quinta-feira, 24 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15896: In Memoriam (248): Morreu também, ontem, o José António Almeida Rodrigues (1950-2016), natural da Régua... Era sold at inf, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872 (Cancolim, 192/74)... Foi companheiro de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé, do nosso António da Silva Batista (1950-2016)... Fugiu dos seus captores, em março de 1974, andou 9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... Teve uma vida de miséria, mas também conheceu a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem... É aqui evocado pelo José Manuel Lopes.


José António Almeida Rodrigues (1950-2016): aqui, no almoço semanal da Tabanca de Matosinhos, em 12/10/2011, cortesia do blogue Coisas da Guiné, do A. Marques Lopes. Era natural do Peso da Régua, e teve no Zé Manuel Lopes, entre outros, um ombro amigo e uma mão solidária.  Companheiro de cativeiro do António da Silva Batista (1950-2016), morreu no mesmo dia, em Vila Real.


1. Mais um triste  (e estranha!) notícia: soubemos pelo Zé Teixeira e pelo Zé Manel Lopes (Josema), que morreu também, ontem, de manhã (?), o José António Almeida Rodrigues, natural da Régua... (Vd. também notícia  na página do Facebook do Zé Manel Lopes)

Estava há 3 meses hospitalizado, em Vila Real. De vez em quando o Zé Manel ia lá visitá-lo. Viveu uma vida de miséria, até que, ultimamente, conseguiu ter uma família de acolhimento. Foi igualmente acarinhado pela Tabanca de Matosinhos, que o chegou a ajudar materialmente. A única foto que temos dele foi tirada pelo A. Marques Lopes, numa das vezes que ele foi almoçar à Tabanca de Matosinhos, levado pelo Zé Manel.

Estranha coincidência: foi companheiro de infortúnio do Batista. E morrem os dois no mesmo dia, ou com horas de diferença. Quando estavam os dois, na região do Boé, decidiu fugir. O Batista não o quis acompanhar. Meteu-se numa piroga, andou vários dias à deriva no Rio Corubal... Acabou por conseguir chegar ao Saltinho (Vd. depoimento do Batista no vídeo abaixo)... 

Sobre ele diz o Juvenal Amado:

"Pertenceu também ao meu batalhão, à CCAÇ 3489, Cancolim, 1972/74, tal como o António da Silva Batista (, este da CCAÇ 3490, com sede no Saltinho). Fugiu da prisão, indo ter ao Saltinho, já o BCAÇ 3872 se preparava para regressar a casa. A vida dele foi dura que esteja em paz finalmente".


2. O Zé Manel Lopes, seu conterrâneo, já nos contou aqui a sua triste história de infortúnio mas ao mesmo tempo de coragem, através de um poste e de troca de mensagens de correio (*):

O José António Almeida Rodrigues nasceu em 1950, na Régua.

Em Junho de 1971 assentou praça no RI 13, Vila Real, sendo três meses depois colocado em Abrantes para formar batalhão. Integrado [, não na 2.ª Companhia do BCAÇ 4518, mas] na CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, partiu para a Guiné na véspera de Natal desse ano.

"A sua Companhia foi destacada para Cancolim, dela faziam parte um alferes, natural de Lamego, que me disseram ser actualmente professor, e que não consegui ainda contactar, o alferes João Pacheco Miranda, atualmente correspondente da RTP no Brasil" - acrescenta o Zé Manuel Lopes.

Seis meses depois de chegar ao TO da Guiné, o José António é feito prisioneiro pelo PAIGC. O contexto em que foi apanhado ainda estava por esclarecer, segundo mail de 4 de março de 2011, do Zé Manel Lopes. "Tive conhecimento de várias versões e era importante saber a verdade dos factos para reabrir o processo dele".

É levado para Conacri. Em 1973, após o assassinato de Amílcar Cabral [, que foi em 20 de janeiro desse ano,] é enviado para a região do Boé, no nordeste da província portuguesa da Guiné. Com ele estavam mais 7 camaradas.

"Durante quase um ano a sua casa foi em Madina do Boé", diz o Zé Manel (Para sermos mais rigorosos, provavelmente, na região ou imediações, perto do Rio Corubal, já que o PAIGC nunca ocupava efetivamente os quartéis abandonados pelas NT, alvos fáceis da aviação).

Em 7 de Março de 1974, "aproveitando um momento em que a vigilância abrandou", o José António tomou a direcção do rio para tentar a fuga.

E se o intentou, bem o conseguiu. "Andou 9 dias ao longo do Corubal, até encontrar dois nativos que andavam numa plantação junto ao rio. Um deles, de motorizada, levou o José António até ao Saltinho. Depois foi transportado para Aldeia Formosa, para ser levado para Bissau. Como naquele tempos difíceis a via aérea já não reunia muitas condições de segurança, devido aos Strela, foi transportado em coluna até Buba e daí, de LDG, para Bissau".

No mail de 4/3/2011, o Zé Manel Lopes confirma: "Após 9 dias de fuga pelo mato ao longo do Rio Corubal, é encontrado por dois nativos que o levam até ao Saltinho"...  (Portanto, a fuga terá sido a pé, e não de piroga, o que seria mais arriscado...).

Confessa o Zé Manel Lopes, seu contemporâneo na Guiné [, foto  à esquerda,  ex-fur mil, CART 6250, Mampatá, 1972/74, ] que, "apesar de ser meu conterrâneo, na altura não o reconheci, quando tal me foi comunicado pelo cabo do SPM de Aldeia Formosa, Camilo, também natural da Régua".

E acrescenta: "Após o regresso em agosto de 1974, procurei saber da sua situação. Levava uma vida muito complicada, pois se tornou pouco sociável (como muitos de nós). Não teve uma retaguarda, ou seja, um suporte familiar que o protegesse. Os conflitos eram frequentes. Internado várias vezes, de onde fugia sempre que podia (tornou-se um hábito)"... Seria mais tarde colocado numa casa de acolhimento onde viveu os últimos anos da sua vida e onde era bem tratado...

Este antigo prisioneiro de guerra (, situação que o exército nunca lhe terá reconhecido,)  sobrevivia com uma pensão de incapacidade de apenas 246 €, o que de facto era insuficiente para o seu sustento, concluía o Zé Manel que aproveitava, na ocasião, para "agradecer publicamente à família que o recolheu, especialmente à D. Juvelinda, que com tanto carinho o tratava".

A revolta do nosso amigo e camarada Zé Manel vai mais longe: por incrível que pareça, até do miserável suplemento especial de pensão que anualmente era atribuído a antigos combatentes (150 € / ano), o José António apenas recebia 75 €, pois, como fora capturado com apenas 7 meses de Guiné, o tempo que passou, quase 3 anos, como prisioneiro, não lhe foi considerado!!!

Quem eram os seus companheiros de cativeiro ? Aqui vai a lista, segundo o Zé Manel:

(i) o nosso morto-vivo António da Silva Batista, da Maia;

(ii) Manuel Vidal, de Castelo de Neiva;

(iii) Duarte Dias Fortunato, de Pombal;

(iv) António Teixeira, da Lixa;

(v) Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho, do Porto;

(vi) Virgílio Silva Vilar, da Vila da Feira;

e (vii) Jacinto Gomes, de Viseu.

 Acrescentava o Zé Manel Lopes no seu mail de 4/3/2011:

(...) Viveu até há muito pouco tempo em condições absolutamente miseráveis e numa situação psicológica deplorável. Contudo graças aos esforços do Magalhães,  um ex furriel que também esteve na Guiné e vivia perto da local onde ele habitava e que conseguiu sensibilizar a drª. Maria José Lacerda, vereadora da Câmara Municipal da Régua", através dos Serviços de Assistência Social conseguiu-se um lar de acolhimento para o José António.

(...) "Atualmente a qualidade de vida de José António é muitíssimo melhor. Já fui visitá-lo e de uma das vezes foi comigo o seu companheiro de prisão, o Batista, o nosso 'morto-vivo' da Tabanca de Matosinhos. Como foi bonito!"...

(...) "Contudo é preciso saber se é possível melhorar a reforma de José António, ou se tem direito a algo mais como ex-prisioneiro de guerra, pois com apenas 243,32 € por mês, só por muito boa vontade e graças ao elevado espírito de humanismo e solidário da senhora que tem o lar de acolhimento,  ele lá pode continuar. E quero aqui agradecer publicamente a essa senhora que tão bem tem tratado o nosso camarada e tanto tem contribuído para a sua recuperação. E, acreditem, pela primeira vez o vi feliz, bem tratado, a conversar, a sorrir e com sentido de humor, o que me deixou feliz também a mim.

(...) Também gostaria de organizar um encontro na Régua com os oito camaradas que foram prisioneiros na região do Boé. Deixo os meus contactos" (...)


3. Comentário do editor:

Como diriam os romanos, RIP - Requiescat in Pace, Zé António!... Que a terra da tua pátria te seja leve, pobre camarada, valente soldado!... (**)



III Encontro Nacional da Tabanca Grande > Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > Depoimento do António da Silva Batista (1950-2016) sobre o tempo de cativeiro, em Conacri e depois na região do Boé (1972/74). Aqui se relata também a fuga do  José António, em março de 1974.

Vídeo (5' 43''): Alojado no You Tube > Luís Graça (2008)
______________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 18 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8920: Banco do Afecto contra a Solidão (15): O caso do José António Almeida Rodrigues, ex-prisioneiro de guerra (entre Junho de de 1971 e Março de 1974): uma história de coragem e de abandono (José Manuel Lopes)

(**) Último poste da série > 23 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15894: In Memoriam (247): António da Silva Batista (1950-2016)... A segunda morte (esta definitiva!) de um camarada a quem carinhosamente chamávamos o "morto-vivo do Quirafo". O funeral é amanhã, às 15h45, na igreja de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos

14 comentários:

Manuel Pedro disse...

Eu Manuel Pedro, ex. combatente da . caç. 3491 de Dulombi informo o seguinte:
Há um filme realizado pelo António Pedro Vasconcelos, que tem por título o Morto Vivo, onde retrata a história do Batista tal e qual como ela tinha acontecido, um filme muito interessante, pois quem conhecia a verdadeira história como eu a conheci e ao ver o filme como eu o vi, é de véras emocionante. Abraço a todos

Cabo PM disse...

É com um misto de raiva e de revolta, que tomo conhecimento da triste história deste camarada.
Raiva e revolta, por vêr a forma como um ex-prisioneiro de guerra foi tratado pelos pelos (i)responsáveis deste país.
Que descanse em paz.

admor disse...

Que descansem em paz.

Condolências aos familiares e amigos.

Adriano Moreira

Anónimo disse...

Se coisas existem que ainda hoje me provocam sentimento de revolta é a injustiça com que foram e continuam a ser tratados todos os ex-combatentes que necessitam de ajuda.
Não conheci este camarada, mas conheci o Baptista, desejo-lhes, com toda a sinceridade, que finalmente descansem em paz. Com a mesma sinceridade desejo a todos os políticos que exerceram ou exercem funções depois do 25 de Abril um belo caixão almofadado…
Que não haja dúvidas que sou e serei sempre um defensor da revolução dos cravos de 25 de Abril de 1974, não sou nem quero ser servidor de oportunistas e/ou corruptos, de gente sem princípios.
BS

Valdemar Silva disse...

.......s i l ê n c i o.........
...............................
...............................
.......(quem esteve na guerra na
Guiné merecia muito mais).......

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...


Apresento as minhas condolências à família
Que o nosso camarada viva no Céu e em paz
Carlos Silva

Anónimo disse...

Amigos e Camaradas

Creio que poderíamos fazer alguma coisa pelos camaradas que se encontram em situações difíceis, já que os governantes os votam ao desprezo
Pois podemos reivindicar bem alto
Há tantas associações de camaradas, almoços e convívios onde poderíamos angariar fundos para ajudar esses nossos camaradas
Enfim...
Um abraço
Carlos Silva

Manuel Reis disse...


Não há palavras que possam confortar os familiares destes dois amigos.

Estes camaradas viveram juntos vidas atribuladas.

Partiram no mesmo dia.

Descansem em Paz, amigos.

Manuel Reis

Anónimo disse...

Tendo acabado de percorrer as curvas da sua vida ( e foram tantas!), um dia todos nós estaremos com ele, este desafortunado irmão do mato.

Carvalho de Mampatá.

Anónimo disse...



Meu amigo Carvalho de Mampatá eu acrescentaria este nosso desafortunado irmão da selva da vida, segundo parece. A pouca sorte que terá tido na infância e adolescência agravou-se na Guiné com a guerra, a prisão e a fuga. Os filhos da miséria para triunfarem na vida têm que ser heróis. Este nosso camarada lutou com todas as suas forças somente para sobreviver, a sua fuga arriscada e difícil é uma prova disso. Terá tido pai, terá tido mãe ou avós que o ajudassem? Pátria não teve disso já nós nos apercebemos.
José António Rodrigues, grande guerreiro, descansa finalmente em paz!
Hoje os nossos pensamentos acompanham-te a ti e ao camarada António Baptista no vosso voo e na vossa libertação.
Francisco Baptista

Luís Graça disse...

Manuel Pedro, obrigado pelo teu comentário, mas deixa-me que te pergunte: não estarás a fazer confusão com outro título ? O António Pedro de Vasconcelos, tanto quanto sei, realizou em 1984 um filme chamado "O lugar do morto"... Lembro de o ter visto, não me recordo de ter algo a ver com a guerra colonial...

Tens aqui uma "sinopse" do filme:

Álvaro Serpa, jornalista, assiste por acaso ao suicídio de um engenheiro, na sequência de uma discussão com a amante. Fascinado pelo ar misterioso dessa mulher, o jornalista não a cita nos autos de declaração à polícia procurando conhecê-la melhor. Acaba por ser vitimado no decurso das suas investigações.

http://www.dvdpt.com/o/o_lugar_do_morto.php

Anónimo disse...

Vd.poste

19 DE OUTUBRO DE 2011

Guiné 63/74 - P8926: (Ex)citações (151): O Sold Rodrigues, prisioneiro do PAIGG (de Junho de 1971 a Março de 1974), pertencia à CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, que esteve em Cancolim (1971/74) (Luís Dias)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/10/guine-6374-p8922-excitacoes-151-o-sold.html


(...) Caros Camaradas

A informação que aqui é prestada tem todo o meu apreço e, como já referi, em outros locais, parece-me que a pessoa [em causa] não deveria, provavelmente, ter sido aprovada para todo o serviço militar.

No entanto, a informação inicial não está correcta, porquanto o Rodrigues fazia parte da CCAÇ 3489, do BCAÇ 3872, e não da 2ª Companhia do BCAÇ 4518/73, que rendeu o primeiro em Janeiro de 1974. [ A CCAÇ 3489 esteve em Cancolim, sector de Galomaro].

Quando o batalhão já se encontrava em Bissau para regressar à metrópole, soube-se que o Rodrigues tinha fugido do PAIGC. Foi ele, aliás, que nos alertou para a existência do camarada da CCAÇ 3490 (Saltinho),[, o António Batista,] dado como morto na emboscada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

Ao que julgo, [o Rodrigues] esteve sob detenção em Bissau, porque se pensava que ele tinha desertado para o PAIGC e, segundo ele terá referido aos inquiridores, ao saber pelos guerrilheiros que o seu batalhão já fora rendido, ele pensou que, como já tinha acabado a comissão, tinha de voltar para a Guiné e assim o fez. (...)

Anónimo disse...

Vd. também, sobre este caso, o depoimento do Juvenal Amado > 6 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2921: Em busca de... (29): António Manuel Rodrigues (1) (Juvenal Amado)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2008/06/guin-6374-p2921-em-busca-de-29-antnio.html


(...) Ao vasculhar o Poste 2885 sobre o III Encontro da Tertúlia, a minha atenção ficou presa nas palavras do Baptista sobre o outro prisioneiro que esteve com ele, mas no caso, este sendo de Cancolin .

Efectivamente houve um outro camarada nosso também este apanhado à mão. Pertencia efectivamente à Companhia de Cancolim e foi apanhado, se a memória não me falha, num dia em que o seu pelotão saiu para uma patrulha nocturna. Para ser mais preciso o pelotão saiu, mas ele embirrou e não foi com eles. Passado talvez uma hora, ele resolveu ir sozinho encontrar-se com os seus camaradas. Resultado, o destacamento é atacado e no chão foram encontradas munições da G3, possivelmente dele.

O que se entende deste acontecimento é que ele deu de caras com tropas do PAIGC que fizeram o ataque e acabou prisioneiro deles.
Este episódio atesta bem o estado psicológico em que os nossos camaradas de Cancolim estavam. Há tempos, ao falar ao telefone com o meu amigo Correia, este caso veio à baila, onde ele me lembrou que o referido camarada tinha aparecido quando já estavamos em Bissau para embarcar de regresso. A forma como ele fugiu do cativeiro só soube ao ler e ouvir o referido Poste 2885.

Lamento que ele esteja no sofrimento em que está. (...)

Hélder Valério disse...

Camaradas

A marcha inexorável do tempo vai deixando as suas marcas.
Estas tristes notícias não nos deviam perturbar, por serem tão recorrentes, mas na verdade é que nos deixam sempre com um "amargo de boca".
Neste altura desejar que "descansem em paz" pode soar a 'ironia', mas não é. Nem sequer será o socialmente conveniente, pois realmente estes nossos camaradas tiveram, em vida, uma existência bastante atribulada, 'madrasta' até.

Apenas posso manifestar a minha tristeza pelo infausto acontecimento e endereçar à família os meus pêsames.

Hélder S.