quarta-feira, 10 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14726: Os nossos seres, saberes e lazeres (99): Tomar à la minuta (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 11 de Maio de 2015:

Queridos amigos,
Foi um sábado que amanheceu pardo e até ventoso, depois ensoleirou. Ziguezagueei entre o velho RI 15, a Praça da República, de novo o Rossio onde está esse velho RI 15 e depois a capela de S. Gregório, bem perto do Mouchão.
Assim se juntam avulsamente imagens do que há de místico e fervoroso, do esplendor da natureza, de um casco histórico que guarda lembranças de uma abastança passada, Tomar em muito supera o que está classificado como património da Humanidade, tem o bastante para que o forasteiro passe aqui pelo menos quatro dias envolvido por tesouros da arquitetura civil e religiosa, ruas e ruelas, arcaria, azulejos. Isto para já não falar daquele momento estarrecedor que dá pelo nome da Festa dos Tabuleiros.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (3)

Beja Santos

Em termos convencionais, o chamado percurso histórico à cidade de Tomar inicia-se pela visita ao Castelo dos Templários e ao Convento de Cristo, deambulação que requer horas, e é de toda a conveniência ir previamente informado ou ter guia, só no Paço há pedras amontoadas que não podemos decifrar e mesmo à entrada do Convento temos tudo a ganhar quando alguém nos ajuda a decifrar vestígios, lápides, aquele edifício arruinado em frente ao Convento e que tem tanto peso histórico, pois aqui se realizaram as Cortes de Tomar que alçapremaram Felipe II. Temos andando aos ziguezagues, misturamos arquitetura civil com arquitetura militar e também com a arquitetura religiosa, é um passeio ao sabor das possibilidades, acicatado pelo bichinho da descoberta. É por isso que começamos hoje pela zona do antigo RI 15, fronteiro a um esplendoroso rossio, marcado por um lado pelo tribunal e do outro pela estação ferroviária e terminal rodoviário.


Aqui houve Convento, chegados a 1834 foi extinto e mais tarde apareceu quartel. Há lugares recuperados como este, tirou-se a imagem à porta do Museu dos Fósforos, do outro lado há um atelier de bela cerâmica, o que me cativou é o empedrado e as belas artes contrastando com a brancura da alvenaria.



Já se disse que o Sr. Aquiles da Mota Lima terá sido o maior colecionador de fósforos que se conhece. Uma das facetas do seu colecionismo são os fósforos primitivos e caixas de fósforos do princípio do século XX. Goste-se ou não se goste do tema dos fósforos, a verdade é que estas caixas têm um belo cromatismo, não resisti a comprar estes dois bilhetes-postais. Atravessei a praça e dirigi-me à Igreja de S. Francisco.



A Igreja de S. Francisco está a precisar de uma boa intervenção, por fora as manchas de unidade anunciam graves problemas, abre-se a porta e é penetrante o odor a bafio. É um templo de grandes proporções, o olhar é atraído pelo altar, por este gigantesco calvário com figuras em terracota. Aqui é insólito mas todos sabemos que estas figuras são comuns em certas vias-sacras, caso da mata do Buçaco e nos Olivais em Coimbra. Artistas houve que se renderam à terracota, caso de Rafael Bordalo Pinheiro que fez uma impressionante Paixão de Cristo que está hoje no museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, aqui se mostra.


No cimo da Corredoura, numa praça desafogada, elegante pela simetria e deslumbrante pela vista que se projeta daqui até ao castelo, apanhando-se mesmo uma nesga Mata Nacional dos Sete Montes, temos a Igreja de S. João Batista, consta que aproveitou as estruturas de outro templo que vinha do século XII, mas o que se pode ver, e a fachada é eloquente, é o gótico flamejante, tem uma esplêndida torre manuelina, e no seu interior são de visita obrigatória os quadros de Gregório Lopes e o tríptico flamengo onde se representa o batismo de Cristo. Mas gosto muito deste púlpito e de outros pormenores, que mostro adiante.




Juro que esta deambulação em nada se prende com estabilidade ou instabilidade emocional, mesmo amador canhestro, sei que não podemos brincar com a luz e nem sempre as manhãs de Tomar são resplandecentes, vim a correr do Rossio para apanhar certos detalhes: a fachada do tal gótico flamejante, mais a mais as obras de restauro são muito recentes, está tudo um brinquinho; e temos o interior da igreja, suspirei em apanhar aquelas infiltrações de luz, acho que tive sorte e aconteceu-me um puro acaso, um claro-escuro quando a luz caiu a pique sobre a rua, pus-me na obscuridade e catrapus, gosto muito da imagem que daqui resultou.







Voltei açodado ao antigo RI 15, sempre a perguntar-me como malbaratamos edifícios, com a guerra de África tornou-se imperativo um quartel novinho em folha, está lá em cima, na vizinhança do hospital e de um supermercado. Cá em baixo ficou numa lenta agonia, há edifícios emprestados à Cruz Vermelha e a uma outra instituição, o resto parece arqueologia industrial, em que somos pródigos, temos as velhas fábricas de têxteis em Castanheira de Pera também a apodrecer. Destaco o monumento aos heróis da Primeira Grande Guerra, sóbrio e perfeito, dá para estar ali a meditar no sofrimento dos nossos avós. Depois indignei-me com a lista de mortos, há ali um desditoso José da Silva que só temos direito ao nome da mãe, mesmo tombado em nome da Pátria ali fica o vexame de filho de pai incógnito. Passei-me no interior desse velho RI 15, encontrei as armas da Unidade, não consigo conformar-me com tanto edifício ao abandono, se quiserem façam condomínios fechados, shopping chineses ou indianos, hotéis de charme, albergarias para os peregrinos de Fátima mas aproveitem o que custou dinheiro ao contribuinte. E a última imagem é porque não resisti aos sanitários públicos ali à porta, usava-se então a palavra sentinas, é do nosso tempo, caiu em desuso, felizmente ficaram ali os azulejos para nos lembrar que temos outras palavras para além de WC.




O passeio termina na Capela de S. Gregório, perto do Hotel dos Templários e do parque conhecido por Mouchão, onde está a roda ou nora, dispositivo que herdamos dos árabes, e que é um dos símbolos da cidade, com o Nabão a murmurejar em cascata. O que tem de especial esta capela? É um templo octogonal, pequenino e harmonioso, doseado pela decoração manuelina, o interior é muito sóbrio e os azulejos opulentos, teve recentemente obras, e daí o ar de lavado e pintado de fresco. Nada mais por ora, mas promete-se que a viagem continua: ainda não se mostrou o Nabão, o local onde Nuno Álvares Pereira se encontrou com o Mestre de Avis e dali partiram até Aljubarrota onde mudaram a História; e à Mata Nacional dos Sete Montes, e muito mais, o casco histórico tem detalhes extraordinários, irresistíveis.

(Continua)
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Nota do editor

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