domingo, 12 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14868: Memória dos lugares (304): Rio Grande de Buba, calmo e soberbo, de água salgada, que nasce no mar ao largo de Bolama e acaba em Buba (Francisco Baptista)

Rio Grande de Buba
Com a devida vénia a Biodiversity

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 1 de Julho de 2015:

O Rio Grande Buba é um rio largo, calmo soberbo. Este grande rio de água salgada nasce no mar, ao largo de Bolama e acaba em Buba.

Só alguns dias depois de estar em Buba me apercebi da estranheza desse rio que de manhã estava cheio quase até ao limite do cais e à noite recuava as suas águas como quem vai dormir para longe, essa situação ia-se alterando, conforme as marés.

Sobretudo na maré-cheia, o Rio Grande de Buba, formava um grande espelho de água em toda a extensão que eu conseguia visionar em que se reflectiam as margens de Buba e as margens da floresta próxima ao longo de todo o rio.

Adorava ver os por-do-sois magníficos da Guiné, que pintavam todo o horizonte em redor, de tons vermelhos e cor-de-rosa, reflectidos nas águas calmas do Grande Buba.

Parece que o sol, o rio e as florestas da Guiné se erguiam num quadro enorme e maravilhoso para nos seduzir. Tenho saudades de tanta beleza. Gostava de ser poeta para a cantar, gostava de ser pintor para captar todos os tons que não sei descrever.


Tendo ido para Buba em rendição individual, nunca tive oportunidade de percorrer o rio de LDG. Porém um dia estava em Buba uma LDP, pedi ao capitão e fui nela até Bolama. Fui eu e a tripulação que eram 4 ou 5 marinheiros. A viagem demorou algumas horas, talvez cinco, verifiquei que o rio sendo largo em toda a sua extensão, tem ainda muitos braços, tal como um deus indiano. Tem alguns braços tão largos como o principal braço de mar a que se chama rio.

Empada, que tinha uma companhia, pertencente nesse tempo, tal como a minha companhia, ao comando de Aldeia Formosa, talvez a duas horas ou pouco mais de Buba, por rio, situava-se num desses braços, não muito longe do curso principal. Um dia, porque a avioneta que me transportava para Buba, vinda de Bissau, começou a perder óleo, o piloto aterrou em Empada por precaução. Por rádio expliquei a situação ao meu capitão e ele pediu aos fuzileiros do destacamento de Buba que patrulhavam o rio que me dessem boleia.

Sei que partimos já quase noite e não longe de Empada encontramos dois africanos num barquito, e por uma curta conversa eles deduziram que andariam à pesca. Prosseguimos viagem, com a noite a ficar muito escura e chuvosa tão escura que os fuzileiros perderam-se e foram dar a um braço largo do rio, onde tivemos que esperar pela manhã para reencontrarmos o caminho certo. Se foi assim ou se o sonhei, já passaram mais de 40 anos, nada garanto, se estou enganado peço desculpa aos fuzos, onde tive grandes amigos.

Na viagem que antes me tinha levado a Bissau, já tinha tido uma visão aérea de todo o rio, pois o piloto aviador, Pombo, que era um grande piloto, famoso em Buba e noutras terras, pela sua destreza na pilotagem, encaminhou a avioneta em voo baixo pelo curso do rio Grande Buba. À distancia de todos estes anos agradeço-lhe esta atenção que eu não me lembro de lhe ter pedido. Na verdade o rio percorrido de cima a pouca altitude ainda se torna mais belo do que a navegar, pois vê-se melhor a paisagem envolvente, e os seus braços.

O comandante Pombo diz-me o meu amigo Zamith Passos, que já morreu. Paz à sua alma, oxalá tenha voado mais alto.

No rio Grande Buba tivemos dois acidentes graves. Num deles morreu um camarada nosso e ficaram dois bastante feridos. No outro ficou ferido outro camarada também com bastante gravidade. Sobre estes acidentes já falei noutros postes pelo que não me vou repetir.

Éramos novos, culpas nossas, das armas e do meio e os rios tão belos nas suas margens e nos seus caudais, mas sempre à procura dos jovens incautos, como os deuses antigos que saciavam a sua ânsia de poder ou a sua loucura com o sacrifício de jovens.

Rio Grande Buba que não é tão falado, neste blogue, como outros rios da Guiné talvez porque nas suas margens só existia o quartel de Buba e um pouco afastado, já num dos seus ramais, o de Empada.

Rio Buba, Rio Grande de Buba, Rio Grande de Bolola , ou Rio Grande, como lhe chamaram os portugueses dos descobrimentos (nomes retirados da internete).

Ironia do destino, hoje, antes de remeter este texto ao amigo e camarada Carlos Vinhal, fui com uns amigos almoçar a casa dum produtor de vinho amigo, da margem norte do rio Douro. Da colina sobranceira ao rio onde estávamos, avistávamos um troço esplêndido do caudal do rio e das margens escarpadas e trabalhadas em socalcos sobre tudo do lado norte. Do lado sul sobressaía sobretudo a serra das Meadas, perto de Lamego, onde muitos dos nossos camaradas dos rangeres e dos comandos tiveram instrução.

Assamos carapaus frescos, comprados na praia de Angeiras, e febras de porco com bom vinho da casa e passamos uma tarde divertida em cantorias, com uma concertina do amigo da casa e canções um pouco brejeiras do Rui, um grande cantador.

Cada qual, de acordo com os gostos e a sensibilidade, deliciou-se, com a paisagem do Douro, a cintilar ao sol, no vale, e a paisagem de vinhas em socalco ou de monte de ambos os lados.

O rio Grande de Buba que eu conheci , não era como o Douro. Fiz tantas viagens de comboio pela linha do Douro. Conheço tão bem as suas curvas, as suas margens, os seus afluentes, os seus montes, o seu clima, as gentes que viajavam nos comboios da sua linha na minha adolescência.

O Rio da minha terra não é o Rio Grande Buba, não é o Rio Douro, o rio da minha terra é o Rio Sabor.

Rio Sabor
Com a devida vénia a Miguel Elói

Rios diferentes, de acordo com o seu caudal, as margens que os comprimem ou libertam e as gentes que os condicionam

Gosto muito do Rio Sabor e do Rio Douro mas a minha alma africana que marcou a minha vida para sempre, pelo calor e pelo cheiro da terra da Guiné, recordar-me-á sempre o meu amor e a minha saudade por esse Rio Grande de Buba.

Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14843: Memória dos lugares (301): Regulado, rio e tabanca de Caboiana (ou Coboiana ?) no Cacheu, em outubro de 1964 ( António Bastos, ex-1.º cabo do Pel Caç Ind 953, Cacheu, Farim, Canjambari, Jumbembem, 1964/66)

5 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro camarada Francisco Baptista

Como venho 'de cima para baixo', acabei de referir ao Juvenal, cujo 'post' antecede este, que fez bem em retomar o tema do 'rio das nossas vidas'.

Assim, também te saúdo por isso, por 'defenderes a tua dama' esse 'Rio Grande de Buba' e, já agora, por extensão, também nos falaste do Rio Sabor.
Na Guiné não conheci o Rio de Buba, só de mapa....
Mas a tua descrição e com o complemento de fotos já vistas, dá de facto para entender porque é que tantas imagens nos ficaram gravadas de forma indelével.
Pena é, como dizes, a nossa falta de arte para poder transmitir todas as emoções e sentimentos que a vivência daqueles espaços nos inculcaram.
Falas dos "tons vermelhos e cor-de-rosa" dos por-do-sol mas, lá está, sendo sempre magníficos e pujantes, fossem com céu limpo ou com as nuvens a dar formas, as sensibilidades individuais permitem 'ver' sempre outros aspectos distintos e, por isso, permito-me dizer que nessa 'palete' que indicas, por mim, falta acrescentar as gradações do azul, com os lilases, os anis e violetas que me impressionam bastante.

Abraço
Hélder S.

Arménio Estorninho disse...

Camarigo Francisco Batista, existe uma certa magia na tua descrição e fizeste-me rever nos anos de 1968 a 1970, a minha passagem com estadia em Aldeia Formosa, Buba, Empada e Bolama. Suscitas nas nossas lembranças idênticos factos havidos nesse Rio Grande de Buba.


Com Um Abraço
Arménio Estorninho

José Botelho Colaço disse...

Gostei: F. Baptista a tua prosa tem valor poético.

Luís Graça disse...


Francisco, quem escreve um texto destes e diz que o rio tem muitos braços como um deus indiano, é porque é poeta. Fico com pena de não ter conhecido o Rio Grande de Buba. Obrigado pela evocação do teu/nosso Buba...

Quem te vai dar uma tareia é o velho comandante Pombo, que tu "matas" no teu texto... Felizmente, ele ainda está vivo, embora adoentado... Vou-lhe dar conhecimento, através da filha, Maria João Pombo Rodrigues, da notícia (exagerada) da sua morte...

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Comandante%20Pombo

Anónimo disse...



Peço desculpa ao Comandante Pombo e à família pela má notícia que escrevi no blogue. Peço-te desculpa também a ti Luís e a todos os camaradas.
Eu como não me lembrava do nome desse piloto aviador tão acrobático e habilidoso, que tinha tantos admiradores em Buba, pedi ajuda ao amigo Zamith Passos ex-furriel, um grande camarada e amigo, estivemos sempre juntos no mesmo pelotão. O Passos disse-me logo que era o Comandante Pombo e aproveitou para me dar a notícia da sua morte. O maior culpado fui eu em publicá-la.
Contas com o Passos só eu terei que as ajustar.
Desejo muita vida e boa saúde ao grande Comandante Pombo e se puderes transmite-lhe a admiração que todos em Buba tinhamos por ele e os meus agradecimentos pela viagem tão agradável e simpática, a sobrevoar, a baixa altitude o Rio Grande Buba, nesse dia que fui com ele para Bissau.
Um grande abraço. Francisco Baptista