quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15408: Manuscrito(s) (Luís Graça) (70): O Alzheimer da história



Lisboa > Torre de Belém, 500 anos de história > Novembro de 2015


Foto: © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados. 



O Alzheimer da história

por Luís Graça


Davam longos passeios,
ao domingo,
de jardim em jardim,
ao longo do rio,
os lisboetas.
A pé.


Tinham trocado,
na feitoria de Arguim,
os seus cavalos brancos,
puros lusitanos,
com os seus belos arreios,
por escravos negros,
da Guiné.


E no seu encalce,
os turistas,
com as suas superzooms digitais,
subiam as sete colinas,
os voyeuristas,
para melhor ver as vistas
e os vitrais das catedrais.


Grande era o mundo.
e Portugal,
tão pequenino e caleidoscópico,
ali ao fundo.


Já não passavam mais
nem caravelas nem naus
ao largo do Bugio.
Perderam-se, por má sorte das armas,
as joias da coroa,
Goa, Damão e Dio.


Junto às ruínas do palácio dos Estaus,
um manjaco do Canchungo
varria o lixo da história.
E era feliz,
duplamente feliz:
feliz  por ter um emprego,
com cama, mesa e roupa lavada,
da União das Freguesias da Mouraria e da Judiaria;
e feliz por não ter memória:
- Teixeira Pinto ?...
- Sim, o capitão diabo!
… Não, nunca ouvira falar.


Coitados dos povos
que sofrem da doença do Alzheimer da história!
Mas pode ser que tenhas mais sorte,
meu irmão,
na próxima reencarnação,
na girândola da vida e da morte.


Em novembro era verão,
ainda davam longos passeios pelo rio,
os lisboetas,
sortudos,
levando pela mão
os seus loucos, os seus cegos,
os seus mudos, os seus surdos,
os seus anões e os seus poetas.


Lisboa, 25 de novembro de 2015


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2 comentários:

JD disse...

Viva Luís!
Gostei, francamente gostei. Parece-me que descobriste um fio condutor de abril a novembro, o encolhimento irreversível e brutal da nação portuguesa. Quem argumenta com a liberdade de expressão, ainda não descortinou, que não passa de uma estratégia para dominar autocraticamente. E a progressão dos resultados está avultadamente demonstrada durante estes anos de «democracia». Em tantos e tão variados aspectos.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...




Gostei do poema pela sua harmonia, pela falta de sentido literal, pela beleza do conjunto de palavras e frases e porque é como alguns quadros que tu pintas em verso, a pedir que os decifrem.
Um abraço. Francisco Baptista