sábado, 27 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14802: Cancioneiro de Buba: "Oh! Xenhôr dos Matosinhos /, Oh! Xenhôra da Boa-Hora,/ Ensinai-nos os caminhos /P'ra desandarmos daqui p'ra fora!" ...(Manuel Traquina, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)



Manuel Traquina, ex-fur mil at inf,
CCAÇ 2382, Buba, 1968/70,

1. Diz o Manuel Traquina, alentejano, no poste  P7324 (*), que os seus 24 anos, passados em Buba, no dia 5 de junho de 1969, foram celebrados como deve ser e melhor regados com uísque do bom. 

Tinha já ele dois anos e meio de tropa e ainda lhe faltava mais um ano para a peluda, se lá chegasse com vida e saúde... Estava mais que farto... Estava "farto deles"... Estávamos todos "fartos deles",. camarada... 

"Eles" era muita gente, mas cada um lá sabía dos seus ódios de estimação...Nessa altura,. eu tinha apenas uma semana de Guiné, e já tinha chegado a Contuboel onde puseram a funcionar um pseudo centro de intrução militar... Éramos mais de 400, entre instrutores
e recrutas, a CART 2479 e a CCAÇ 2590 (reduzia a 60 gatos pingados)... Os nossos recrutas, do recrutamento local, eram mais de 3e deram origem às futuras CART 11 / CCAÇ11 e CCAÇ 12...


Ao fim de seis meses eu também já cantava o "Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que um homem sonha / O mundo pula e avança / Como  bola colorida / Entre as mãos de uma criança".. O poema era do António Gedeão, lembram-se ?...

Não admira, por isso, que a canção favorita em Buba, por esses tempos, fosse o "senhor de Matosinhos", com o Cardoso da 15ª Companhia de Comandos, à viola, e o Gonçalves da CCS do Batalhão 2834, no acordeão...

Cantava esta e outras, ao fim de seis meses, já "apanhado do clima"... Não admira, por isso, que o "senhor de Matosinhos"  fosse uma das canções favoritas da malta da Guiné, cantarolada por muitos de nós, nas noites de álcool, camaradagem e solidão... Não só por ser brejeira e divertida mas também pelo seu refrão, a que dávamos um sentido e um tom, sarcásticos, de contestação à tropa e à guerra... Em Buba, em Bambadinca, em muitos outros sítios... Julgo que a maior parte da malta não sabia a letra completa, mas todos sabiamos ao menos o refrão, muitas vezes cantado à moda do norte:

Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
Oh! Xenhôra da Boa-Hora,
Ensinai-nos os caminhos
P'ra desandarmos daqui p'ra fora.


2. Aqui fica a letra. recuperada de um sítio dos escoteiros, e reproduzida com a devida vénia... [Ar livre > Escotismo > Cancioneiro].

Li algures, mas ainda não pude confirmar, que o autor (da letra e da música) seria um tal Avelino Carneiro (1907-1961), natural de Telheiro, São Mamede de Infesta, Matosinhos, talentoso autor, amador, de alguns peças de teatro de revista (, a primeira das quais terá sido, em 1942, "O senhor de Matosinhos), levadas a cena no Porto mas também em Lisboa, no parque Mayer. 

Nada como a malta de Matosinhos para me esclarecer sobre este ponto... Por falta de tempo, não pesquisei mais nada sobre o "senhor de Matosinhos" que eu devo ter ouvido, pela primeira vez, na Guiné... E confesso que nem sequer sabia bem onde ficava Matosinhos... Só lá fui depois do 25 de abril, não à festa mas à terra, de gente boa, trabalhadora e hospitaleira... LG


Pom pom...

Da chidade da birgem, os dois,
Nós biemos há dias para cá,
A biagem foi bom mas depois
Ninguém biu o que a gente biu já.

Dizem que lá por Lisboa
A bida é boa, boa bai ela,
Mas só se bêem p'las ruas
Catraias nuas, ó lariló lé las.

Por isso como em Paranhos
Há paus tamanhos que é de 'spantar,
Na Baixa ou no Arrebalde
São de ramal os paus no ar.

Refrão

Oh! Xenhôr dos Matosinhos,
Oh! Xenhôra da Boa-Hora,
Ensinai-nos os caminhos
P'ra desandarmos daqui p'ra fora.

Pom pom . . .

Sant' Antoninho da Estrada,
Não digas nada, de tudo isto,
Quinté já sinto ingonias
Das porcarias que tenho bisto.

Ind' ontem ali na abenida,
Uma astrebida de perna à bela
Quis m' agarrar na mãozinha,
Mas, coitadinha, lebou com ela.

Refrão (...)



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  Nota do editor:

(*) Vd poste de 23 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7324: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina (8): Dia de Aniversário

Guiné 63/74 - P14801: Parabéns a você (927): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14789: Parabéns a você (926): António Branco, ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16 e Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14800: Memória dos lugares (297): O Rio Geba e o macaréu no Xime (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74 / José Martins Rodrigues, ex- 1º cabo aux enf, CART 2716, Xitole, 1970/72)


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 5


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1973/74) > Xime > Rio Geba > c. 1973/74

Fotos ( e legendas): © António Manuel Sucena Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Estas fotos [, nºs 4, 5, 6 e 7,] mostram um fenómeno natural que poucos rios no mundo podem mostrar: o macaréu no rio Geba Trata-se de uma onda que se forma na confluência do "Geba estreito" com o "Geba largo".

Enquanto, no momento mais baixo da maré, a água do Geba estreito corre para a foz a grande velocidade e com grande caudal (rio de planície), no mar, e por isso também no "Geba largo" a maré começa a subir rapidamente devido à grande amplitude das marés. 

Este encontro das duas águas provoca uma onda que sobe o rio lentamente (a cerca de 10 a 20 Km/h ???). A sequência desta onda pode ver-se nestas fotos. Na época das chuvas esta onda pode atingir, perto de um metro ou um pouco menos (???). No fim da época seca apenas se observa uma pequena perturbação das águas. Nesta foto não se vê com muita nitidez essa onda,

Foto nº 4 - O rio Geba estreito, na maré vazia ], do lad esquerdo, a margem sul, onde se situava o quartel e tabanca do Xime; do lado direito, a margem norte, onde se situava a tabanca e o destacamento do Enxalé]:

Foro nº 5 - Já se pode ver [ e , "in loco", ouvir...]  o macaréu ao longe;

Foto nº 6 - Uma visão perfeita do macaréu à passagem junto ao cais do Xime [onde estava o fotógrafo];

Foto nº 7 - Após passar o cais,  vimos essa onda "pelas costas" e dá uma ideia de que não existe. Era bastante perigosa para os barcos pequenos que subiam o rio e talvez por isso se verificaram alguns acidentes graves [, caso de um sintex, com a companhia anterior no Xime, a CART 3494, em 10/8/1972, em que morreram três camaradas nossos ].  Neste ponto foi afundada uma das duas canoas que se encontravam na margem [norte].

António Manuel Sucena Rodrigues

[ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74]

2. Comentário do editor:

Temos dozes referências a este marcador, macaréu... Há um vídeo do nosso camarada José Martins Rodrigues, aquando da sua primeira viagem de saudade à Guiné-Bissau, em que ele filmou o macaréu no Xime, no dia 10 de Abril de 2001. O vídeo (6' 58'') está alojado no You Tube, na conta do nosso coeditor Carlos  [Esteves] Vinhal. Tomámos a liberdade de incorporá-lo neste poste.

O José Martins Rodrigues, nosso grã-tabanqueiro,, foi 1º cabo aux enf,  CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72). A sua primeira viagem à Guiné-Bissau, depois da guerra, foi em 1998.




O macaréu no Rio Geba, Xime, 10/4/2001.

Autor: José Rodrigues Martins (2001) 
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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14797: Memória dos lugares (294): O porto fluvial do Xime, no final da guerra (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)

Guiné 63/74 - P14799: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (1): Carta aberta aos camaradas da Tabanca Grande: o que fiz (e não fiz) como cofundador e dirigente da associação APOIAR (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


O primeiro "bate-estradas" que recebemos logo no início oficial do verão... Esperemos que seja o primeiro de muitos, a "pôr na caixa de correio", este verão, pelos amigos e camaradas da Guiné que se sentam à sombra do poilão da Tabanca Grande... O pretexto é o verão, as férias (para quem as tem...), o passado, o presente e o futuro, a Tabanca Grande e os grã-tabanqueiros, a Guiné que conhecemos, a vida, o Portugal que amamos... Enfim, aproveitem, os menos assíduos nos últinos tempos, para dar notícias e "fazer a prova de vida"... (LG)



1.  Mensagem, de 21 do corrente, do nosso camarada  Mário Gaspar [ ex-fur mil at art,  minas e armadilhas,  CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:


Caros Camaradas e Amigos

Toda a minha vida foi feita de pedaços. A guerra travou os meus passos. Ainda longe da hora da partida, já me antecipava ao tempo. Nunca o escondi, quando era questionado pela frieza dos textos que escrevia, e com ousadia, respondi que me identificaria sempre como Mário Vitorino Gaspar, primeiro por ser o meu nome de baptismo, e de seguida que “Gaspar” (nome do pai) e Vitorino (nome da mãe). Então, visto que se tratava de responsabilidades, era totalmente responsável. Até na carteira profissional de jornalista – que um senhor Secretário de Estado da Comunicação Social, me obrigou a tirar para simplesmente ser director de um Jornal.

Lembro que em 1996 não escrevia – gatafunhava o meu nome numa ficha de trabalho, e assinava os cheques do dia-a-dia. Tratei sempre tudo pelos seus nomes.

Jorge Manuel Alves dos Santos,  o primeiro presidente da APOIAR – Associação que ambos fundámos em novembro / dezembro de 1966   – disse que eu era o director do Jornal. Disse-lhe que não e que escolhesse outro, insistiu e aceitei, do mesmo modo que aceitei – mas contra vontade própria – de partir para Guiné. Fui para a Guiné a 100% – de responsabilidades – e cumpri até último milímetro a minha missão. Fi-lo com ajuda de todos, dos meus heróis – os soldados.

Na APOIAR cumpri não só como dirigente – cerca de 11 anos – como na guerra fui tudo. No primeiro mandato: vogal (pouco tempo), secretário e simultaneamente vice- presidente. No segundo mandato, fui  vice-Presidente. Estes mandatos eram de 2 anos. Depois sou eleito presidente, mas com a alteração estatutária os mandatos eram de 3 anos.

Posso dizer, ao contrário do que todos nós que lá estivemos, não ganhámos mais que a amizade e camaradagem, o resto – a guerra perdemos – e só não o sabia por não querer – A guerra estava perdida.... desde o início.


Folha de rosto da revista Apoiar, nº 34, out/dez 2004. O Mário Gaspar foi o diretor durante nove anos (1996-2004)


Mas na APOIAR ganhámos e orgulho-me por termos conquistado os principais objectivos: Reconhecimento da Doença – Perturbações do Stress Pós-Traumático (PTSD), há quem não pense assim. Conquistámos ainda que fosse criada uma Rede Nacional de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress Pós-Traumático de Guerra, abrangendo a família.

Para tal lutámos, contra tudo e todos, até contra aqueles que deveriam estar a apoiar a APOIAR, como nos disse numa reunião com o Grupo Parlamentar do PS, o amigo saudoso Coronel Marques Júnior:
– Eu apoio a APOIAR!

E foi a partir desta reunião que ganhámos a batalha. Após publicada lutámos pela promulgação e vencemos. Tudo aprovado por unanimidade.

Mas parar era morrer. Assinei em nome da APOIAR um protocolo com o Ministério da Defesa Nacional. O senhor Ministro da Defesa pretendia que discursasse e recusei. Recusei, e por 3 vezes, por considerarmos nada termos a agradecer. O Reconhecimento da Doença, a Criação da Rede e a Assinatura do Protocolo eram questões fundamentais, e ganhámos – com empenho meu que estive de coma 16 dias após um enfarte cardíaco.

Tinha a certeza que tínhamos vencido aquela batalha, mas havia muito tempo à nossa frente.

Posso dizer e com orgulho, Portugal começou finalmente a falar na Guerra Colonial – nesta do “Colonial”, é divisória por existirem camaradas que a denominam como Guerra do Ultramar, mas eu, e à minha inteira responsabilidade, considerei sempre o termo “Colonial”, até por o “Ultramar” só existir em Portugal. Além de se começar a falar daquela guerra em que no regresso nos chamaram de criminosos e traidores – ainda parti uns dentes a alguns senhores – mas editaram-se livros, fez-se teatro e cinema,  grandes Reportagens e entrevistas.

Entretanto algo correu mal – Contagem do Tempo do Serviço Militar, e Consoante Consta nas Cadernetas Militares ou nos Atestados Passados para o Efeito – o termo completo utilizado. DERAM UMA ESMOLA AOS COMBATENTES e aqueles que estiveram na Guiné mais prejudicados. Mas era uma batalha que considerei sempre que ganharíamos. Esgotei os mandatos e não me podia candidatar.

A luta estava bem encaminhada e a APOIAR estava em todo o país. Existiam acordos com as Câmaras Municipais de Almeirim, Benavente e Torres Novas, embora existissem compromissos de todas as Câmaras do distrito de Santarém, exceptuando Sardoal, Fátima e Ourém – aguardávamos datas para efectuar reuniões. Setúbal e todo o distrito. Nestas localidades seriam criados Centros de Apoio com apoio autárquico, bastando assinar protocolos e avançar com os bons técnicos que a APOIAR possuía. Existiam ainda acordos com os Centros Regionais de Saúde de Lisboa, Santarém e Setúbal.

Então foi tudo abaixo. Vi a derrota à distância. Lutar era treta. Os nossos doentes afectados pela guerra são gozados autenticamente: “Doença Nova”, “Doença do Doutor Afonso de Albuquerque”. Houve quem engolisse em Tribunal – o Senhor Oficial faleceu – não vale a pena dizer o nome. Estive do lado do Doutor Afonso de Albuquerque que foi ofendido e ganhou-se a acção.

Mas perdeu-se tudo. Nem sequer podemos dizer o mesmo que Dom Afonso IV disse ao Rei de Castela quando vencida a Batalha do Salado – isto consta nos livros –, o Rei de Portugal disse:
 – Não quero riquezas, basta-me a graça de Deus e a glória de ter vencido.

Perdeu-se uma batalha decisiva e com o poder, a força da razão do nosso lado, por não se ter lutado e continuam “impávidos e serenos, e de joelhos na terra pedindo que não nos roubem o protocolo”.

O que escrevo hoje é somente um pouco de tudo que havia para dizer. Envio em anexo jornais exemplificativos da APOIAR que podem testemunhar o que digo, aliás têm acesso a todos através do site da APOIAR.

Amor em Tempo de Guerra é um exemplo. Os artigos não assinados são todos meus.

Alguém pergunta:
 – O que fazem as Associações de Ex-Combatentes?

O nome de Ex-Combatentes diz tudo. Não são Combatentes e o General Joaquim Chito Rodrigues tem razão quando diz que não somos Ex-Combatentes mas Combatentes.

Pois, Luís, Carlos e todos os Camaradas, ando desiludido com aquilo que vejo suceder no dia-a-dia. Falam comigo e queixam-se. Estou doente mas luto, sozinho sou um inválido. Faço barulho com razão e…

“Começo a conhecer‑­me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo,
por que também há vida…
Sou isso, enfim…
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulho de
chinelos no corredor.”


Fernando Pessoa


Há que bater com os chinelos no corredor. E foi a única razão para colocar esse meu ídolo da poesia – o maior poeta do mundo – Fernando Pessoa.

Falando disso muito mal está a nossa literatura. Quem leu, leu… Quem não leu...  Estive na FNAC e existem poucos escritores a serem reeditados tais como José Cardoso Pires e Vergílio Ferreira e mais um ou outro. O Pessoa é favorecido. 

Mas Camilo Castelo Branco; Alves Redol (conheci pessoalmente e escutei muitas histórias que tenho gravadas na memória); Soeiro Pereira Gomes (amigo da personagem de Esteiros, o Gineto que é Joaquim Baptista Pereira); Eça de Queiroz; Branquinho da Fonseca; Urbano Tavares Rodrigues (conheci pessoalmente e até em debates da APOIAR); Aquilino Ribeiro; Manuel da Fonseca; Carlos de Oliveira; José Cardoso Pires, era bom que reeditassem “O Render dos Heróis”, “O Hóspede de Job” e “O Anjo Ancorado”; Domingos Monteiro; Agustina Bessa Luís (não gostava); porque não Albino Forjaz Sampaio; Almada Negreiros; Rómulo de Carvalho; Ary dos Santos; Augusto Abelaira; Cesário Verde; David Mourão Ferreira; Fernando Namora; José Gomes Ferreira (conheci pessoalmente); José Régio; Luís Francisco Rebelo; Luís de Sttau Monteiro; o nosso camarada Padre Mário de Oliveira (tenho os livros do Julgamento Subversão ou Evangelho, que tem a colaboração de um Advogado e O Segundo Julgamento do Padre Mário, escrito com vários Jornalistas); Mário de Sá Carneiro; e por que não Miguel Torga que teve recentes publicações; Romeu Correia (gostei muito); Ruy Belo; Guerra Junqueiro e mais.

Longo este percurso interrompido, nunca mais li um livro,  o último foi na Guiné.

Se quiserem publicar publiquem. Estou farto… Foi escrito sobre o joelho, só parei no poema de Fernando Pessoa e com o bater dos chinelos no corredor.

Despeço-me por hoje e por uns dias, saio daqui a pouco de Lisboa.

Cumprimentos, para todos os camaradas

Mário Vitorino Gaspar

Guiné 63/74 - P14798: Notas de leitura (731): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Continua a haver uma grande expetativa sobre documentos inéditos que ajudem a iluminar certos protagonismos e a condução da luta armada, bem como a vida do que se convencionou chamar a I República, conduzida por Luís Cabral. A publicação recente destas "memórias" não deixaram de constituir um acontecimento, mas sente-se uma grande deceção, era esperável que ao longo do seu exílio em Portugal Luís Cabral deixasse uma obra mais acabada. Iremos agora ver os episódios à volta da independência, em 1974, reler os seus discursos e por fim tomar nota de uma inacreditável entrevista conduzida pela organizadora desta obra, Ângela Benoliel Coutinho.

Um abraço do
Mário


O regresso das memórias de Luís Cabral (2)

Beja Santos

É inquestionável a importância do que escreve Luís Cabral em “Memórias e Discursos”, edição da Fundação Amílcar Cabral, 2014. O antigo presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau deixou textos inéditos ora publicados que nos devem merecer a melhor atenção. Vamos ao essencial. Regista as suas lembranças na infância, na Ilha de Santiago. Em curtos, e por vezes em sincopados apontamentos, derrama notas sobre o início da luta armada, é impressivo em pormenores como a viagem acidentada de Gilles Caron, um fotógrafo e cineasta que vinha fazer um filme-documentário sobre a luta do PAIGC e do qual nunca houve mais notícias, embora Luís Cabral anote que ele fez fotografias maravilhosas. Vê-se que eram notas que um dia iriam ser trabalhadas.

São memórias que exigem leitura atenta porque o que ficou são por vezes águas-fortes, um incisivo mas agudo olhar, uma impressão íntima. Como aquele Joãozinho que tinha vindo da Guiné-Bissau para o assassinar, em Ziguinchor, e que se entregou, faltara-lhe coragem para o homicídio. Tal como fez em “Crónica da libertação” exalta Amílcar Cabral e o seu génio político, como foi ascendendo no tablado internacional, atraindo ao território da guerrilha intelectuais, artistas, jornalistas, até que, em 1972 chega uma missão especial do Comité de Descolonização da ONU, em resultado da qual se abriram as portas que levaram ao reconhecimento internacional da República da Guiné-Bissau. Assim se caminha para a interpretação que ele faz dos motivos do assassinato de Cabral. A Direção estava centrada noutras preocupações e não se apercebeu que, como ele classifica, a traição estava a ser preparada por cadastrados e agentes do colonialismo, naquele ano de 1972, o importante naquele tempo era a preparação das eleições e contrariar a presença das forças portuguesas que se tinham instalado em novos quartéis em pontos estratégicos, nas áreas de produção de arroz, como Mato Farroba e Chugué, o que obrigou militantes da segurança a serem enviados para a Frente Sul. Em Conacri, pululavam pessoas como Inocêncio Kani que vendiam bens do Partido, e comenta:
“Embora estas ações fraudulentas não tivessem ainda chegado ao conhecimento da Direção, sentia-se que o ambiente não era o mesmo. Acentuava-se cada vez mais o fosso entre, de um lado, os dirigentes, responsáveis e militantes íntegros, conscientes dos seus deveres, e que se sentiam ligados aos rigores da luta, e do outro, os que queriam aproveitar-se dos bens destinados a cobrir as necessidades da luta, para gozo pessoal”.
Quem lê esta descrição poderá subentender que o se irá passar à volta do assassínio do líder do PAIGC era uma questão moral, entre íntegros e predadores.

Luís Cabral

Um pouco à semelhança do que escreveu em “Crónica da libertação”, narra o seu sofrimento quando se inteira da extensão e da envergadura da conspiração, fala de um grupo de antigos responsáveis, alguns deles com altas funções no passado, desprestigiados, que se associaram com agentes enviados de Bissau e que tinham como objetivo final aliar-se ao “programa de paz” do governo colonial. Segue-se a reação, o PAIGC agiganta-se, recebe os mísseis Strella. Entretanto, os criminosos encontravam-se em poder das autoridades guineenses, que conduziram os interrogatórios:  “Sempre esperámos que nos fossem dadas cópias desses interrogatórios, o que infelizmente não aconteceu. Também pensámos que nos seria possível fazer o nosso próprio interrogatório aos criminosos em Conacri, num ambiente de segurança e tranquilidade, não seria possível conseguir na fronteira. Nada disso foi possível, e as autoridades decidiram que os criminosos seriam postos em vários pontos da fronteira”.

Fidélis Cabral d’Almada, responsável da justiça do PAIGC, ainda organizou o interrogatório de quem foi entregue no Leste. Luís Cabral escreve que Aristides Barbosa confessou que estavam ainda na prisão da PIDE em Bissau quando foram mobilizados para esta criminosa missão. Estamos a falar do mesmo Fidélis Cabral d’Almada que pediu perdão no IV Congresso do PAIGC pela natureza bárbara dos interrogatórios praticados, era impossível não confessar tudo com tantas e tais atrocidades. E regista, sem apelo nem agravo, uma acusação maior:
“Osvaldo Vieira, membro do Conselho de Guerra, não teve a possibilidade de apresentar uma defesa aceitável contra acusações que pesavam sobre ele. As dúvidas prevaleceram. O Congresso decidiu, por isso, dar mais tempo à Segurança para aprofundar o inquérito, ficando Osvaldo com residência fixa em Koundara. O principal ponto de acusação contra este dirigente baseava-se num bilhete que lhe dirigiu um dos criminosos, no momento em que eram conduzidos para a frente Leste, dizendo-lhe textualmente ‘tudo está arrumado, seguimos para a fronteira e ficamos lá à tua espera’. O Osvaldo estava nesse momento em Koundara, a carta foi confiada por um dos criminosos, João Tomás Cabral, ao comandante do quartel guineense nessa localidade, que a fez chegar às mãos do responsável da nossa Segurança, Otto Schacht”.

Enumera as decisões do II Congresso, depois refere a chegada de Rafael Barbosa a Morés, queria seguir para Conacri, ficou detido, impunha-se apurar as ligações que o antigo presidente do Comité Central do PAIGC estabelecera com os assassinos de Amílcar Cabral. Relata a primeira reunião da Assembleia Nacional Popular e a proclamação do Estado independente, em 24 de Setembro de 1973. É em Madina do Boé, nesse dia que Luís Cabral, na qualidade de presidente Estado profere um discurso em que a propósito dos direitos dos cidadãos livres do novo Estado soberano escreveu o seguinte:
“Nenhuma pessoa honesta na nossa terra deve ter medo de dizer o que pensa, e pode dizê-lo a todos os responsáveis dos órgãos do nosso Estado, seja qual for o nível dessa responsabilidade. Não podem existir razões que justifiquem a criação de grupos de descontentes no seio da nossa sociedade, salvo quando se trate de elementos maus, de criminosos e agentes do inimigo, do nosso povo e da África, para a neutralização dos quais o nosso Estado tem de ser capaz de tomar todas as medidas que se impõem para a segurança do nosso povo e da sua revolução. Para mais eficazmente isolar esses maus elementos que tentarão sempre destruir as nossas vitórias com o cancro da corrupção e da traição, devemos mobilizar todos os meios e todas as forças patrióticas e honestas da nossa terra. Vivemos uma dura experiência com o cobarde assassinato de Amílcar Cabral. Esta dura experiência está bem presente no espírito de todos os combatentes da nossa luta e deve servir de exemplo para a organização da vigilância necessária à defesa e segurança do nosso Estado”.

Importa aqui dizer que as figuras proeminentes da segurança, Otto Schacht e Buscardini, foram liquidados no golpe de 14 de Novembro de 1980.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14782: Notas de leitura (730): “Memórias e Discursos” de Luís Cabral, uma edição da Fundação Amílcar Cabral com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14797: Memória dos lugares (296): O porto fluvial do Xime, no final da guerra (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 > O grande porto fluvial do Xime, no final da guerra...  O cais do Xime em dia de barco, visto do  quartel


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 A >


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 B > Até aqui chegavam autocarros de passageiros!... Não dá para acreditar!... Mas com a com a nova "autoestrada", Xime-Piche (não sei se chegou mesmo a Buruntuma em 1974!),  era já possível recorrer a autocarros de passageiros para transportar o pessoal que aqui desembarcava...


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 3 B > O grande porto fluvial do Xime, no final da guerra... O leste também era um grande fornecedor de carne bovina para o "ventre da guerra"... Estas cabeças de gado aguardavam transpote para Bissau.


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 1 > Rio Geba visto para montante a partir do aquartelamento do Xime,


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Foto nº 2 > O cais do Xime em dia de "folga" (não havia barco nesse dia),  visto do quartel

Fotos ( e legendas): © António Manuel Sucena Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Fotos do cais do Xime, enviadas hoje  (juntamente com outras do Rio Geba e do macaréu) pelo António Manuel Sucena Rodrigues,  
[, foto à esquerda, em Ortigosa, Monte Real, no 3º Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 17/5/2008; 

António Manuel Sucena Rodrigues foi fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74;  

formou-se em engenharia;

vive atualmemnte em Oliveira do Bairro; 

está reformado]

2. Comentário de L.G.:

António:  Tinhas estas fotos... e não dizias nada ?!... Obrigadão...

Tinhas a obrigação de reconhecer aqueles sítios (*)... Claro que era o cais do Xime, em fevereiro de 1970, visto da LDG em que ia o Jaime Machado (e o seu Pel Rec Daimler 2046) para Bissau, acabados de embarcar...

Nessa altura,  nós (CCAÇ 12) andávamos a abrir a nova estrada,
Anónio M. Sucena  Rodrigues, ex-fir mil,
CCAÇ 12 (1972/74)
depois alcatroada (, o alcatrão já não é do meu tempo, mas em março de 1971, quando me fui embora, a nova estrada Bambadinca-Xime  já estava quase pronta para levar o alcatrão)...

Não sei muito bem como era o cais no teu tempo, visto do rio... Sei que a zona portuária ficou mais desafogada, por causa dos carros e do embarque/desembarque de homens e material...  Como se pode ver bem, nas totos que mandaste... Se tiveres mais fotos do Xime (do teu tempo da CCAÇ 12, 1972/74), manda...


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Guiné 63/74 - P14796: Blogpoesia (417): Em surdina..."Durou tão pouco. / Depois da escola, / veio a guerra, / foi-se paz..." (J. L. Mendes Gomes, autor de "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013)


J. L. Mendes Gomes, foto de perfil, Facebook


Em surdina...


por J. L. Mendes Gomes


[foto atual à esquerda;
ex-alf mil,  CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; 
autor de Baladas de Berlim, Lisboa, Chiado Editora, 2013, 229 pp.]



Com brandura e pézinhos de lã,
vamos abandonar o barco,
deixemo-lo seguir,
tomemos nosso destino,
à nossa conta.

Vamos para um lugar distante,
onde não cheguem estes ventos
de desvario louco,
e comecemos tudo de novo.

Enterremos bem fundo,
sob as profundezas mais profundas,
estas horas e anos
de desatino,
que avassalaram nossas vidas,
fazendo crer
que assim deveria ser
até ao fim.

Nunca mais poderíamos sonhar,
como quando éramos meninos,
tudo era belo e lindo
e o céu azul,
cheio de sol.

Durou tão pouco tempo.
Depois da escola,
veio a guerra,
foi-se a paz, 
apagou a chama da esperança.
Veio a derrota,
o abandono ao desbarato.

Por fim, fomos invadidos 
por esta horda de irresponsáveis...
Tudo destruiram.
E até a nós, se não fugíssemos...


Berlim, 25 de Junho de 2015, 7h39m

à hora em que o nosso cãozito Mozzi, 
um companheirão de há dezasseis anos, 
está agonizando em paz,
ao pé de quem ele amou... e nós a ele...

Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor:


Último poste da série > 19 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14768: Blogpoesia (416): A senhora Sexta-Feira, que vivia em Ganjola, a doce companheira do senhor Brandão (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, "Os Palmeirins", Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14795: Fotos à procura de... uma legenda (56): por aquele rio Geba... abaixo: que porto fluvial seria este ?


Foto nº 1 - A 


 Foto nº 1 - B


Foto nº 1 - C


Foto nº1 - D


Foto nº 1 

Guiné > Rio Geba >  c. 1970 > Um porto fluvial, visto de uma embarcação que se dirige a Bissau... Será Bafatá ? Será Bambadinca ? Será Xime ? Será Porto Gole ? Será Gampará ? Será Jababá ? Será Cumeré ? Será Ilha de Rei ? ... O que será ? (A foto nº 1 foi ampliada e editada.)


Foto: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de junho de  2015 > Guiné 63/74 - P14784: Fotos à procura de... uma legenda (55): a arte bem lusitana de viajar em LDG - Lancha de Desembarque Grande

Guiné 63/74 - P14794: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (14): Este Feminismo... é "muinta" feio!

1. Mensagem do nosso camarada António José Pereira da Costa (Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), com data de 16 de Junho de 2015:

Aqui vai uma tentativa de participação com um texto que me foi sugerido num convívio a que fui.

Um Ab.
TZ


A MINHA GUERRA A PETRÓLEO

14 - Este Feminismo é muinta Feio!

Sabemos por experiência da nossa vida que as chamadas causas fracturantes, entre as quais o feminismo se encontra, começam por se afirmar de modo exuberante e muito contestatário, agressivo até. No fundo, trata-se de uma afirmação da subversão. Naquele tempo, aprendemos a atribuir a esta palavra uma carga negativa, quando ela pode ser aplicada a diversos sectores da vida como, por exemplo, às artes.

As artes são frequentemente sacudidas por um grupo de artistas que concluem que a sua arte não está a evoluir e se limita a repetir indefinidamente os mesmos procedimentos, a apresentar o mesmo tipo de obras, tanto que, às vezes até dá a impressão de que se entrou a copiar, reduzindo a inovação a pormenores.

Nessa altura, o tal grupo resolve “virar a mesa” e tornar-se notado pela agressividade com que faz a contestação às práticas artísticas até aí vigentes. Não há outra maneira de o fazer. Só se fazem modificações profundas… modificando profundamente.

São então contestadas as regras e as normas que até aí se seguiam, essencialmente perguntando porque é que se faz assim e se não se poderá fazer de outro modo. E, normalmente a resposta dos conservadores é pouco satisfatória, quando não é tão absurda como “sempre foi assim! Mudar para quê?

Dei toda esta volta bastante larga para vos recordar que o feminismo que conhecemos nos anos setenta está hoje ultrapassado, mas que quando surgiu teve de o fazer de forma ruidosa e contestatária, pondo em causa as regras do funcionamento da sociedade até aí tidas como imutáveis. Hoje, aceitamos e defendemos, todos, certos princípios, procedimentos e valores que, naquela altura, tínhamos como ridículos e destituídos de senso.

Nós próprios assimilámos as novas normas e, hoje, achamo-las normais e aceitamo-las como se não houvesse outras.

Mas é frequente que a tal corrente ou grupo contestatário vá para além do admissível resvalando rapidamente para excessos que não estavam de todo no espírito dos contestários que deram o seu melhor, colidindo ruidosamente com a “ordem estabelecida” e enfrentando corajosamente os conservadores, frequentemente retrógrados e ansiosos de que nada mude.

Isto vem a propósito do que tem sucedido ultimamente nos convívios de ex-combatentes a que tenho ido. Tendo pertencido a quatro unidades de nível Companhia tenho sempre que fazer cinco saídas - uma com o blog - para os convívios anuais, aos quais, como é hoje frequente e bem, comparecem também esposas, companheiras, irmãs, em suma: raparigas da nossa geração.

Pois ultimamente em dois desses convívios circulou e impôs-se rapidamente a “novidade”: senhoras para um grupo de mesas e homens para o outro. Nem queria acreditar no regresso machismo, mas de sinal contrário. Vocês lembram-se de que nas festas antigas, as mulheres iam para lado falar “lá das coisas delas” e os machões latinos iam para outro falar dos “seus assuntos”, normalmente “gajas” e aventuras similares não incluídas nos 80% da votação do último inquérito do Luís Graça. E não houve maneira de as convencer. Depois, perguntei as razões para este retrocesso e aí é que eu fiquei cheio de dores no espírito. Eram elas que achavam desinteressantes “aquelas coisas deles” (muitas vezes repetidas), aquela violência toda que não faz sentido nenhum e que “já aconteceu há tanto tempo”. Assim ficavam no aconchego da sua conversinha sobre “cá as nossas coisas delas”. Ainda me disseram que, alguns, no regresso a casa, vinham enervados e perturbados, o que justificaria, por si só uma maior atenção (digo eu…). Sentiam-se mal em contacto com os homens que falavam alto, diziam asneiras e davam palmadas uns nos outros. Alguns riam-se e outros… até choravam. Uma balbúrdia! Uma verdadeira desgraça!

Isto não pode acontecer no meu país!

Todos e todas somos portugueses (talvez infelizmente) e a solidariedade entre homens e mulheres é um valor que já chegámos à conclusão de que devemos cultivar, especialmente nos da nossa geração. Claro que algumas só ouviram falar “daquilo” depois de casadas, mas outras, através das cartas, sabiam bem o que por lá sucedia. E às que só souberam depois de namoradas e casadas ocorre perguntar: em que país é que viveram durante aqueles anos? Como é possível que tudo lhes tenha passado ao lado? É capaz de ser uma questão cultural, digo eu que sou mauzinho…

Já tenho pensado que se tivéssemos estado presos durante dois anos, longe dos nossos e delas tivéssemos mais aceitação. É que o ambiente concentracionário é mais compreensível, por estar mais visível. E aquelas fotos dos “quartéis” não estimularão a imaginação sobre a maneira como ali se vivia? E a alimentação repetitiva e confeccionada como podia ser? E as horas de sol e de chuva, com o suor a escorrer em bagas grossas? E o paludismo, as matacanhas e outras bichezas que o National Geogrphic ali regista?

Como viram não falei da guerra em si. Essa sim é que é difícil de imaginar.

Não falei das minas, das emboscadas, das flagelações do regresso das colunas ou das patrulhas com um camarada em padiola ou às costas. Isto seria mais difícil de imaginar.

Donde virá esta repulsa que se instalou em algumas das nossas companheiras ao ponto de se dedicarem a banalidades?

Mas o pior é que hoje, nos nossos convívios falamos da “guerra”, pois sim, mas certamente, já há muito que outros assuntos começaram a ser falados: os filhos, os netos, a política (porque não?), da saúde ou falta dela e tantos outros relacionados com o funcionamento do país que nos disseram que íamos servir e defender (de quê?) e no qual, no fim de tudo, nos revemos. Talvez porque não temos outro…

Peço, portanto, aos organizadores dos convívios que evitem esta prática sexista - mulheres para um lado e homens para o outro - que não é digna de cidadãos de corpo inteiro num país civilizado, que nós teimamos em tentar ser. Às mulheres peço que não esqueçam o seu papel de companheiras - uma conquista positiva do feminismo - iguais em direitos, mas também em deveres, que passam por aceitar o outro tal como a vida o foi fazendo e muito mais agora quando a idade pesa. Acima de tudo somos companheiros e amigos uns dos/as outros/as e “Cidadões” e Cidadonas(?) que não devem aceitar o retrocesso civilizacional que representa a separação fundamentada no sexo. Senão… vamos arrepender-nos. Mas já começamos a estar habituados.

Mem-Martins, 16 de Junho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14572: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (13): Uma da nossa Intendência

Guiné 63/74 - P14793: Os nossos seres, saberes e lazeres (102): Tomar à la minuta (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 26 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Os percursos tomarenses são infindáveis, é o preço de uma cidade que acolheu a Ordem do Templo e depois a Ordem de Cristo, que dispõe de monumentos ímpares e se espraia do castelo até ao casco histórico, atravessa-se o Nabão e tem-se a cidade moderna, ciranda-se por deslumbramentos como o Aqueduto de Pegões e a nascente do Agroal. O Mouchão reserva sempre surpresas. E há o ver e rever, caso das pinturas de Gregório Lopes, da Sinagoga que é uma preciosidade da arte pré-renascença portuguesa e até mesmo os monumentos da estrada de S. Lourenço ou do Paredão que passam despercebidos ao automobilista. Por isso vamos continuar, gota a gota. Tomar entranha-se no nosso coração.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (5) 

Beja Santos


Para ser franco, o Palácio da Justiça, edificação tida como peça arquitetónica de vulto, tem uma carcaça igual a tantas outras, não desfazendo da bonita galeria de colunas virada para o Rossio. O interior é que galvaniza, com os painéis de azulejo de Jorge Barradas, cortam na severidade do imenso pátio, veja-se este pormenor.




Estas três imagens valem por três mil palavras, quem vê caras não vê corações, quem ciranda em torno do palácio nem lhe passa pela cabeça que existe este pátio, que sobre a galilé em suspensão há uma sala de audiências circular com esta bonita fonte. Como as viagens nunca terminam, em breve hei de voltar. No seu livro sobre Tomar, José Augusto França refere que há um fresco de Guilherme Camarinha que decora a sala de audiências, que se vê numa das imagens, nele se conta o conflito havido na própria Várzea entre o povo de Tomar e a Ordem de Cristo.





Por associação de ideias, o Jorge Barradas reapareceu-me há dias quando fui ver a exposição das Varinas de Lisboa no Palácio Pimenta, no final do Campo Grande, Barradas foi um artista modernista multifacetado e nada me impede de o considerar um dos grandes ceramistas do modernismo português, grande gráfico, ilustrador, desenhador, aguarelista, e muito mais. No átrio do Palácio Pimenta estão estas duas belas peças, podem ser alegorias da Primavera e do Verão, podem ser tudo o que a gente imagina, mas é de ficar de boca aberta, o vigilante do museu estava encantado com esta atenção, observou-me que os visitantes o que querem é entrar, o que por ali se espalha e exibe é manifestamente acessório. Pois desforrei-me, por cumplicidade com o Barradas que ninguém venera só para entrar no interior do museu, captei também azulejos muito bem mantidos e até uma escadaria onde pontifica o senhor D. Sebastião José de Carvalho e Melo, vulgo o Marquês de Pombal.


Pronto, já voltei a Tomar, atravessei a Ponte Velha e quedei-me nesta restinga onde se domiciliam os patos, gosto do contraste da aridez e daquelas raízes que resistem, da árvore que abateram, e do verde que ali se confina, num casamento com aquelas águas translúcidas.


Temos finalmente uma imagem do Nabão, estamos na Ponte Velha e lá vai ele a deslizar para o Zêzere, e depois esta massa de água desagua no Tejo. Marcou a indústria e hoje prossegue solitário entre essas ruínas, algumas delas bem reabilitadas e o casario, nas duas margens.


Temos aqui o Convento de Santa Iria, é uma alvenaria admirável, a beijar o Rio Nabão, desculpem-me o meu orgulho, tive a minha hora de sorte em poder apanhar o reflexo do casario nas águas tranquilas. Mas quem vê esta face não se iluda, há muitas obras para pôr este monumento a preceito, vejam agora o lado oposto, expectante e disfarçado com fotografias.



A capela de Santa Iria é mesmo ao lado, havemos de cá voltar com mais tempo, tem azulejos muito requintados e a imaginária é rica, o portal fala por si com este alegante arco de volta perfeita encimado pelo alfiz, é atraente pelas proporções e pela delicadeza do singelo trabalho na pedra.


Estamos agora na Praça da República, de costas voltadas para a fachada da igreja de S. João Batista. É preciso haver ventania ou chuva grossa para eu não me deter sempre que por aqui passo. A razão principal é porque me lembra um cenário cinematográfico, a praça é retangular, o empedrado dá-nos a ilusão de que o edifício da câmara vai a seguir, parece que disputa terreno à mata envolvente do castelo, não é nada disso, é uma praça harmoniosa e horizontal, às vezes a seguir ao jantar, acocoro-me à porta da igreja para desfrutar o jogo de luzes e captar a majestade das muralhas do castelo, de que nesta imagem nem há lembrança, mas ocasiões não faltarão para tirar novas imagens, o mais próximas possíveis desta deslumbrante realidade.





A Praça da República chamava-se na monarquia Praça D. Manoel, foi centro e nervo da vida medieval tomarense. Agora toca de subir ao castelo, reservo com carinho ao leitor estas imagens que penso serem espetaculares, o que me interessa é o génio templário, os guerreiros de Nosso Senhor sabiam da poda, muralharam a fortificação com vontade de a tornar inexpugnável, atravessem-se as gentes de Mafoma e seriam provavelmente cilindrados no reduto da barbacã, fortificação esplendorosa, bem mereceu que ali mesmo se encravasse a rotunda para, em plena humildade, os cavaleiros virtuosos pedissem a Deus coragem para a cruzada a Jerusalém, é preciso percorrer esta fortificação e entrar no convento para entender e sentir o sopro da religiosidade medieval e como esta charola deu a volta à cabeça a D. Manuel I, o Venturoso, que esbanjou fortunas até chegarmos a este caso ímpar de património mundial da humanidade. Feita a exaltação, entremos no convento.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14758: Os nossos seres, saberes e lazeres (101): Tomar à la minuta (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14792: Filhos do vento (39): Será que tudo o que por aí se vai dizendo, da nossa vida sexual em zona de guerra, não será também, em alguns casos, uma grande mentira? (Tony Borié)

1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66) com data de hoje, 24 de Junho de 2015:

Olá Carlos.
Oxalá te encontres bem.
Eu sou um "chato".
Olha, se te fosse possível, e ainda fosse a tempo na tua organização, seria possível publicar este texto em qualquer altura que achasses oportuno, pois se passar algum tempo, passa de moda, como se costuma dizer.
O Luís avivou os companheiros para este tema da sexualidade em tempo de guerra e, creio até que saiu na televisão aí em Portugal um programa com um combatente que foi ver o filho a Angola e, eu rabisquei isto.
Ajeita ao teu gosto, por favor.

Um abraço, Carlos,
Tony Borie.


Um dia, vamos todos, “bater a bota”!



Já lá vai algum tempo em que o nosso comandante Luís nos mandou uma mensagem, em que entre outras palavras dizia: “Que ninguém nos acuse de ter "esqueletos" escondidos no armário... Um dia vamos todos "bater a bota", mas temos a consciência de que falamos de tudo ou quase tudo o que tínhamos a falar, entre nós, e para as gerações que nos sucedem, as dos nossos filhos e netos... não sei se há muitos blogues de antigos combatentes, em Portugal e noutras partes do mundo que tenham abordado "temas sensíveis" como, por exemplo, este, o da nossa sexualidade”.

Esta nossa simples contribuição, para conhecimento em especial, dos tais nossos filhos e netos, espera a compreensão dos nossos companheiros combatentes, tanto africanos como europeus, é um relato de coisas que não se dirige a ninguém, nem tão pouco quer ferir nenhuma sensibilidade em particular, pois este é um tema muito sério, há muito de verdade nestas simples palavras, já lá vão mais de cinquenta anos, naquele tempo, quase todos nós, única e simplesmente não sabíamos, não tínhamos qualquer informação a respeito deste tema, da sexualidade em zona de guerra, hoje, as novas gerações têm uma mentalidade muito mais aberta, falam, discutem, vêm para os jornais, televisão e outros meios de comunicação, exporem as suas vivências, explicarem que a avó, a mãe, a irmã, a prima ou a tia, foram entre outras coisas, abusadas, maltratadas, talvez violadas, como dissemos a princípio, este é um tema sério demais para ser falado, assim de ânimo tão leve.

Repito, há muito de verdade nestas palavras, hoje, depois de tantos anos, infelizmente, todavia ninguém sabe, ninguém pode afirmar, torno a repetir, não temos conhecimento de qualquer estudo que o possa afirmar, com verdade, mas, existem muitas pessoas africanas com feições europeias, muitas pessoas asiáticas com feições europeias, muitas pessoas europeias e asiáticas com feições africanas, que não sabem quem foi o seu pai ou mãe, no nosso caso de antigos e briosos combatentes que fomos, sabemos também que algumas tropas recrutadas lá na Guiné, assim como alguma população civil, tinham particulares preconceitos sobre os militares vindos de Portugal.


Por exemplo, para o nosso amigo Iafane, conhecido como o “barqueiro”, que fazia o transporte fluvial, durante a maré cheia, para a vila de Mansoa, de pessoas e bens, das aldeias ribeirinhas, viajando sobre a água lamacenta do rio, completamente nu, só colocava um farrapo a cobrir-lhe o sexo, quando chegava a terra, depois de ancorar a canoa, passava grande parte do dia, quando nós estávamos de folga das nossas tarefas, junto da ponte do rio Mansoa, na sua casota coberta de colmo, às vezes construindo uma nova canoa, fumávamos um cigarro feito à mão, ele ia falando, falando, naquele português acrioulado que todos nós conhecemos, contando-nos, entre outras coisas, as “encomendas” que tinha de pedidos de novas raparigas, para alguns “homens grandes”, ficando muito admirado, quando lhe explicávamos, que lá em Portugal, o homem casava com uma só mulher.

A sua Guiné era um refúgio seguro, onde podia ter relações legalmente, quase como se fosse um casamento, com três, quatro ou cinco mulheres, longe da velha Europa, do resto do mundo, na altura, em algumas zonas, profundamente racista. No entanto, o mesmo nosso amigo Iafane era subestimado, a sua acção era ignorada, fazia parte da história colonial, daquele braço português de opressão racial e subjugação dos civis guinéus, especialmente nas áreas rurais, para projectar, entre outras coisas, o poder do homem e, claro, o medo e, volto a dizer, a subjugação entre a população feminina, onde as mulheres, por norma, tinham por obrigação trabalhar de sol a sol e repartir o seu marido por três, quatro ou cinco companheiras, tudo isto enquanto estivessem na idade de dar alguns filhos, porque depois, eram única e simplesmente colocadas de lado, para trabalhos menores, como cozinhar, tomar conta dos animais ou dos filhos das novas esposas do senhor seu marido.

Companheiros, isto não é dos livros, nós todos, pelos menos os que andaram pelo interior, pelas aldeias rurais, vimos, os nossos olhos viram, era uma verdade daquele tempo, que felizmente deve de estar ultrapassada, oxalá que sim.

Depois destes anos todos, muita água correu debaixo da ponte do rio Mansoa, quase tudo é, ou foi, pretexto para culpar o "militar europeu", que era para lá mandado pelo então governo de Portugal, alimentar uma guerra, que hoje sabemos que era injusta, mas onde alguns irmãos combatentes, soldados africanos, faziam parte, que ajudavam a criar caminhos para atitudes raciais, compartilhando preconceitos profundamente desonestos, pois muitas vezes ofereciam as tais irmãs ou primas, ao tal “militar europeu”, a preço de pequenos privilégios, como por exemplo serem candidatos a vestir a farda camuflada, com uma boina militar na cabeça, pois num país em guerra e sem qualquer futuro, eles ainda jovens, viam nessa atitude, uma necessidade para uma oportunidade, enfim, pensando assim, teriam algum modo de sobrevivência.

Já estamos a ir longe demais na nossa conversa, mas também temos a consciência, de que, naquele tempo, se o “homem africano”, neste caso o nosso amigo Iafane, tentasse alguma vez convidar a “mulher europeia” para uma aventura na cama, se essa mulher não gostasse do convite, seria imediatamente considerado um “estuprador”, sujeito a levar dois tiros em qualquer parte do seu corpo, mas se o “Lifebuoy”, cujo nome de guerra lhe foi colocado porque vendia entre outras coisas, sabonetes lá no aquartelamento e, às vezes andava de namoro com uma das filhas do Libanês, que era um soldado europeu, muito popular no aquartelamento de Mansoa, convidasse a filha do “homem grande” da tabanca de Luanda, que tinha sómente treze anos, para a mesma aventura sexual, e ela não acedesse, fazendo queixa ao pai, o crime do soldado europeu “Lifebuoy”, era culpado única e simplesmente de uma aventura sexual, considerada uma pequena diversão!.


Infelizmente, era o sistema implantado naquele tempo, que ajudou a fazer a história colonial, que motivou as populações africanas a pegarem em armas, revoltando-se, como aconteceu em outras partes do mundo, mas voltando ao sexo em zona de guerra, alguns de nós, pelo menos os que estiveram estacionados por algum tempo no interior, sabemos que as raparigas africanas tinham algum fascínio pelo homem europeu, porquê, não sabemos, todavia elas podiam não saber ler ou escrever, tinham pouco contacto com o exterior mais civilizado, mas sabiam as “luas”, tinham a sua medicina à base de ervas e outros ingredientes, algumas afrodisíacas, conheciam o seu corpo, tinham conhecimentos sobre o sexo, sobre a procriação, sabiam os segredos do prazer e do amor, estava-lhes no sangue, tudo isto fazia parte da sua educação nas aldeias rurais, que lhe eram ministrados pelas mães, irmãs ou avós, conhecimentos esses que o resto do mundo talvez nunca chegará a saber, sabiam quando procurar a companhia do homem, ou quando deviam fugir dele, estamos em crer até, que quando havia descendentes, era por mútuo acordo, no entanto, nunca se pode excluir a ideia de poder haver alguns casos. Vamos lá ver, na nossa opinião, na tal zona de guerra, se qualquer de nós nunca matou, maltratou ou forçou a sua companheira para qualquer acto sexual, se nunca soube, ou sabe, que existiram indícios de deixar descendentes, deve continuar a viver o resto dos seus dias com a sua consciência limpa, pois o acto sexual teve o acordo e talvez uma atração mútua, portanto o homem europeu, violou ou abusou da mulher africana, assim como a mulher africana, violou ou abusou do homem europeu, embora sabendo que o produto desse acto fica na posse da mulher, o que traz muitas responsabilidades para o homem, claro, como dissemos antes, sabendo ele que o acto produziu descendentes.

Já vamos um pouco longe, mas para finalizar, existe um ditado não muito antigo, mas por aqui bastante popular que diz: “what happens in Vegas, stays in Vegas”, que quer dizer mais ou menos, “o que passa em Las Vegas fica em Las Vegas” e, no nosso caso, de antigos combatentes, assenta perfeitamente, ou seja, “o que passou na zona de guerra em África, ficou em África”.

Há, já me esquecia, falando agora numa linguagem reles, tipo “Curvas alto e refilão”, o “Estarreja”, que era um soldado condutor da CCS do Batalhão de Artilharia 645, os Águias Negras, que sempre esteve estacionado em Mansoa, fazia o trajecto de Mansoa a Bissau, quase todos os dias, que também fazia “contrabando de pessoas e bens” de Mansoa para a capital, sem os superiores saberem, era “boca cheia”, lá no aquartelamento, que andava a “comer” a Binta, que também era a sua lavadeira, pois já os tinham visto a “cavalo um no outro”, nas escadas de cimento do campo de jogos dos Balantas, dizia-se mesmo que ela só lavava a roupa dele, o que era uma grande mentira.

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14774: Filhos do vento (38): O caso do António da Graça Bento que foi a Angola, 40 anos depois, conhecer o seu filho. Reporatgem "on line" e em papel, no jornal Público: texto de Catarina Gomes e imagem e som de Ricardo Rezende