segunda-feira, 22 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17386: Blogpoesia (511): "Sucessão de formas concêntricas"; "Dedos famintos, desalmados" e "Lavar na fonte", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Lavadouros do Rio Leça, inaugurados em 1937. Já não existem
Com a devida vénia a Matosinhos Antigo


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Sucessão de formas concêntricas

Vem de longe este túnel de formas concêntricas que eu sou.
Dum encontro fatal brotou um ser compósito:
Alma e corpo, com forma de gente.
Único e irrepetível.
Um elo, apenas.
Com um destino que é seu.

Propagou-se no tempo,
Em imagens crescentes.
Desde um simples minúsculo, idêntico,
Ao ponto que sou,
Numa permanência perfeita e total.

Sinto quem fui desde o começo,
Não como alheio.
Diviso para trás,
Mas ignoro o que serei no futuro…

Berlim, 17 de Maio de 2017,
8h38m
Mais um dia de sol
Jlmg

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Dedos famintos, desalmados

Dedos famintos, desalmados,
Daquele jovem iluminado,
Percorrem os teclados dum órgão alucinado
Clamando os sons incandescentes da Tanauser do nosso Wagner.
Enchem a catedral. Até as pedras centenárias
Das colunatas vibram nos seus prumos,
Como vibrantes cordas.

E, pelo chão, em deliciosas cadências,
Os pés do organista
Marcam o ritmo
Como se fosse bateria.

É a hora expoente da arte musical.
Tanta beleza!
Que nos enche e sacia a alma
Com os magnos eflúvios sonoros
Que só um órgão de tubos
É capaz de dar…

Berlim, 20 de Maio de 2017
18h3m
Ouvindo a Tanhauser de Wagner tocada num órgão de tubos, por Jonathan Scott
Jlmg

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Lavar na fonte

Sob a latada sombria, no fundo do campo,
Havia um tanque.
Uma bica constante despejava um rego de água vindo da rocha no seio da terra.

As moças chegavam com cântaros de barro.
Enchiam e lá seguiam para casa, contentes.

O tanque comprido parecia piscina.

De alguidares à cabeça, chegavam mulheres,
Com resmas de roupas.

Enchiam o …longo, em pedra,
A todo o comprido.
Cada uma, um sabão em barra.

Mergulhavam a peça.
Estendiam-na na pedra.
Esfregavam, com força o sabão.
O sujo, envergonhado, sumia.

De novo um mergulho.
Esfregavam, torciam.
A água escorria.
Esta já estava.

Entretanto, na galhofa,
Se contavam as últimas.
Nada escapava.
Melhor que a Reuter…

Do abade ao ferreiro.
Da Seara e da Tripa.

Se entoavam cantigas de igreja
E brejeiras.

Quem passava na estrada, encima,
Parava a ouvi-las.

As horas corriam.
Saía uma e logo outra chegava.
Assim se passava a manhã.

Pela tarde, reluziam ao sol,
Pendentes nas cordas,
Toda a roupa lavada,
Melhor que nas máquinas...

Berlim, 18 de Maio de 2017
8h56m
Dia quente de sol
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17354: Blogpoesia (510): "Oração à paz"; "Alimento secreto" e "Festa do sol", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

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