sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18090: Notas de leitura (1023): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (13) (Mário Beja Santos)

Hotel do Turismo em Bolama, foi primitivamente a filial do BNU, que aqui se criou em 1903


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se registam os documentos que confirmam o afundamento de Bolama, a cidade revela-se, aos olhos de muitos, como sede de um funcionalismo excedentário, pouco motivado, muito entregue a intrigas, e fazendo negócios por conta própria.
Os relatórios de 1927 e 1928 são denunciadores de que o comércio está profundamente  anémico e sem soluções, perdeu-se o arrojo e a vontade de crescer ou irradiar negócios. É uma estagnação que relatórios subsequentes confirmarão, a agonia era irreparável, Bissau ganhara sua posição. No entanto, demorará cerca de uma década a impor-se a transferência.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (13)

Beja Santos

1928 é um ano de tremendas dificuldades para a Guiné, está em curso uma tentativa da reconstrução das finanças locais, houve redução de efetivos militares e cortes na administração, como já se referiu. No entanto, há elementos da agricultura e da exportação que devem ser examinados com prudência. Na sua História da Guiné, René Pélissier chama à atenção para a entrada em vigor, em Julho, do Regime do Indigenato e comenta o seguinte: “Nesta época, segunda parece, os régulos e os chefes desempenham um papel intermediário muito apreciado pela Direção dos Assuntos Indígenas, sobretudo em país muçulmano. Compensam, assim, a redução do quadro administrativo, mas é claro que não são mais que a sombra do seu poder de outrora. O poder militar e político dos chefes indígenas está morto com a prisão de Abdul Indai, em 1919”. Em nota de rodapé, Pélissier relata o drama do régulo Monjur, do Geba. Em 1908, é um aliado cortejado pelo Governador Muzanty. Mas, em 1917, a Administração confiou já uma parte do Gabu aos seus inimigos. É reinstalado na plenitude das suas prerrogativas em 1918-1919. Se bem que cobiçado por certos membros da sua prolífica família, o seu poder é ainda suficientemente sólido para que Monjur seja solicitado para combater em Canhabaque, em 1925. Mas em 1927 é demitido e expulso do Gabu, ao tempo de Velez Caroço.

No seu relatório de 1927, o gerente da filial em Bolama debruça-se expressamente sobre a produção. O governo pretendera com a criação da Granja Agrícola e a Estação Pecuária transformar a produção na Guiné. O relator manifesta-se cético: “A riqueza da colónia ainda e apenas consiste na produção indígena, não nos desparece que a granja possua facilidades especiais de vulgarizar novos métodos culturais ou novas culturas entre os indígenas da ilha em que se instalou, quanto mais entre os de toda a colónia; e fomentadora da cultura de fazendas de administração europeia, parece-me colidir a sua ação contra um facto irremediável: a pobreza do solo da Guiné, que dificulta, se não proíbe, a organização de tais empresas. A Estação Zootécnica enferma das mesmas dificuldades com o prejuízo de ser a cultura pecuária restrita às regiões da colónia habitadas pela população Fula, e constituir uma daquelas verbas de exportação que, sendo úteis não são fundamentais, pelo que a sua criação não conta, sequer, para prevenir uma futura crise económica. A distribuição de sementes, talvez o único processo de fomento intensivo da produção, limitou-se este ano à mancarra recebida pelo Estado, trata-se de um quantitativo demasiadamente pequeno para produzir bons resultados. Se o Estado não aumentou a importância das coberturas da colónia quanto ao desenvolvimento da produção, também não diminuiu a sua utilização no que toca às suas despesas em pessoal, há um funcionalismo superabundante. Pelo contrário, a despesa alguma coisa aumentou desde o termo do governo do senhor Capitão António Saldanha, não só com a criação de lugares, mas especialmente com a chamada à colónia de funcionários em missão sempre cara”.

O gerente chama à atenção as medidas tomadas para aumentar as receitas, com o agravamento das pautas aduaneiras e o aumento do preço dos serviços. Houvera aumento de vencimentos, o governo da colónia devia sete mil contos, criara-se a contribuição industrial, era previsível que não podia ser muito pesada, os agentes económicos já estavam sobrecarregados com outras tributações. E questionava-se se os funcionários não iriam pedir um novo aumento de vencimentos tendo em conta a previsão do agravamento do custo de vida com todas as medidas que estavam a ser postas para aumentar as receitas. E manda um recado para Lisboa: “Salvo melhor parecer, talvez se esteja a governar um pouco com o espírito que dominou durante a época da desvalorização, durante a qual o comércio pagava a diferença de tributos com a diferença do valor das notas. Na época da desvalorização, o comércio não sentia o peso dos progressivos encargos; e o Estado enganado com a riqueza aparente das colónias, agravava sem cessar os impostos. O resultado foi muito grave. É certo que a dificuldade na obtenção de dinheiro já se nota, embora levemente".



Muda de assunto para alertar Lisboa sobre uma questão muito premente, o da mudança da capital para Bissau e tece o seguinte comentário:
“Se com essa mudança se fizerem todas as economias em pessoal que a transferência torna possível, certamente que, apesar daqueles aumentos, apesar da paralisação do desenvolvimento agrícola, larga margem ficaria para o fomento indispensável da colónia.
Este projeto, posto em discussão pública por uma mensagem da Associação Comercial e Comissão Urbana de Bissau, já o conhecem V. Exas. nos seus fundamentos, nos seus processos e nos seus objetivos, pois em devido tempo vos enviámos a mensagem citada.
Não pode deixar de notar-se que, se a transferência da capital se tivesse feito, acompanhada das respetivas economias, se se tivessem distribuído 500 toneladas de mancarra e se se tivesse deixado o comércio livre de mais encargos no momento decisivo da solução da sua crise, a transição do estado económico e financeiro da colónia teria sido quase resolvida. Se a situação não é isenta de cuidados, também não é isenta de esperanças. Oxalá estas se confirmem”.

No relatório do ano seguinte, de novo se notifica que o comércio bolamense se mantém anémico e por isso o que nos diz sobre a situação da praça é pouco lisonjeiro:
“O meio comercial de Bolama não tem tido variantes e portanto continua sendo o que já era há mais de dez anos. Não se regista nenhum movimento progressivo, nem tão pouco sombra de atividade capaz de reagir contra a inação que carateriza esta praça.
Nos meses de Fevereiro a Abril há um esboço de animação, mas que logo se extingue para todo o resto do ano. Mesmo nesse período de maior movimento ao balcão, só têm saída os artigos gentílicos, tais como panos, tabaco, aguardente, vinhos e pouco mais.
A casa portuguesa de maior reputação é a firma António Silva Gouvêa, Lda, mas cujo movimento, ainda assim, é incomparavelmente inferior ao que já tivera outrora. As restantes casas comerciais, excetuando as estrangeiras, limitam-se a importar cerveja e artigos de mercearia, alguns dos quais são adquiridos em Bissau, para revenda em Bolama. Nenhum destes pequenos comerciantes tem iniciativa e espírito de concorrência, o que faz com que todos vendam os mesmos artigos e nas mesmas condições. São medrosos e excessivamente egoístas. Só transacionam em artigos cujos lucros lhes estejam de antemão assegurados. A insuficiência de cultura, entre eles, também é coisa notável.
A praça de Bolama podia exportar muito coconote e óleo de palma, que vem dos Bijagós em dongos e outras embarcações costeiras, realizando lucros apreciáveis. Mas tal não acontece, porque o comerciante em Bolama não se sujeita a qualquer risco e, assim, mas compra o produto, vai vendê-lo imediatamente a quem lhe pague qualquer coisa acima do seu custo, e que, no geral, é sempre uma casa estrangeira que, estando subordinada à sua casa principal, em Bissau, para ali o manda em lanchas. É por este motivo que Bolama não figura, por assim dizer, no quadro das exportações, quando é certo que muitos géneros poderiam exportar, dando assim provas de vitalidade e de progresso”.

Anunciava-se, pelo relato económico, a decadência de Bolama, as razões invocadas pelos comerciantes que se tinham dirigido ao ministro das Colónias não surtiram efeito, a realidade impunha-se às conveniências de alguns. O relatório de 1929 irá confirmar estas péssimas previsões.

(Continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 11 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18075: Notas de leitura (1022): “A caminho de Viseu”, por Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2017 (Mário Beja Santos)

1 comentário:

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada
Era giro que este textos fossem passados a livros, mesmo que fosse uma brochura.
Era um documento fundamental para se saber o que ficou imediatamente para trás antes da guerra.
Obrigado e um ab.
António Costa