quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela

1. Parte XVI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 7 de Outubro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XVI

Cabral no Oio 

Parece que o Amílcar Cabral está cá dentro. Há informações que referem a presença dele numa reunião de quadros na zona do Oio, dispara-lhe o capitão, no quarto em Brá, olhos na meia-noite do relógio de pulso.

Amílcar Cabral. Foto na net.

E que está a retirar, para o Senegal, pela zona de Bigene. Certezas não há, pode até já ter passado ou estar a caminho da fronteira por outro lado. De qualquer maneira vamos trabalhar com as informações que temos. Há apoio da Força Aérea, estão a ser movimentadas tropas da zona e o QG quer que um grupo vá para a fronteira.
Amanhã, às 5 em Bissalanca, nos helis. Vou estar em cima no PCA.
O Alegre já dormia, teve que se pôr a pé, meteu-se no jeep para Bissau à procura de um chefe de equipa.
Grupo acordado, material conferido, reunião, os procedimentos habituais. Pequeno-almoço na cantina às 4 e meia, grupo ao corrente dos pormenores.
Era apenas uma hipótese, não passava disso. Mas teriam que estar preparados para se encontrarem com uma larga coluna do IN a servir de escolta.

Levantaram à hora, com a Guiné a acordar, rumaram para norte. Cerca de quarenta minutos depois estavam na zona, T-6 a aparecerem, já a brilharem ao Sol, vai estar um dia quente.


Dos helis viram os trilhos, o Tenente Caldas, o piloto, a indicar-lhe com a cabeça para uma clareira, aí mesmo, ok, vamos baixar. Ouviu a comunicação com o resto da esquadrilha, preparar a formação, por cima das árvores, abrir portas, uma mão no cinto outra na arma, saltar.
Tiros dispersos e altos para os helis1, os T6, barulhentos e lentos, a picarem, fumos a sair das asas, rebentamentos, o costume, nada que não se tivesse visto antes. Reagrupados, correram a abrigar-se, vegetação rasteira, não havia muito onde.
Os T-6 referiam estar um grupo a entrar numa mata em frente, para aí a meio quilómetro, na direcção da fronteira, iam picar nessa direcção. Coluna por um trilho fora, o Sol em cima deles, rebentamentos de vários lados, todos a considerável distância.
Pouco tempo depois, um Dornier comunicava não ver sinais de movimento e que informações recentes confirmavam a presença de Amílcar Cabral no Oio, e que terá passado a fronteira durante a noite, por outro lado, para leste de Bigene. Sempre em frente, a caminho da fronteira, nem tempo tiveram para meter guias da zona, iam por ali em direcção à mata como se estivessem a descer a Avenida da Liberdade.
Boca seca, borbotos brancos de saliva nos cantos dos lábios colados, uma chuvada agora é que vinha a calhar, nem uma nuvem, o sol muito grande. Ao longe, no caminho para lá, a mata prometia-lhes sombra, pelo menos.
Valente, arranque com a sua equipa. Os cinco a andar, parecia um bailado, uma eternidade. Desapareceram na mata, uns minutos.
Um sinal deles, lá foi o resto do grupo abrigar-se do sol. Não há muito tempo tinha passado por ali gente, pelas cascas de abacaxi que viram espalhadas. Não os tinham comido todos. Cortaram o que lhes apeteceu, sentaram-se à sombra, limparam a saliva da boca com fatias cortadas com o punhal. O silêncio, um oásis!

À noite estava em Bissau. Tinha passado pelo Bento depois de jantar, as pernas doridas a pedirem descanso, mas a levarem-no para a Sé, rua acima, luzes das janelas a apagarem-se.
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Nota
1 - Esta manhã, enquanto bombardeavam Djagali, os Portugueses mandaram uns 50 homens de helicóptero até à zona da fronteira. Foram interceptados por combatentes do PAIGC; retrocederam, depois de algumas horas de combate, deixando vários mortos no terreno. Quando chegámos, a estrada estava livre”. “Com os rebeldes da Guiné”, por Gérard Chaliand, no “Le Nouvel Observateur”, 13/07/66. Gérard Chaliand, amigo do Cabral, a relatar o que não aconteceu.

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Uma carta2

Desenrasque-se.
Nas mãos tinha a carta que o capitão acabara de lhe entregar, uma carta dirigida ao Ministro do Exército.

Exmo. Senhor Ministro de Exército 

Excelência,

Venho respeitosamente dirigir-me a Vossa Excelência expondo-lhe o seguinte. 
Sou mãe do 2.º Sargento Mil. M. A., morto em Angola, no Quitexe, em 23 de Abril de 1963. Após 22 meses (?) ao serviço da Pátria, o meu filho, que era a luz dos meus olhos, lá se ficou. 
Hoje tive conhecimento que outro meu filho, o 1.º Cabo Mil C. A., acaba de ser mobilizado para a Guiné, para onde parte no dia 9 deste mês. 
Sou pobre, se não ia pessoalmente, de joelhos, pedir a Vossa Excelência que tenha pena de mim. Com a morte do meu filho nunca mais fui a mesma. Se há pessoas desamparadas da sorte, uma delas sou eu, perdi completamente o gosto por viver. 
Não choro os meus filhos à Pátria, choro sim a sua morte quando vejo companheiros deles, depois de apurados, descerem aos hospitais militares e ficarem livres. Não ensino procedimentos destes aos meus filhos, custar-me-ia muito vê-los tomar atitudes idênticas. 
Mas apelo ao coração, que presumo ser bom, de Vossa Excelência, que certamente também é Pai. A metrópole é também a nossa Pátria e o meu filho ficaria aqui a cumprir o tempo necessário e não mo mandaria para longe entrar em combates. Há seis anos, o meu marido teve uma trombose. Vive, mas é um doente, e com tudo isto vejo agravar o seu sofrimento. 
Não me convenço que meu filho vá para tão longe. E, pelos seus filhos, Senhor Ministro, peço-lhe que mo deixe ficar. Vossa Excelência terá a certeza que eu terei mais meia dúzia de anos de vida, nunca mais de alegria, mas para melhor poder amparar o meu marido e meus filhos, para os quais sempre tenho vivido. 
Julgo bater à porta de Deus e a Ele fico a pedir para que Vossa Excelência e Família tenham uma vida cheia de saúde e felicidade. 
Respeitosamente de Vossa Excelência 
4 de Fevereiro de 1965.

Nessa mesma manhã encontrou-se com o Furriel. Começaram por falar da equipa, do estado físico e anímico dos homens, das famílias e aí, perguntou-lhe como vivia a mulher as vésperas das saídas para o mato, uma vez que estava há algum tempo em Bissau com uma filha recém-nascida.
Fica muito ansiosa, fica triste, claro. Mói-me o juízo a toda a hora, já não posso ouvir mais, sempre com a mesma ladainha, que o Capitão Saint-Clair do QG, que ainda é nosso parente, também é de opinião que isto dos comandos não é vida para um tipo casado, ainda para mais com uma filha. E já lhe disse que me arranja lugar na repartição dele.
O que penso disto, meu alferes? É complicado. São capazes de ter alguma razão. E eu desde que ela chegou com a miúda, não sei, custa-me um bocado, às vezes. Não era surpresa, há algum tempo que se notava. Desde a vinda da mulher, o Furriel começou a esmorecer, mal se dera no princípio, agora o entusiasmo, via-se, não era o mesmo.
Faça o requerimento, não precisa de falar de razões, simplesmente pede para sair, por motivos pessoais, mais nada, pena também, que é que se pode fazer?

Com dois chefes de equipa, Sarg. Mário Valente e Furriel C. Azevedo, em Brá

Entraram os dois ao mesmo tempo para os comandos como instruendos, foram depois instrutores do grupo, participaram em todas as operações até àquela data e tinha grande respeito pela intrepidez e sentido de camaradagem daquele furriel.
Estava a perder um bom chefe de equipa, de muita confiança, como se provou naquele infeliz caso passado em Barro. Viera a saber mais tarde pelo Sargento Valente, que o Bacar Jassi, lá na língua dele, terá pedido ao Céu, que houvesse fogo naquela ida a Sano, que a primeira rajada iria para as costas do alferes, que o tinha mandado atar e prender junto com turras. Mamadú Jaló3 terá ouvido o desabafo, falou ao ouvido do furriel Azevedo, que por sua vez comunicou aos outros chefes de equipa, todos de olho no Bacar Jassi, da ida até ao regresso a Barro.

A morte do Silva, da equipa do furriel, em Jabadá, a única baixa definitiva até então, abalara-os, pela morte do camarada, claro, mas também pela forma como ocorrera, a equipa a andar para a frente e o Silva a ficar para trás. Compreendera as razões, o fogo cruzado, directo neles, a equipa com pressa de atingir a orla da mata pelo menos, mas deixar o Silva para trás, custava-lhe entender isso.
Se até no curso se tinham escolhido uns aos outros, por tantas afinidades, sempre juntos em parelhas, para o cinema, para o café, para o Cupilom, para todo o lado, logo ali que deveriam estar mais juntos que nunca, e quando era mesmo preciso, o Silva ficara para trás.

Um jantar de despedida com os chefes de equipa do grupo no Fonseca4 marcou o fim da comissão do furriel nos comandos depois da despedida oficial em Brá, aquela tarde. No meio do frango assado e Casal Garcia, desmancharam-se a rir, quando alguém contou uma história de há meses. E, sabe-se como é, contar uma história às vezes é como andar à procura de material dentro dos acampamentos inimigos. Quando menos se conta, em vez de uma granada à mostra sai uma ou duas dúzias atrás, presas numa corda.
A insensatez dos vinte e poucos anos que todos tinham, a lotaria que lhes tinha saído na roleta que era a guerra que estavam a viver e as armas que tinham nas mãos davam-lhes a sensação de impunidade que valia bem desafiar todos os regulamentos. Não eram todos os que assim pensavam, claro.
Acrescentava-se o desafio que o Saraiva lhes tinha incutido no curso. Que podiam fazer tudo, mesmo o que não fosse permitido. Desde que não se deixassem apanhar.
Então, um deles, provavelmente farto de dormir no Cupilom, terá tido a ideia de levar para o aquartelamento de Brá uma gentil morena. A porta de armas de Brá era guardada pelo Batalhão residente, logo não parecia ser uma tarefa muito fácil meter lá dentro a jovem. Por isso mesmo, deve ter pensado o aventureiro.
Convencida a jovem, enfiou-lhe um camuflado, meteu-a no jeep no banco ao lado do condutor e ele próprio carregou no botão, arrancou do Cupilom directo a Brá e à porta de armas. Só os dois, sem testemunhas. Nada difícil, afinal, deve ter pensado, quando viu a cancela a fechar-se atrás deles. Depois, seguiu-se a manobra de estacionar mesmo em frente à messe de oficiais, sacou a jovem do jeep, entrou no edifício dos quartos e meteu-se com ela no quarto. O que também não lhe pareceu ter sido complicado, depois de ter fechado à chave a porta do quarto que repartia com outro camarada, ausente naqueles dias.
Os dois na cama, a trocarem umas impressões, e ao imprevidente militar aconteceu o que não esperava. Batidas na porta acompanhadas da voz do capitão a chamar pelo seu nome. Seguiu-se o silêncio que seria de esperar, que sem dificuldade se imagina, ao mesmo tempo que não davam sinais de abrandamento os toques impertinentes na porta e o seu nome na boca do comandante. Este, minutos sem resposta, teve o bom senso que faltava a outros em situações bem menos graves. Foi-se embora.
No dia seguinte, na reunião que era costume começar as actividades do dia, os alferes da Companhia ouviram o capitão dizer, baixo mas em bom som, que se alguma vez encontrasse alguém, fosse quem fosse, com uma mulher no quarto, lhe aplicava o máximo da sua competência e o punha na rua. Isto tudo, de seguida, sem largar os olhos do presumível infractor. E, depois do silêncio de todos, perguntou a cada um se tinha entendido? Os não implicados olharam uns para os outros sem perceberem a que propósito o capitão abordara assunto que lhes pareceu tão despropositado.

Despediram-se na esplanada do Bento com um abraço, uma amizade como só aqui. O furriel para o ninho, ele não sabia para onde. Uma volta pelo Bissau velho como havia quem lhe chamasse, uma sensação de desencanto a desenhar-se, tão cedo ainda e sem sono.
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Notas
2 - Esta carta foi enviada para o Ministério do Exército em princípios de 1965 e reencaminhada pela 1.ª Rep/QG, em Abril ou Maio de 1966, para a Companhia de Comandos.
3 - Morto mais tarde no Morés
4 - Restaurante também conhecido por Solar dos 10, na altura um dos mais conhecidos restaurantes de Bissau

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Galinha à cafriela5

"Temos que ser nós a pô-los daqui para fora, esta terra é nossa, não nos faltam apoios, é todo o mundo a dar-nos razão! Desde meados deste século, os colonialistas têm sido corridos de todo o lado, ficaram os portugueses e por quê, camaradas? Porque de todos os impérios, o deles é o mais atrasado, não só economicamente como também em termos culturais. Uma taxa de alfabetização baixíssima, um país inculto, atrasado, governado por um grupo de lacaios em nome de um ditador e dos interesses de meia dúzia de famílias." 
"Por isso dizemos e insistimos, somos aliados do povo português na mesma luta contra o colonialismo e contra o fascismo. Mas esta situação, os camaradas não duvidem, está a mudar e ainda vai ser no nosso tempo e vamos ser nós que vamos acabar com o colonialismo na nossa terra. Temos amigos em todo o mundo, URSS, Suécia, China, Noruega, Cuba, toda a África, toda a Ásia, todo o mundo, amigos que nos ajudam com armas, comida, medicamentos, técnicos. 
Mas temos que ser nós, camaradas, nós é que temos que fazer o trabalho aqui na Guiné e em Cabo Verde, de os pôr daqui para fora!"6

Uma rua de Bissau. Foto do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Com a vénia que é devida.

Aqueles tempos calmos, com tempo para tudo, o sossego das tardes de Bissau estavam cada vez mais longe. Depois dos incidentes do Pijiguiti a vida nunca mais foi a mesma. Interrogatórios, Pide, tropa a chegar todos os dias, incidentes em todo o lado, prisões durante a noite, a vida cada vez mais difícil.
Benilde, a mãe de Teresa, pensava em como era tranquila a vida em S. Vicente, difícil a subsistência, mas o ambiente era outro, como era bom se o Vasco conseguisse ser colocado em Cabo Verde, na Praia ou no Mindelo.
Teresa estava com 19 anos, vivia com a ansiedade própria da idade o que ouvia contar em casa e entre os amigos, as gloriosas lutas que se travavam nas matas contra a tropa colonialista, as tentativas de alfabetização das populações, nas escolas dispersas pelo mato, os progressos pela emancipação, o caminho irreversível para a independência. O relacionamento dela com aquele militar era motivo de reprovação dos amigos e de desconfiança do próprio pai.
Coisas separadas, pai, não têm nada que ver, sei tomar conta de mim, já não sou menina.

A mamã contou ao papá do nosso encontro. A princípio ficou calado, continuou a comer, mas não ficou de muito boa cara, não. No fim de jantar, então falou, que ainda sou muito nova, que tenho muito tempo à frente. É mesmo a sério, virado para mim?
Quando queres vir jantar a casa? Quando pode ser? Não pode ser amanhã? Fica para sábado então, posso dizer à mamã?
Mas espera, Teresa, jantar?
Então, não ficou combinado, apresentar-te ao meu pai?
Apresentar-me ao teu pai? Combinado com quem?
Jantar só, que importância tem?

Teresa no varandim, com aqueles olhos. A mãe como se fosse para a festa, música de morna, a sala grande, sente-se, esteja à vontade, a Tesa faz-lhe companhia, vou ver as coisas, sumo de abacaxi com gelo, quer?
Sentia-se fraco, não lhe apetecia nada estar ali, bem melhor não ter vindo. Os dois sentados, ele a passar a vista pelo salão, uma mesa ao canto, fotos antigas de outras terras, rostos desconhecidos, gazelas de pau-preto, cadeiras de palhinha, a luz suave filtrada pelas cortinas, o que estou eu aqui a fazer e os pais a entrar.
Ora viva, então, como está, ah? Igualmente muito prazer, então?
Sorriso sem palavras, cumprimentos, quer beber alguma coisa fresca, ah já está servido, então?
Então nada, desta vez apeteceu-lhe mesmo responder.
Calor, hem, esta humidade não deixa a gente respirar, então? Vocês lá em Portugal tem um clima bem mais ameno, mais temperado, mas muito frio no Inverno, não? Acho que nunca prepararam as vossas casas para o frio, se calhar porque se habituaram a estarem lá só de passagem, não é, no regresso dos Brasis por onde andaram, só paravam em Lisboa para descarregarem o ouro, a prata, as especiarias, não é, gargalhada que lhe pareceu trocista.
Assim! O pai da Teresa além de trabalhar nos escritórios de uma grande empresa "colonialista" era também um humorista.
Nunca pensei nesse assunto.
Na sua idade também pensava noutras coisas, não é, a Mabilde e uma ajudante de travessas na mão, cadeiras a afastarem-se, é melhor sentarmo-nos, então. Galinha à cafriela, saladas, abacaxi, bananas, e para beber, cerveja, Casal Garcia, tinto do Dão, o que quer beber?
Então? De onde é o senhor, o que faz na vida civil, como vai a metrópole, o que dizem lá desta guerra, o Salazar está para durar? Não vai durar a vida toda não é, vem outro a seguir, já deve estar escolhido, claro, quem será, quem lhe parece que seja?
Que não estava a par, não fazia ideia.
Quando lá estive aqui há tempos, a estudantada, gente da sua idade, não é, andava alvoroçada, falava-se da guarda a cavalo em Lisboa, espancamentos em quem passava, lojas trancadas.
Sabe, isto está um problema, vai ser cada vez mais difícil continuar nesta situação, na vossa metrópole e aqui, a tendência é só para agravar… a URSS, a China, a América veja lá… a Suécia, a Noruega, o mundo todo, menos a Espanha do Franco, o governo português tem as portas fechadas em quase todos os países, agora até o Brasil! Mas, o povo português faz parte da grande família africana, dos guineenses e cabo-verdianos, disso nunca nos podemos esquecer. Partilhamos a história há mais de cinco séculos!
Agora, esta guerra está a ser suportada por vós, pela vossa juventude, quando regressam deixaram cá o melhor das vossas vidas, muitos até deixam bocados deles e outros nem regressam, não é?
A mãe Benilde não parava quieta, a galinha não passava, atravessada na garganta, não havia maneira de ir para baixo, sumo na mão, a da Teresa, a acalmá-lo, no joelho por baixo da mesa.
Que estava a par da agitação estudantil, que deveriam ter alguns motivos, mais outros da idade, adiante se veria.
E então, a Tesa o que é para si? A Tesa é muito boa menina, sabe? Um bocado senhora do seu nariz, às vezes teimosa demais, muito boa estudante, até agora.
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Notas
5 - Galinha do campo com um molho ácido e cebolada
6 - Amílcar Cabral, numa das emissões da Rádio do PAIGC, Conacri

(Continua)
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Nota do editor

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4 comentários:

JD disse...

Olá Virgínio,
Parece que arranjaste um interlocutor sobre as questões políticas de um território meio esquecido do poder central, e com pouca importância económica relativa. Claro que ao pai da Teresa não lhe faltava a vontade para controlar o namoro, mas nesta ocasião, parece também desejar ter-te como parceiro dialogante. Adiante se verá.
Um abraço
JD

Cherno Baldé disse...

Caro V. Briote,

Obrigado por mais este capitulo sobre a vida dos Comandos no inicio da Guerra na Guine.

Como eu compreendo o Bacar Djassi, coitado.

Provávelmente, do ponto de vista da disciplina militar, o Bacar nao terá procedido bem quando recusou carregar as granadas, mas eu que nunca fui militar partilho da sua decisão assim como dos seus medos.

Em crianca, quando via os soldados que partiam em missão para o mato carregados de compridas granadas de Bajuka e/ou de granadas morteiros ocupando as duas mãos e a arma em banderola (regra geral eram sempre os milicias ou pessoal nativo que se ocupava desta tarefa), pensava comigo que era uma atitude muito passiva e completamente idiota pois que, numa emboscada não teriam muitas hipóteses de se defender, pensava eu, e a atitude do Bacar vem confirmar isso.

A ser verdade, nao penso que o Mamadu tenha agido bem ao denunciar o colega e acho pouco provavel que tivesse sido possivel que ele (Mamadu Djalo-fula) tivesse percebido as palavras do seu colega (Bacar Djassi-Beafada) ditas na sua lingua maternal, porque se a maioria dos Beafadas falam mais do que uma lingua (p.ex. mandinga) são raras as pessoas de outras etnias e, por cúmulo um fula, que dominam o dialecto Beafada.

Ser militar ja por si era muito dificil e ser Comando era ainda muito mais dificil onde "1 vale 80" !!?...

Um grande abraço,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Caro Cherno,

Tenho uma consideração diferente, não digo especial, pelos seus comentários. Vêm de uma pessoa que não foi militar e sinto-os com "peso".
Este caso das granadas de roquete é exemplar. De facto, não era tarefa fácil levar todo o material do próprio combatente mais os dez roquetes. Não era fácil. O que acontece é que o grupo não tinha mais que 20 a 30 homens (julgo que em Barro estávamos 20)e se queríamos levar o material teríamos que ser nós a transportá-lo e a forma usual era reparti-lo entre a equipa do lança-roquetes. Eu tinha grande consideração pelo Bacar Jassi. Naquela altura o ambiente em Barro e Bigene era difícil, as pessoas estavam muito agitadas, as flagelações eram constantes, não havia lugar para meter tanto prisioneiro (a grande maioria inocente...) e toda a gente falava que era de Sano que vinham os atacantes. O ambiente obrigava a tomar a ofensiva. Na hora da saída ninguém estava à espera que, fosse quem fosse, se recusasse a levar material. Daí a decisão que foi tomada, discutível claro, mas foi a que foi tomada.
O Bacar Jassi era beafada, o Mamadú Jaló era fula. Como sabe, num grupo o "diz que disse" corre entre muitos e é difícil saber-se (ninguém se acusava,se se pretendesse saber a origem da conversa ou até se o desabafo chegou mesmo a haver) a forma como se soube. Eu tive conhecimento em Brá, foi assim que me contaram, não me lembro se me disseram que foi o Jaló que ouviu ou se foi alguém que contou ao Jaló, e, confesso até, que não dei grande significado ao caso. O Bacar continuou a merecer toda a confiança e eu apreciava-o. Naquela altura, há 50 anos, achava o Bacar, para além de bom soldado, um indivíduo com cultura superior. Respeitava-o e julgo que o sentimento era recíproco.
Gostei muito do seu comentário, Cherno. Um abraço do V Briote

Carlos Vinhal disse...

Caro Cherno, desculpa vir contrariar um pouco a ideia que tens de que eram os milícias ou o pessoal nativo a carregar as granadas. Repara. Tantos os milícias como os nativos civis, vulgo guias, iam sempre nos lugares da frente, junto ao comandante da força em progressão. Saberás que nos pelotões, a secção da frente era a da metralhadora, seguida da da bazuca e no fim a do morteiro 60. Agora imagina o que era os da frente carregarem as granadas do morteiro, e em caso de contacto o apontador e o municiador não as terem perto de si. Assim, fica esclarecido que cada elemento da secção do morteiro levava pelo menos 2 granadas, ao ombro, amarradas de modo a ir uma no peito e outra nas costas, incluindo o furriel, eu, quando também saía com eles. Com a secção da bazuca acontecia o mesmo. Se me disseres que em operações mais complicadas levávamos carregadores com a missão específica de transportarem material de guerra, concordo. Já agora, para memória futura, tínhamos muita consideração pelos nossos milícias, jamais faríamos deles nossos carregadores. Que estejam em paz, o Comandante Mamadú e o resto do pessoal do Pel Mil 253, nossos companheiros das horas más, ao que sei, barbaramente assassinados, pelo menos alguns deles, depois da independência.
Para ti irmão Cherno, aquele abraço.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira