por isso  quem com ele esteve na Guiné deve ter boas recordações. No fundo procuro uma forma de lhe prestar uma singela homenagem e de lhe dizer que de alguma forma ele voltou à Guiné.

Obrigada

Anabela Pires

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Nota do editor:

Último poste desta série > 31 de maio de 2012 >Guiné 63/74 - P9969: Em busca de... (190): Contactos de pessoal da CCAV 1662 (Manuel Fonseca)

domingo, 21 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1452: Em busca de: À procura da 26ª Companhia de Comandos (Rui Esteves)

Guiné > Bissau > Voz da Guiné > Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos (1). Mais fotos, na 3ª página, da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo. Nesse dia, o Batalhão de Comandos da Guiné passou a ter mais 2 Tenentes, 1 Alferes, 12 Primeiro-Sargentos, 3 Segundo-Sargentos e 24 Furriéis. Na foto do canto superior esquerdo, Spínola impõe os galões a um novo tenente.


Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.

1. Alguém, com endereço de e-mail registado num domínio francês, mandou-me há dias a seguinte mensagem sobre a 26ª Companhia de Comandos:

"Gostava de ouvir falar desta Grande Companhia, a que eu pertencia. EStivemos en Brá e em Teixeira Pinto nos anos 70 e 72. Muito obrigado".

A mensagem não vinha assinada. Mas o dono do endereço é Martin Celeste (pereiraraffet@yahoo.fr).

Tudo indica tratar-se de um camarada que emigrou para França, depois da sua desmobilização.

2. Resposta do Rui Esteves, membro da nossa tertúlia (ex-furriel miliciano enfermeiro, CCAÇ 3327, Teixeira Pinto e Bissássema, 1971/73) (2):

Contactei com a 26ª Companhia de Comandos na região de Teixeira Pinto. A minha Companhia – Companhia de Caçadores 3327, Açoreanos – esteve a fazer segurança aos trabalhadores que abriam caminho, à catanada, para a estrada que ia ligar Teixeira Pinto ao Cacheu.

Que isto dizer que a Companhia de Caçadores 3327 acampou durante cerca de 4 meses ao longo da futura estrada.

E, a fazer segurança a nós – pobres periquitos acabados de chegar à Guiné em Janeiro de 1971 – tínhamos a 26ª CCmds ou uma Companhia de Paras ou de Fuzileiros (alternavam, uma noite cada uma).

Numa das manhãs em que a 26ª Companhia de Comandos estava a sair da nossa beira houve um ataque do PAIGC que se saldou por alguns feridos, alguns com gravidade.
Um dos feridos, ligeiros, era um furriel da 26ª de que já não recordo o nome (só me lembro que já era a 2ª vez que ficava ferido em combate).

Os feridos com gravidade eram do PAIGC e tiveram prioridade na evacuação para o Hospital de Bissau. Eu fui o furriel enfermeiro que os tratei.

Quanto aos contactos – lamento, não tenho.

Rui Esteves
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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts

16 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1438: Questões politicamente (in)correctas (18): A derrota (mais política do que militar) afectou mais a tropa especial (Carlos Vinhal)

(2) Vd. postas anteriores do Rui Esteves:

29 de Novembrod e 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIX: Parece que foi ontem (CCAÇ 3327, 1971/73: Teixeira Pinto, Bissássema) (Rui Esteves)

29 Novembro 2005> Guiné 63/74 - CCCXXI: Catotinha, uma bajudinha manjaca (Rui Esteves)

30 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIV: A escola de Bissássema (CCAÇ 3327, 1971/73) (Rui Esteves)

13 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXII: O meu primeiro contacto com um leproso (Rui Esteves)

17 Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIX: Uma aposta estúpida (Rui Esteves)

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: NPR Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > Fevereiro de 2005 > A viagem de todas as emoções, começada pelo Paulo Santiago em Fevereiro de 2005, continua no nosso blogue... Hoje, reconstituindo, por exemplo, um raide nocturno ao Pilão... Uma noite de copos em Bissau era um dos poucos luxos que um tuga , a caminho do mato, se podia permitir: não eramos santos nem heróis, também não eramos meninos de coro nem escuteiros... Tínhamos vinte anos, muita adrelina, muita vontade de viver e nenhuma de morrer... Em Bissau, longe do Vietname, como eu costumava escrever...no meu Diário de um Tuga (*).

1. Na minha companhia (a CCAÇ 12) tínhamos uma espécie de acordo tácito, nós, os milicianos e o sargento Piça, que nos arranjava a guia de marcha.

Todos os pretextos era bons, médicos ou não médicos, para se fugir do Vietname: o mais vulgar, era ir a Bissau mudar o óleo (sic), tratar dos dentes, arranjar os óculos, ir a um consulta hospitalar, marcar a tão sonhada viagem de férias à Metrópole, beber uns copos, comer umas ostras e uns camarões, enfim, espairecer as ideias… De quem andava por Bissau, assim sem destino, dizia-se que estava ou era desenfiado... A verdade é que não havia muito mais sítios para um gajo fugir à merda da actividade operacional...

Obrigado ao Paulo por esta estória de copos - que felizmente acabou em bem (afinal, eramos todos bons rapazes e não nos comportávamos como ocupantes...) - e sobretudo por nos reconstituir o roteiro de Bissau by night... Na Orion, nunca pus os pés, mas a chungaria do Chez Toi e a tabanca grande do Pilão tive que as conhecer... Aliás, para além das ostras, dos copos e das verdianas, o que é que havia mais em Bissau ? (1)... Seguramente, que muito mais: nós é que não tivemos tempo (nem imaginação) para o descobrir...

Os protagonistas desta estória são o Paulo e os seus amigos: o comandante Rita, da Orion; um tenente da reserva naval, Alves da Silva; o Martins Julião, nosso tertuliano, alferes da CCAÇ 2701; mais o Cap Tomás, ajudante de campo do Com-Chefe...

 Se quisermos, devemos ainda acrescentar à lista mais três figurantes: o automóvel da D. Helena (Spínola); um alferes em fim de comissão, o Domingos; mais um tenente dos comandos, o Oliveira... Como amigos que são (ou eram) do Paulo, não são (ou não eram) gente de cerimónia... Além disso, são pessoas públicas e o Pilão era o mais público dos sítios públicos de Bissau... Enfim, uma estória que, naquela época, bem se poderia ter passado em Lisboa, entre o Cais do Sodré e o Bairro Alto... Uma estória, em todo o caso, digna de figurar numa antologia (portuguesa) das crónicas dos bons malandros... (LG)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 1971 > "Na foto junta, eu e o Tomás estamos bem direitinhos... era de manhã" (PS)... O Cap Tomás, de pingalim, está atrás de Spínola, a quem o Paulo Santiago bate a pala.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O Caco - alcunha por que era conhecido o Com-Chefe - passa revista. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, ajudante de campo do general Spínola.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.




Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > NRP Orion > O comandante Rita, "um grande homem, um grande comandante", na opinião de Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73). Na foto, vemos os dois na ponta do navio, a navegar no Cacine. O Cmdt Rita está em segundo plano. O Lauret segura os binóculos.

Foto © Pedro Lauret (2006) . Direitos reservados.


2. Continuação da série Estórias de Bissau (**)

Uma ida ao Pilão

por Paulo Santiago


Foi aí por volta de 30 ou 31 de Março de 1972 que os acontecimentos se passaram. Estava eu em Bissau, de passagem, para mais um mês de férias na Metrópole, embarcava no avião da TAP em 2 de Abril.

O NRP Orion (***) foi onde jantei naquela noite, a convite do Comandante Rita, sendo também convidado oTen RN [reserva naval] Alves da Silva, conhecido entre nós pelo petit-nom de Eduardinho. Não me lembro da ementa, mas foi excelentemente acompanhada pelos belíssimos néctares existentes na garrafeira daquele navio.

O Martins Julião estava em Bissau a chefiar a comissão liquidatária da CCAÇ 2701 [, Saltinho, 170/72]: sabendo que me encontrava a bordo da Orion, apareceu no fim de jantar, ainda a tempo de beber uns uísques.

Por volta da meia-noite, ou ainda mais tarde, resolvemos ir ao Chez Toi, um cabaré chungoso, o que se chama agora casa de alterne. Apanhámos um táxi no porto e lá seguímos para a má vida. O Rita, como habitualmente, ainda poderia beber mais uma garrafa nas calmas, eu, o Alves da Silva e o Julião já estávamos um pouco mal tratados. O cabaré estava repleto, já não cabia mais ninguém. Convencemos o empregado a trazer-nos uma Old Parr, mais quatro copos e ali ficámos encostados ao muro a dar conta da garrafa.

Subitamente chega um carro em alta velocidade, Peugeot 404 preto, que faz uma travagem maluca ali em frente, e donde sai o Cap Tomás, ajudante do Caco. Vinha bastante encharcado, mas deitou a mão à nossa garrafa bebendo uma boa golada. A única pessoa que ele conhecia bem era o Rita. Queria ir para as gaijas, não sei fazer o quê, naquele estado. Convenceu o Comandante e lá entrámos os quatro para o 404, era o carro da D. Helena [Spínola], onde o único meio sóbrio era o meu amigo Rita.

Seguimos em direcção ao Pilão, com o Tomás a fazer uma condução à maluca. Falou numa cabo-verdiana que nenhum de nós conhecia, que ficaria perto da casa da Eugénia, essa conhecia eu bem. Corremos imensas ruas e ruelas do Pilão, eram tantos os saltos que o carro dava que o Rita já dizia estar a apanhar mais pancada que numa tempestade no mar. A determinada altura, uma das rodas do carro cai num buraco com grande violência, ouve-se um barulho de latas e ficamos com menos luz. O Tomás pára o Peugeot e símos para verificar o sucedido. Com a pancada, um dos faróis saltara do encaixe, ficando virado para o solo, preso pelos fios de ligação.

Nenhum problema, continuamos às voltas, à procura das gaijas que nenhum conseguia dizer onde ficavam e o farol acabou por cair, ninguém soube onde. Aí pelas três da manhã, chegamos a um local do Pilão onde se encontrava um grande aglomerado de pessoas, em estado de grande exaltação. Paramos, saímos do carro e vemos no meio daquele maralhal o Alf Mil Domingos, de braço engessado ao peito, prestes a levar, na melhor das hipóteses, uma grande carga de pancada.

O Comandante Rita, graças à sua estatura, vai furando, connosco atrás até chegarmos
ao Domingos, também de cabeça perdida. O que se passara?
- O caralho do Oliveira trouxe-me para aqui, bateu à porta daquela gaja, ela diz que está ocupada, o cabrão manda um pontapé na porta, rebenta-a, a tipa grita, começa a juntar-se este maralhal e o gajo deixou-me sózinho.

Foi complicado acalmar aquela gente mas conseguiu-se. Foi mais um passageiro para o maltratado 404. O Tomás ficou no Palácio e, nós os cinco, viemos beber mais um copo ao Orion. O Domingos embarcava nessa manhã para Lisboa, em fim de comissão.

PS - O Oliveira era Tenente dos Comandos. Pertencera à 26ª e estivera em Fá com o Miquelina Simões a formar a 2ª CCA [Companhia de Comandos Africanos]. O Domingos fora Fur Mil na 4ª CCmds em Moçambique e Alf na 26ª, até apanhar uma porrada e ser transferido para Teixeira Pinto onde teve um acidente do qual resultou um braço partido. Tive com ele várias histórias.

Paulo Santiago
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(...) "Decididamente não queria falar-te de mulheres (e, muito menos, das brancas que, aqui, no cu do mundo, povoam os nossos delírios palúdicos)… Mas como não, se elas são o único antídoto contra a angústia da morte ?!... As paredes das nossas casernas no mato estão forradas de posters de gajas nuas, loiras, de olhos azuis, formas esculturais e pele acetinada, que é “para um gajo não se esquecer da carne branca” (sic)…
"Em contrapartida, a pomada antivenéria (e, claro, a penicilina, em doses de milhões) é o que mais se gasta nos nossos postos de caserna. O bordel é talvez a única instituição castrense verdadeiramente respeitável… Mas se os franceses mandavam para a Argélia putas de campanha juntamente com os seus legionários, nós, tugas, não temos esse problema: fornicamos sem preconceitos raciais, ou não fossemos “um país, muitos povos, uma só Nação”! (...).
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1290: Estórias de Bissau (7): Pilão, os dez quartos (Jorge Cabral)

(***) Sobre a LFG Orion, vd. os seguintes posts:

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1267: Estórias de Bissau (2): A minha primeira máquina fotográfica (Humberto Reis); as minhas tainadas (A. Marques Lopes)


22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)


5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)


4 de OUtubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)


2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1143: Parabéns, comandante Pedro Lauret, é uma honra tê-lo a bordo (Paulo Santiago)


1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)