quarta-feira, 8 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14849: Os nossos seres, saberes e lazeres (104): Tomar à la minuta (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 9 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Às vezes a fortuna favorece os audazes, era uma tarde de caloraça quando me pus ao caminho em busca de preciosidades. Mas chegou a hora dourada, encobriu mazelas, mascarou remendos e pôs no palco, como num auto sacramental, um espetáculo místico, ou aparentado. Aqui aparece um barbudo enchapelado, seja quem for é um dos nosso maiores, depois passeamos por estabelecimentos do Infante D. Henrique, muito temente a Deus mas muito contabilista e bom negociante, e de novo alcandorámos o convento e depois o Aqueduto de Pegões. Se dúvidas houvesse sobre as magnificências de Tomar, passe a pesporrência, elas ficam hoje dissipadas.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (7)

Beja Santos


Barbudo enchapelado, quem és tu? És Diogo Arruda, a quem se deve a paternidade da mais linda janela de Portugal que Deus confiou a Tomar, és o rosto de El Rei D. Manuel, o Venturoso, és Afonso Baldaia, Diogo Gomes, Nuno Tristão, Diogo Cão, ou outro descobridor a cargo do Senhor Infante, que nos lançou em África, no Oriente ou nas Américas? Os investigadores que investiguem. Mas a questão crucial do enigma é que tu suportas nas tuas mãos o sonho que Fernando Pessoa exarou em "A Mensagem", qual atlante tu suportas o sonho, a aventura imperial, o desencravamento do mundo. Sejas quem for, retém o teu mistério, vens do espaço da Ordem do Templo, tu és supremo figurante da Ordem de Cristo, dos delírios do Venturoso, fica-te bem esta imortalidade que arrancou de Tomar para as sete partidas. Bem hajas.







Saio de um mistério que é aquele barbudo enchapelado e desço ao Paço dos Estaus, mandado erigir pelo Infante D. Henrique, o Regedor da Ordem de Cristo tinha que aboletar a criadagem e o seu séquito, ademais o Senhor Infante tinha negócios de saboarias, moagens e lagares, era gestor de uma cópia de propriedades, vem nos livros que recebia as terras e julgados de Alafões e Besteiros, de Linhares, de Seia, de S. Romão, de Penalva, do Couto de Guardão, de Celorico da Beira, de Tarouca, Labim e Baldigem, de Matança e Folhadal, de Vila Cova, Valazim e Santa Marinha, Aguiar da Beira, Sátão, Rio de Moinhos e Quinta de Silvares, termo de Viseu, e muito mais. Adorava perceber o que aqui se passou para só nos ter ficado esta reminiscência de tão glorioso passado, era uma zona de hospedagem, e de negócios. Aqui cresceram lendas, uma delas fazia constar que D. Duarte, o segundo rei da Dinastia de Avis, aqui tinha morrido empestado, tese contestada. O que interessa é que neste espaço andou gente ligada ao projeto henriquino, Tomar não é só a reconquista, a imagem do Santo Sepulcro, é uma das vias do projeto henriquino, o Infante não saía daqui para Sagres com as mãos a abanar, levava a boa contabilidade em dia, aquelas naus que desciam até ao Bojador e que depois seguiram até ao Congo, custavam dinheiro. Depois do Convento de Cristo é junto destas paredes que eu melhor percebo a evocação de Fernando Pessoa.





Passeio-me nas cercanias do território onde o regedor e administrador da Ordem de Cristo andarilhou. Há por aqui casas magníficas, há tomarenses capazes de intervir assisadamente na reabilitação urbana, respeitam a memória dos seus avoengos, e fazem bem. Há aqui marcas de centúrias passadas, em ruas e até ruelas que transpiram este sereno orgulho de onde se fez Portugal e de onde se partiu em circunavegação.




José Saramago alertou para a evidência de que as viagens nunca acabam o que acaba é a curiosidade de viajar. O que se vê de manhã não é o que se vê à tarde, o que se vê na Primavera não é o que se vê no Outono, por vezes o nosso olhar é periférico, escolhe o inessencial, por vezes não afeiçoamos esta função de procurar a luz certa. Não escondo a satisfação e o contentamento, abeirei-me do convento quando marchávamos para a hora dourada, o convento transformou-se em ouro, ele que, coitado, tem pedra tão porosa, tão esfarelada. Ora digam lá se este Convento de Cristo não é um apogeu de luz, que tapa as humidades, que esconde imperfeições e que nos ajuda a perceber a génese do vigor templário, aqui se sedeava a Ordem que tinha muitos castelos, como os de Almourol, Pombal, que se estendia até às fronteiras em castelos com os de Penha Garcia, Sabugal, Castelo Mendo, Trancoso, Longroivia, Numão. Não é esquisitice, é preciso ir a Tomar para entender quantas raízes tem a nossa nacionalidade e a nossa aventura marítima.




Aqui há uns anos atrás, ofereceram-me um livro sobre aquedutos e quem o escreveu enaltecia um prodígio que vinha de Filipe I de Portugal, provavelmente agradecido pelas coisas boas que tinham acontecido nas Cortes de Tomar, onde foi coroado, ali à vista do Convento de Cristo. O prodígio é este, esta construção esmagadora que leva água até ao convento, que é uma obra de engenharia impressionante, o que é lastimável é não constar dos monumentos de visita obrigatória, é como se estivesse circunscrito àquele pedaço de aqueduto que se avista a embeber-se no convento, há muitíssimo mais. Tive a fortuna da hora dourada, que contribuiu para esta ilusão ótica, como se esta majestade de pedra tivesse tubos de néon e criasse um artifício de aqueduto infindável, atravessando campos, estradas, aldeias. Uma parte da grandeza tomarense, da sua arquitetura, é o gigantismo harmonioso que provém do Aqueduto de Pegões.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14819: Os nossos seres, saberes e lazeres (103): Tomar à la minuta (6) (Mário Beja Santos)

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