quarta-feira, 8 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16176: Estórias do Zé Teixeira (41): O sonho do João (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Em mensagem do dia 30 de maio último,  o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º cabo aux enf,  CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais um pequeno conto, para a sua série "Estórias do Zé Teixeira":


O Sonho do João

por Zé Teixeira

A noite chegara cedo. Extenuado de um dia de trabalho, o João adormeceu no sofá, deixando-se abraçar suavemente pelo Morfeu que o transportou rapidamente ao país dos sonhos…

Caminhava com uma sombra à sua frente. Parecia-lhe o pai vergado por um dia de trabalho.As árvores da floresta verdejante impediam a sua passagem. O sol penetrava por entre a folhagem, aquecendo-lhe o corpo de forma impiedosa. O zumbido estridente de um mosquito perturbava-o. Parecia um comboio a apitar, quando se aproximava dos seus ouvidos. Então, parou e olhou em redor.

Uma enorme teia de aranha da cor da lua cheia impedia-o de ver ao longe. E o sol continuava a penetrar queimando-lhe a pele. Quis penosamente continuar o caminho, mas os corpos de soldados estendidos no chão eram um empecilho. Ouvi um tiro. Outro. Seguiu-se um silêncio ensurdecedor. Não conhecia ninguém… ou talvez não tivessem rosto, aqueles corpos ali estendidos.

Só agora notou que a tal sombra humana desaparecera. E sentiu-se só. Nada nem ninguém. Só. Apenas o silêncio da floresta o perseguia. Angustiado, continuou a caminhar, a subir, a subir, apressado. Por vezes parecia que voava. Não sabia muito bem para onde ia, mas continuava a caminhar. Desejava parar. Talvez…E corria, corria… Sem entender. E havia troncos carregados de vermes gigantes. E granadas de morteiro a explodir.

E havia árvores com belas flores, que os seus olhos nunca viram, a acariciar-lhe o rosto e a limpar-lhe as gotas de suor que teimavam em perturbar-lhe a visão. E havia mosquitos a zumbir à sua volta.
Sentia-se tão fatigado!
- Ah, se pudesse ao menos abancar!

Um tronco coberto de musgo, caído ali à sua frente, pareceu-lhe convidativo. Quis alcançá-lo, mas ele parecia estar sempre a um passo mais adiante, e bailava à sua frente. Bailava. Conseguiu chegar junto dele e tentou sentar-se. O tronco desapareceu com o peso do corpo e no seu lugar surgiu uma mancha verde. Uma espécie de tapete. Os soldados dançavam alegremente com cobras de todos os tamanhos. As cobras assobiavam de tal forma aguda, que lhe feria os ouvidos.

Queria gritar, fujam! Fujam! Aí estão eles! Mas a sua voz recusava-se. Quis correr e não tinha forças. E as granadas a rebentar… A floresta abriu-se num flanco escarpado da montanha. Surgiu então um atalho que lhe era familiar, sem saber de onde. Na encosta cresciam videiras penduradas em árvores altas com os seus cachos doirados. Pensou em voltar para trás, mas o abismo era apavorante e estava a ficar escuro.

Uma coruja de olhos redondos, que mais pareciam duas lâmpadas acesas, esvoaçou, lançando seus gritos estridentes e assustadores para celebrar o anoitecer daquele dia. Sente-se tomado pelo medo e gritou. Gritou, palavras sem nexo. Os seus olhos velados de orvalho perscrutam ansiosamente o horizonte. E ele viu, de novo ao longe, a sombra que o tinha abandonado, envolvida num manto de sol doirado. Era alguém que se movia lentamente e lhe fazia sinais. Pareceu-lhe que ia e vinha outra vez ao seu encontro em passos rápidos, mas nunca mais chegava…Era o pai, ou… talvez não. Era mesmo!

A sombra parou ficando a pairar no espaço e apareceu um bando de lobos a uivar. A tremer de medo, escondeu-se atrás de uma rocha. A sombra humana fazia-lhe gestos com as mãos. Pareciam ser gestos de meiguice que só o seu pai lhe fazia quando era mais pequenino. Estendeu os braços para a agarrar enquanto corria para ela. Escorregou e caiu no abismo.
- Pai! Pai! Acode-me não me deixes cair! Não te vás!
- João! João! Acorda, amor, foi apenas um sonho. Acorda! Acorda!

Era sua esposa, que lhe agarrava as mãos e as encostava bem juntinho do seu coração, enquanto um cristal em forma de lágrima lhe descia pela face. Abriu os olhos, desconfiado. Era noite. Sentou-se. Olhou para a esposa. Perscrutou todo o ambiente à sua volta, como se tratasse de um estranho lugar. Sentiu o corpo tremente. sem uma palavra deixou-se cair e mergulhou de novo no sono. Num calmante sono que lhe retemperou as forças.

José Teixeira
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Nota do editor:

1 comentário:

Bispo1419 disse...

Belo texto, caro Zé Teixeira.

Abraço
Manuel Joaquim