sábado, 22 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17269: Agenda cultural (554): 500 fotos, algumas das quais para a História... Exposição de Alfredo Cunha, o nosso grande fotojornalista, na Cordoaria Nacional, em Lisboa, até 3.ª feira, 25 de abril, entrada livre



Lisboa > Cordoaria Nacional > 5 de março de 2017 > Exposição de fotografia de Alfredo Cunha > Algumas das célebres fotos do dia 25 de Abril de 1974. O autor doou a coleção à Fundação Mário Soares.Podem ser aqui visualizadas, no portal Casa Comum > Arquivos > Alfredo Cunha / Fotografias 25 de Abril... São um total de 75, com legendas do jornalista Adelino Gomes.



Lisboa > Cordoaria Nacional > 5 de março de 2017 > Exposição de fotografia de Alfredo Cunha >  Um dos trabalhos mais recentes de Alfredo Cunha, na Guiné-Bissau (2013)


Lisboa > Cordoaria Nacional > 5 de março de 2017 > Exposição de fotografia de Alfredo Cunha > O fotógrafo é também um notável retratista: há retratos de múltiplas personalidades, de Salgueiro Maia a Spínola

Fotos: Luís Graça (2017)

TEMPO DEPOIS DO TEMPO

Fotografias de Alfredo Cunha 1970-2017


Data: de 3 mar a 25 abr/17
Horário: Terça a sexta, das 10h às 18h | 
sábado e domingo, das 14h às 18h


1. A Galeria Torreão Nascente vai estar aberta, a título excecional,  nos próximos dias 24 e 25 de Abril (segunda e terça-Feira) e encerrará no horário habitual. Entrada livre.

Alfredo Cunha é um dos maiores fotojornalistas da atualidade, foi o fotógrafo da nossa geração... Muitas das imagens que ele captou, vão ficar para a história da nossa terra. Foi ele que esteve, tal como Eduardo Gageiro, num momento único e irrepetível, da manhã de 25 de Abril de 1974, no Terreiro do Paço, quando o nosso camarada Salgueiro Maia enfrentou os tanques de Cavalaria 7 e um famigerado brigadeiro da "brigada do reumático", Junqueira Reis, que, histérico,  gritou em vão aa um pobre 1º cabo  apontador do M47, o José Alves Costa,   para disparar  sobre os revoltosos ... Recorde-se aqui, a propósito,  o livro "Os Rapazes dos Tanques" (Porto Editora, 2014), de que são autores Alfredo Cunha (fotos)  e Adelino Gomes (texto).

Ao longo de 47 anos, desde 1970, Alfredo Cunha (que tinha 20 anos no 25 de abril)  não só fixou grandes momentos históricos (o 25 de abril, a descolonização, a queda do ditador romeno Nicolae Ceauşescu, na Roménia, a guerra no Iraque, etc.) mas como também o rosto de homens e de mulheres sem história, mas sem os quais nunca se fará a História com H grande. Por que são eles a humanidade, de Portugal à Guiné-Bissau.

É uma exposição a não perder: são cerca 5 centenas de fotografias, a preto e branco, que tem levado milhares de pessoas à Cordoaria Nacional.

Intitulada "Tempo depois do tempo. Fotografias de Alfredo Cunha 1970-2017", é uma grande retrospetiva (a primeira do fotógrafo, agora reformado, mas que em 2012 tornou-se fotojornalista freelancer, tendo participado no projeto comemorativo dos 30 anos da AMI - Assistência Médica Internacional “Três Décadas de Esperança”, que o levou a percorrer países como o Níger, a Roménia, o Bangladexe, a Índia, o Haiti, o Sri Lanka, a Guiné-Bissau e o Nepal).

Grande parte das fotografias expostas, em formato grande, são inéditas, sobretudo as do séc. XXI.


2. Recorde-se, em traços largos, o CV  de Alfredo Cunha:

(i) nasceu em 1953, em Celorico de Basto, filho e neto de fotógrafos;

(ii) começou sua carreira profissional em fotografia publicitária,  em 1970, e como fotojornalista no jornal "Notícias da Amadora" em 1971;

(iii) trabalhou no jornal "O Século" e n'O Século Ilustrado (1972), na ANOP - Agência Noticiosa Portuguesa (1977) e nas agências de notícias Notícias de Portugal (1982) e Lusa (1987);

(iv) foi fotógrafo e editor-chefe no Público entre 1989 e 1997;

(v) em 1997, ingressou no grupo Edipresse como fotógrafo-chefe;

(vi) em 2000, começou a trabalhar na revista Focus;

(vii) 3m 2002, colaborou com Ana Sousa Dias no programa “Por Outro Lado”, da RTP2;

(viii) foi o fotógrafo e editor-chefe do "Jornal de Notícias" entre 2003 e 2009 e diretor fotográfico da Global Imagens entre 2010 a 2012;

(ix) a partir de então passou a  trabalhar como freelancer e está a desenvolver vários projetos editoriais;

(x) fotografou o 25 de Abril de 1974 em Portugal e, pouco depois, viajou por Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, S. Tomé, Timor-Leste e Cabo Verde, fotografando a descolonização portuguesa;

(xi) publicou diversos livros de  de fotografia: Raízes da Nossa Força (1972), Vidas Alheias (1975), Disparos (1976), Naquele Tempo (1995), O Melhor Café (1996) Porto de Mar (1998), 77 Fotografias e um Retrato (1999), Cidade das Pontes (2001), Cuidado com as crianças (2003), Cortina dos Dias (2012), O Grande Incêndio do Chiado (2013) e Os Rapazes dos Tanques (2014).
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Nota do editor:

ÚLtimo poste da série> 10 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17230: Agenda cultural (553): Convite para sessão de apresentaação do livro "Exílios: testemunhos de exilados e desertores portugueses na Europa (1961-1974)". Lisboa, Museu do Aljube, 3ª feira, dia 11, às 18h00. Apresentação de Carlos Matos Gomes, e intervenções de 2 dos 21 autores. (Confirmar presença.para info@museudoaljube.pt)´roui

Guiné 61/74 - P17268: Notas de leitura (949): “As minhas aventuras no país dos sovietes”, por José Milhazes, Oficina do Livro, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
Por uso e costume, coligo todos os textos, declarações, referências, comentários, etc, que tenham a ver com a Guiné-Bissau, seja em que contexto for.
A obra de José Milhazes é um livro de memórias de alguém que partiu da Póvoa de Varzim, em 1977, com uma bolsa de estudos, ali se graduou, constituiu família e foi durante décadas tradutor e jornalista. Ao encontrar impressivas e dolorosas notas sobre a vida dos estudantes na Guiné-Bissau já na era Putin, entendi que elas tinham aqui pleno cabimento, importa não esquecer que depois estes licenciados virão a ser altos funcionários e até dirigentes políticos no seu país.

Um abraço do
Mário


Os estudantes da Guiné-Bissau 
na época pós-URSS

Beja Santos

“As minhas aventuras no país dos sovietes”, Oficina do Livro, 2017, é o livro de memórias de José Milhazes em que nos fala das suas vivências entre 1977 e a quase atualidade. Relato de infância e juventude em torno da Póvoa do Varzim, uma bolsa de estudos leva-o até Moscovo, em 1977, aprende russo e a conviver numa sociedade multicultural, passa férias na Polónia e descobre o anticomunismo mais virulento, repertoria os factos políticos com a minúcia de quem tem créditos firmados no jornalismo como ele, dá-nos imagens impressivas de alguma vida quotidiana, da constituição de família, colige laboriosamente os factos até assistirmos à dissolução do império soviético, a deriva de Boris Ieltsin em que se passou de um feroz estatismo para a mais espetacular bacanal da venda de um país a retalho, assim se chegando a Putin e à sua mão de ferro. 

É no contexto destes fragmentos de memória e da recolha documental que José Milhazes nos conta várias histórias africanas em Moscovo, e é nesse contexto que aparecem os estudantes da Guiné-Bissau. Vejamos o que ele escreve, a partir da página 291:

“Devido à instabilidade no país, os estudantes da Guiné-Bissau eram os mais afetados pela falta de meios. A situação chegou a um ponto em que eles ocuparam a embaixada do seu país em Moscovo. No dia 25 de Janeiro de 2005, recebi um telefonema de um dos dirigentes da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau na Rússia, que me informou de que tinham feito refém o embaixador Rogério Herbert, a sua família e mais dois diplomatas, frisando que só os libertariam quando as autoridades guineenses pagassem as bolsas de estudo em atraso.

Dirigi-me para a embaixada, que estava instalada num duplex numa das zonas periféricas de Moscovo, por cima da representação diplomática da Somália. Quando cheguei, encontrei as salas cheias de estudantes: uns estavam sentados em sofás, cadeiras e mesas a conversar, outros dormiam onde podiam. Eram várias dezenas de jovens sem dinheiro e a passar fome.

Um dos dirigentes estudantis foi entrevistado para a SIC Notícias e ameaçou que os seus colegas poderiam atirar o embaixador da janela abaixo se não fossem ouvidos. Ora, o duplex ficava situado no décimo andar do edifício.

Eu já conhecia o embaixador e sabia que ele não vivia muito melhor do que os estudantes, porque o seu país lhe enviava poucos meios, que, muitas vezes, não chegavam para pagar a água e a luz. Fui encontrá-lo fechado na casa de banho. Os estudantes tinham-lhe tirado as chaves do automóvel e o telemóvel, mas foi sempre tratado com respeito. Depois, conversei com os estudantes e aconselhei-os a não recorrerem a ameaças nas suas declarações, pois isso podia levar a uma dura reação das autoridades russas. À noite, bateram à porta três homens à paisana, perguntaram se tudo estava calmo. Tratava-se de três agentes do Serviço de Segurança da Rússia.

Com a ajuda de funcionários do Consulado de Portugal na capital russa, conseguimos arranjar alguns meios financeiros e fomos comprar comida para os estudantes.
Esta situação continuou durante mais de uma semana e as autoridades de Bissau transferiram algum dinheiro para resolver o problema, mas apenas temporariamente. A 27 de Agosto de 2012, 22 finalistas guineenses voltaram a ocupar a representação diplomática do seu país, dessa vez porque Bissau não lhes pagava o bilhete de regresso, como tinha sido prometido. Carfa Mané, porta-voz dos estudantes guineenses, disse-me então: ‘A Rússia tem de exigir ao governo de Bissau garantias de que os estudantes que terminem os seus cursos neste país tenham bilhetes para regressar à Guiné. Estamos aqui abandonados, vivemos ilegalmente, a monte, e as nossas autoridades não cumprem o que prometem. As autoridades russas têm que pôr fim a esta tragédia humanitária, não permitir a sua repetição”. Foram precisamente estes processos que me levaram a dedicar uma maior atenção à História das relações entre a URSS/Rússia e os PALOP, sobre as quais escrevi vários livros”.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17266: Notas de leitura (948): A Revista Panorama, editada pelo SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, dedicou o número 5/6, II Série, de 1952, à Africa Portuguesa (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17267: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (15): Tabancas de Cufar e Matofarroba


Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > Tabanca > 1973 > Bajuda balanta


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > Tabanca > 1973 > Pilão do arroz


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > Matofarroba > Tabanca > 1973 > O al ff mil imf Luís Mourato Oliveira e o alf mil médico em visita ao reordenamento feito pelas NT


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > Matofarroba > Tabanca > 1973 > Aspeto do reordenamento feito pelas NT. Matofarroba ficava/fica, a 2km/3km, a sul de Cufar.


Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > > Tabanca > 1973 > Aspeto parcial



Foto nº 6 > Guiné > Região de Tombali > Cufar >  Tabanca > 1973 > Aspeto parcial com o fontenário à direita

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil inf da CCAÇ 4740 (Cufar,  1973) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

De rendição individual, foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Irá terminar a sua comissão no setor L1 (Bambadinca), em Missirá, depois de Mato Cão, e extinguir o pelotão em agosto de 1974.

Até meados de 1973 esteve em Cufar, a comandar o 3º pelotão da CCAÇ 4740, no 1º semestre de 1973. Tem bastantes fotos de Cufar, que começamos hoje a publicar.

Sobre esta subunidade, açoriana, mobilizada pelo BI 17,  há uma página na Net, criada pelo ex-furmil mec auto Mário [Fernando Lima de] Oliveira, podendo a sua história ser consultada aqui.

Sabemos, por exemplo, que em janeiro de 1973, o "alferes mil 01876771, Luís Fernando Mourato de Oliveira, substitui o alferes mil 18029168, Mário José Correia Salsinha, nomeado para as unidades africanas: CCAC 13".

Esta companhia, comandada pelo cap mil inf João Gaspar Dias da Silva teve 9 (nove!) alferes milicianos e 19 sargentos (, a maioria, furriéis milicianos). O pessoal partiu para o CTIG, em 21/6/1972, num Boeing 707 dos TAM. 

Em 22/7/1972 seguiu, em LDG, para Cufar onde, em sobreposição, realizou a rendição da CCAÇ 2797. Um mês depois assumiu a responsabilidade do subsetor. A 23/12/1972, Cufar sobreu uma flagelação com 9 mísseis ou foguetões 122 mm (os famosos Katiusha).

Em 11 de Julho de 1974 passou o último dos 690 dias passados em Cufar. No dia seguinte chega, transportada em LDM, a CCAÇ 4152/73 , ao porto de Impundega, para substituir a CCAÇ 4740.

Em 3/8/1974, chegou o finalmente a "peluda"... A CCAÇ 4740 regressa a casa: o Boeing dos TAM, com destino ao aeroporto de Figo Maduro, faz escala no aeroporto das Lajes, em Angra do Heroísmo, desembarcando aqui os militares açorianos.

2. Reuniões de convívio do pessoal da CCAÇ 4740:

1 de Dezembro de 2007 -1º Encontro Continental

21 de Junho de 2008 - 2º Encontro Continental,

10 a 14 de Junho de 2009 - 1º Encontro Açoriano, nas Ilhas Faial, Pico, Angra do Heroísmo e S. Miguel.

19 de Junho de 2010 - 3º Encontro Continental,

3 a 9 de Julho de 2010 - 2º Encontro Açoriano, nas Ilhas Faial, Pico, Angra do Heroísmo e S. Miguel.

18 de Junho de 2011 - 4º Encontro Continental,

16 de Junho de 2012 - 5º Encontro Continental,

15 de Junho de 2013 - 6º Encontro Continental,

21 de Junho de 2014 - 7º Encontro Continental,

20 de Junho de 2015 - 8º Encontro Continental,

18 de Junho de 2016 - 9º Encontro Continental,

17 de Junho de 2016 - 10º Encontro Continental.

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17227: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (14); Uma horta em Missirá, no regulado do Cuor

Guiné 61/74 - P17266: Notas de leitura (948): A Revista Panorama, editada pelo SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, dedicou o número 5/6, II Série, de 1952, à Africa Portuguesa (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
A revista Panorama, como é de todos sabido, era uma publicação pró-regime e muitas vezes nela apareciam artigos referentes ao Império.
Este número é dedicado à África Portuguesa e prendia-se com um acontecimento turístico, o IV Congresso Internacional de Turismo Africano, que se realizou em Lourenço Marques. O artigo referente à Guiné mostra-nos uma paisagem de Canhabaque (Bijagós), vemos habitação de Manjacos, embarcação dos Bijagós, cavaleiros Fulas do Boé e o jazigo dos régulos dos Mancanhas, em Bula.
Texto apologético para quem gostasse de safaris ou se sentisse atraído por certos prodígios da natureza, que aqui se deixam registados.

Um abraço do
Mário


A Guiné na Revista Panorama, 1952

Beja Santos

A revista Panorama era editada pelo SNI – Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo. O seu número 5/6, II Série, de 1952, foi dedicado à África Portuguesa. A Guiné foi credora de quatro páginas. Importa esclarecer que este número sobre África Portuguesa privilegiava o turismo, tudo quanto se vai ler é para o potencial turista da época.

Primeiro, o acesso. Para o articulista, é fácil e cómodo: as grandes linhas aéreas da Europa e da América do Norte para a África do Sul, e da Europa para o Brasil e Argentina, têm ponto obrigatório de aterragem em Dakar – e uma carreira semanal de aviões liga Dakar a Bissau e outra, via Ziguinchor permite a comunicação aérea com Dakar e o resto do mundo. No meu livro “Mulher Grande”, foi o itinerário que organizei para Benedita Estevão, viajou de Lisboa até Dakar, Albano Toscano foi esperá-la a Ziguinchor, dali seguiram para Susana, onde casarão.

Mas o turista também podia optar pela via marítima, havia uma carreira quinzenal direta a Bissau, regressando pela Praia e por S. Vicente, podia também passar pela Madeira.

Segundo, o leitor prepare-se para ler o incrível. “As estradas de bom piso sulcam o território em todos os sentidos, assegurando o trânsito em qualquer época, com chuvas ou bom tempo”. Nunca há empecilhos: pontes a substituir as jangadas, garantindo segurança e rapidez.


Terceiro, chegámos à exuberância da fauna e da flora: “Certas zonas são ricas de caça, aves de plumagem desvairada e berrante, antílopes, por vezes o leopardo (onça) e o búfalo, por toda a parte as formações geométricas dos patos bravos evolucionando ou descansado nos pântanos e charcos, as pintadas e pesadonas galinhas-do-mato, enormes perdizes, lebres e caçapos”. O autor, Vieira Ferreira, entusiasma-se na sua escrita mexida e remexida, é assim que ele gosta de imprimir a vivacidade às coisas: “E a teoria infindável dos monos, nas árvores, em multidão nas estradas, brincalhotando ou renhindo, baloiçando-se, pinchando acrobacias, arremedando macaquices”. Segue-se outra forma de exuberância: “Depois, a presença dos rios, canais, bolanhas e lalas, esmalta a paisagem de superfícies espelhentas, suas largas faixas lisas lentamente deslizando, em curvas longas, marginadas de compactas muralhas verdes de arvoredo altíssimo e camalhões inextrincáveis de arbustos emaranhados; e regulares bacias, onde a pauta dos regos do cultivo do arroz ondula os fundos, em pequenas dunas paralelas e longíssimas, regulares e submersas; tufos de mangal e nódoas floridas de lotos, mal escondendo esverdinhadas estagnações de águas paradas – é sempre um inesperado acompanhamento líquido, quebrando a continuidade da floresta, irrompendo por todos os lados”.


Viu-se que o articulista consultou ou seus contemporâneos, repescou uma síntese de M. Marques Mano que é de grande beleza, a propósito da influência absorvente das marés na zona litoral: “… o mar, duas vezes por dia, arremessa contra a terra, em toda a largura da costa, massas de água de 6,5 metros de altura. O volume colossal desta maré enche as bacias hidrográficas até transbordar; mas logo se escoa até as deixar esgotadas; e outra vez é arremessado com uma energia portentosa”.
“Os estuários da colónia, poderia dizer-se, são alimentados só pelo mar: não o são pelos afluentes, muito poucos e escassos. Os estuários, por sua vez, alimentam as bacias hidrográficas. Acima do nível da baixa-mar não há rios: há leitos lodosos, abertos e enxutos, que circulam entre bandas verdes de mangal no eixo das lezírias. A enchente jorra pela boca daqueles labirintos de fossos de lodo e, seis horas depois, fluem rios majestosos, amplos, abertos ao sol, em altos corredores de verdura tão sagrada que através ela se não veem as margens, em percursos tão longos que as velas levam dias a subi-los. Seis horas depois, como por encanto, os rios desaparecem e, no lugar deles, deixam uma vastíssima rede de valas lobregas. Seis horas mais tarde, os rios renascem em toda a majestade; de novo se esgotam e de novo renascem” (Visita à Guiné, no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume 2, 1947, n.º 6).

E temos igualmente o fenómeno do macaréu, mais um prodígio para aguçar o apetite do turista: “A corrente que desce, comprime a onda imensa da maré que quer subir, provocando a acumulação das águas na embocadura; depois, o mar acaba por vencer o rio, e a vaga salgada, ruidosa, indomável, altíssima, em rolo espumante, galga a superfície do rio, rugindo, alagando, invencível e brutal, de maior, descomunal volume nas marés vivas”.

Jazigo dos régulos dos Mancanhas, Bula

Muitas orientações são sugeridas ao turista, a quem se recorda que existe o tornado, pitorescas casas circulares, cada uma das etnias tem formas próprias de agrinaldar os exteriores e interiores. Há os costumes guerreiros ou pacíficos, há batuques e cerimónias, o turista que esteja atento ao vestuário e atitudes de cada um, pois são dissimilantes os de Felupe com o Balanta, O Bijagó com o Fula, há muçulmanos solenes, Bijagós com saiotes de ráfia, os Papéis mais europeizados, há alfanges e punhais. Enfim, a paisagem humana completa a paisagem natural e faz de uma visita à Guiné um raro prazer turístico. E temos a moderna Bissau com os seus pequenos hotéis, o Bissau velho ao lado da Amura. Que o leitor não abstraia de que estávamos no início da década de 1950, propõe-se ao turista que estivesse atento ao que tinha para ver: estádio, museu-biblioteca, palácio do governo, bairros residenciais, burgo comercial, avenidas de arvoredo florido e, a poucos quilómetros, o magnífico aeroporto em acabamento. E dirige-nos uma nota para aquele rincão que muito tocou: “É em Bolama – a melancólica cidade morrente – que reside o supremo encanto das povoações que os brancos ergueram nestas partes. Antiga capital, ainda hoje mostra os restos das sua senhorial grandeza, em edifícios públicos, praça do conjunto, carateres de negros e mestiços; e uma nostalgia tão doce, um tal conformismo amargo e suave com a decadência e a morte, uma atmosfera de saudade e triste resignação que nos penetra e emociona”.

Qual seria o leitor que iria resistir a tantas atrações, a tanto feitiço africano?
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17250: Notas de leitura (947): "Em Tempos de Inocência", por António Pinto da França, Prefácio, 2006 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17265: Parabéns a você (1242): António Branquinho, ex-Fur Mil Inf do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17257: Parabéns a você (1241): Augusto Vilaça, ex-Fur Mil Art da CART 1692 (Guiné, 1967/69); Leão Varela, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1566 (Guiné, 1966/68) e Victor Barata, ex-1.º Cabo Especialista MMA - DO 27 da BA 12 (Guiné, 1971/73)

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17264: Inquérito 'online' (107): "Este ano vou ao nosso encontro, em Monte Real, em 29 de abril"... As 35 primeiras respostas: 60% não vai este ano...


Palace Hotel Monte Real (Termas de Monte Real) > 16 de Abril de 2016 > XI Encontro Nacional da Tabanca Grande...

Foto de família © Miguel Pessoa


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"ESTE ANO VOU AO NOSSO ENCONTRO, EM MONTE REAL, EM 29 DE ABRIL..."


As 35 primeiras respostas (*):


Sim, vou  > 12 (34,3%)
Não vou > 21 (60,0%)
Ainda estou indeciso > 2 (5,7%)

Total > 35 (100,0%)



Razões invocadas para não ir (n=21):


(i) ter outra festa ou convívio nesse dia  > 6 (17,1%)

(ii) razões de saúde  > 2 (5,7%)

(iii)  ser uma despesa grande  > 2 (5,7%)

(iv) falta de interesse  > 2 (5,7%)

(v) falta de transporte  > 1 (2,9%)

(vi)  outras razões  > 8 (22,9%)


II. O inquérito termina no dia 25 de abril, às 23h40.

Queremos conhecer a intenção dos amigos e camaradas da Guiné relativamente à ida (ou não) ao XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, a realizar em Monte Real, no próximo sábado, dia 29.

A resposta ao inquérito deve ser dada, "on line", diretamente, no canto superior esquerdo do blogue.

Como acontece todos os anos, há camaradas que se inscrevem pela primeira vez, e serão recebidos, como sempre, de braços abertos... Outros não costumam falhar, mas este ano têm conflitos de agenda, ou problemas de saúde ou outros motivos para não poder ir. Outros haverá ainda que não tiveram conhecimento do realização do encontro... Por fim, há sempre os indecisos e os que guardam a inscrição para a última hora...

A lotação da sala de almoço, no Palace Hotel Monte Real, são 200 lugares.

O inquérito também ajuda a promover a nossa festa anual. Recorde-se que este ano celebramos os nossos 14 anos de existência enquanto bloguue. O nº total de membros da Tabanca Grande, registados, é de 742 (dos quais, infelizmente, 54 já morreram).



Convém informar os nossos leitores que deixámos de poder contactar por email, em BBC, todos os membros, registados, da nossa Tabanca Grande... Os servidores de email (Gmail, Outlook...) consideram essas mensagens como SPAM (publicidade indevida e correio indesejável), e corremos o risco de nos cancelarem as contas.

Recorde-se que o prazo de inscrição no XII Encontro Nacional da Tabanca Grande termina no final do dia 23, domingo. (**). 


Estamos, no dia de hoje, ao fim da tarde, com 124 inscritos, ainda longe do pleno (200 lugares).
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Guiné 61/74 - P17263: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (28): Gostaria de lhe chamar pai, autoriza?

1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 7 de Abril de 2017 enviou-nos, desta feita, uma memória bem recente para integrar as suas outras memórias da guerra.


Outras memórias da minha guerra

27 - Gostaria de lhe chamar pai. Autoriza?

Há uns meses fui contactado por uma senhora, através de mensagem no Facebook:
- O Senhor Ferreira esteve na guerra do Ultramar?
- Sim, nos anos de 67 a 69. Estive na Guiné - respondi.
- Desculpe, eu procuro o senhor A. Ferreira que esteve em Machava, Moçambique, como Chefe de Cozinha da Marinha, nos anos de 66 a 68. Por acaso, não o conheceu?
- Não. Tive e tenho poucos contactos com malta da Marinha.
- Gostaria tanto de o encontrar. Por favor, veja se consegue ajudar-me a localizá-lo. Eu sei que é muito difícil, mas ficaria muito agradecida.

Fez-se minha amiga virtual, através do Facebook, por onde fomos dando sinais de vida. Aconselhei-a a insistir na procura, junto das entidades oficiais. Pensei que ela haveria de conseguir. Mas, por outro lado, fiquei com a ideia de que ela poderia estar a tentar fazer esse contacto apenas para alimentar alguma ligação saudosista à presença portuguesa em África. Porém, mais tarde, noutro contacto, por altura do seu aniversário, em que ela me pareceu um pouco incrédula, acabei por lhe prometer que brevemente a iria contactar, para a ajudar. Nessa altura, já eu estava a pensar que talvez conseguisse uma ampla divulgação do assunto, através dos vários grupos de ex-Combatentes que proliferam no Facebook.

O tempo correu rapidamente, enquanto eu esperava arranjar maneira de a ajudar (de verdade!), partindo do princípio de que o assunto ainda não estava suficientemente explorado pelo lado dos ex-Combatentes.

Recentemente, pelo meu aniversário, recebi dela uma mensagem:
- Muitas Felicidades para o Avô e Pai que nunca tive.

Agradeci normalmente, tal como o fizera a várias centenas de mensagens.

Passados uns dias, após algumas tentativas infrutíferas de novo contacto, li esta mensagem:
- Gostaria de lhe chamar pai. Autoriza?

Não agradeci nem respondi. Fiquei preocupado. É que eu tenho a certeza de que não deixei descendência em África. E acredito que a minha família também tenha essa certeza. (Ora, já viram o que seria quando “topassem” que alguém estranho me chamava pai?).

Propositadamente, deixei de responder a qualquer trivial cumprimento, apesar de várias tentativas. Até que hoje, pelas 17H00, fiz questão em atender, pela primeira vez, a voz da Maria do Carmo.
E ela logo perguntou:
- A sua saúde, está melhor?
- Sim. Obrigado. De onde está a falar?
- Eu sou de Moçambique, mas vivo na África do Sul.

Sem mais rodeios, acrescentei:
- Estou em falta consigo, porque prometi ajudá-la e ainda nada fiz.

E continuei:
- Por favor diga-me o que quer verdadeiramente.

Ela respondeu pausadamente e de forma bem explícita:
- Chamo-me Maria do Carmo Ferreira e procuro o meu pai A. Ferreira, que foi Chefe dos cozinheiros na Capitania Rádio Azul da Machava, Moçambique, nos anos de 66 a 68. Deve ter ido em finais de Dezembro de 1968. Nasci dois meses antes de ele regressar a Portugal. A minha mãe, Maria Teresa, dizia que ele queria que eu tivesse o nome de sua mãe, M. do C. Ferreira. Também dizia que ele me queria perfilhar e levar-me para Portugal. Ela chegou a esconder-me porque teve medo que eu fosse raptada. Minha mãe faleceu quando eu tinha 13 anos. Sempre quis conhecer a minha família de Portugal. Já procurei em vários organismos oficiais e sempre esbarro no facto de não ter documentos. Também me disseram que ele não consta como militar, que devia ser civil. Estou casada e tenho quatro filhos e dois netos. Nós seremos sempre de sangue português.

Sem ser interrompida, continuou:
- Não quero pedir outro tipo de ajuda. Vivo sem carências de maior. Mas assim nunca poderei ser feliz. Tenho 48 anos e vivo com esta amargura permanente de nunca ter conhecido o meu pai nem a minha família de Portugal.

Maria do Carmo Ferreira

Um dos filhos da Maria do Carmo

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Nota final:
O texto que acabaram de ler, embora pareça, não pretende fazer humor nem minimizar o estado de espírito da senhora que me contactou, até porque, agora, é o próprio filho (engenheiro químico) que me contacta também para os ajudar a localizar pai e avô.
Se algum de vós puder dar alguma informação que possa levar a esse camarada que prestou serviço em Moçambique, coloque-a em comentário a este post ou contacte os editores deste blogue.
O autor teve o azar (melhor, a sorte!) de se chamar “Ferreira”…
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário

Guiné 61/74 - P17262: Convívios (794): XV Encontro do pessoal da CART 2520, dia 20 de Maio de 2017, em Almeirim (José Nascimento, ex-Fur Mil)

1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 19 de Abril de 2017:

Caro camarada Carlos Vinhal, 
A CART 2520 vai realizar o seu 15.º convívio no dia 20 de Maio em Almeirim. 
No intuito da convocatória chegar ao máximo número de combatentes desta Companhia, agradeço a divulgação da mesma na nossa Tabanca Grande. 

Um grande abraço do 
José Nascimento


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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17232: Convívios (793): XXII Encontro do pessoal do BCAÇ 2885, dia 20 de Maio de 2017, em Coimbra (César Dias, ex-Fur Mil Sapador)

Guiné 61/74 - P17261: (In)citações (106): Macau e Guiné-Bissau, dois pesos e duas medidas... Deu-se a nacionalidade portuguesa a cerca de 100 mil macaenses, a grande maioria incapaz de trocar meia dúzia de frases na língua de Camões... Em contrapartida, milhares e milhares de guineenses que lutaram (e muitos morreram ou ficaram feridos), nas fileiras do exército português durante a guerra colonial, foram votados a um destino cruel... (Manuel Amante da Rosa, cabo-verdiano, diplomata, ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau, 1973/74)

1. Do nosso amigo, camarada e grã-tabanqueiro, 
ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau,1973/74, Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário da República de Cabo Verde em Itália desde 16/1/2013, e agora também em Malta [, foto, acima, de 2013; cortesia da RTC - Radiotelevisão Caboverdiana]



Data: 13 de abril de 2017 às 12:23
Assunto: Público-2017/04/13 (*)


Meus Caros,

Um desabafo estritamente pessoal, que não seja somente a de partilhar convosco esta reflexão, bem fora do âmbito de qualquer polémica ou publicação.

Há muito que venho seguindo este sistema de "dois pesos, duas medidas" usados pelas autoridades lusas ao tempo da descolonização. O diário português "Público", de hoje, trás nas suas páginas 12 e 13, no quadro do 30º Aniversário da transferência de Macau à China, o tratamento diferenciado dado aos africanos e, mais tarde, os dados aos residentes chineses daquele diminuto território asiático.

Curtos onze anos após as negociações para a Independência das Colónias africanas, foram concedidos nacionalidade portuguesa a cerca de uma centena de milhar de pessoas residentes em Macau. Por iniciativa negocial e visão acertada dos negociadores lusos em confronto directo com o estatuído na lei chinesa.

80% ou mais deste contingente que era visado nem a primeira estrofe do Hino Nacional de Portugal conheciam para não dizer cumprimentar e/ou trocar algumas frases na língua de Camões.

E ainda hoje, para aqueles que permaneceram na RAEM [ Região Autónoma Especial de Macau], este desconhecimento é total.

A língua portuguesa, apesar dos onerosos montantes alocados pelo Executivo macaense, continua como francamente residual e raramente usado fora das repartições e do núcleo da comunidade lusa.

Este assunto, da atribuição pertinente e massiva da nacionalidade portuguesa, foi seguido por mim com especial interesse e interrogações por ter sido militar do exército português, no seu último ano e meio e ter convivido com a violenta guerra, desde criança, porque tudo se relacionava a ela, ao fim e ao cabo. Não havia como se estar à margem do ambiente bélico.

De uma maneira geral, em todas as colónias havia forte contingente de nativos/indígenas, integrados em pelotões independentes e companhias, enquadrados por graduados e oficiais oriundos da metrópole. Mas para além das forças militares regulares, de recrutamento obrigatório, haviam ainda, numa base de voluntariado, os contingentes das forças especiais, das milícias locais, organizadas em unidades auxiliares nas unidades militares, outras constituídas em auto-defesa, contigentes de cipaios e forças para-militares (unidades de polícias).


Na Guiné, pela sua pequena dimensão territorial e humana, a contribuição dada ao exército português foi relevante em todas as frentes de combate, nas patrulhas e operações de grandes envergaduras, nas defesas dos quartéis, construções de estradas e outras infra-estruturas e até nas forças especiais.

Lógico que milhares sofressem ferimentos em combate e acidentes, outros encontrassem a morte ou e ainda outros milhares ficassem com sequelas de guerra, uns estropiados e outros com stress pós-traumático.

Mas que outros milhares fossem distinguidos com cruzes de guerra, louvados, condecorados, citados em ordens do dia, premiados e levados
para a ex-metrópole em gozo de férias.

É consabido (e conheço casos) que soldados africanos se tenham  sacrificado, tenham salvo a vida ou ajudado os seus camaradas brancos  nos confrontos da contra-guerrilha.E vice-versa, está claro!

Raros, muito raros, foram aqueles que não acabassem o período de 3 anos de serviço militar sem saberem entender ou se exprimir em português. Era de cariz obrigatório a alfabetização no exército, até  pelo menos a quarta classe. Pelo menos na Guiné. Assim como conhecer  rudimentos da história de Portugal e cantar o Hino Nacional.

Quando tenho a oportunidade de retornar à Guiné e encontro, em todo o lado, esses idosos e valorosos militares das forças armadas  portuguesas, abandonados à pressa e à sua sorte e me vem ainda ao  pensamento os milhares que acabaram fuzilados, após a guerra, sempre  me pergunto porque raio de circunstâncias o destino lhes traçou esse
nefasto rumo.


E, se por força do esforço pessoal e determinação, conseguem chegar a  Lisboa, para se radicarem ou tratarem da saúde e das sequelas da  guerra, vale-lhes mais a solidariedade, camaradagem e memórias dos
antigos oficiais ou camaradas para calcorrearem a via crucis… do que  qualquer outra instituição a que com garbo e sacrifício pertenceram. (**)

Abraços

Manuel Amante

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Notas do editor

(*) Vd. Bárbara Reis > Há 30 anos, Portugal surpreendeu a China nas negociações de Macau > Públicio, 13 de abril de 2017

(...) As negociações sobre a transferência de Macau duraram nove meses e, para Augusto Santos Silva, são “um marco na história diplomática de Portugal”. E ajudaram, 30 anos depois, a eleger António Guterres secretário-geral das Nações Unidas.(...)


quarta-feira, 19 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17260: Os nossos seres, saberes e lazeres (208): Tavira fenícia, árabe, portuguesa; a cidade e a água (2) (Mário Beja Santos)

Tavira - Quartel da Atalaia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 12 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Desta feita o passeio é por monumentos portugueses, já se registou o que foi fenício e almóada, o viandante não foi a Balsa, e bem gostaria de ter ido, fica par a próxima, o que aqui se mostra são traços do renascimento tavirense e a presença militar, uma constante, Tavira foi frequentada por muitos sargentos milicianos que aqui se prepararam para marchar para a guerra. A memória é por vezes labiríntica e enquanto o viandante percorria o exterior do quartel da Atalaia lembrou-se de uma conversa havida em Missirá, na noite de 4 de Agosto de 1968, com o furriel Zacarias Saiegh, que lhe disse que tinha passado por Tavira, inolvidável era a sua lembrança daquela cidade diretamente a beijar a ria e o oceano, lembrava-se dos passeios pela serra inóspita, maior contraste não podia haver. Certo e seguro, Saiegh não voltou a Tavira, partiu para os Comandos Africanos e foi fuzilado em Porto Gole, em Dezembro de 1977, ao que parece nunca se saberá porquê, no mundo dos ajustes de contas haverá vácuos na História, para o viandante este vácuo é dor pelas perdas humanos que sofreu.

Um abraço do
Mário


Tavira, a cidade e o quartel (2)

Beja Santos 

Tavira é uma cidade de muitas igrejas, conventos, ermidas e capelas, espaços ajardinados, pontes, muralhas, um espaço público de enlevo que é a Biblioteca Álvaro de Campos, uma reconversão da antiga cadeia civil, projeto do arquiteto Carilho da Graça, é bom cirandar pela cidade, ver as suas portas com caráter, resquícios do manuelino, visitar o Palácio da Galeria, que será o futuro museu da cidade e passar pelo imponente quartel, um expoente da arquitetura pombalina, aqui foram formados muitos sargentos milicianos que deram com os costados nos teatros da guerra.





Subindo a colina de Santa Maria, observa-se a interseção de diferentes estilos desde o gótico ao renascentista e barroco. Convém recordar que Tavira, logo no primeiro quartel do século XVI, era o mais próspero centro urbano do Algarve, beneficiava da situação estratégica no contexto da expansão portuguesa, funcionava como a retaguarda das praças do Norte de África. Não há viandante que não se impressione com os vestígios arquitetónicos góticos, as portas de arco quebrado até chegar ao sóbrio portal da Igreja de Santa Maria do Castelo que, segundo a tradição, foi construída sobre a antiga Mesquita Maior. Na igreja restam algumas capelas góticas. O viandante embevece-se com a porta principal, com quatro arquivoltas com arco quebrado, capitéis com temas vegetalistas, que beleza dentro dos cânones da sobriedade.




 O período renascentista, é esta a modesta opinião do viandante, tem duas jóias preciosas em Tavira: a Igreja de Misericórdia e a Loggia do Palácio da Galeria, o tal onde se podem observar poços rituais fenícios. Neste tempo distinguiu-se um arquiteto local, André Pilarte, que já trazia pergaminhos do seu trabalho no Mosteiro dos Jerónimos. É ele que projeta e dirige a construção da Igreja da Misericórdia, em meados do século XVI. A igreja é de uma enorme riqueza, tem azulejaria preciosa, um esplendoroso altar-mor, um belo órgão, aqui assistiu a um concerto com o soprano finlandês Olga Heikkilä, cantou Puccini, Strauss, o das valsas, Franz Lehár, Sibelius, Grieg e muito mais.


As recordações militares são muito intensas em Tavira. Logo a evocação dos combatentes, em ponto central da cidade. No exterior, impressiona o que resta do forte de Santo António de Tavira, também conhecido por forte do Rato ou forte da ilha das Lebres, na foz do rio Gilão, junto à barra da cidade de Tavira. Destinava-se a proteger a entrada da barra, isto no reinado de D. Sebastião. Acontece que houve alterações profundas na linha de costa, perdeu utilidade. Na Guerra da Restauração foi sujeito a remodelação. Perdeu função militar em 1840. Consta que vai ser concessionado, bom seria que não se perdesse este belo património.



Muito estranhou o viandante quando viu a referência ao Regimento de Infantaria n.º 1, assentou praça como aspirante em Queluz, em 1968, assim se designava. À cautela, depois de andar ali às voltas, e sabendo que daquelas instalações partiram inúmeros sargentos milicianos para a guerra, consultou a Wikipédia. Quanto ao Regimento de Infantaria n.º 1 a sua origem remonta a 1648, foi conhecido como Regimento de Infantaria de Lippe, homenagem ao organizador do exército português. Conheceu muitas danças e contradanças, o Regimento foi transferido em 2015 para a cidade de Beja. Aqui é o quartel da Atalaia, é imponente, durante a guerra colonial deu outra vivacidade ao burgo, o militar foi homenageado num ponto certo, tem estátua junto da estação ferroviária, agradece-se o que fez pela Pátria, o seu zelo e dedicação continuados, para todo o sempre.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17239: Os nossos seres, saberes e lazeres (207): Tavira fenícia, árabe, portuguesa; a cidade e a água (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17259: Inquérito 'online' (106): "Este ano vou ao nosso encontro, em Monte Real, em 29 de abril"... SIM ou NÃO ?... Resposta até 25 de abril, às 23h40



Infogravura: Miguel Pessoa (2017)


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:


"ESTE ANO VOU AO NOSSO ENCONTRO, EM MONTE REAL, EM 29 DE ABRIL..."

Oito hipóteses de resposta:


1. Sim, vou 

2. Não vou, porque tenho outra festa ou convívio nesse dia 

3. Não vou, por razões de saúde 

4. Não vou, porque é uma despesa grande 

5. Não vou, por falta de transporte 

6. Não vou, por falta de interesse 

7. Não vou, por outras razões 

8. Ainda estou indeciso 




 II. O inquérito termina no dia 25 de abril, às 23h40. Queremos conhecer a intenção dos amigos e camaradas da Guiné relativamente à ida (ou não) ao XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, a realizar em Monte Real, no próximo sábado, dia 29.

A resposta ao inquérito deve ser dada, "on line", diretamente, no canto superior esquerdo do blogue.

Sabemos que há camaradas que se inscrevem pela primeira vez, e serão recebidos, como sempre, de braços abertos... Outros não costumam falhar, mas este ano têm conflitos de agenda,  ou problemas de saúde. Outros haverá ainda que não tiveram conhecimento do realização do encontro... Por fim, há sempre os indecisos e os que guardam a inscrição para a última hora...

A lotação da sala de almoço, no Palace Hotel Monte Real, são 200 lugares.

O inquérito também ajuda a promover a nossa festa anual. 

O prazo de inscrição no encontro termina no final do dia 23, domingo. (**)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de fevereiro de  2017 > Guiné 61/74 - P17035: Inquérito 'online' (105): "Estás reformado? E sentes-te bem?"... Total de respostas: 114. Resultados: 93% (n=106) estão reformados; e destes, cerca de 38% (n=40) sente-se "muito bem" e cerca de 45% (n=51) sente-se "bem"...

(**) Vd. poste de  7 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17112: XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 29 de Abril de 2017 (2): Abertura das inscrições que terminam: (i) a 23 de abril; ou (ii) ou quando se atingir a lotação da sala (200 lugares)

Guiné 61/74 - P17258: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XX Parte: Cap XI - Como se Constrói uma Capela... ou o insólito encontro com o carismático capelão Monteiro Gama, do BCAV 490 (Binta e Farim, 1963/65)


Guiné > Região do Cacheu > Binta > O capelão Gama, na capela de Binta, ao tempo do BCAV 490 (1963/65) (*).  [Imagem:  capa do jornal  “Sempre em Frente”,  nº 2, edição do BCAV 490 & Companhias. Revista do arquivo pessoal do JERO].



Guiné > Região de Tombali  > Cufar > A capelão do "São Carlos", em Cufar 


Foto (e legenda): © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], mais conhecido por Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67. Do mesmo autor já aqui publicámos, em 2008, em dez postes, o seu fascinante livro "Pami N Dondo, a guerrilheira", ed. de autor, Estoril, 2005, 112 pp.

Mário Fitas foi cofundador e é "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô. Foto em baixo, à direita, Tabanca da Linha, Oitavos, Guincho, Cascais, março de 2016]

Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > XVIII Parte > Cap IX - Guerra 2 (pp. 62-66)


por Mário Vicente

Sinopse:

(i) faz a instrução militar em Tavira (CISMI) e Elvas (BC 8),

(ii) tira o curso de "ranger" em Lamego;

(iii) é mobilizado para a Guiné;

(iv) unidade mobilizadora: RI 1, Amadora, Oeiras. Companhia: CCÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra");

(v) parte para Bissau no T/T Timor, em 11 de fevereiro de 1965, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa.;

(vi) chegada a Bissau a 17:

(vii) partida para Cufar, no sul, na região de Tombali, em 2 de março de 1965;

(viii) experiência, inédita, com cães de guerra;

(ix) início da atividade, o primeiro prisioneiro;

(x) primeira grande operação: 15 de maio de 1965: conquista de Cufar Nalu (Op Razia):

(xi) a malta da CCAÇ 763 passa a ser conhecida por "Lassas", alcunha pejorativa dada pelo IN;

(xii) aos quatro meses a CCAÇ 763 é louvada pelo brigadeiro, comandante militar, pelo "ronco" da Op Saturno;

(xiii) chega a Cufar o "periquito" fur mil Reis, que é devidamente praxado;

(xiv) as primeiras minas, as operações Satan, Trovão e Vindima; recordações do avô materno;

(xv) "Vagabundo" passa a ser conhecido por "Mamadu"; primeira baixa mortal dos Lassas, o sold at inf Marinho: um T6 é atingido por fogo IN, na op Retormo, em setembro de 1965;

(xvi) a lavadeira Miriam, fula, uma das mulheres do srgt de milícias, quer fazer "conversa giro" com o "Vagabundo" e ter um filho dele;

(xvii) depois de umas férias  (... em Bissau), Mamadu regressa a Cufar e á atividade operacional: tem em Catió, um inesperado encontro com o carismático capelão Monteiro Gama...



Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - XX Parte: Cap XI:  Como se constrói uma capela (pp. 66-69)


Seca Adegas, pilotando a Dornier, fez-se à pista como que fazendo a aproximação a um grande aeroporto. Suavemente a pequena aeronave DO foi tocando a pista de terra batida, do “Cufar Internacional Airport”. Cemitério de aviões, segundo o comandante da BA 12 em Bissalanca, com entendimento perfeito de causa.

Não seria só por razões mecânicas e de guerra que a pista de Cufar era muito visitada. Constava-se que o óptimo pão ali confeccionado e o bom acolhimento dado por aquele pessoal do mato, também contribuíam para as múltiplas escalas.

Carregada de correio, a avioneta imobilizou-se a uns vinte metros da improvisada porta de armas do aquartelamento de Cufar. Mas, para além do correio, também eram viajantes duas importantes aves que faziam o seu regresso de férias ao mato, os furriéis Carlos Costa e Mamadu, este último sem barbas, com ar evangélico, mais parecia um menino de coro.

Férias em Bissau, sem barbas!?...Por onde andaria este abutre? Com os seus escritos e poemas, cheira a bailaricos e convívios com malta do Liceu Honório Barreto. Bruxos! E não só!... O Tambinha e o Pintainho Teso que contem as histórias de Bissau com a Ju e a mulatinha caboverdeana loira, de olhos verdes.

Aves raras estas! Mas… até que as coisas com eles não funcionavam mal excepto quando à mente lhes vinham recordações das pseudo namoradas e cabeças ornamentadas. Quando isso acontecia, era mais seguro fugir para a mata de Cufar Nalu.

Mamadu desceu da avioneta e, pegando no seu saco, atirou-o para as costas e aos assobios e gritando à malta, desceu o caminho poeirento de terra vermelha, até entrar no edifício onde funcionava a messe de sargentos e também tinha o seu quarto. Ainda mal entrava, já clamava pelo seu impedido Amadu Baldé e pelo Lopez. Estava com sede e tinha saudades do copo de bambu.

No entanto, o regresso ao mato, por conseguinte à guerra, acaba ou começa com tudo! Quem somos nós para determinarmos as linhas que nos são traçadas?

Acontecimentos? Logo toma conhecimento dos últimos e dos primeiros. Infelizmente alguns já sabia. Não valia a pena mexer mais na merda. A emboscada e a morte do Indrissa na estrada de Catió, tudo soubera em Bissau, terra de muito saber, principalmente pelos heróis do papel cuja sabedoria e bélicos actos pelas mesas de restaurantes e bares vão verborreando.

- Estais errados! Meus amigos… a guerra?... é aqui! Sim… aqui no cu de Judas! Aqui no mato é que se canta a missa com três “cleros” como soi dizer-se na minha adorada Planície.

Ainda não tinha acabado de lamber o copo de bambu, e já tinha na frente o colega Ranger alferes Almeida, comandante do seu grupo de combate, alcunhado de “Cabeça de Andorinha” pelo ex-comando eborense Prata que nunca chegou a saber-se porque ali tinha ido parar.
-Conversa séria! - informa Almeida.
-Amanhã vamos a Catió, a nossa missão é fazer a segurança da coluna de reabastecimento e a tua secção vai na frente, o Chico Zé pica a estrada e vai o Prata com o pessoal do Tambinha que, como sabes, só regressa na próxima semana.
-Porra! É pá… vocês estavam à minha espera!
-Nem me é permitido saborear uma noite desta bela Cufar!
-Queres saborear Cufar ou a Miriam? - atirou, jocoso, Almeida.
-Está certo, vou falar com a minha malta e verificar como estão. Já tinha saudades deles.

O alferes voltou atrás e informou Mamadu:
-Cuidado! O teu pessoal tem alinhado constantemente no fado e julgo não estarem bem, mas amanhã levas reforço.

O furriel dirigiu-se ao abrigo dos Vagabundos. Grande alegria pelo regresso do chefe. Mas… as lamentações começaram logo por terem andado a alinhar nas operações e praticamente sempre na frente.
- Assim que o apanharam fora, tem sido uma maravilha, não falhamos uma! -saiu em uníssono das bocas dos militares.

Mamadu ficou triste, e não teve coragem para falar da saída no dia seguinte. À noite passaria novamente pelo abrigo e então falaria sobre o assunto, seria melhor contar algumas histórias de Bissau. Problemas da guerra, regresso do pagode, entrada imediata na escala. Que fazer? Resolver o problema! E assim os Vagabundos só à noite tiveram conhecimento daquela saída.

Madrugada! Artilhado à maneira, boina preta e lenço da mesma cor no pescoço, Mamadu regressa à guerra com os seus Vagabundos em primeiro escalão do grupo de combate. Na frente Amadu, soldado fula do recrutamento nativo, arranca pela picada ladeante da pista de aviação. Após a leve descida que dá acesso à entrada da mata de Cufar Nalu, o andamento começa a abrandar até parar. O preto Amadu não quer andar. O suor corre-lhe em bica, as mãos trémulas mal seguram a G3 e suplicante diz para o furriel:
-A mim não, “furiel”!

Estás fornicado Mamadu! O Amadu era talvez o soldado mais fraquinho dos homens do furriel. Depois da célebre renovação da secção, recebera três soldados do recrutamento local, mas este Amadu estava muito distante da prestação dos seus camaradas.

Mamadu conversa com os seus homens e todos recordam a emboscada da semana passada e mais um voluntário que deixara o vazio da sua presença. Ao furriel, mal ou bem, apenas resta ser rápido na resolução da situação.
-Certo, vocês não querem? Então vão seguir-me!

Mais um disparate! Colocando a G3 no ombro em jeito de cajado, começa a andar entrando no arbustivo túnel da mata que cobria a picada a uns duzentos metros do cruzamento do Cabaceira. Alguns passos dados, Orlando salta para a frente do furriel e diz:
-Não, à frente, como é que comanda isto? Vou eu para a frente e outro que me siga, o meu furriel tome o seu lugar. Nesta merda tanto se morre de pé como deitado. Vamos embora!

Homem valente!... Orlando vai para a frente, seguido do Fumaça. Mamadu toma a terceira posição como sempre, e os Vagabundos reencontram o moral.

A marcha continua com redobrados cuidados, não só pelo perigo de emboscada, mas para dar oportunidade à malta do Chico Zé verificar toda a raiz que picavam.

Sem problemas até Catió, Mamadu junta a sua malta na esplanada do Zé Siriano para com umas cervejas frescas comemorar o seu regresso.

Viaturas carregadas, há que almoçar e preparar o regresso a Cufar e que será de viatura até Priame, tabanca fula com alguns mandingas a dois quilómetros de Catió. Aqui uma pequena paragem para o Chico Zé dizer adeus à Fanta, bajuda mandinga, escultura de ébano, depois fazer o mesmo que de manhã em sentido inverso. Mas!... Há sempre um mas, na porra desta guerra. Seguia para Cufar um padre, não o do Batalhão, mas outro que ninguém sabia o porquê do seu passeio. Tudo normal, só que o Almeida, comandante do grupo de combate, se aproxima de Mamadu e lhe comunica:
-O padre que levamos para Cufar quer ir na frente, portanto vai contigo!
-Comigo!? Estás maluco! Nunca… andamos aqui a brincar ou quê? Então tu sabes os problemas que tive de manhã com a minha malta, pelo que aconteceu a semana passada, e queres que leve um homem sem armas, a servir de carne para canhão? Não… estou quase, mas ainda não estou louco. Porque é que o sacana do padre não vai sentadinho numa viatura? Almeida, desculpa lá, mas não me fodas mais os miolos!

Almeida compreende o problema, mas é peremptório:
-O padre faz questão de ir na frente!

O furriel fica com a mosca.
-Está bem!... Albarde-se o burro à vontade do dono, onde está o sacana? O gajo que venha para a frente!

Por este motivo, Mamadu tem de fazer uma redisposição na segurança da sua secção e não vá o diabo tecê-las, chama o Sesimbra e ordena-lhe:
-Vai um padre connosco, é teu, em qualquer situação não o podes abandonar, se houver merda preocupa-te apenas com o padre. Tens de protegê-lo nem que o metas debaixo de ti. Se me morre aqui o padre ou é ferido, é uma bronca do caraças!

Aparece o padre. Cabelo a branquear, homem pequeno e magrinho, cara um pouco enfezada pronunciando para além de certa idade os efeitos de uma dura vivência nesta linda, mas inóspita terra tropical. O que andará esta ave de arribação a fazer por estas paragens? Enquanto cogita, o furriel continua a observação da fisionomia e postura do padre. O homem apenas trazia um bornal pendurado do ombro esquerdo e na mão direita caída, rolava uma dezena. 


Mamadu fixou e regredindo, verificou ser perfeitamente igual à que existiria em casa de seus pais, recordação de quando era escuteiro e percorria caminhos da Igreja. Sacode a cabeça e, tentando afastar o passado,lastima interiormente.
-Droga para esta merda toda.  agora que teria de estar concentrado na porcaria da guerra, vem a anti-guerra!... Que porra de vida a minha, há que esquecer! Pessoal toca a andar olhos e ouvidos bem abertos.

É reatado o regresso com tudo a correr bem até à lala que dá acesso à leve subida para o Cabaceira, cruzamento de Camaiupa da estrada Catió-Cobumba, desviando para o aquartelamento de Cufar e tabancas de Cantone, Mato Farroba, Iusse e Impungueda. Almeida comandante do grupo de combate transmite pela rádio que há problemas com a carga de uma viatura, o material mal acomodado pelo que a coluna tem de parar.
-Fo…!

Ia sair, mas o furriel ficou a meio notando a presença do padre. Ali não poderia ser. Ajeita o rádio banana, e transmite com “Águia Dois”:
-Estou mesmo na baixa da lala, vou subir até ponto cruz e montar dispositivo. Escuto!?
-O.K., Vagabundo! Correcto! Vou informar outras terras!

Mamadu sobe com os seus homens e o padre até ao cruzamento de Camaiupa local altamente perigoso e sujeito a emboscadas. Todos os cuidados e sentidos são poucos para fazer a aproximação até chegar às posições. E o padre a martelar os miolos do desgraçado furriel. Sem problemas o pessoal é posicionado em emboscada, o Ferreira com a MG 42 é colocado no enfiamento da estrada de Cobumba,  ficando a seu lado o Amadu como remuniciador, Olindo com a bazuca fica no canto oposto, acompanhado do Maçarico de forma a ter ângulos mais disponíveis. O cabo Cigarra fica com mais três a cobrirem a ponta da mata de Cufar Nalu, Orlando, o Félix e o Fumaça avançam um pouco já na estrada de Cufar, o Sesimbra com o padre e dois soldados da milícia do João [Bakar Jaló]ficam entre estes dois grupos. A secção do Chico Zé que vinha picando a estrada, fica emboscada no capinzal.

Dispositivo montado, o furriel,  embora já conhecedor da mata e da estrada,  vai verificar em pormenor o posicionamento do grupo do padre. Aí olha bem para o homem que assim pequenino, lhe faz recordar seu avô. Com um ar malicioso e sorridente, o padre olha para Mamadu e diz-lhe baixinho:
-Comandante, vai uma cervejinha?

O furriel estupefacto olha firme para o padre e pensa:
- Este gajo está-me a gozar!?...Que é que esta espécie de ave rara quererá?

Surpresa!... O padre abre o bornal calmamente, e, retirando uma cerveja, tira-lhe a cápsula e oferece a Mamadu, fazendo o mesmo com o soldado Sesimbra.
-Porra!... Estamos nas bodas de Canaã da Galileia?

Em fim de tarde, com aquela pressão toda e o calor a sufocar, aquela cerveja era de morte, autêntica dádiva do céu. Abençoado padre!... Como passaste de chato para bem vindo!

Ordem de Águia dois para avançar.Reorganizada a coluna, o furriel aproximou-se do padre. Bom homem! Não pelas cervejas mas principalmente pelo entendimento da vida e até uma certa comunhão de ideias. Naqueles quatro quilómetros de andamento falaram de tudo um pouco. A guerra e todos os seus dramas, África a sua beleza encantos e misérias, do Papa João XXIII, dos tempos em que Mamadu tinha sido escuteiro e não ter sido missionário ou mesmo padre, quem sabe? Por causa de uma mulher. Que encanto de saber e cultura tinha aquele homem pequenino!...

O furriel ficou passado com a convivência com aquele homem, nos dias que passou no aquartelamento. Embora sabendo que no comando, principalmente às refeições as conversas, não eram as mais simpáticas para com o padre, pois a todo o momento se falava do Marquês de Pombal e dos Távoras, com pleno conhecimento da Companhia de Jesus a que o padre pertencia.

Mas algo de anormal aconteceu com a sua estadia naquele fim do mundo e que deu origem à construção da capela de Cufar.

O que foi!?... Não há entendimento humano para isso!

Quando o Padre pequenino, Homem Grande foi acompanhado à avioneta que o levaria a outras paragens, pelo próprio Carlos, Mamadu mais baralhado ficou quando o padre lhe segredou:
-Comandante, vão ter aqui uma capela!

Atónito o furriel questionou:
- Mas, padre, o que é isso de me chamar comandante e como aconteceu isto da capela?
- Comandante, é que o meu amigo é guerrilheiro, não “anti”! A Capela só Deus sabe!

O Padre partiu e todos nos sentimos mais pobres. Mamadu ficou boquiaberto quando Carlos mandou edificar a Capela e recordou Shakespeare: “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia”.

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(...) Convivi com o capelão do batalhão de infantaria, a que pertenci, o padre Gama. O primeiro nome já não o recordo. Tinha, na altura, o posto de tenente, o que me leva a pensar que terá pertencido, anteriormente, a outras unidades.

Era um homem bom. Chamavam-lhe 'pardal espantado'. A alcunha vinha-lhe do facto de passar os seu dias a correr de um lado para o outro, de destacamento para destacamento, de companhia para companhia, movido pelo desejo de a todos ajudar um pouco.

Muitas vezes era incompreendido, até indesejado por alguns, pois tinha coragem para denunciar
os abusos, quando os presenciava.

Era um homem desprendido dos bens materiais, e levava uma vida humilde. (...)


Vd. também postes de:

3 de setemebro de 2008 > Guiné 63/74 - P3164: Em busca de... (37): Capelão Gama, do BCAV 490 (Teresa de Seabra)

(...) Olá, estive em Farim em 1964-1965, onde meu Pai era o Administrador do Concelho e conheci muita gente do Batalhão 490..

Morando no Estoril, há 3 anos soube que o Tenente Coronel Cavaleiro se encontrava no Lar em Oeiras. Em 1966, em Lisboa, reencontrei-o e a várias pessoas daí, conhecendo as respectivas famílias. Mas perdi o rasto do padre Gama, capelão do Batalhão, quando foi para o Brasil, lá para 1974.

Já estive em Bissau a matar saudades - fui como Professora, que sou, e devo estar viva graças ao 'Nino' Vieira que me mandou regressar a Portugal à custa da Guiné-Bissau.

Deram-me 6 meses de vida, por causa de um vírus tropical apanhado em Bubaque, mas... já estive em Macau e por meio mundo e... cá estou eu.

Será que o Padre Gama ainda é vivo??? Estava muito doente, em 1974-5, no Brasil, depois de ido de Angola.(...)



(...) E chega o momento de desvendar quem era o Director «Constante», o Editor «Constâncio» e o Redactor «Constantino».

Foi o lendário Capelão Padre Monteiro da Gama que, atrevemo-nos a dizer, foi um dos grandes homens do seu tempo na Guiné.

Neste momento tão especial do nosso blogue aqui fica também a nossa humilde homenagem à sua memória.

Num tempo em que tanto se fala dos problemas da Imprensa e dos jornalistas e da promiscuidade e jogos interesses que “moram” junto do Poder, sabe-nos bem recordar pessoas como o Padre Gama! (...)