terça-feira, 19 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17780: Historiografia da presença portuguesa em África (90): a nossa conhecida NOSOCO - Nouvelle Société Commerciale Africaine, uma das patrocinadoras da Exposição Colonial Internacional de Paris, em 1931



Cartaz da Exposição Colonial Internacional de Paris, 1931, onde Portugal esteve representado (*).  Foi um retubambante sucesso, e uma manifestação da glória imperial gaulesa, cun espaço expositivo de  110 hectares / 220 campos de futebol, em Vincennes, Paris, Três anos depois, Portugal quis também reforçar, mais para consumo interno, a mensagem propagandística de que não éramos um país pequeno (Henrique Galvão dixit...).

O cartaz promocional da exposição de Paris foi uma oferta da nossa conhecida NOSOCO - Nouvelle Société Commerciale Africaine [NOva SOciedade COmercial africana], com delegações em Senegal, Casamance e Guiné Portuguesa.

Foto: © Mário Beja Santos (2017) . Todos os direitos reservado. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camarads da Guiné].


Guiné > Bissalanca > c. 1958/59 > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata) [nº 1, a amarelo]. O avião era, naturalmente, da Air France [5].

O João Rosa [2], o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné e um dos primeiros contactos políticos de Amílcar Cabral, tendo feito reuniões clandestinas, na sua casa, com o próprio Amílcar Cabral e outros nacionalistas guineenses;  morreria no hospital,, e 1961, na sequência da sua prisão e tortura pela PIDE, em 1961, segundo informação do Leopoldo Amado], está na segunda fila à direita ; à sua frente, o 2º da direita é o Toi Cabral [António da Luz Cabral, irmão de Amílcar Cabral] [3]. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau, entre eles, supomos, o Mário Dias [que não conseguimos ainda identificar, e a quem já pedimos para "validar" esta legendagem...].

O quatro elemento conhecido do grupo [4] é, a contar da esquerda, o Armando Duarte Lopes, o pai do nosso amigo Nelson Herbert, e velha glória do futebol guineense... (Festeve em 1943 no Mindelo, sua terra natal, integrado numa força expedicionária, vinda do continente, que veio reforçar o sistema de defesa da Ilha de São Vicente durante a II Guerra Mundial; viveu depois, trabalhou e casou em Bissau. Conhecido como o Armando 'Bufallo Bill', seu nome de guerra, foi o melhor de futebolista da UDIB, e do Benfica de Bissau, tendo sido nternacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa..).

Recorde-se que o apelido Herbert, no caso do nosso amigo Nelson, antigo jornalista na VOA (Voz da América), vem do  avô materno francês, que foi o representante local, na Guiné, da CFAO - Compagnie Française de l'Afrique Occidentale, fundada em 1887, e  que, com a NOSOCO e  a SCOA,  foi um das peças importantes do do sistema colonial francês.

Foto (e legenda): © Mário Dias (2006) . Todos os direitos reservado. [Edião e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A NOSOCO eram uma das empresas comerciais, estrangeiras, e nomeadamente de capital francês, que operavam na Guiné. A sua presença já era efetiva em Bissau, desde pelo menos 1915.  (A partir de 1930, passa a fazer parte da multinacional Unilever.)

Outras casas comerciais francesas poderosas era,: (i) a Companhia Francesa da África Ocidental (CFAO); e (ii) a Sociedade Comercial do Oeste Africano (SCOA). Nesta última onde trabalhou o Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC, e o Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (membro da nossa Tabanca Grande). A SCOA foi fundada em 1907 e tinha sede em Paris, e sucursal em Manchester,  agências em Nova Iorque e Casablanca... Objeto da actividade económica: "toutes opérations commerciales, industrielles et financières en Afrique"...

Embora sendo um "filho da Guiné",  Cadogo Pai, nascido em 1929,  foi admitido como de auxiliar de escriturário, em agosto de 1946, na firma francesa, SCOA – Sociedade Comercial do Oeste Africano (proprietária do edifício onde está hoje a Pensão Berta), com várias lojas pela Guiné (Bissau, Bolama, Bissorã…). Foi transferido para Bolama no final do ano. Em 1949, nasceria aí o seu filho, Carlos Gomes Júnior, futuro empresário, dirigente do PAIGC e primeiro ministro. Em 1951 é encarregado, na mesma firma e sente a pressão da concorrência dos encarregados (europeus) das outras casas, e nomeadamente portuguesas: Gouveia, Ultramarina, Pinto Grande, Ernesto Gonçalves de Carvalho, etc.

Nas suas memórias, Cadogo Pai conta que é por essa altura, na 1ª metade da década de 1950, que a SCOA e as outras empresas francesas, NOSOCO e CFAO, começam a sentir restrições na sua atividade comercial, dada a posição monopolista da Casa Gouveia: tendo vocação exportadora, eram "obrigadas a vender os seus produtos à Gouveia" (sic)... Na realidade, a CUF (, através da Casa Gouveia, ) detinha o monopólio da exportação do amendoim da Guiné, até à independência da Guiné-Bissau. (**)

É nessa altura que o Cadogo Pai (que eu conheci pessoalmente em Bissau, em março de 2008)  começa a ponderar a hipótese da demissão e começar a trabalhar por conta própria. O seu chefe, francês, não apoiou logo a ideia; em contrapartida, ter-lhe-á proposto... "uma transferência para Paris, dada a confiança que ganh[ara] em toda a organização, a exemplo de muitos colegas que foram transferidos na altura para Ziguinchor, Dakar, etc." E mais: tê-lo-á avisado que "o vento da independência iniciada nos países vizinhos (Conakry, Senegal, etc.) chegaria à Guiné-Bissau", pelo que , se ficasse na Guiné, iria passar mal, como veio a acontecer... 

O Cadogo Pai irá estabelecer-se  por conta própria em 5 de setembro de 1955. Em contrapartida, não sabemos nem quando nem como os franceses cessaram a sua actividade económica na Guiné... Presumivelmente com a guerra e por causa da guerra, e a consequente quebra (brutal) da produção de oleaginosas, e nomeadamente da "mancarra" (**)


Anúncio comercial reproduzido, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. Na foto, o moderno edifício da loja da NOSOCO, em Bissau.

Numa lista, de 18 pp.,  com  mais de 150 empresas coloniais da África Ocidental Francesa (AOF), em 1925, vem a seguinte informação  sobre a NOSOCO, sociedade anónima com um capital de 8 milhões de francos. Dedicava-se à importação e exportação. Na Guiné, tinha sucursais no Cacheu, Bissau e Bolama:

"NOUVELLE SOCIÉTÉ COMMERCIALE AFRICAINE [NOSOCO], 9, cours de Gourgue,
Bordeaux (Gironde). T. 852. Codes: A.B.C. 5e éd., Lieber. Soc. an. au cap. de 8.000.000
de fr. Conseil d'adm.: Prés.: M. Pascal Buhan; MM. Gaston Thubé fils, Amédée Thubé,
adm. Direction: 2, av. de Launay, Nantes (Loire-Inf.). T. 11-49. Ad. t. Nosoco-Nantes.
Comptoirs: Sénégal: Rufisque, Kaolack, Fondiougne; Casamance: Ziguinchor; Bissao
[Bissau]: Cacheo, Bissao, Boulam. Importation et exportation au Sénégal, en Casamance et en Guinée. (2-38657)." 

Vinte e seis anos depois, no anuário de 1951, das 441 empresas coloniais francesas da AOF  + Togo (78 pp.), a situação da NOSOCO já era outra: (i) faz  parte do grupo Unilever (tal como mais outras quatro); (ii) tem sede em Dacar; (iii) continua a ser uma "sociedade anónima"; (iv) o capital social é de 220 milhões de francos CFA; (v) na Guiné Portuguesa (sic), está em Bissau, Bolama, Farim e Bafatá: (v) exporta matérias-primas, importa produtos manufaturados, como qualquer boa empresa colonialista...

"244 — Nouvelle Société commerciale africaine (NOSOCO)[Unilever],
Siège social: 131 [ou 31 ?], boulevard Pinet-Laprade, DAKAR (Sénégal)[= 204] [a mesma sede da Cie du Niger français (C.N.F.)[Unilever]
Capital. — Société anon., 220 millions de fr. C. F. A.
Objet. — Import. et export. au Sénégal, en Casamance et en Guinée portugaise.
Exp. — Arachides, palmistes, caoutchouc, cire, cuirs, gommes, etc.
Imp. — Tissus, riz, huile, sucre, conserves, quincaillerie, épicerie et toutes
marchandises.
Comptoirs. Sénégal: Dakar, Thiés, Diourbel, Fatick, Kaolack;. Foundiougne. —
Casamance: Ziguinchor, Kolda. — Guinée portugaise: Bissao, Boulame, Farim, Bafata.
Conseil. — MM. Arnaud Faure, présid. dél. M. Gérard, G. Rouzaud, Wallerston, L.
Leibosis, admin."

(Fonte: Les Entreprises Coloniales Françaises)

Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Segundo dados que recolhemos na Net, a NOSOCO foi criada em 1879, no Senegal, tendo-se tornado uma das maiores empresas na área da importação /  exportação. O seu negócio principal será a exportação de oleaginosas... Na Guiné portuguesa, estava em competição com a Casa Gouveia (Grupo CUF) (como vimos, socorrendo-nos das memórias de Cadogo Pai).

A NOCOSO, sociedade anónima,  acabou por se tornar uma filial da ainda mais poderosa UAC - United Africa Company, de origem britânica que, antes da II Guerra Mundial, detinha 40% do total do comércio da África Ocidental, mas já como subsidiária da transnacional Unilever, de capital britânico e holandês. (A UAC, com a crise do capitalismo de 1929, estava à beira da banca rota, sendo então comprada pela Unilever;  seria totalmente absorvida em 1987 pela empresa-mãe, a Unilever,  deixando portanto de ter existência, de facto e de direito).

Será interessante saber que a Unilever  nasce justamente em 1930 através da fusão da Margarine Unie (fabricante holandês de margarina) e da Lever Brothers (fabricante inglês de sopas). É hoje um dos gigantes mundiais do agroalimentar, das bebidas, dos produtos de limpeza e cuidados pessoais... Os "factos" falam por si:  c. 400 marcas, c. 170 mil empregados, c. 52,7 mil milhões de euros de faturação, c. 2,5 mil milhões de clientes... (Como termo de comparação, refira-se o montante das exportações portuguesas em 2016: c. 26,3 mil milhôes de euros, segundo dados da PORDATA).

E tudo (ou quase tudo ou uma grande parte ) começou em África... com o colonialismo europeu. Em África,  que continua pobre e subdesenvolvida...(***) (LG)
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de setembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17772: Historiografia da presença portuguesa em África (88): Exposição Colonial Internacional de Paris, 1931 (1) (Mário Beja Santos)

(**) Vd. poste de 31 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15309: Historiografia da presença portuguesa em África (64): Cem pesos era "manga de patacão" para o camponês guineense, produtor de mancarra... Era por quanto venderia um saco de 100kg ao comerciante intermediário... Em finais de 1965 o governo de Lisboa garante a compra pela metrópole da totalidade da produção exportável da mancarra guineense e fixa o preço por quilo em 3$60 FOB (Free On Board)

Vd. também poste de 7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14126: (Ex)citações (258): A prosperidade de Bafatá não se deveu tanto ao "patacão da guerra" como ao negócio da mancarra (Cherno Baldé)

(***) Último poste da série > 17 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17775: Historiografia da presença portuguesa em África (89): Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934 (2) (Mário Beja Santos)

6 comentários:

Valdemar Silva disse...

Obrigado Beja Santos (ou 'Veja o Santos' como eu dizia no tempo da Defesa do Consumidor).
Extraordinários/deliciosos testemunhos, mais um, aqui apresentados por Beja Santos,
que nos faz compreender o que era, realmente, a Guiné antes dos anos 60.
É interessante verificar o a importância comercial de Sonaco que conheci bem, em 1969. Tratava-se de uma pequena tabanca, com pouca população, sem a nossa tropa ou milícia, com duas/três casas comerciais e um arcaico posto de abastecimento de gasolina na estrada/picada no centro da tabanca.
Vamos continuar à espera de mais.
Cumprimentos
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, por acaso estes elementos informativos foram recolhidos por mim... Mas a "pista" é de facto dada pelo nosso amigo e camarada e incansável colaborador do blogue, Mário Beja Santos... A "pista" foi o cartaz promocional da exposição colonial internacional de Paris, 1931... donde consta o nome da NOSOCO.

Em geral, os postes quando não são assinados são da responsabilidade dos editores, em especial, minha (LG) ou do Carlos Vinhal...

Mas o mais importante é que tenhas gostado de ler e aprendido alguma coisa... É sempre bom haver "feedback" dos nossos leitores.

Um grande abraço aos dois, VQ e MBS.

Luís Graça

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já agora gostava que alguns camaradas e amigos (António Estácio, Nelson Herbert Lopes, Manuel Amante da Rosa, Leopoldo Amado e, em especial, o Mário Dias..) pudessem confirmar/validar a legenda da foto de grupo (despedida do gerente francês da NOSOCO, Mr. Boris que regressava a Paris, c. 1958/59)...

Não tenho a certeza se o nº 2 é mesmo o João Rosa... Em princípio o nº 3 é o Toi Cabral, o mano menos conhecido do Amílcar Cabral, ou um dos manos...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na Guiné, as casas comerciais, portuguesas e francesas, o futebol e o 1º Curso de Sargentos Milicianos, de 1959, foram um grande alfobre de "nacionalistas" guineenses, e em particular de partidários de Amílcar Cabral... Como noutros sítios, em especial em Angola, as missões cristãs... Ou em Lisboa, a Casa dos Estudantes do Império...

Só os estúpidos não entendiam, Salazar e os seus esbirros... A informação e o conhecimento podem ser "armas letais"...

Anónimo disse...

Não há dúvida que a "Guiné Portuguesa" era uma pedrinha no sapato dos nossos amigos franceses, que tinham um império dez vezes maior do que o português... mais de 20 milhões de km2 contra 2 milhões... Mas mesmo assim não descuraram os seus "interessezinhos", mandando para Bissau e arredores 3 das suas empresas pesadas: NOSOCO, SCOA, CFAO... Com chefes franceses e bons rapazes guineenses e cabo-verdianos (e alguns "tugas") como auxiliares...

A liquidação do império colonial francês foi dolorosa e sangrenta (Argélia, Indochina...), o que não admira: os interesses em jogo afetavam muita gente: só na Argélia os franceses (e outros europeus, incluindo judeus, muitos deles nascidos na Argélia) eram, em 1960, cerca de 10% da população... Depois guerra e da independência, em 1962, terá saído uns 800 mil "pieds noirs" ("pés negros"!, termo depreciativo que começou a ser usado então para designar os "retornados" franceses...).

Dizem que os nossos "retornados" (termo inapropriado, já que se refere também a portugueses e outros nascidos na Guiné, Angola, Moçambique...) conseguiram integrar-se melhor na antiga "metrópole" do que os "pieds-noirs" na sociedade francesa... Quem pode falar de cátedra sobre isto é o nosso camarada e amigo António Rosinha, que tem andado muito calado... e espero que seja por boas razões... Um abraço para ele. LG

Ludmila Ferreira Barreto disse...

Boa noite alguém poderia me informar onde consigo encontrar informações dos empregados destas sociedade francesa em Bissau durante esse período?

Tenho algumas perguntas também que gostaria de expor aqui:
nos anos 30 e 40 onde as pessoas estudavam em Bissau?
em que ano os registo civil de Bissau começou a funcionar?

agradeceria imenso saber destas informações obrigado