quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15327: Louvores e condecorações (10): Os bravos Copá, da 1ª C/BCAV 8323/73, que resistiram durante mais de um mês ao cerco do PAIGC


Guiné > Zona leste > Setor L6 > Pirada > BCAV 8323/73 (1973/74) > 14 de fevereiro de 1974 > O 4º Grupo de Combate da 1ª C/BCAV 8323/73, homenageado na parada pelo ten cor Jorge Matias, um dia depois da sua retirada do destacamento de Copá,

Foto: © António Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. (Edição: LG]





António Rodrigues,
um dos bravos de Copá
Louvor aos "bravos de Copá": ordem de serviço nº 9, de 12 de abril de 1974, da 1ª C/BCAV 8323/73. Copá veio à baila na sequência do poste P1523 (*)...

Depois de um dos dias mais violentos de toda a guerra da Guiné, em 7/1/1974 (**) a guarnição de Copá, junto à fronteira com o Senegal [vd. carta de Canquelifá], fica reduzida a escassas três dezenas de militares metropolitanos, mas conseguiu resistir por mais um mês ao ternaz cerco do PAIGC, abandonando  depois aquela posição em 12/13 de fevereiro de 1974, por decisão do Com-Chefe. (**)

Em 14/2/1974, o comandante do batalhão, o ten cor Jorge Matias, presta uma homenagem pública (e emocionada), na parada de Pirada, aos bravos de Copá (***).

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15323: Em busca de... (239): Pessoal de Pirada ao tempo do BCAV 8323/73... Quem ouvir falar do episódio em que o ten cor cav Jorge Matias terá recebido, em janeiro de 1974, por intermédio do comissário político do PAIGC, em Velingará, um tal Biai, um pedido de Luís Cabral para entabular conversações com as autoridades portuguesas? (José Matos, historiador)

(**) Vd. postes de:

7 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14128: Memórias de Copá (3): Janeiro de 1974 (António Rodrigues, ex-sold cond auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Bolama, Pirada, Paunca, Sissaucunda, Bajocunda, Copá e Buruntuma, 11973/74)


(...) 7 de Janeiro de 1974: o dia mais infernal por que já passei

Na mesma altura em que saiu o pelotão, partiu também para outra zona do mato, nos arredores de Copá na direcção da fronteira com o Senegal, um Africano civil que era nosso informador, que passadas algumas horas chegava com más notícias, disse-nos ele que ali próximo o PAIGC estava estacionado com várias viaturas carregadas de munições para atacar Copá, o que na verdade se veio a concretizar nesse mesmo dia.

Na verdade esse dia 7 de Janeiro de 1974 foi para a minha companhia e particularmente para o pelotão destacado em Copá, o dia mais infernal que lá passamos e que, eu já mais esquecerei.

Entretanto do local da emboscada chegava-nos via rádio a notícia mais concreta do que tinha acontecido, dois mortos – o Soldado Rui Silveira Patrício e o 1.º Cabo António Aguiar Ribeiro (...)  os primeiros mortos do meu Batalhão. (...)

Ataque a Copá no mesmo dia durante várias horas (das 17h00 às 22h20), ficando a guarnição reduzida a 29 homens

Mas nesse dia as coisas más não tinham terminado, aí, às cinco horas da tarde desse mesmo dia, com apenas pouco mais de um homem em cada posto (porque o restante do pelotão ainda se encontrava no local da emboscada) concretizavam-se as informações que tinhamos recebido de manhã e Copá às dezassete horas em ponto começava a ser atacado de novo pela artilharia do PAIGC.

Os poucos que ali nos encontravamos metemo-nos nas valas de G3 na mão à espera do que desse e viesse, pois mais uma vez não tinhamos armas com capacidade de lhes darmos resposta e com dois homens em cada posto lá fomos aguentando o fogo de morteiros 120 e 82 que carregava sobre nós persistentemente, só cerca das 20H00 é que entrou o restante pelotão em Copá debaixo de fogo, quando a maioria da população aos gritos se punha em fuga das suas tabancas que ardiam infernalmente e fugiam em direcção à Republica do Senegal cuja fronteira ficava dali a 3 Kms.

Juntamente com a população fugiram (desertaram) praticamente todos os militares Africanos que ali se encontravam em reforço da Guarnição, ficando apenas em Copá,  naquela noite, um Alferes e um furriel Europeus que comandavam esse Pelotão de Africanos, juntamente connosco o 4.º Grupo de Combate da 1.ª CCAV/BCAV 8323 num total de 29 homens.



Devo dizer que nessa noite vivemos um autêntico ambiente infernal e de terror com tantas chamas à nossa volta, das tabancas e do milho, que ardiam como gasolina, para além do perigo que representava o calor das chamas próximas das nossas munições que podiam explodir em qualquer momento e nós debaixo de tanto fogo, chamas e bombas não sabíamos onde protegê-las. (...)


Novo ataque às 23h50 junto ao arame farpado, com apoio de viatura blindadas e artilharia... Mas Copá resistiu!

E as viaturas encaminhavam-se a toda a força na direcção de Copá e cerca das 23 horas e 50 minutos tudo parou e o ruído deixou de se ouvir, (a falta de iluminação facilitou-lhes as manobras e a instalação à vontade de todo o seu dispositivo) e ficamos na expectativa à espera de mais um momento terrível daquela noite e o meu pressentimento veio a concretizar-se, era exactamente meia noite e dez minutos quando se ouviu o já típico rebentamento que dava início aos ataques do inimigo.

Aí teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar, aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado 3 secções, separadas alguns metros, o que lhe permitiu fazer fogo de armas ligeiras ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições a outra estava já preparada para disparar e assim sucessivamente, mas para além destas secções de homens armados de metralhadoras tinham um auto-blindado (tipo ZIG Russo) junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde, esta encontrava-se a cerca de 1 Km também apoiada por outro auto-blindado do mesmo tipo. (...)



31 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14208: Memórias de Copá (4) : Janeiro e Fevereiro de 1974. Memórias da guerra. O abate do último avião na Guiné (António Rodrigues)

(...) Logo que os aviões Fiat começaram a sobrevoar a área de Copá, como de costume, o inimigo calou-se, os Pilotos pediram ao homem das transmissões as referências necessárias e prepararam-se com as manobras que entenderam para bombardear o local indicado, um de cada vez, o primeiro sobrevoou o local, depois baixou de altitude e largou a primeira bomba sobre Sinchã Jadi, enquanto o segundo se mantinha à distância, mas quando o primeiro descarregou a bomba, começou a ganhar novamente altitude, embora estivesse a acontecer uma coisa estranha, ouviu-se um segundo rebentamento e o avião levava lume na cauda, a determinada altura, quando ele já ia bastante alto, vimos perto dele uma pequenina sombra que nos parecia um pássaro a voar, mas logo de seguida o avião guinou para o lado esquerdo, neste caso para o lado do Senegal e começou de novo a baixar, e nessa altura pensávamos nós em Copá que ele iria largar a segunda bomba numa outra base inimiga, que nos estava a flagelar a partir daquela direcção, (PANANG R) mas era puro engano, o avião ia acabar por se despenhar, talvez próximo ou dentro do território Senegalês a cerca de 3 a 4 Kms de Copá, enquanto o piloto que era a pequena sombra que antes tínhamos visto junto ao avião se tinha ejectado ao aperceber-se que fora atingido por um Míssil Russo (Strela Terra-Ar) e desceu de pára-quedas sem qualquer problema, só que, a área onde ele desceu era perigosa, porque era aquela onde se encontrava o inimigo e distante de Copá cerca de 5 Km. (...)

(...) E a nossa vida em Copá era assim diariamente um autêntico inferno, sem um momento de sossego e a toda a hora à espera do pior, os bombardeamentos de artilharia do PAIGC eram em Copá o pão nosso de cada dia, a situação era cada vez mais insuportável, pois éramos apenas 30 a 40 homens, para aguentar aquele aquartelamento, além disso não tínhamos armas capazes de responder às do inimigo, até que depois de tantos bombardeamentos a Copá sem resposta da nossa parte, talvez o PAIGC se tenha convencido de que nós tivéssemos fugido de Copá ou que estaríamos todos mortos, pelo que no dia 11 de Fevereiro de 1974, mandou os seus homens junto de Copá, portanto perto do arame farpado, disparar uns tiros e atirar umas granadas, provavelmente para verificar se ainda lá haveria alguém com vida, o que graças a Deus ainda acontecia com todos nós. (...)

13 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14245: Memórias de Copá (6): Fevereiro de 1974 (António Rodrigues)

(...) Entretanto, nesses dias chegava ao comando do meu batalhão em Pirada, uma ordem emanada das autoridades de Bissau para desactivar e abandonarmos Copá, pelo que, no dia 12 de Fevereiro de 1974 logo ao romper do dia chegava a Copá uma forte coluna militar para nos evacuar. (..:) 

Neste dia [13] em que chegamos a Pirada, quando à hora do almoço entramos no refeitório, apareceu-nos lá o nosso Comandante de Batalhão, o [tenente] coronel Jorge Matias, que fez questão de abraçar os homens de Copá um por um,  e quando chegou a vez de abraçar o Alferes Manuel Joaquim Brás, eu que estava a seu lado, tive a oportunidade de ouvir as palavras emocionadas que ele lhe dirigiu, que foram as seguintes: “Ó Brás, tu trazes os teus homens todos vivos? Eu tenho que te pedir desculpa porque em Bolama te chamei básico e afinal és o oficial mais operacional que tenho no Batalhão. " (...)

Logo no dia seguinte, 14 de Fevereiro de 1974, depois do almoço, o comandante de Batalhão [tenente] coronel Jorge Matias mandou formar na Parada do quartel de Pirada a 3.ª Companhia, bem como o pelotão de Copá em frente uma do outro e a seguir fez um discurso emocionado de homenagem aos homens de Copá, durante o qual nos explicou os esforços que tinha feito durante as horas dramáticas de Copá para nos socorrer com reforços e outros auxílios, nomeadamente, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, que culminou com a chegada a Copá no fim da tarde do dia 8 de um pelotão de Pára-quedistas. Dizia-nos isto ao mesmo tempo que dizia que nesses momentos rezava a Deus por nós, dizia-o com tal emoção que as lágrimas lhe chegaram a correr pela cara, findo o discurso fez desfilar em continência para nós a 3.ª Companhia, o que também nos emocionou um pouco. 

Foi-nos ainda dado conhecimento de nova mensagem de S. Exa. o Comandante-Chefe que, citando a guarnição de Copá, enalteceu o relevante comportamento da mesma. A culminar esta cerimónia foi-nos dado um louvor colectivo que saiu à ordem com o nome de cada um de nós, falava-se ainda que teríamos um mês de férias na metrópole, o que não veio a concretizar-se, porque passados cerca de dois meses e pouco veio a dar-se a revolução de 25 de Abril. (...).

2 comentários:

Luís Graça disse...

É um caso digno de registo... É um simples soldado, condutor auto, que tomou nota dos acontecimentos diários em Copá: dias e horas dos ataques e flagelações do PAIGC, duração dos ataques, impacto, consequências, reações do pessoal e da população... Absolutamenmte
notável...

Haveria, por certo, outros camaradas com mais literacia (alferes, furriéis, cabos...) do que o António Rodrigues... mas será ele que ficará para a história como testemunha privilegiada, e qualificada, quando a historiografia da guerra quiser descrever e analisar os últimos meses que antecederam o 25 de abril de 1974 no TO da Guiné.

Tiro o quico, bato a pala, ao nosso camarada António Rodrigues!

antonio disse...

Caro Luís Graça!

Escrevi estas minhas memórias da guerra muito poucos anos depois do meu regresso da Guiné, com a memória ainda bem fresca de todos aqueles acontecimentos e, partir dos meus apontamentos num pequeno bloco.

Quando comecei a escrever, estava ainda sobe o inevitável stress de guerra, (seria estranho se o não tivesse depois do que enfrentei) a minha intenção ao fazê-lo, era de alguma forma tentar exorcizar tudo aquilo.

Escrevi e guardei só para mim. Só anos mais tarde, nos almoços do Batalhão, comecei a distribuir algumas cópias ainda manuscritas e, fiquei surpreendido com as reacções de alguns ex-oficiais que logo me disseram: "Tu nem fazes ideia do valor que isto tem, pois mais ninguém escreveu nada sobre estes acontecimentos a nível do nosso Batalhão".

A minha literacia é de facto pobre mas, fiz o melhor que sabia e, pus nesta minha narrativa toda a emoção com que vivi aqueles acontecimentos.

Nota: O Tenente Coronel Jorge Mattias foi promovido a Coronel durante a nossa estadia na Guiné, quando regressamos já era Coronel.

Um forte abraço Camarada Luís Graça.

6 de Janeiro de 2016.

António Rodrigues