sexta-feira, 19 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14768: Blogpoesia (416): A senhora Sexta-Feira, que vivia em Ganjola, a doce companheira do senhor Brandão (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, "Os Palmeirins", Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

A senhora Sexta-Feira

por J. L. Mendes Gomes  (*)


Vivia em Ganjola,
arredores de Catió.
Era a doce companheira
do senhor Brandão. (**)

Um desterrado de Arouca
a cumprir pena na Guiné.

Fez-se comerciante,
vendia de tudo aos nativos,
por todo o sul desde Bedanda a Cufar.

Faziam bicha em corropio
as mulheres negras,
açafates à cabeça,
e filhinhos atrás das costas.

Traziam ovos,
traziam galinhas,
de cristas rubras,
e levavam arroz e sal
para suas tabancas.

Sua casa era um palacete,
à beira-rio,
onde abundavam os crocodilos,
mas havia peixe a dar com pau.

Ali fui parar um mês com meu pelotão.
Como num quartel.
Ali dei com o célebre Brandão,
sempre rodeado de muitas crianças,
que lhe ventilavam o ar,
na sua esteira suspensa.

E havia uma senhora negra,
cabelo grisalho
um rosto belo,
cheio de rugas,
e uns olhos brilhantes,
um sorriso divino e puro.

Era a Sexta-Feira.
Cozinhava tão bem!...
Que será feito dela?


Berlin, 19 de Junho de 2015, 8h47m
Joaquim Luís Mendes Gomes

[ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66]






Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) > Destacamento de Ganjola > Meninos, filhos de habitantes locais, dois deles irmãos, os mestiços . Dizia-se que eram filhos (ou netos?) do velho Brandão (que não sabemos quando e onde morreu). 

O que foi feito destes meninos e desta menina, pretos e mestiços de Ganjola ? Estarão vivos ? Casaram ? Tiveram filhos ? Vivem na sua terra ? São felizes e livres ? Ficamos semopre fascinados pelas fotos de gente, de ontem e de hoje... Quantas histórias não ficarão por contar se não inquirirmos estas fotos ?

Fotos do nosso saudoso grã-tabanqueiro Victor Condeço (1943/2010), ex-fur mil,  mecânico de armamento, CCS/N»BART 1913 (Cati+ó, 1967/69) / © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Todos os direitos reservados

_______________

Notas do editor:


(**) Vd, poste de 22 de janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjola, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira

(...) Era-nos fácil imaginar, com sadia cobiça, a deliciosa época da vida colonial, de antes da guerra, para os felizardos, a quem a sorte, em boa hora, escorraçara, com a pena de desterro, por feitos heterodoxos à moral reinante das gentes da metrópole.

Era o caso do Sr. Brandão, de Ganjola (...) , a quinze km de Catió, um injustiçado lavrador das terras de Arouca. Ali vivia há dezenas de anos, por assassínio, cometido numa das romarias da Senhora da Mó. No meio dos folguedos e romarias, por vezes, acertavam-se contas atrasadas, duma qualquer hora de desavença, mesmo no fim da missa domingueira.

O Sr. Brandão, agora, era um velhote, rodeado de filhos e netos que foi gerando, ao sabor das madrugadas de batuque e da liberdade de escolha, sem custos, entre as mais viçosas bajudas da tabanca…

Uma negra, velha, mas de rosto e olhar, ainda iluminados por olhos meigos, como a sua voz, doce, era a predilecta, de sempre. Seu nome, Sexta-Feira. Soava bem aos ouvidos dos falares balantas, fulas ou mandingas. Era ela quem lhe tratava das tarefas caseiras. Dedicada. Sem nada cobrar, para além do breve e malicioso sorriso do velho Brandão, quando lhe despontava o desejo do seu corpo, negro, sem idade. Podia despontar a qualquer hora. Sexta-Feira ali estava, sempre dócil e submissa.

Uma loja farta de tudo o que chegava na carreira regular das barcaças de Bissau. Os lindos panos de cor garrida e os gordos cordões reluzentes, de fantasia, com que as negras tanto gostavam de se enfeitar.

O vinho tinto da metrópole era o regalo dos ociosos negros, de rostos engelhados e curtidos pelo álcool, pela tarde fora, a par da cachaça de coco.O saboroso bacalhau, curado nas míticas secas da Figueira da Foz e Aveiro, tão apreciado e toda a sorte de ferragens eram tudo o que aguçava o desejo daquelas gentes, para a troca do arroz, milho, mandioca, galinhas e demais produtos que, em cortejo lento e constante, pelas picadas entre as frondosas matas, traziam em açafates, à cabeça.O preço era feito, à medida da vontade gulosa do velho, matreiro e bem afortunado, Brandão.

Dizia-se que tinha metade das terras de Arouca… não fosse o diabo tecê-las. Ali, vivia, pacatamente, como se não houvesse guerra, numa típica mansão colonial, de um piso sobreelevado, com um varandim a toda a volta, com as dependências necessárias à farta panóplia de utensílios, alfaias e mercadoria. (...)


4 comentários:

Antº Rosinha disse...

É este um exemplo típico de colonização à portuguesa

O retrato que JL Mendes Gomes acaba de fazer deste comerciante «do mato», comerciante «dos pretos», «branco de sanzala (tabanca)» está bem feito, mas muito incompleto.

Falta dizer que foi desta estirpe de gente que foram oriundos grande parte dos fundadores das repúblicas que o MPLA, o PAIGC, a FRELIMO e o MLSTP fundaram.

Ou pelo menos que muitos guineenses pensaram como era fácil para eles governar mesmo se o «branco» fosse embora.

E falta ainda dizer que a capacidade destes comerciantes para conviver CIVILIZADAMENTE entre gente de difícil relacionamento, criou uma ilusão em muitos africanos que afinal não custava nada governar uma república em Angola Moçambique, Guiné ou São Tomé.

Da Guiné não vieram RETORNADOS, pois que o Luís Cabral protegeu os comerciantes de possíveis violências, aquando do 25 de Abril.

Mas de Angola vieram todos os «Brandões» que eram tal como este enquistados no meio do povo das várias tribos, e respeitados, estimados e, acahava o povo, indispensáveis àquele bom viver africano

O povo dizia que quando esses «brandões» fossem embora, iam matar-se todos uns aos outros.

Os Retornados Brandões foram calados, para não profetizarem as desgraças que aconteceram estes 60 anos em África e que não se sabe aonde vão parar, desde o Corno de África ao Cone a Sul.

Andámos, nós tugas, caputos,chicronhos, 13 anos a dizer nas Nações Unidas, que não abandonavamos África, e os que abndonaram África e os africanos terceiro mundistas e independentistas estavam errados.

(Os discuros dos nossos ministros nas Nações Unidas , Beja Santos ainda não encontrou nenhum, (?) mas existem).

Amigo Mendes Gomes, houve muitos Alferes milicianos como tu, que foram 24 meses para Angola e Moçambique, onde havia milhares de «Brandões», e em gerl chegavam lá acusando esses «brancos» culpados da guerra em que estavam metidos

Claro que nem todos os alferes milicianos, lá por serem alferes milicianos tinham esse tua sensibilidade para ver, ouvir e entrelinhar.

Muitos alferes milicianos, ainda hoje se gabam que puseram os «brancos a respeitar os pretos».

Desculpa este arrazoado Mendes Gomes, mas como conheci milhares de «brandões», sinto nostalgia, até porque conheci nos anos 80 a casa que tinha sido desse homem.

Só para terminar, vi a polícia francesa e italiana na televisão, a perseguir uns pretos que fugiam por entre umas rochas, em plena europa, imagina.

Muito pior do que todos nós imaginavamos, ao fim de 13 anos de luta na Guiné em Angola e Moçambique e na ONU em NY.

O meu porta miras, guineense, também o apanharam-no inanimado num contentor no porto de Cadis e os espanhois devolveram-no ao Nino Vieira.

Ele também tinha vindo a pedir satisfações pelo estado a que a Europa os abandonou.

Cumprimentos

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

Obrigado António Rosinha pelo rico acréscimo que deste ao que registei. Fala com conhecimento de causa objectivo e verdadeiro.
Que sensação de frustração sentimos nós por todo o nosso esforço e risco que corremos na nossa juventude, para desaguar nesta avalanche de oportunistas...

Na Guiné não havia paz, mas sabíamos respeitar as tradições e valores dos naturais como ninguém...partilhávamos recíprocamente do melhor que tínhamos de parte a parte...

Enfim, não vale a pena carpir. Ergamos as nossas cabeças com orgulho de termos cumprido bem o nosso dever...

Agora, só há lugar para mercenários muito bem pagos, sabe-se lá ao serviço de quê...


Um grande abraço
JLMendes Gomes

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

Obrigado António Rosinha pelo rico acréscimo que deste ao que registei. Fala com conhecimento de causa objectivo e verdadeiro.
Que sensação de frustração sentimos nós por todo o nosso esforço e risco que corremos na nossa juventude, para desaguar nesta avalanche de oportunistas...

Na Guiné não havia paz, mas sabíamos respeitar as tradições e valores dos naturais como ninguém...partilhávamos recíprocamente do melhor que tínhamos de parte a parte...

Enfim, não vale a pena carpir. Ergamos as nossas cabeças com orgulho de termos cumprido bem o nosso dever...

Agora, só há lugar para mercenários muito bem pagos, sabe-se lá ao serviço de quê...


Um grande abraço
JLMendes Gomes

Manuel Castro disse...

Todos estes comentários subscrevo e admiro sobretudo pelos seus relatos tão autênticos.
Conheci o Sr. Brandão, Manuel Pinho e a sua amável Dona Sexta-Feira.
Conheci o palacete do Sr. Brandão, assim como e seu armazém na ilha do Como.
Conheci a sua afabilidade, assim como nos livrou num dia em que de passagem por Ganjola, sentindo, cansados, esfomeados e tranquilos por estarmos em sua casa, do ataque dos guerrilheiros que se encontravam numa outra dependência. Dizia-se que seu filho Chiquinho era um dos chefes.
Lembro-me muito bem do ataque que tivemos a quando da instalação da CC 494.
Quanto à guerra de que sempre fomos ostracizados, transfiro um artigo que me enviaram por email:
Guerra do Ultramar
1. Especialistas ingleses e norte-americanos estudaram comparativamente o esforço das Nações envolvidas em vários conflitos em simultâneo, principalmente no que respeita à gestão desses mesmos conflitos, nos campos da logística geral, do pessoal, das economias que os suportam e dos resultados obtidos. Um deles, o americano John P. Cann, aquele que mais escreveu sobre o esforço de guerra português num estudo financiado pelo Kings College de Londres, chegou a várias conclusões. Assim chegou à conclusão que em todo o Mundo só havia 2 Países que mantiveram 3 Teatros de Operações de Guerra em simultâneo: a poderosa GRÃ BRETANHA, com frentes na Malásia (a 9.300 Kms de 1948 a 1960 - 12 anos); no Quénia (a 5.700 Kms de 1952 a 1956 - 4 anos); e em Chipre (a 3.000 Kms de 1954 a 1959 – 5 anos), e o pequenino PORTUGAL, com frentes na Guiné (a 3.400 Kms), Angola (a 7.300 Kms) e Moçambique (a 10.300 Kms) de 1961 a 1974 (13 anos seguidos). Estes especialistas chegaram à conclusão que PORTUGAL dadas as premissas económicas, os seus recursos, a sua pequenez, as dificuldades logísticas para abastecer as 3 frentes, bem como a sua distância, a vastidão dos territórios em causa, e a enormidade das suas fronteiras, foi aquele que melhores resultados obteve. Consideraram por ultimo, que as performances obtidas por PORTUGAL, se devem sobretudo à capacidade de adaptação e sofrimento dos seus recursos humanos, à sobrecarga que foi possível exigir a um grupo reduzido de quadros dos 3 Ramos das Forças Armadas, comissão atrás de comissão, com intervalos exíguos de recuperação física e psicológica e às centenas de milhares de jovens que durante 13 anos combaterem naqueles territórios. Isto são observadores internacionais a afirmá-lo. Estes homens que serviram durante 13 anos na Guerra do Ultramar, nos 3 Teatros de Operações, só pelo facto de aguentarem este esforço sobrehumano que se reflecte necessariamente em debilidades de saúde precoces, mazelas para toda a vida, invalidez total ou parcial, e morte, tudo ao serviço da Pátria, merecem o reconhecimento da Nação, que jamais lhes foi dado.
2. Em todo o mundo civilizado, e não só em Países Ricos, cidadãos protagonistas dos grandes conflitos e catástrofes com eles relacionados, vencedores ou vencidos, receberam e recebem por parte dos seus Governos, tratamentos diferenciados do comum dos cidadãos, sobretudo nos capítulos sociais da assistência na doença, na educação, na velhice, e na morte, como preito de homenagem da Nação àqueles que lutaram pela Pátria, com exposição da própria vida. Por todo o Mundo se veneram, recordam, imortalizam e se homenageiam os soldados que combateram em teatros de guerras, sejam eles vencedores ou vencidos. São às centenas os memoriais, as estátuas e os cemitérios onde repousam os que morreram em combate. Seria fastidioso citar todos as regiões planetárias onde isso acontece. Muitos dos nossos mortos foram abandonados nos territórios africanos, pelos sucessivos governos pós 25 de Abril e encontram-se sepultados aqui e ali como se de animais se tratassem. Em PORTUGAL ??? . Somos os únicos que não seguem os exemplos generalizados do tratamento diferenciado aos que serviram a Pátria em combate. E pior ainda. O cúmulo dos cúmulos. Quem combateu é censurado, vilependiado e ostracizado.
Grande abraço