segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

Antº Rosinha, no nosso II Encontro
Nacional, Pombal, 2007.
Foto de LG


Dois comentários recentes do Antº Rosinha que merecem figurar em poste, na sua série "Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha)" (*)

[Foto à direita, o Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-colon e retornado, como ele gosta de dizer com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar ...]:


(i) Talvez se vá falar de coisas interessantes, mas não acredito que pessoas da minha idade ou mais velhas vão visitar e frequentar aquele lugar e seus discursos. (**)

Ainda há gente da minha idade e mais novos que ainda hoje escondem que são (foram) RETORNADOS.

Eu, como tive oportunidade e uma idade de poder reagir e «sobreviver», considero-me privilegiado, por ter passado por essa experiência riquíssima, sobre qualquer perspectiva que se queira olhar.

Há Retornados que passaram muito pouco tempo, nem se querem considerar como Retornados e têm alguma razão.

Mas os que passámos demorada e intensamente aquele ambiente africano, só entre nós é que nos entendemos e é difícil de transmitir o que se passou e sentiu.

Mesmo os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

Parece que se vai falar entre outras coisas de uma coisa,  que poucos acertam e só dão uma no cravo outra na ferradura,  que é aquela velha do lusotropicalismo.

Só mesmo eles que passaram por esse fenómeno, é que poderiam falar, mas também como os Retornados, só entre eles é que se entendem.

Mas é bom que se fale ainda durante mais alguns anos, principalmente agora na «época» dos «refugiados», mas que não se misturem as coisas e que o termo RETORNADO faça parte da nossa História.

(ii) Eu fui para Angola com carta de chamada,  paguei 3500 escudos num porão de um navio,  podia considerar-me  emigrante. (***)

Mas como me integrei na Administração colonial, embora como técnico, andei a fazer mapas iguais a esses do blogue, que faziam parte do programa e dos acordos coloniais europeus, mapear todas as colónias, o que era eu? não passaria de um mero colaborador directo do colonialismo.

Em 1961 meteram-me uma farda e uma arma na mão para defender a política colonial, o que era? era um colonialista.

Outros a quem o Estado forneciam meios e passagens para irem cultivar terras e criar animais eram aqueles a quem os Amílcar Cabrais e os Agostinhos Netos chamavam os colonos.

Este pessoal que se integrava, agricultor, pequeno comerciante retalhista era, para os indigenas o verdadeiro colono.

Estive na Guiné na Tecnil e pelo Banco Mundial, chamavam-me Cooperante a mim e a toda a gente das ONG da ONU, Banco Mundial e CEE etc.

Mas os guineenses mal souberam na Tecnil, sabem tudo sobre quem chega, que tinha feito a vida em Angola, espalharam logo que eu era colon.

Aliás, isso era o melhor certificado para me sentir em casa, por incrível que pareça a muita gente.

Assim como aqueles que foram militares na Guiné e fossem reconhecidos, eram logo "assimilados"

Estive 5 anos no Brasil, era emigrante, ou estrangeiro residente.

Luís, fundamentalmente, para os turras, movimentos anti-coloniais, os africanos em geral, a Administração colonial e os militares em geral é que eram considerados os verdadeiros colonialistas.

Quando Amílcar Cabral lançava aquela boca de que a luta não era contra os portugueses, referia-se exactamente aos brancos "colonos".

Originalmente o termo "tuga" era exclusivo para os militares na Guiné. depois nós mesmos é que fomos universalizando, mais propriamente nós aqui.

Amilcar e o PAIGC e o MPLA de que ele é fundador também, quando diziam que a luta não era contra os portugueses, referiam-se aos portugueses colonos, radicados, brancos naturais, enfim os"progenitores" da maioria daqueles dirigentes.

Agora podemos olhar para dois casos africanos antagónicos, UPA e MPLA, Mandela e Mugabe.

Claro que isto dá pano para mangas, pois que tudo acabou tão mal, mas tão mal, que os conceitos hoje precisam já de outros dicionários diferentes daqueles da guerra fria e do tempo de Norton de Matos.

As empresas tipo CUF e outras como a Diamang, substituídas pela China, América e Brasil na Nigéria, e em Angola...e mesmo a GALP, qual Pintosinho, Luís Graça!

Eu até coro!


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Notas do editor:


(*) Último poste da série > 8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14985: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (38): é possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau...

(**) Vd. poste de 29 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15423: Agenda cultural (439): Exposição comemorativa dos 40 anos do retorno de centenas de milhares de portugueses à antiga metrópole, na sequência da descolonização: "Retornar - Traços da Memória", Lisboa, de 4/11/2015 a 14/2/2016

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