quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15351: Tabanca Grande (476): Carlos Valente, ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005 (Guiné, 1968/69), 705.º Grã-Tabanqueiro

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Carlos Valente (ex-1.º Cabo do Pel Mort 2005, Bafatá, 1968/69), com data de 29 de Novembro de 2015:

Camarada Carlos Vinhal:
Obrigado por contactar-se comigo e poder assim reviver memórias de outros tempos, nem todas boas, mas também nem todas más.
Aqui vai uma historia das muitas que todos temos.

Que bom seria saber alguma coisa de velhos camaradas. O nosso Pelotão (Pelotão de Morteiros 2005), composto de 48 homens (1 Alferes, 1 Sargento e 2 Furriéis) embarcou no Uíge em Lisboa no dia 10 de Janeiro de 1968, com destino a Bafatá.

O nosso Pelotão era independente e estava dividido em Esquadras compostas por um cabo e dois municiadores que ofereciam apoio aos vários destacamentos, tais como: Banjara, Cambajú, Sumbundo, Sare Ganá, Cantacunda e Sare Banda, que rodavam a cada dois meses, regressando a Bafatá.



Ao chegar a Bafatá, logo no primeiro dia, a minha Esquadra (eu, o André - rapaz de Alcobaça - e o Gaspar) fomos destacados para Banjara com as seguintes indicações do nosso Alferes Piçarra:
- Quando chegares a Banjara tens que ver as condições do armamento e das munições. Se por acaso uma das granadas não sair, diriges-te ao Alferes do pelotão (Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba), já que ele tem um Furriel especializado em minas e armadilhas que se encarregará de tirar a granada do morteiro.

Lá fomos e quando chegámos  fizemos o que nos mandou o Alferes Piçarra. Experimentámos um morteiro de 81 com uma granada de grande potência, e tivemos má sorte, a maldita não saiu, um problema geralmente causado pela humidade no cartuxo da granada.

Dirigi-me ao Alferes e expliquei-lhe a situação. Este desentendeu-se do problema e não quis envolver ninguém no assunto. Perante esta resposta tive eu que resolver o problema.

Eu tinha sido treinado, no Batalhão de Caçadores 10 em Chaves, para desenrascar casos como este, mas nunca esperava ter que o resolver. Eu estava bem consciente de que esta operação era perigosa, mas quando reparei que o Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, ao ver-me a mim e ao André resolvidos a desalojar a granada do morteiro, começarem a distanciar-se a uns duzentos metros do morteiro e a esconderem-se por detrás das árvores, é que eu vi que o caso era mais complicado do que imaginava. Certamente pensavam: “Estes periquitos vão já voar”.
Graças a Deus, e ao treino que recebi, conseguimos desarmar o morteiro.


Ironicamente, o mesmo Pelotão de Atiradores da Companhia de Geba, que se salvou da nossa intervenção, não teve a mesma sorte em Cantacunda em Abril de 1968(1), estando eu e a minha Esquadra em Sare Ganá. Parte deste Pelotão foi capturado pelos “turras”, salvando-se só 5 o 6 que conseguiram fugir do quartel. O ataque, e as explosões de morteiro, ouviam-se no destacamento de Sare Ganá. Quando chegámos a Cantacunda a cena que encontrámos foi triste.
Esta é uma historia para outro dia.

Os prisioneiros estiveram em Conacri (República ex-francesa, ao sul da Guiné), e só dois anos depois, em 1970, é que foram resgatados.

(Clicar nas imagens para mais fácil leitura)

Fico hoje por aqui amigo, as fotos seguem.
Qualquer pergunta, estou às ordens.

Um abraço,
Carlos Valente
1.º Cabo do Pelotão de Morteiros 2005
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Nota do editor:

(1) - Vd. poste do nosso camarada Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690:

Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN."
 

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado: uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento."
 

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar)."

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto."


"Possíveis causas do insucesso das NT:
- O poder de fogo do IN;
- O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;
- A violência com que o ataque foi desencadeado;
- A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;
- O comando eficaz do grupo IN;
- A falta de iluminação existente no destacamento;
- Possível insuficiência de abrigos;
- As proximidades da mata do arame farpado;
- As proximidades da tabanca do arame farpado;
- O reduzido efectivo das NT;
- Possível abrandamento das condições de segurança;
- Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)"

[...] 

************

2. Comentário do editor:

Caro amigo Carlos, bem-vindo à nossa Tabanca.
Muitos parabéns porque és o primeiro combatente do Pel Mort 2005 a juntar-se a esta comunidade de combatentes da Guiné, que nesta tertúlia têm a nobre missão de deixar um registo de memórias escritas e em imagens, tendo estas a forma de fotografias ou documentos da época, já desclassificados, que ficarão a fazer parte de um espólio público, acessível a outros camaradas, estudiosos, etc.

Estás desde já ciente da tua responsabilidade enquanto elemento único da tua Unidade. Fotos que guardes, memórias quase esquecidas, é o que esperamos de ti para melhor conhecermos o percurso do Pel Mort 2005 por terras da Guiné.

Estamos ao teu dispor para qualquer dificuldade ou dúvida.

Para acabar, fica aqui um abraço da tertúlia e dos editores deste Blogue, com a certeza de que a partir de hoje estás mais rico, porque aderiste a um grupo de amigos que está disposto a ouvir-te e a partilhar aquela amizade que só os combatentes da Guiné sentem uns pelos outros.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15287: Tabanca Grande (475): Armando Ferreira, ex-Fur Mil Cav da CCAV 8353 (Cumeré, Bula e Pete, 1973/74)

4 comentários:

Luís Graça disse...

Carlos Valente:

Mais um camarada do leste que se junta a esta grande caserna vitual!...

É uma honra ter-te aqui, o Carlos Vinhal já te deu as boas vindas, em nome de todos os editores e demais membros da Tabanca Grande...

Por mera curiosidade, toma boa nota do teu nº de registo: és o grã-tabanqueiro nº 705, isto é, tens desde 23/4/2004 (, dat de início do nosso blogue), mais 704 camaradas (e amigos) à tua frente, por ordem de entrada. Mas aqui a antiguidade não é um posto...

Vejo que eu sou "pira" à tua beira, cheguei à Guiné só em maio de 1969, ano e meio depois de ti, que és de janeiro de 1968... Andei por Contuboel (junho/julho de 1969) e depois Bambadinca, numa companhia africana, a CCAÇ 12... Regressei em março de 1971...

Devemo-nos ter cruzado: também estive em Saré Ganá, umas duas semanas, em reforço do sistema de autodefesa, por volta de agosto de 1969...

Em Bambadinca com alguma frequência a Bafatá... Da CART 1699 (Geba, 1967/69) temos vários camaradas, incluindo quatro alferes... Fazes referência a esta sacrificada companhia e aos seus diversos destacamentos...

Quanto ao recorte de imprensa que nos mandas, vê se sabes qual é o jornal e a data... Diário de Notícias ? Século ?... Do Diário de Lisboa, não é, já andei a ver... A "história da fuga" dos militares portugueses foi, naturalmente, forjada pelas nossas autoridades para esconder a nossa participação na invasão de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970, já não estavas tu lá...).

A "notícia" da ANI (Agência Nacional de Informação), oficiosa, dada a partir de Bissau, tem data de 29 (deve ser de novembro de 1970)... Os nossos camaradas regressaram a casa no princípio de dezembro de 1970... Enfim, era preciso "preparar" as famílias e comunidades locais... E todos eles se comprometeram, por escrito, a contar a verdade... da fuga. Mas hoje sabemos que a história está mal contada... Não era nada verosímil, todos eles terem conseguido escapar, no meio da confusão, e chegarem à Guiné, sãos e salvos... Pouco se falava da Guiné, e da guerra, nesse tempo, nos jornais. Nem convinha...

Um abraço grande. Luis

Luís Graça disse...

Lendo com mais atenção a notícia os nossos camaradas (em nº de 24) que foram libertados da prisão do PAIGC em Conacri regressaram a metrópole na madrugada desse dia 29 (que só pode ser de novembro de 1970)... Tinha lido no Expresso que eles tinham partido, de avião, no princípio de dezembro...

Quanto à história da granada que ficou no tubo do morteiro 81 sem explodir, tiro-te o quico e dou-te os parabéns pela coragem, sangue frio e competência... Também eu era de armas pesadas de infantaria, mas fui furar a uma companhia de intervenção em que não havia armas pesadas de infantaria.. Nunca pratiquei, desaprendi tudo o que me ensinaram em Tavira... Aprendi outras, à minha custa...

Manda mais fotos e histórias... Porcura no Googgle Imagens = Bafatá. Também na coluna do lado esquerdo do blogue uma lista extensa, com alguns milhares de marcadores, incluindo topónimos: Geba, Bafatá, Cantancunda, Sare Banda, Banjara, etc.

Boa pesquisa, boas leituras... LG

Chapouto disse...

Mais um companheiro que passou pelos mesmos locais que eu passei(Camamudo,Banjara,Geba e Cantacunda) fui para a Guine em Agosto de 65 e regressei em Maio de 67 da CCaç 1426 como Fur. Milic. de O.Especiais Ranger.
Tiveste o azar de ir logo para o pior sitio do sector, onde eu passei seis meses repartidos dois de cada vez, a operação a Banjara realizou se em 26 de Novembro de 65 quanto ao morteiro 81 estava num buraco perto do forno e não me admira a situação que encontraste pois as caixas de morteiro estavam ao lado e a cacimbada a cair-lhe em cima não se podia esperar outra coisa alem de estarem cobertas e enquanto eu estive apenas uma ou duas veses foi utilizado, pois deviam ser as mesmas de Novembro de 65
Também estive em Chaves no BC 10 além de passar por lá a minha mocidade
És bem vindo à Tabanca Grande
Um forte abraço
Fernando Chapouto

JORGE disse...
Este comentário foi removido pelo autor.