sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15258: Inquérito "on line" (10): O General António de Spínola, que chegou a Bissau a 22 de Maio de 1968, e pelo que me foi dado observar, foi um estratega militar, um homem de comando (Abel Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 14 de Outubro de 2015:

Caro Carlos Vinhal e Luís Graça.
Vou emitir a minha opinião, que é a minha verdade, sobre o tema em epígrafe, se me é permitido.

Abel Santos


Os três últimos Comandantes-Chefes da Guiné.

Em relação ao General Arnaldo Schulz pouco ou nada conheço dele, sei que foi um devoto admirador de Salazar, foi Ministro do Interior de 27 de Novembro de 1958 a 3 de Maio de 1961, que foi Governador e Comandante-Chefe da Guiné de Maio de 1964 até 1968 e que chegou a Bissau a 20 de Maio de 1964.
Como Comandante-Chefe nunca lhe senti a sombra, a minha Companhia nunca a visitou, ao contrário de outros, nunca tivemos o prazer da sua presença, pois os filhos gostam de sentir a presença dos pais com uma palavra amiga e encorajadora, que ajude a suportar o sofrimento por vezes atroz, provocado por uma guerra que não era a deles, mas sim de alguns.
A imagem que me foi transmitida por este homem, é de uma pessoa inerte, sem iniciativa, e que na hora crucial recuava, parecendo-me já nesse tempo com uma sensação de medo em relação à acção.

Em relação ao General António de Spínola, que chega a Bissau a 22 de Maio de 1968, e pelo que me foi dado observar, foi um estratega militar, um homem de comando, já que na sua óptica o comandante deveria estar onde estão os seus homens, saía para o mato, comia com eles, um homem que aparecia sem avisar nas unidades espalhadas pela Guiné, visitando os seus soldados, como ele gostava de apelidar, deixando embaraçados os oficiais, que tremiam só de ouvir o helicóptero no ar.
Conheci o Comandante-Chefe em Buruntuma, aquartelamento lá no cu de Judas, que visitou por duas vezes. Na primeira vez, a malta estava a jogar futebol e claro em tronco nu, quando aparece o héli no ar, o nosso capitão apressadamente manda os que jogavam uniformizarem-se mas entretanto o General já estava junto da malta dizendo que não era necessário, pois pessoal que está no mato não precisa de gravata, quero é falar convosco, saber como estão, se o vaguemestre vos alimenta bem, aí o pessoal sorriu, o General percebeu o significado do sorriso e, voltando-se para o nosso capitão, pediu para o levar ao depósito de géneros. Mais tarde fomos favorecidos com essa visita, pois o rancho melhorou substancialmente, foi quase uma hora de amena cavaqueira que aquele homem proporcionou aos seus comandados sem tibiezas ou formalismos bacocos, não mostrando ser aquele homem austero de que era acusado por quem não morria de amores por ele.


A segunda vez que nos visitou foi por altura de uma operação levada a cabo na nossa zona de intervenção e que requereu muito cuidado e concentração, que correu bem para o nosso lado, pois voltamos a marcar o nosso território, o General apareceu logo pela manhã cedo com todo o staff, e fazia-se acompanhar pelo comandante do sector que estava sediado em Nova Lamego, para se inteirarem de como tinha decorrido a dita operação. Encontrou o pessoal a descansar visto terem chegado de madrugada, pelas cinco horas. Tive oportunidade de assistir a uma cena caricata, o Comandante do Sector vendo uma arma (G3) suja com algum pó, rapa do bloco de apontamentos e perguntou a um camarada de quem era a arma, para identificar o soldado responsável pelo equipamento, visto que o material não se apresentava nas melhores condições, na óptica do oficial. O General deixou o pessoal perplexo quando perguntou ao Comandante do Sector o que pretendia fazer, o homem corou, ficou sem cor, e lá respondeu, meu Comandante repreender o militar responsável pelo seu equipamento visto o mesmo não estar em condições razoáveis de funcionamento. O senhor não faz nada, diz o General, esse homem está a descansar, quando acordar não vai ser preciso chamá-lo para limpar a arma e, para castigar, estou aqui eu, mas quando o fizer começo por Nova Lamego e acabo aqui em Buruntuma.

Por estas e outras atitudes é que ele tinha inimigos, pois queria junto de si homens corajosos, activos, e não pessoas inertes, e daí alguns serem recambiados para a Metrópole dados como incapazes na Província.
O General Spínola teve a coragem de desactivar alguns quartéis espalhados pela Guiné, veja-se o caso de Madina e Béli, sem qualquer interesse militar, e como estratega que foi, conseguiu para as tropas Portuguesas as vitórias que até aí não tinham conseguido.

Esta é a minha opinião sobre estes dois homens que foram meus Comandantes-Chefes.
Em relação ao General Bettencourt Rodrigues não me pronúncio, pois não possuo elementos para tal.

Um abraço.
Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15256: Inquérito "on line" (9): Em 166 respondentes, 72% votaram em António de Spínola como "com-chefe" com a "melhor opinião"... Segue-se Bettencourt Rodrigues (8%) e Schulz (6%)... Cerca de 15% não sabe ou não escolheria nenhum dos três...

1 comentário:

Mario Vitorino Gaspar disse...



Camarada Abel Santos

Dos três, fiz a Comissão de JAN67 a OUT68 e se pessoalmente, falei inclusive com ele, e ambas as vezes, Spínola. O outro nunca o vi, mas ouvi falar dele. O Rodrigues não o conheci nem ouvi falar dele.
Spínola teve coragem? Madina de Boé, é verdade, mas morreram, e os números diferem, fala-se em 47. E os 5 negros?
O abandono de Sangonhá nem é dele - justifica-se foram atacados duas vezes. Numa delas estava lá, e a outra caiu o que caiu na Tabanca, fora do aquartelamento.
Mas montar um aquartelamento em Gandembel, não é de um estratega militar, nem o abandono de Mejo. Também é errado aceitar tantos regressos, e entregas de civis vindos de Conacri, em Gadamael, que era uma aldeola e botou cidade. Perderam-se as defesas e teve a NT de se defender à frente e com valas, tipo Guerra Mundial. Estaria Gadamael defendida por um campo de minas, armadilhas e fornilhos. Decerto que não. Estive lá em JAN67 a OUT68.
Terreno pantanoso desculpa?
Acabou com Gandembel, emendando tarde um acto errado. Tardíssimo.
O abandono de Guileje? O que se esperava?
Tivemos bons Soldados, mas maus estrategas.
Cumprimentos
Mário Vitorino Gaspar