sábado, 30 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16034: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (5): Capelas, igrejas e nichos religiosos no mato: fotos de António Santos, Arlindo Roda, Benjamim Durães, Carlos Silva, Jorge Pinto, Mota Tavares, Zé Neto (1929-2007)


Foto nº 1 >  Zona leste > O fur mil at inf, Arlindo T. Roda, da CCÇ 12 (1969/71), no interior de  um capela ou igreja,  não sabemos exatamente onde... Bambadinca ? Bafatá ?  Já não nos lembramos do interior da capela de Bambadinca (que também servia de capela mortuária)...

Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados.



Foto nº 2 > Exterior da capela de Bambadinca. À porta o fur mil Arlindo T. Roda

Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados.



Foto nº 3 > Exterior  da capela de Bambadinca ... Aquartelamento e posto administrativo de Bambadinca. Foto de Benjamim Durães  ex-fur mil op esp, Pel Rec Inf, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.



Foto nº  4 >  Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Março de 2007 > O anterior da capela onde, entre outros, rezaram missa capelães como o Horácio Fernandes (CCS/BCAÇ 2852, maio/dezembro de 1969) e o Arsénio Puim (CCS/BART 2917, 1970/71).

Foto: © Carlos Silva (2007). Todos os direitos reservados.




Foto nº 5  >  O Arlindo Roda, no interior de um aquartelamento que ainda não conseguiimos identificar... Não é o Xime... Será Xitole, Saltinho... ?

Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados.


Foto nº  5 > O fur mil at inf José Luís Sousa, também da CCAÇ 12, natural do Funchal, na capela do mesmo aquartelamento não identificado (foto nº 4)

 Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados


Foto nº  6 >  Nicho construído em Mansambo pela CCAÇ 2404 (Binar e Mansambo, 1968/70). A CCAÇ 2404/BCAÇ 2852 substituiu  a CART 2339, "Os Viriatos" (Mansambo) entre novembro de 1969 e maio de 1970... Foi, por sua vez, rendida pela CART 2714 ("Bravos e Leais"), pertencente ao BART 2917 (1970/1972).

 Foto: © Arlindo Roda  (2010). Todos os direitos reservados



Foto nº  7 > Igreja de Bafatá

Foto: © José Fernando dos Santos Ribeiro (2013). Todos os direitos reservados.




Foto nº  8 > Igreja de Nova Lamego. "Graça, Cunha e eu" (António Santos, ex-sol trms, Pelotão de Morteiros 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)

Foto (e legenda): © António Santos  (2006). Todos os direitos reservados.




Foto  nº 9 > Capela de Guileje, na Região de Tombali, construída pela CART 1613 (1967/68) > Guileje foi "terra de fé e de coragem".. Foto do nosso saudoso cap art ref Zé Neto (1929-2007).

Foto (e legenda): © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2016). Todos os direitos reservados.


Foto nº 10 > Zona leste > Região de Gabu > Capela de Buruntuma > O arquiteto e mestre de obras foi o Mota Tavares, nosso camarada do BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) que nos mandou fotos da "sua" capela... Anda à procura do militar que está nesta foto... mas ele próprio nunca mais deu notícias

Foto: © Mota Tavares (2016). Todos os direitos reservados.



Foto nº 11  > Região de Quínara, Fulacunda >  3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Soldados construindo a capela cristã (pormenor) em terra de beafadas e muçulmanos.

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados.



1. Capelas no mato... Símbolos da religiosidade do soldado português... Não havia aquartelamento (ou até mesmo destacamento) que não tivesse a sua capela ou capelinha... Ou um nicho religioso, geralmente mariano, para orar, debaixo de um poilão (como o da foto nº 6: "Senhora, protege a CCAÇ 2404").

Ao longo da guerra (1961/74),  improvisaram-se arquitetos, engenheiros, pedreiros, carpinteiros, trolhas, decoradores, etc.,  para erguer estas construções efémeras onde o soldado português erigia as mãos ao céu, e rezava, sozinho ou em grupo...  Muitas vezes não havia capelão, ou quando o havia ficava na CCS do batalhão, a dezenas de quilómetros de distância...

Temos diversas fotos publicadas no blogue, e outras mais estão disponíveis na Net. Mas gostávamos que nos mandassem mais exemplares, com a devida legenda: local, data, autor...

Entretanto, pede-se ajuda para legendar (ou completar a legendagem de) as fotos nºs 1, 5 e 6. O Arlindo Roda mandou-nos as fotos, em devido tempo (2010),  mas sem legenda. E não está contactável: presumo que ainda viva em Setúbal. É natural dos Pousos, Leiria. O nosso obrigado a ele e aos restantes fotógrafos.

____________

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16033: Nota de leitura (834): Panos de Cabo Verde e Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

Pano guineense

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2015:


Queridos amigos,


Há quem esqueça que as esculturas Nalus e Bijagós são exibidas nalguns dos museus mais exigentes em todo o mundo.

Dentro do artesanato há igualmente expressões de grande valor, mostra de grande sensibilidade, é o caso da panaria, o tecer foi trabalho dos escravos transportados da Senegâmbia para Cabo Verde, o tecer na África Ocidental está documentado desde os tempos mais remotos.

A exposição de que iremos falar realizou-se em 1996 no Museu Nacional de Etnologia e foi um senhor acontecimento, destinada a graúdos e miúdos, muitíssimo bem documentada, foi um primor. Bom seria que estes panos que fazem parte de um riquíssimo acervo do museu deambulassem pelas escolas e pelas localidades onde reside a comunidade guineense instalada em Portugal.

Um abraço do
Mário


Panos de Cabo Verde e Guiné-Bissau

Beja Santos

Entre Abril e Novembro de 1996 decorreu no Museu Nacional de Etnologia a exposição Panos de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Por diferentes títulos, foi uma exposição modelar. O museu possui um acervo riquíssimo de panaria cabo-verdiana e guineense. A ideia central da exposição foi a de propor um diálogo com as comunidades cabo-verdianas e guineenses, pensou nos mais novos e em divertimentos multiculturais. Preparou-se igualmente uma excelente documentação, corrigiram-se informações que permitiram avaliar as mutações ocorridas desde a criação do museu (anos 1960) e o fim do século XX. O ponto de partida foi o livro de referência de António Carreira, "Panaria Cabo-Verdiana-Guineense", de 1968, reeditado pelo Instituto Cabo-Verdiano do Livro em 1983.

É sobre a rica documentação produzida que vamos dizer alguma coisa. Nos países da África Ocidental ao Sul do Saara – numa área situada entre o Senegal, a Oeste, e os Camarões a Este – há a tradição de os tecelões produzirem panos de algodão de bandas estreitas, que geralmente não ultrapassam os 25 centímetros de largura, em teares horizontais. Este pano de bandas estreitas é a expressão da tradição e da inovação na tecelagem de Cabo Verde e da Guiné, e está mesmo presente na vida dos emigrantes.

Perde-se na noite dos tempos a tecelagem na África Ocidental, nos apontamentos refere-se a importância da tecelagem no Reino do Gana, por exemplo. Os relatos dos séculos XV e XVI sobre os povos africanos com que se estabeleceram relações comerciais e de amizade dão-nos conta da antiguidade da tecelagem. Cadamosto e Valentim Fernandes referem que a maior parte da gente andava nua mas as mulheres e os homens de estatuto superior usavam roupas de algodão, panos e camisas, compridas e de mangas largas. Os panos vincavam o estatuto social e a hierarquia política dos seus possuidores. Esta tecelagem tem origem em Cabo Verde e depois migrou para a Guiné, onde o pano de bandas continua a ter um papel importante nos momentos ritualizados dos diferentes grupos étnicos; em contratos e cerimónias de casamento muçulmano, nos funerais e no amortalhamento de cadáveres, no pagamento de práticas de adivinhação. Escreve-se nos apontamentos desta exposição que Fulas e Mandingas, no pedido de casamento, a mãe da noiva recebe do emissário do noivo bandas brancas de algodão. Refere-se mais adiante que o vestuário tradicional dos Fulas e dos Mandingas islamizados é o pano de bandas azul-escuro ou claro tingido pelo Saracolés. Os Manjacos e os Papéis usam panos com decoração elaborada e com grande semelhança com a panaria cabo-verdiana.

Era explicado na exposição que os panos apresentados tinham sido recolhidos em 1963, na Guiné, por Fernando Quintino, e em 1964 e 1970, em Cabo Verde, por António Carreira. Os currículos e a vida de investigação de Quintino e Carreira aparecem muito bem detalhados.

Depois produziu-se documentação para o meio escolar, a história dos panos contada na escola. Diz-se concretamente que no século XV já se exportava bastante algodão para Portugal, Flandres e Espanha, e foi com este produto que se passaram a fabricar, a partir do segundo quartel do século XVI, milhares de panos com os quais se adquiriam por compra, escravos na Costa da Guiné.

A produção de panos em Cabo Verde está diretamente relacionada com os primeiros contingentes de escravos que vêm da Guiné (entenda-se, a Grande Senegâmbia). Assim o tecelão surgiu em Cabo Verde com o escravo africano. Sobre o pano artesanal na Guiné-Bissau e a sua recuperação nos anos de 1980 escreve Isabel Mesquitela, alguém de quem aqui se já se falou. Isabel Borges Pereira Mesquitela foi para a Guiné-Bissau em 1986, descobriu que a panaria guineense tinha praticamente desaparecido, procurou contribuir para a recuperação de uma arte ancestral de grande beleza. O declínio da panaria manifestou-se nos anos 1960, entre um pano de importação europeia e um pano produzido num tear Manjaco o preço podia variar sete vezes mais. Para essa recuperação, como ela escreve, selecionou-se Calequisse, Bafatá e Gabu: Calequisse era considerada o berço dos tecelões Manjacos, em Bafatá viviam famílias de tintureiros Saracolés, e o Gabu por ter uma tecelagem diferente da dos Manjacos. Vale a pena ler o que ela escreve:

“A importação do fio de algodão fiado nas fábricas portuguesas, o grande desejo dos velhos artesãos voltarem aos teares, a valorização e promoção dignificada do pano e as boas condições económicas proporcionadas aos tecelões, foram os agentes fundamentais para sucesso da empresa M’Banyala, Panos da Guiné-Bissau (a palavra é de etnia Manjaca e significa mostra de bandas)”.

Noutro contexto, Isabel Mesquitela confessou o seu desalento quando, a partir de 1994, não pôde prosseguir com o seu projeto empresarial, tais e tantos foram os condicionalismos impostos que desviaram de forma drástica os índices de qualidade e de beleza que sempre caracterizaram a tecelagem guineense. Ela escreveu um livro sobre o pano artesanal na Guiné-Bissau, socorreu-se do clássico de António Carreira “Panaria Cabo-Verdiana-Guineense”, descreve minuciosamente o tear Manjaco/Papel e o que o distingue do tear Fula. Explicando como estes panos são feitos em peças chamadas bandas fala da panaria. Um pano de banda estreita mede aproximadamente 1,2 m x 1,8 m. É constituído por seis bandas de aproximadamente 0,2 m x 1,8 m. Às barras transversais das pontas chamam “boca” e o padrão em si, entre duas bocas é denominado corpo. Isabel Mesquitela elenca os padrões recuperados. Dá igualmente atenção ao pano tingido que tem longa história nesta região de África. Segundo António Carreira, os Mandingas eram bastante entendidos na arte de tingidura de panos.

Esta exposição que decorreu no Museu Nacional de Etnologia produziu documentação do maior interesse, incluía mesmo legendas e explicações sobre as peças expostas e incluía glossário explicando, entre outros termos, o que eram anil, banda, pano, pano boca-branca ou pano de pente ou pano d’obra.

Creio que foram deixados vários aliciantes para uma visita ao Museu Nacional de Etnologia. A panaria guineense merece ser conhecida.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 25 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16013: Nota de leitura (833: “A descolonização da Guiné-Bissau e o movimento dos capitães”, por Jorge Sales Golias, Edições Colibri, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16032: Camaradas da diáspora (12): Notícias da América: "Luso-Americanos que morreram ao serviço das Forças Armadas dos USA", último livro do jornalista e escritor Fernando Santos (João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Portogole, Missirá, 1965/67)


Luso-Americano, jornal fundado em 1928. Notícia, da edição de 29/3/2016, referente ao último livro do jornalista e escritor Fernando Santos, amigo do nosso grã-tabanqueiro João Crisóstomo.


(...) "O mais recente livro do jornalista e escritor Fernando Santos mostra a virtude, o coração e a alma de origem portuguesa. O último sacrifício de portugueses e luso-americanos na defesa da América que adoptámos como casa.

"Desde a Guerra da Independência que as forças armadas americanas contam com portugueses a luso-americanos nas suas fileiras. Guerra Civil, 1ª e 2ª Guerra Mundial, Guerra da Coreia, Guerra do Vietname, Guerra do Golfo, Guerra do Afeganistão, Guerra do Iraque, e operação “Inherent Resolve” no Iraque e na Síria.

"O trabalho de Fernando dos Santos que, durante décadas, foi editor-chefe do Luso-Americano é considerado de indelével valor por constituir um esforço de pesquisa inédito, tal como o seu primeiro livro Os Portugueses de New Jersey."


Fonte: Cortesia de Luso-Americano [mar 29, 2016]


1. Mensagem do João Crisóstomo (Nova Iorque) [, ex-alf mil, CCAÇ 1439 , Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66, ativista de causas sociais, a viver em Nova Iorque desde 1975; natural de A-dos-Cunhados, Torres Vedras; nosso grã-tabanqueiro]:


Data: 19 de abril de 2016 às 18:00

Assunto: Lista ... e reunião....

No sábado passado, dia 17 deste mês, houve um jantar de angariação de fundos para um monumento aos luso-americanos veteranos nos Estados Unidos ( a ser construído num parque em Newark, estado de New Jersey, onde há uma numerosa comunidade portuguesa). (*)

Ao mesmo tempo este foi ocasião para o lançamento de mais um livro pelo conceituado jornalista/autor Fernando Santos ( ex-editor do Luso Americano nos USA, depois de ter sido redator da Agenêcia France Press em Portugal), justamente intitulado "Luso-Americanos que morreram ao serviço das Forças Armadas dos USA".

A sorte colocou-me exactamente na mesa do Fernando Santos (somos amigos de longa data!) e partilhavam da nossa mesa alguns dos seus amigos que ele me havia avisado eram veteranos das nossas "guerras no Ultramar português,  Entre estes havia um, Carlos Pais, que havia prestado serviço em Cabo Verde, e me falou, entre muitas outras coisas, da diferença entre o clima etc da Guiné, onde parece ter ido frequentemente, e Cabo Verde. Sugeri então que lesse o teu/nosso  blogue e talvez ele tivesse mesmo vontade de te contactar. Oxalá o faça.

Foi por ele que o Fernando Santos teve acesso a uma lista de militares condecorados nas guerras ultramarinas, onde evidentemente a Guiné ocupa lugar de destaque, pois era lá, mais do que em qualquer outro lugar, que a coisa era mesmo quente, como todos sabemos. 

É natural que dela já tenhas conhecimento e eu estou aqui a pretender "ensinar o Padre Nosso ao Vigário" como se costuma dizer . Se é o caso, desculpa. Se porém a não conheces,  talvez aches relevante, pois aí estão os nomes (por ordem alfabética) de todos os que receberam alguma distinção por parte do nosso governo (,embora na verdade todos os que por lá andaram merecem o nosso muito respeito e admiração , sempre houve alguns que foram mais notados do que outros, embora isso não queira dizer que muitos outros não fossem merecedores de igual e talvez maior distinção do que muitos dos que nesta lista estão incluídos). 

Aqui vai portanto o link [, portal UTW - Ultramar Terraweb, Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, 1959-1975, fundado pelo nosso camarada e grã-tabanqueiro António Pires [ex-Furriel Mil Mecânico Auto da CSM/QG/RMM (Moçambique 1971/1973], a quem mandamos um grande fraterno e fotos de boa continuação da navegação pela "picada" (muitas vezes armadilhada...) da Web]:

http://ultramar.terraweb.biz/condecoracoes.htm

E pronto,  meu caro.

AHHH!!! Mais uma coisa: Se já recebeste isto…. mais uma vez as minhas desculpas por ser redundante; mas se não, aqui vai uma cópia de um convite para a reunião anual da CCAÇ 1439, etc.,. como segue (**) .

Um grande abraço para ti, tua esposa e todos os nossos camaradas que venham a ler este, se for o caso.

A Vilma está -me a dizer para a não esquecer no abraço que vos estou a enviar!...

João Crisóstomo,
 CCAÇ 1439, 1965/67
Alferes Miliciano
______________

Notas  do editor:

Guiné 63/74 - P16031: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (4): O segredo do Jorge, um conto do José Teixeira (régulo da Tabanca de Matosinhos)

O segredo do Jorge

por José Teixeira


O Jorge viveu a infância e os primeiros anos da sua juventude no mundo do “nós”. Nós, os portu­gueses, os melhores do mundo; nós, os portugue­ses, os descobridores e senhores de grandes possessões em África, na Índia e na Oceânia; nós, os portugueses, uma plêiade fantástica de heróis, de aventureiros e de santos; nós, o homem branco, senhor do mundo.

Na ciência, pontificavam os ilustres brancos. Na religião, o “deus” era branco, e os seus seguidores eram brancos. Tinham ido, nos tempos de anta­nho, para África, para a América e para a Índia levar a “boa nova” de paz e amor aos “outros”, os selvagens, coitados.

Quem caminhava a passos largos para con­quistar a Lua eram os homens brancos. Na polí­tica, sabia, apenas, que, em Portugal, havia um famoso branco, adorado e temido por todos os “outros” brancos.

No início da sua vida, neste espaço terrestre onde nasceu, foi descobrindo que ali também ha­via o “outro”; ou, melhor, “outros” que se dife­ren­ciavam pela casta: os iguais, pobres e humildes, que tiravam o chapéu e se curvavam respeitosa­men­te perante o “outro”, o senhor das terras e ha­veres, de quem dependiam para sobreviver, pelo trabalho, de sol a sol, que lhe prestavam em troca de uma tijela de caldo e uns tostões para matar a fome aos filhos.

A sua grande descoberta, e que o marcou para toda a vida, aconteceu quando desvendou que ele existia porque existia o “outro” e lhe servia de es­pelho vivo. Porque o “outro” andava de pé, come­çou a tentar pôr-se de pé e viu que podia dar pas­sos – os primeiros passos, a grande novidade. Depois foi toda uma vida a olhar para o “outro” e a imitá-lo, para o bem e para o mal. Deste modo, construiu o seu “eu”, a sua personalidade; desco­briu as suas capacidades e potencialidades e a for­ma de as pôr em prática. Se o “outro” não exis­tisse, o Jorge seria apenas um animal, dife­rente dos outros animais pelo dom de saber pensar, mas nunca seria, na realidade, o homem que é e de que se orgulha de ser.

Ao encontrar-se no cosmos, protegido por um deus branco, sentiu que, afinal, era um privile­gia­do. Era branco, e havia os brancos, e os “ou­tros”, pobres coitados, incultos, selvagens, incivi­li­zados, que era preciso salvar para o seu deus branco. Os europeus dos tempos de outrora, capitaneados pelos “nossos”, os heróis portugue­ses, tinham em­pre­en­dido grandes expedições para localiza­rem os “outros”, conquistarem as suas terras, explorarem as suas riquezas e converterem-nos à sua religião. Agora, continuavam a “protegê-los” com as suas armas e a enviar os seus missionários para os converterem ao seu deus, porque os deuses dos “outros” eram falsos. Estranhamente, só muito mais tarde desvendou que, afinal, “nós”, os europeus, ganhávamos fortunas colossais com a escravização, humana e económica, dos “outros”, os tais coitadinhos que precisam de ser salvos…

O “nós”, Portugal, encheu-se, assim, de orgulho pelas “descobertas” de terras que fez, como se elas não existissem desde sempre; pelas riquezas que explorou e roubou aos “outros”, e que aliava à “salvação” das suas almas, aqueles “outros” que tinham história e culturas e projetos de vida pró­prios, terras para cultivarem, e famílias estrutura­das à sua maneira.

Um dia, Jorge, a mando dos dominadores do “nós” – os senhores do mundo –, foi até África para mostrar aos “outros” que quem mandava éramos “nós” – os brancos –, com todo o poder na ponta das suas armas de guerra, e sofisticadas estratégias militares. Aterrou numa aldeia cheia dos “outros”, os selvagens, de quem se afirmava que não aceitavam ser portugueses. Contudo, ao internar-se pela tabanca (1) dentro, armado de uma potente arma, viu-se rodeado por um grupo de simpáticas crianças negras que, disputando-lhe os dedos das mãos, gritavam, alegremente, “beran­co! beranco!” (2),  numa atitude de boas-vindas, o que confundiu e perturbou profundamente o seu espírito.

Tocavam-lhe com as suas mãozitas e, depois, examinavam-nas atentamente, como que para comprovar se, por acaso, não tinham ficado bran­cas. Deliciavam-se a massajar-lhe o cabelo louro, liso e macio, e riam-se, riam-se…

Ali, embalado pela música das crianças, encon­trou uma sociedade aparentemente muito pobre, para
os seus padrões de vida, mas rica de valores humanos, em que o conceito de solidariedade e respeito pela pessoa era igual, ou até superior, ao que ele tinha aprendido no meio do “nós”, os senhores do mundo. Estranhamente, pela primei­ra vez, sentiu que era branco e um branco no meio dos “outros”, os pretos.

Que grande desco­berta cultural a que fez, nesse fim de tarde! Observou a cor da sua própria pele e a importância que esse pormenor tinha no seu próprio destino. Nunca o tinha feito. E foi uma nova luz para a sua própria história.

Jorge sentia-se o “outro”, e registou na sua mente que, afinal, não há brancos nem pretos; há, apenas, pessoas de pele diferente, com capaci­dades e potencialidades, com culturas e religiões, com sonhos e ambições, mas pessoas que mere­cem ser respeitadas. Sentiu, perante a reação das pessoas, que a cor da sua pele, aliada ao poder da arma, que trazia à tiracolo e o acompanhava sem­pre, eram fatores de separação ou talvez de medo. E ficou triste.

Estava no meio de um povo que amava a vida, tanto quanto ele, e que tinha uma estrutura familiar
bem definida, com as suas crianças cheias de vida e com direito a um futuro promissor, me­tido no meio de uma guerra que não queria, mas suportava com estoicismo e esperança.

As pessoas que o compunham cantavam e dançavam as suas modinhas, como ele, na sua terra longínqua. Saíam de madrugada para a lala (3), para amanhar as terras e colher o pão, como também ele o fizera tantas vezes.

Sentavam-se à sombra das árvores no calor da tarde para conversarem, o que lhe recordava, com saudade, os tempos em que ele se aninhava na borda do campo, à sombra das videiras carre­gadas de cachos de uvas doiradas, para saborear a merenda – quantas vezes –, uma sardinha frita com um naco de boroa e um copo de vinho. Eram um pouco preguiçosos, pensava, sem se aperceber de que o calor era abafante e de que o suor lhe escorria pelo peito, mesmo quando estava sentado à sombra do embondeiro a jogar às cartas ou a escrever uma carta para a namo­rada.

E tinham medo, um terrível medo da morte, que espreitava pelos canos das armas a todo o momento, tal como ele.

Deixaram-no entrar no seu ciclo de vida e nas horas vagas da guerra. Jorge embrenhava-se na tabanca, como se fosse na sua aldeia. Discutia-se futebol com emoção ou jogava-se, tantas vezes, com uma bola de trapos. Criou amizades e até se apaixonou pela bajuda (4), que, segundo ele, foi a mulher mais bela que conhecera em toda a sua vida.

Sobre essa paixão, escreveu uns tempos mais tarde:

“Tinha uma pele de uma suavidade intensa, pigmentada com laivos do sangue vermelho que a impregnava e lhe dava vida, transformando o negro, negro, numa coloração rosada; divinal para os meus olhos sedentos. Assim era a pele daquela jovem africana, de corpo esbelto e seios firmes, que avistei ao pôr o pé naquela tabanca, pela primeira vez. O Sol, ao fazer incidir sobre ela os seus raios doirados, dava ainda mais beleza àquele corpo talhado por mão divina em noite de lua cheia.

Os meus dedos, agilmente, tatearam os pomos ardentes que lhe saltavam do peito descoberto, atraídos pelo sorriso cativante e acolhedor que me devorou as entranhas, na ânsia de neles encontrar a chave da porta do futuro, que me esperava na­qu­ele chão vermelho.

Um olhar, profundo e firme, vindo de uns olhos amendoados e de um negro fascinante disse-me que estava a ser ousado em demasia, enquanto duas mãos firmes me retinham o gesto, ficando entrelaçadas nas minhas mãos atrevidas.

Tal como o olhar, as mãos daquela jovem de 18 anos, calejadas pelo duro trabalho da labuta na “lala”, deixavam passar um calor humano de boas-vindas que me encadeou o coração àquela terra e às suas gentes.


A Fatmata, assim se chamava a deusa que penetrou tão docemente no meu coração, foi, de ora em diante, a luz que me iluminou o caminho por entre a floresta da vida que trilhei, ao longo do tempo que se seguiu a este encontro feliz com a sua comunidade.

Estávamos na flor da juventude. Provínhamos de lugares e culturas tão diferentes, tanto quanto é diferente a cor da água e a cor do vinho tinto. Uma coisa, nós tínhamos em comum: a vida. E a vida merece ser vivida com garra e doação, o que fizemos nos seis meses que convivemos. Aprende­mos a conhecermo-nos melhor como pessoas e a respeitarmos a essência de cada um. Pela sua mão penetrei na comunidade local e na sua cultura an­cestral, que desconhecia inteiramente. Foram li­ções de cultura, saberes e práticas, por vezes es­tranhos, mas com sentido para a vida da sua etnia e do seu mundo, localizados no espaço e no tempo histórico. Aprendi a ser um deles – Perdi-me na prisão dos seus braços, encandeado pelo seu olhar cativante e desafiador, e fizemos das nossas vidas o mais belo templo do amor.

Da louca corrida do tempo, ficou apenas a sua imagem, colada à suavidade da sua pele.”



Gerou-se, então, uma tremenda desordem na sua mente. Foram meses de interrogações a si próprio, com respostas confusas; meses de silên­cios e sofrimento.

Tinha o poder das armas do seu lado. Havia uma população autóctone que nem por sombras era hostil ao seu país, bem pelo contrário, dava mostras de uma extrema fidelidade a Portugal, e havia um inimigo na mata a combater. Um povo ras­gado ao meio. Irmãos contra irmãos. As ordens superiores do “outro”, e que mandava nele, eram no sentido de destruir o inimigo e de assegurar o bem-estar da população que lhe era fiel. Mas, do outro lado, nas tabancas dos “outros” que sonha­vam com a construção de um país novo, liberto das peias do colonialismo, havia irmãos dos seus amigos africanos, havia esposas, havia mulheres, crianças e velhos.

O Kebá, seu amigo, disse-lhe, um dia, que uma das esposas e dois filhos tinham optado por com­bater pelos “outros”. Era mais uma razão para se recusar a pegar numa arma, o que não era muito bem visto pelos “senhores” dos galões doirados que mandavam em “nós” e não sabiam o seu segredo, pois, se o soubessem, rotulavam-no de amigo dos “outros” e enviavam-no para a Ilha das Galinhas (5).

Os duros combates sucediam-se. A morte en­tra­va ruidosamente e ceifava as vidas daquela gente. Choravam-se os mortos. Os de cá, ex­pres­sando a dor, mas, quando os mortos eram irmãos do outro lado, abafava-se a dor no silêncio e talvez no ódio.

As crianças saltavam-lhe para os braços, puxa­vam-lhe pela pera, tiravam-lhe os óculos. Ele corria atrás delas e, se caíam no chão, curava-lhes as feridas. Ao cair da noite, sentava-se à porta das moran­ças (6) com os mais velhos em amena cavaqueira. O velho Samba, com as suas histórias, mitos e lendas do povo e, os fatos reais de uma vida rica de expe­riências e a defesa do Corão como livro sagrado e do Islamismo como a religião única e verdadeira, era um homem culto e experiente. Tinha sido durante muitos anos cozinheiro num hotel, na cidade. Quando a guerra eclodiu, decidiu abandonar a profissão e regressar para junto do seu povo, para o organizar na defesa contra o ini­migo, a quem ele chamava o “irmão que andava enganado”.

O Abdulai, com as suas perguntas numa preo­cupação
contínua de apreender novos saberes e conhecimentos da cultura do seu irmão beranco, aprendera a ler e “devorava” tudo o que lhe apa­recia, fossem jornais, revistas de quadradinhos, ou livros.

Um dia, lera algo que o perturbou profun­da­mente: “Os horrores do holocausto”. Descarregou em Jorge todas as questões que tal leitura lhe levantara e transformou uma noite de esplendo­roso luar na noite mais escura que Jorge viveu na sua vida. Às perguntas: Por que aconteceu o holocausto, como puderam matar tanta gente que não andava na guerra, por que as mataram, e tantas outras questões que o Abdulai levantou, ele não foi capaz de responder e, sobretudo, encontrar a mínima justificação. Nessa noite, pela primeira vez, sentiu vergonha de ser branco; sentiu-se cúmplice dos crimes cometidos.

Aliu, o homem que detinha o poder gentílico, bamboleando-se na sua rede à porta do seu harém, e Jorge, sentado no banquinho de três pernas, perdidos pela noite dentro e trocando conhecimentos entre duas culturas tão díspares, tanto quanto a sua forma de ser e estar na vida, ou discutindo religião, em que o Islamismo se aproximava do Cristianismo, e vice-versa, no que respeita ao amor de Deus pelos homens e no res­peito que o homem deve ter pelo seu semelhante.

Outras vezes, eram as bajudas, a sua tentação noturna. Perdia-se com elas nas conversas de amor e paixão, sempre em tom baixo, à porta do abrigo e de ouvido atento aos sinais do “outro”, os da outra banda. De vez em quando, aparecia o velho Samba com um sorriso maroto a lembrar o perigo e a mandar recolher.

Nunca a vida tivera tanto valor como naqueles tempos, os melhores tempos da sua juventude. Jorge deixou que o seu sangue embebesse o sofrimento, as alegrias e as esperanças daquele povo e sentiu-se perdido. Ele tinha de ser um dos “outros”, os verdadeiros donos da terra perdidos nas duas frentes da guerra, sem deixar de ser ele, próprio. Mas como?

Havia ainda muito tempo para penar naquela inóspita terra vermelha, regada de sangue e lágrimas por ordem do “outro” que mandava na Metrópole ou “pátria-mãe”, como gostava que se chamasse ao Portugal europeu.

Sabia o rigor das regras militares a que estava submetido, desde que se tornou mancebo e en­trou no quartel, tinha vinte anos. Sabia que, numa vivência em estado de guerra, como aquela em que estava envolvido, há momentos em que “ou matas ou morres”, como diz o povo, na sua sabe­doria popular. Sentia que não tinha o direito de matar, tal como tinha aprendido na catequese que uma velha e rabugenta, mas muito querida, lhe tinha ministrado em criança.


O dilema bailava-lhe dentro da sua mente em sofrimento, e foi crescendo, crescendo, quase o coibia de pensar. A sua consciência impedia-o de agir com a violência das armas, pelo perigo de matar alguém. Impedia-o, também, de desertar ou, de algum modo, de mostrar o seu desacordo quanto às regras e ordens que lhe eram impostas. A morte de camaradas brancos e africanos, caídos por balas ou estilhaços assassinos, perturbava-o e obrigava-o a um estado de alerta e tensão perma­nentes. Isolava-se dos camaradas, fechava-se em si, e resistiu à tentação do álcool, mas já não era o mesmo rapaz alegre e comunicativo. Se o queriam ver feliz, era acompanhá-lo nas suas idas à ta­banca.

Um dia, caiu numa emboscada. Atirou-se para o chão, protegeu-se atrás de uma árvore e deixou-se estar de arma calada. Mandado avançar numa tentativa de envolver o inimigo, seguiu os seus ca­maradas de arma em posição de ataque, sem dar fogo. Descobriu, então, que se podia “fazer guer­ra” de uma forma passiva, não intervindo: to­mou a decisão. Guardou ciosamente o seu segredo durante o resto da longa comissão.


E quantas vezes, perante as situações de morte e de sofrimento que, à sua volta, grassavam na sequência das duras lutas travadas, a tentação de reagir pela força da sua arma teve de ser repelida pela consciência, num combate constante entre o coração e a razão!

Os camaradas foram-se apercebendo da mu­dan­ça que nele se operou. Tornou-se, de novo, um
companheiro alegre e comunicativo. Participa­va nas animações que, esporadicamente, os ca­ma­radas promoviam a pretexto de um aniversá­rio, de uma remessa de iguarias que alguma mãe enviara, numa tentativa de aliviar o isolamento e o sofrimento do filho querido, perdido na guerra. Deliciavam-se com os fadinhos de Coimbra, que Jorge tão bem cantava, mas, quando saíam para o mato, em missão, dita de soberania, à procura do inimigo, Jorge transmudava-se. Fechava-se em si próprio, no silêncio e na atenção aos movimentos que podiam vir da traiçoeira mata.

Terminada a comissão de serviço, regressou à sua terra natal – o Porto –, onde o esperava a família para lhe fazer uma viva e calorosa receção. Recorda-se que só se sentiu liberto do fantasma da guerra quando, ao chegar à estação de Gaia, avistou o seu Porto. Do que resta do primeiro encontro com a família, só se lembra de abraçar a mãe e dizer-lhe ao ouvido: “consegui”.

Ele conseguira cumprir a promessa que fizera à sua mãe na hora da partida para a guerra. Não matar!

José Teixeira



O Zé Teixeira: (i) tem cerca de 300 referências no nosso blogue;

(ii)  foi 1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iii) está reformado como gerente bancário; 

(iv) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

(v) é dirigente no movimento nacional escuteiro, onde é conhecido o "esquilo sorridente";

(vi)  é um dos régulos da Tabanca de Matosinhos e continua a ser um dos nossos grã-tabanqueiros mais solidários e inquietos; 

(vii)  como eu gosto de lembrar, o Zé foi talvez dos poucos de nós que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a 'barreira da espécie': ele, tuga e cristão, foi aceite e amado pela população fula e muçulmana, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda... Ele é amado, mimado, adorado quando lá volta (e já lá voltou não sei quantas vezes!] (LG)

__________

Notas do autor

(1) tabanca – aldeia

(2) beranco - branco

(3) lala – campo

(4) bajuda - rapariga casadoira

(5) Ilha das Galinhas – ilha do arquipélago dos bijagós na Guiné-Bissau – antigo campo de prisioneiros no tempo da guerra colonial.

(6) morança – casa típica da Guiné-Bissau coberta com palha de capim.


Fotos do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
_______________

Nota do editor:

Postes anteriores da série:

28 de abril de  2016 > Guiné 63/74 - P16026: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (3): Imagens com história... separadas por 44 anos: Xime (1972) e Monte Real (2016) (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

26 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16019: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (2): Dez comentários aos primeiros 1500 postes

26 de abril de 2016 > Guiné 63/74 - P16018: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (1): Heróis de uma guerra que nunca existiu e que por isso, não vão ficar para a história: o Paranhos, o Pimentel, o Peniche, o Pinto e eu (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P16030: Agenda cultural (477): Ciclo de conferências 2016: "A censura na Ditadura Militar e no Estado Novo (1926-1974)": Museu Bernardino Machado, V. N. Famalicão, hoje, às 21h30, entrada gratuita



CONVITE

O Museu Bernardino Machado tem a honra e o prazer de convidar V. Ex.ª para assistir à conferência A Censura do Estado Novo sobre o Jornal de Notícias , no âmbito do Ciclo de Conferências de 2016, que se realizará no próximo dia 29 de abril (sexta-feira), pelas 21h30, no Museu Bernardino Machado, em Vila Nova de Famalicão.
______________

Guiné 63/74 - P16029: Parabéns a você (1071): Giselda Pessoa, ex-2.º Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1072/74)

____________

Nota do editor

Último poste da série > 27 de abril de 2016 >  Guiné 63/74 - P16022: Parabéns a você (1068): Hugo Guerra, Coronel DFA Reformado, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16028: (In)citações (89): Reflexão sobre a oportunidade (a falta dela) decorrente do MFA (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

1. Texto do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviado ao Blogue em mensagem de 23 de Abril de 2016, subordinado ao título:


Reflexão sobre a oportunidade (a falta dela) decorrente do MFA

Caros Luís e Vinhal,
Cantou-se durante antigamente que o tempo voltasse para trás. Não volta, nem há volta a dar-lhe. É passado, e pesam as consequências do que ficou por fazer, como do que foi feito. Este texto, na minha opinião, pode seguir-se ao último que enviei durante o mês passado e aguarda publicação, se tal for o vosso entendimento. Em vésperas de novo aniversário sobre o golpe volto a referir a descolonização, no pressuposto do abandono do ultramar. Em anteriores comentários já tive ocasião para mostrar alguns índices do desenvolvimento económico e social de Angola, que era o motor português para a sustentabilidade do modelo integracíonista prosseguido pela política de Salazar, que viria a passar por alterações com Caetano no reconhecimento da autonomia crescente daquela "província", dadas as diferenças entre elas de circunstâncias sócio-económicas.

"Já em pleno período terrorista, o problema do futuro do ultramar português foi posto, pelos próprios portugueses, no quadro destas quatro teses:

1.ª - O ultramar integrado no todo nacional - Portugal - com o qual ele constitui um território indivisível.

2.ª - A autonomia progressiva dos territórios ultramarinos (tese de Caetano).

3.ª - A autodeterminação, em cada território, decidindo livremente a integração no todo nacional (indivisível, ou federal, etc), ou a independência (tese de Spínola, mais apressada por ele próprio nas comunicações oficiais decorrentes da sua condição na Guiné, apesar da impreparação de algumas das províncias, designadamente a que governava).

4.ª - O abandono, puro e simples, dos territórios, aos movimentos terroristas, que se auto-intitulavam "movimentos de libertação".

A primeira tese ... ignorava as mais diversas realidades geo-étnicas ... sucedeu e opôs-se à política representada pelo Acto Colonial (1930) ... cada uma delas possuindo legislações próprias - política muito discutível, sem espírito de previsão salvo no que respeita uma eventual tentativa de redistribuição internacional dos territórios coloniais; porque ... as descolonizações começaram a realizar-se alguns anos depois, exigindo uma estratégia completamente diferente.
A tese da "integração" ... não tanto como estratégia de momento, mas sobretudo realidade histórica (foi) retomada apressadamente (1951) em substituição do Acto Colonial ... continuando a política de Paiva Couceiro ... seguida também por Norton de Matos. O engrandecimento de Portugal - diz N.M. - só se conseguirá pela Unidade da Nação - Todas as nossas leis se têm de basear na unidade nacional ... em primeiro lugar a unidade territorial ... haverá para tanto um organismo único - orientador, propulsor e fiscalizador, onde estejam representados todos os interesses nacionais. (...) a nossa dupla missão em Angola devia ser, segundo Norton de Matos, a de introduzir nesse território elementos demográficos metropolitanos, e a de civilizar a raça negra . (...) o elo essencial ou, pelo menos, indispensavelmente complementar desta "unidade", era a língua: "Enquanto os habitantes de Angola, Moçambique, Guiné, Índia e Timor não falarem todos correctamente o português, a Unidade Nacional não será perfeita e a civilização desses povos poderá fazer-se, mas conduzirá fatalmente a nacionalidades diversas. (...) tratava-se de uma "Unidade" que garantisse, em caso de independência, como no Brasil, a língua e o génio da cultura portuguesa". Mas até 1961, a política de integração ... foi mais retórica do que de realizações governamentais. A verdadeira colonização eram os colonos que a faziam; e foram os colonos que se opuseram aos terroristas em Angola, antes que as primeiras forças militares ... chegassem a África. Não se tratava de uma sublevação de populações, mas apenas de um movimento conduzido por aventureiros e ajudado por potências estrangeiras.

Foi nestas condições que Caetano tomou as funções de Presidente do Conselho (1968), já com a ideia da autonomia progressiva (2.ª tese), isto é, a autonomia administrativa e financeira. (...) as províncias ultramarinas "deviam reger-se por legislação própria, com respeito das culturas e dos usos e costumes das populações nativas". Em 1972 foram publicados a nova lei orgânica do ultramar português e os estatutos das suas diversas províncias (que consagravam a ideia de autonomia progressiva e participada). Economicamente, cada província mantinha o seu próprio sistema monetário e de câmbio, mas as saídas de divisas não podiam exceder as entradas - o que limitando as importações (equipamentos e bens de consumo), estimulou a criação de novas industrias em Angola e em Moçambique. Esta tese estava ... entre a de Norton de Matos (no que diz respeito à fixação do elemento branco português em Angola e Moçambique, e à mestiçagem) e o método de colonização do Brasil . " (...) "como não era admissível o abandono do Ultramar nem a proclamação de independências prematuras, sob o domínio de minorias brancas que teriam de assentar na força o seu governo ou entregando a aventureiros africanos a vida, os bens e o destino de fortes núcleos civilizados dotados de infra-estruturas e equipamentos técnicos modernos, tinha de se procurar uma via intermédia" (Caetano).

A colonização portuguesa foi, no seu conjunto histórico - reabilitando-se do do que ela pôde ou teve que ser cruel, para tornar-se a mais humana de todas - autodescolonizadora no próprio processo das relações humanas estabelecidas entre colonizados e colonizadores. Portanto, o neologismo "autodescolonização"... designa uma descolonização que se faria pela própria iniciativa dos colonos e da metrópole, obedecendo a essa força de relações humanas entre metropolitanos e autóctones, determinando a promoção destes à mesma cidadania daqueles, para uma mesma consciência nacional. (...) (tal autodescolonização) ... deve desenvolver-se pela mestiçagem. Se não houver mestiçagem, não se pode falar de autodescolonização, porque haverá, então, um apartheid ou separação pura e simples, em que uma das partes continua a colonizar a outra (ou então as duas comunidades tornar-se-iam independentes uma da outra)".

Para entendimento das boas intenções deste parágrafo, vou repetir a evolução demográfica registada em Luanda, no período de 1960 a 1970, que já divulguei em posts anteriores:
Em 1960 havia 55.567 brancos, que em 1970 já eram 126.817; no inicio do mesmo período, eram 13.593 mestiços, que passaram a 37.974; enquanto em 1960 os pretos que eram 155.325, passaram a ser em 1970, 312.290. Com outras origens, em 1960 eram 55 indivíduos, que em 1970 passaram a ser 247 (não se especifica onde foram integrados os indivíduos de origem asiática). Assim, constata-se que o número de brancos e pretos, de per si, quase duplicou, e os mestiços quase triplicaram, o que vem dar razão aos que afirmam o bom ambiente na cidade, e o crescente número de relações de paternidade entre brancos e pretos. Era porque a população se sentia à vontade e sem preconceitos. Depois do golpe, e antes da independência já se verificava a instilação de ódios racistas, que o MFA não se coibia de incrementar, conforme revela o General Silva Cardoso, "Angola, anatomia de uma tragédia", Oficina do Livro, que ainda pode ser encontrado em livrarias, mas mais barato e frequente em alfarrabistas.

Assim, desta breve análise a textos da autoria de Amorim de Carvalho, "O Fim Histórico de Portugal", Porto, 1977, que inclui passagens de Norton de Matos em "Memórias e Trabalhos da Minha Vida", e de Marcelo Caetano no seu livro "Depoimento", obras só disponíveis em alfarrabistas, podemos constatar que o MFA não passou de um conjunto de oficiais (depois alargado a milicianos e a sargentos e praças) de nula ou escassa formação política orientada para o bem e integridade das populações como compete a quaisquer forças armadas (revelou-se prestimoso em serviços para potências estrangeiras), não mostrou conhecimento sobre a estrutura da nação (os que, de início, eventualmente tenham acreditado nas boas intenções e justiça da atitude desencadeada), e que no espaço de um ano, através de reuniões e mensagens mais ou menos clandestinas, evoluiu de uma motivação profissional reivindicativa, para uma justificação de mudança e transformação nacional. Eram imberbes, podem agora arguir, e não se deram conta dos alcances da iniciativa.

As consequências já as conhecemos; pobreza, por falta de aparelho produtivo, destruído o anterior; perda da soberania, pela adopção obrigatória de normativos legais provenientes da Comunidade, susceptíveis de impedir ou obrigar a adopção de diferentes meios legislativos, para além de condicionarem medidas de carácter económico, financeiro, laboral, diplomático e outros; e indignidade de um povo que há 40 anos estende a mão à caridade (ainda os empréstimos que nos iludem e permitem alguma qualidade de vida), em consequência das demagógicas mentiras políticas, do que resulta o risco do banimento da independência, pela integração em nacionalidade mais forte, ou no ostracismo miserável de uma região abandonada pelos credores (tipo Albânia dos anos 70 com Enver Hoxha), que podem fartar-se de alimentar "projectos" revelados egoístas e insaciáveis a favor da plutocracia nacional estribada na subvenção dos partidos, ou na dúvida sobre a capacidade de retornos dos elevados montantes emprestados, que, neste momento, e pelo andar da carruagem - comum a todos os governos anteriores, é o que se afigura de mais viável. De facto, peço a alguém mais inteligente, que me demonstre como as sucessivas execuções orçamentais, sem expressão no aumento do produto, ou na expectativa sobre a capacidade produtiva, podem contribuir para a melhoria de vida dos portugueses, e permitir que a classe política continue a desbaratar verbas só justificadas no papel, a usufruir de rendimentos e privilégios desadequados à "democrática" condição nacional, e a cometer esse desaforo traiçoeiro de vender património público e sobrecarregar a população com os excessos de endividamento, vendas que não revelam quaisquer melhorias, quer das instituições, quer do equilíbrio económico-financeiro (amortizações e redução da dívida pública, que a privada deveria ter outras implicações.

Aqui chegados, já vimos por alto como a Descolonização foi um fracasso, sem termos recordado as infames traições aos africanos que integraram as FA; nem aos civis, brancos, pretos e mulatos que foram mortos ou desapossados dos seus bens e modos de vida; quanto ao Desenvolvimento, também é permanente a sensação de caducidade de uma sociedade que não se mostra auto-sustentável; e, por fim, sobre a Democracia, fica também demonstrado o livre arbítrio do MFA, que nunca pôs à consideração popular a avaliação dos seus procedimentos, antes, deu perseguição a muitos dos que clamavam contra a destruição das instituições e dos abusos cometidos sobre a vida normal das populações, sem nunca ter evidenciado a humildade de reflectir sobre os actos praticados ou estimulados, nem sobre as consequências registadas. Sobre o programa dos 3 dês, ficam desmascarados os benefícios do 25 de Abril, em oposição com a estrutura económica e social que garantia meios para o desenvolvimento português, apesar das previsíveis independências poderem alterar as situações de cada parcela, que deveriam contar com períodos de preparação e solidariedade, com vista à consolidação das respectivas autonomias.

Ter promovido eleições como o fez, equivaleu a dar (pseudo) escolha à população ainda "impreparada", crédula da bondade dos partidos, que não se deu conta do tabuleiro onde se disputou uma partida da guerra-fria, que influenciou as estratégias em África e na Península Ibérica; e sobre os partidos e os actos eleitorais, basta constatarmos a tradicional demagogia dos candidatos, contraditada logo que chegam ao poder e estabelecem os tradicionais esquemas e alianças, alicerçadas em despudorada impunidade. Como se diz popularmente, quem parte e reparte, e não fica com a melhor parte, ou é tolo, ou não tem arte. Pertenço ao grupo dos que não querem ser tolos, e tenho a ideia de que as boas empresas, são-no, porque fazem boas e frequentes auditorias. O que é o Estado senão uma grande empresa, a maior de cada nação, e quem deseja vê-la na falência?

Como não sou dono da verdade, chamo a atenção para a necessidade de interpretar o que deixo, daí suscitando uma de duas reacções: a adesão total ou parcial, ou a contestação. Lanço o repto aos contestatários para divulgarem os seus pontos de vista, e, daí, criarmos a possibilidade de podermos beneficiar de interessantes e construtivas trocas de impressões.

Abraços fraternos
JD

Notas:
- As frases entre comas referem-se a citações referenciadas no texto principal. As aspas abrem e fecham os períodos retirados do livro "O Fim Histórico de Portugal". Onde não há aspas nem comas, corresponde a textos da minha autoria, princípio e fim do texto.
- O presente texto destina-se a publicação no blogue www.blogueforanadaevaotres.blogspot.pt, de Luís Graça e Camaradas da Guiné.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 26 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16021: (In)citações (88): Reflexão sobre o inicio da decadência nacional (José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679)

Guiné 63/74 - P16027: Os nossos seres, saberes e lazeres (151): Mário Serra de Oliveira sugere uma visita a Alcaide, Fundão, na época das cerejas... (Por que não uma excursão da Tabanca Grande, a partir de Lisboa, uma, e outra do Porto?)

Alcaide Foto: São Esteves. Com a devida vénia


1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68):

Olá Carlos:

Com votos de boa saúde, gostaria de começar por dizer que adorei estar no convívio em Monte Real.

Entretanto, não sei se sabes que aqui na minha zona, há muita cereja e de qualidade. Por meu lado, tenho uma mista de olival e cerejal, com 5500 m2. No entanto, não sou de andar a colher nem uma coisa nem outra.

O que aqui muita gente faz... é organizar excursões de gente de fora, que goste de cerejas. Então aqui vêm, uns de carro e outros de autocarro, colhem as suas próprias cerejas, comem as que quiserem e pagam €5 - levando 1kg. O extra, pagam ao preço de mercado.

Alguns almoçam por aqui... (temos cá um restaurante que normalmente está fechado... chamado Cunha Leal, político famoso e filho adotivo do Alcaide).

Bem, neste ponto, há que acertar agulhas antecipadamente,  para alguém organizar o almoço. Ementa e quantas pessoas.

Assim, se considerares que valeria a pena, poderias divulgar e quem estivesse interessado, contactaria comigo ( telem 968 173 329), para coordenar tudo.

Se for um grupo razoável, poderiam vir de autocarro.
Tenho a certeza que iriam gostar do passeio e do convívio.

Que acham da ideia-convite?

Abraço a todos.
Mário S. de Oliveira

**********

2. Aqui fica o Convite do camarada Mário Oliveira para um dia diferente, passado em Alcaide, sua freguesia natal, do concelho de Fundão.

CV 
____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P16024: Os nossos seres, saberes e lazeres (150): A pele de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16026: Na festa dos 12 anos, "manga de tempo", do nosso blogue (3): Imagens com história... separadas por 44 anos: Xime (1972) e Monte Real (2016) (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)



Mensagem do Jorge Araujo  com data de ontem,


Caro Camarada Luís,

Os meus melhores cumprimentos.

No âmbito da celebração do 12.º Aniversário do BTG [Blogue da Tabanca Grande], no qual se inclui a minha participação no seu XI Encontro Nacional, tome
i a iniciativa de escrever mais uma pequena narrativa histórica onde recordo, com algumas imagens, tempos passados na Guiné e tempos recentes separados por mais de quatro décadas.

PARABÉNS!

Um forte abraço de amizade a todo o colectivo da Tabanca

Jorge Araújo.
ABR 2016















___________________

Nota do editor:

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16025: Álbum fotográfico do Fernando Andrade Sousa, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) - Parte II: O meu amigo Abibo Jau, o "bom gigante" da CCAÇ 12, fuzilado pelo PAIGC, ainda em 1974


Foto nº 1 > O Fernando Andrade Sousa, junto ao memorial dos mortos de Bambadinca, em plena parada, frente à escola primária. [O sold com auto Manuel Guerreiro Jorge, da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, morreu na 16/10/1969, numa  mina A/C, seguida de emboscada, quando uma força do Pel Caç Nat 52, comandandada pelo alf mil Mário Beja Santos, regressava a Missirá, ao fim da tarde, com coluna de reabastecimento.



Foto nº 2 > O Abibo Jau e o Fernando Sousa no quartel de Bambadinca, sobranceiro à grande bolanha que se estendia a sul... É a primeira que aparece do Abibo ao fim destes anos todos!


Fotos: © Fernando Andrade Sousa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Mais duas fotos que nos mostrou, em Monte Real, no passado dia 16, por ocasião do XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, o Fernando Andrade Sousa, o último camarada sentar-se sob o nosso sagradado e mítico poilão, com  o nº 714.

Foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa.   Era seu superior hieráquico o fur mil enf João Carreiro Martins, membro, também ele, da nossa Tabanca Grande.

Na foto nº 2 vê-se, de perfil,  o Abibo Jau (, o gigante do 1º Gr Comb da CCAÇ 12, fuzilado pelo PAIGC, ainda em 1974, em Madina Colhido, juntamente com o Abdulai Jamanca, cmdt da CCAÇ 21, oriundo da 1ª CCmds Africanos.

2. Comentário do editor LG:

Meu caro Fernando: mais outra foto que me emociona: tu com o Abibo Jau, fula, soldado arvorado nº mec. 82 107 469 Abibo Jau, da 1ª secção, 1º Grupo de Combate, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), grupo de combate de que era comandante o alf mil op esp Francisco Magalhães Moreira, teu vizinho de Santo Tirso, e que eu não vejo desde 1994, desde o nosso primeiro encontro em Fão, Ermesinde.

O Abibo era o nosso bom gigante, um poço de energia!... Era ele que transportava às costas os restos dos nossos mortos ou até os nossos feridos... Estou ainda vê-lo a levar  às costas o cadáver do malogrado Cunha, do meu amigo furriel Cunha. da CART 2715,  cuja seção  foi massacrada no decurso da emboscada que apanhámos, a CCAÇ 12 e a CART 2715,  no decurso da  Op Abencerragem Candente...  Tu estavas lá e eu também, andei a juntar os restos, macabros, dos nossos mortos, alguns dos quais cabiam numa improvisada trouxa que fizemos com os nossos impermeáveis. É uma daquelas cenas da Guiné que ainda me consegue tirar o sono...

Mas o Abibo também era o "nosso torcionário":  ele fazia por nós o "trabalho sujo" de obter informações dos prisioneiros, sob tortura... Nós fomos embora da Guiné, em março de 1971, repressámos a casa e dormimos, hoje, tranquilos (?), em camas com lençóis lavados, e com ar condicionado para climatizar os nossos pesadelos...

É certo que, pelo menos no nosso tempo, travámos alguns dos impulsos de morte do Abibo... Mas, que sei eu ? Ele interrogava os nossos prisioneiros (o Malan Mané, o Jomel Nanquitande, o Festa Na Lona...), e a essas cenas eu poupei-me, nunca assisti (ou não quis assistir) ... Eu e todos (ou quase todos) nós, os milicianos, os "gajos decentes" da CCAÇ 12 e das outras unidades estacionadas em Bambadinca...

Depois de passarem pelo "espremedor" da tropa, os prisioneiros eram entregues à PIDE/DGS de Bafatá... Imagino o pó que os gajos do PAIGC  tinham a militares como o Abibo Jau... O Abibo há muito que apodrece em Madina Colhido. Mas não podemos ignorar ou escamotear que o Abibo foi uma "criatura nossa", uma peça da nossa máquina de repressão... Hoje ele teria ficado livre da tropa: sofria de epilepsia e de elefantíase, tanto quanto me lembro... Tinha ataques frequentes. Era preciso meia dúzia de homens possantes para o segurar. Um dia vi o diagnóstico da doença dele numa ficha médica, no nosso posto clínico, e fiquei indignado; como foi possível dá-lo como apurado para o serviço militar ?

A sua generosidade e a sua bravura mas também o seu  mau génio e o seu corpo de gigante foram postos ao serviço do exército português. Nunca houve um cabrão de um miliciano (médico, alferes, furriel...) ou de um oficial do quadro do exército (civilizado) do meu país (civilizado) que dissesse: "este homem é um doente, não pode ser soldado!"... Eu sabia que algo estava errado no comportamento, bipolar, do Abibo Jau... Simplesmente, também eu me calei... Todos nós gostávamos do lado bom do Abibo, do bom gigante do Abibo...

Na altura, foi uma trágica notícia a que o José Carlos Mussá Biai me deu (**),  confirmando os meus piores receios!... De facto, não era nada que eu não temesse...  Escrevi-lhe na altura: "Fizeste bem, Zé Carlos: é assim, falando - mesmo com o coração apertado - que a gente, tu e nós, o teu povo, os guineenses, os fulas, os mandingas e os demais povos da Guiné, vamos fazendo as contas com passado que nos atormenta, a todos, de uma maneira ou de outra... É assim que vamos exorcizando os nossos fantasmas, libertando-nos dos diabos da floresta"...

Abibo, mais uma vez, paz à tua alma (, tu que eras fula e crente e nosso camarada de armas)!... Que a tua morte não tenha sido totalmente em vão, para que os meninos do Xime e de Madina Colhido e de Bambadinca, livres de todos os pesadelos, possam hoje ouvir contar outras estórias, as dos bons gigantes da floresta, expulsos os diabos que um dia os atormentaram...

_____________



(...) Texto do nosso querido amigo José Carlos Mussá Biai (outrora, o nosso menino do Xime):

Caro Luís:

Acabo de ler depoimentos muito impressionantes que me fizeram recuar a minha infância em Xime, que você e muitos outros tertulianos bem conhecem de outros tempos.

Aquilo que o António Duarte escreveu e que lhe foi transmitido por um estudante guineense no ISEG  (***) é pura verdade.

Eu (com os meus quase 11 anos) e muitos outros, em 1974, vimos os militares do PAIGC, em dois camiões de fabrico russo, um deles completamente tapado de toldo. Passaram por Xime, de manhã, para Madina Cudjido (Colhido, como vocês dizem). Passados uns 30 minutos ouvimos muitos tiros. Só que por volta da hora do almoço ouvimos [dizer] que foram lá fuzilados 8 pessoas. E das pessoas que nós ouvimos que tinham sido fuzilados - não sei se corresponde a verdade ou não - um deles era o tal Abibo Jau (...) que esteve na CCAÇ 12 em Xime. A outra pessoa seria o Tenente Jamanca, da CCAÇ 21 que estava em Bambadinca.

Mas tudo isso não me espanta porque os meus irmãos e primos que cumpriram o serviço militar no exército português, em Farim e depois em Bissau e Bambanbadinca, também foram presos, mas felizmente não lhes aconteceu o pior.

Um abraço, José Carlos Mussá Biai (...)



(***) Vd. poste de  11 de maio de 2006 >  Guiné 63/74 - P745: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) Sou o António Duarte, ex-furriel atirador da CART 3493 e da CCAÇ 12 (...).Tenho escrito muito pouco, porque o tema ainda me incomoda, mas gostava de dar duas notas (...).

A primeira prende-se com o programa [da RTP 1, Órfãos de Pátria, que passou na 3ª feira]. Partilho das opiniões já expressas, traduzidas pela expressão muita parra e pouca uva. Foi pobre na forma e no conteúdo. Foi superficial e não quis ser politicamente incorrecto.

Sem querer alongar-me, gostava de apresentar um exemplo. O programa foca-se exclusivamente nos comandos africanos e, tanto quanto sei, os graduados das CCAÇ africanas, de origem local, foram também fuzilados.

Esta informação foi-me prestada por um estudante guineense, meu contemporâneo no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão (ex-ISE). Referia esse jovem, que era natural de Bafatá, que grande parte dos graduados da CCAÇ 21 foram fuzilados.

Ora, para nós, ex-militares da CCAÇ 12, esta situação toca-nos profundamente, pois em 1973 esta companhia [a CCAÇ 21], que ficou em Bambadinca, comandada pelo Ten Jamanca [ex-comando africano], foi constituída, tendo por base furriéis que eram ex-cabos da CCAÇ 12 (na época colocada no Xime).

Com a ausência de referências aos outros fuzilamentos, fica a ideia de que se tratou de uma mera perseguição aos homens dos Comandos Africanos, o que realmente não foi. Foi muito mais do que isso. (...)