quarta-feira, 24 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14792: Filhos do vento (39): Será que tudo o que por aí se vai dizendo, da nossa vida sexual em zona de guerra, não será também, em alguns casos, uma grande mentira? (Tony Borié)

1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66) com data de hoje, 24 de Junho de 2015:

Olá Carlos.
Oxalá te encontres bem.
Eu sou um "chato".
Olha, se te fosse possível, e ainda fosse a tempo na tua organização, seria possível publicar este texto em qualquer altura que achasses oportuno, pois se passar algum tempo, passa de moda, como se costuma dizer.
O Luís avivou os companheiros para este tema da sexualidade em tempo de guerra e, creio até que saiu na televisão aí em Portugal um programa com um combatente que foi ver o filho a Angola e, eu rabisquei isto.
Ajeita ao teu gosto, por favor.

Um abraço, Carlos,
Tony Borie.


Um dia, vamos todos, “bater a bota”!



Já lá vai algum tempo em que o nosso comandante Luís nos mandou uma mensagem, em que entre outras palavras dizia: “Que ninguém nos acuse de ter "esqueletos" escondidos no armário... Um dia vamos todos "bater a bota", mas temos a consciência de que falamos de tudo ou quase tudo o que tínhamos a falar, entre nós, e para as gerações que nos sucedem, as dos nossos filhos e netos... não sei se há muitos blogues de antigos combatentes, em Portugal e noutras partes do mundo que tenham abordado "temas sensíveis" como, por exemplo, este, o da nossa sexualidade”.

Esta nossa simples contribuição, para conhecimento em especial, dos tais nossos filhos e netos, espera a compreensão dos nossos companheiros combatentes, tanto africanos como europeus, é um relato de coisas que não se dirige a ninguém, nem tão pouco quer ferir nenhuma sensibilidade em particular, pois este é um tema muito sério, há muito de verdade nestas simples palavras, já lá vão mais de cinquenta anos, naquele tempo, quase todos nós, única e simplesmente não sabíamos, não tínhamos qualquer informação a respeito deste tema, da sexualidade em zona de guerra, hoje, as novas gerações têm uma mentalidade muito mais aberta, falam, discutem, vêm para os jornais, televisão e outros meios de comunicação, exporem as suas vivências, explicarem que a avó, a mãe, a irmã, a prima ou a tia, foram entre outras coisas, abusadas, maltratadas, talvez violadas, como dissemos a princípio, este é um tema sério demais para ser falado, assim de ânimo tão leve.

Repito, há muito de verdade nestas palavras, hoje, depois de tantos anos, infelizmente, todavia ninguém sabe, ninguém pode afirmar, torno a repetir, não temos conhecimento de qualquer estudo que o possa afirmar, com verdade, mas, existem muitas pessoas africanas com feições europeias, muitas pessoas asiáticas com feições europeias, muitas pessoas europeias e asiáticas com feições africanas, que não sabem quem foi o seu pai ou mãe, no nosso caso de antigos e briosos combatentes que fomos, sabemos também que algumas tropas recrutadas lá na Guiné, assim como alguma população civil, tinham particulares preconceitos sobre os militares vindos de Portugal.


Por exemplo, para o nosso amigo Iafane, conhecido como o “barqueiro”, que fazia o transporte fluvial, durante a maré cheia, para a vila de Mansoa, de pessoas e bens, das aldeias ribeirinhas, viajando sobre a água lamacenta do rio, completamente nu, só colocava um farrapo a cobrir-lhe o sexo, quando chegava a terra, depois de ancorar a canoa, passava grande parte do dia, quando nós estávamos de folga das nossas tarefas, junto da ponte do rio Mansoa, na sua casota coberta de colmo, às vezes construindo uma nova canoa, fumávamos um cigarro feito à mão, ele ia falando, falando, naquele português acrioulado que todos nós conhecemos, contando-nos, entre outras coisas, as “encomendas” que tinha de pedidos de novas raparigas, para alguns “homens grandes”, ficando muito admirado, quando lhe explicávamos, que lá em Portugal, o homem casava com uma só mulher.

A sua Guiné era um refúgio seguro, onde podia ter relações legalmente, quase como se fosse um casamento, com três, quatro ou cinco mulheres, longe da velha Europa, do resto do mundo, na altura, em algumas zonas, profundamente racista. No entanto, o mesmo nosso amigo Iafane era subestimado, a sua acção era ignorada, fazia parte da história colonial, daquele braço português de opressão racial e subjugação dos civis guinéus, especialmente nas áreas rurais, para projectar, entre outras coisas, o poder do homem e, claro, o medo e, volto a dizer, a subjugação entre a população feminina, onde as mulheres, por norma, tinham por obrigação trabalhar de sol a sol e repartir o seu marido por três, quatro ou cinco companheiras, tudo isto enquanto estivessem na idade de dar alguns filhos, porque depois, eram única e simplesmente colocadas de lado, para trabalhos menores, como cozinhar, tomar conta dos animais ou dos filhos das novas esposas do senhor seu marido.

Companheiros, isto não é dos livros, nós todos, pelos menos os que andaram pelo interior, pelas aldeias rurais, vimos, os nossos olhos viram, era uma verdade daquele tempo, que felizmente deve de estar ultrapassada, oxalá que sim.

Depois destes anos todos, muita água correu debaixo da ponte do rio Mansoa, quase tudo é, ou foi, pretexto para culpar o "militar europeu", que era para lá mandado pelo então governo de Portugal, alimentar uma guerra, que hoje sabemos que era injusta, mas onde alguns irmãos combatentes, soldados africanos, faziam parte, que ajudavam a criar caminhos para atitudes raciais, compartilhando preconceitos profundamente desonestos, pois muitas vezes ofereciam as tais irmãs ou primas, ao tal “militar europeu”, a preço de pequenos privilégios, como por exemplo serem candidatos a vestir a farda camuflada, com uma boina militar na cabeça, pois num país em guerra e sem qualquer futuro, eles ainda jovens, viam nessa atitude, uma necessidade para uma oportunidade, enfim, pensando assim, teriam algum modo de sobrevivência.

Já estamos a ir longe demais na nossa conversa, mas também temos a consciência, de que, naquele tempo, se o “homem africano”, neste caso o nosso amigo Iafane, tentasse alguma vez convidar a “mulher europeia” para uma aventura na cama, se essa mulher não gostasse do convite, seria imediatamente considerado um “estuprador”, sujeito a levar dois tiros em qualquer parte do seu corpo, mas se o “Lifebuoy”, cujo nome de guerra lhe foi colocado porque vendia entre outras coisas, sabonetes lá no aquartelamento e, às vezes andava de namoro com uma das filhas do Libanês, que era um soldado europeu, muito popular no aquartelamento de Mansoa, convidasse a filha do “homem grande” da tabanca de Luanda, que tinha sómente treze anos, para a mesma aventura sexual, e ela não acedesse, fazendo queixa ao pai, o crime do soldado europeu “Lifebuoy”, era culpado única e simplesmente de uma aventura sexual, considerada uma pequena diversão!.


Infelizmente, era o sistema implantado naquele tempo, que ajudou a fazer a história colonial, que motivou as populações africanas a pegarem em armas, revoltando-se, como aconteceu em outras partes do mundo, mas voltando ao sexo em zona de guerra, alguns de nós, pelo menos os que estiveram estacionados por algum tempo no interior, sabemos que as raparigas africanas tinham algum fascínio pelo homem europeu, porquê, não sabemos, todavia elas podiam não saber ler ou escrever, tinham pouco contacto com o exterior mais civilizado, mas sabiam as “luas”, tinham a sua medicina à base de ervas e outros ingredientes, algumas afrodisíacas, conheciam o seu corpo, tinham conhecimentos sobre o sexo, sobre a procriação, sabiam os segredos do prazer e do amor, estava-lhes no sangue, tudo isto fazia parte da sua educação nas aldeias rurais, que lhe eram ministrados pelas mães, irmãs ou avós, conhecimentos esses que o resto do mundo talvez nunca chegará a saber, sabiam quando procurar a companhia do homem, ou quando deviam fugir dele, estamos em crer até, que quando havia descendentes, era por mútuo acordo, no entanto, nunca se pode excluir a ideia de poder haver alguns casos. Vamos lá ver, na nossa opinião, na tal zona de guerra, se qualquer de nós nunca matou, maltratou ou forçou a sua companheira para qualquer acto sexual, se nunca soube, ou sabe, que existiram indícios de deixar descendentes, deve continuar a viver o resto dos seus dias com a sua consciência limpa, pois o acto sexual teve o acordo e talvez uma atração mútua, portanto o homem europeu, violou ou abusou da mulher africana, assim como a mulher africana, violou ou abusou do homem europeu, embora sabendo que o produto desse acto fica na posse da mulher, o que traz muitas responsabilidades para o homem, claro, como dissemos antes, sabendo ele que o acto produziu descendentes.

Já vamos um pouco longe, mas para finalizar, existe um ditado não muito antigo, mas por aqui bastante popular que diz: “what happens in Vegas, stays in Vegas”, que quer dizer mais ou menos, “o que passa em Las Vegas fica em Las Vegas” e, no nosso caso, de antigos combatentes, assenta perfeitamente, ou seja, “o que passou na zona de guerra em África, ficou em África”.

Há, já me esquecia, falando agora numa linguagem reles, tipo “Curvas alto e refilão”, o “Estarreja”, que era um soldado condutor da CCS do Batalhão de Artilharia 645, os Águias Negras, que sempre esteve estacionado em Mansoa, fazia o trajecto de Mansoa a Bissau, quase todos os dias, que também fazia “contrabando de pessoas e bens” de Mansoa para a capital, sem os superiores saberem, era “boca cheia”, lá no aquartelamento, que andava a “comer” a Binta, que também era a sua lavadeira, pois já os tinham visto a “cavalo um no outro”, nas escadas de cimento do campo de jogos dos Balantas, dizia-se mesmo que ela só lavava a roupa dele, o que era uma grande mentira.

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14774: Filhos do vento (38): O caso do António da Graça Bento que foi a Angola, 40 anos depois, conhecer o seu filho. Reporatgem "on line" e em papel, no jornal Público: texto de Catarina Gomes e imagem e som de Ricardo Rezende

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

É verdade Tony Borié, aquilo a que aqueles guineenses e africanos em geral da ex-colónias portuguesas tiveram que suportar.

Ao contrário dos anglófonos que praticavam o apartheid, não havia esse assédio dos homem branco à bajuda preta.

Mas agora em certos países anglófonos africanos, os ingleses estão a querer impôr, contra as ideias de todos os régulos e homens grandes (e pequenos), as ideias da homosexualidade como sendo coisa boa também para os pretos.

Ai os nomes que Mugabe tem chamado aos camones!

Já era tempo de os brancos deixarem de se querer impôr aquela gente, principalmente em questões de sexo.

Cumprimentos