segunda-feira, 23 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14400: Notas de leitura (695): "Império Ultramarino Português", Empresa Nacional de Publicidade, 1950 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
Henrique Galvão e Carlos Selvagem são nomes de operativos coloniais e da boa escrita. Lançaram-se num empreendimento que foi a monografia do Império, injustamente esquecida.
É uma obra de divulgação que denota trabalho muito sério. Atenda-se à bibliografia, e veja-se como os dois escritores não descuraram as obras de maior interesse para a época. A única estranheza é não terem ido à atualidade, findaram a sua história da Guiné com o fim das guerras de ocupação, em 1936. Ora, Sarmento Rodrigues já estava a fazer uma obra de grande importância, tanto no campo da urbanização e obras públicas como na cultura, foi ele quem pôs a Guiné no mapa, subtraindo-a da obscuridade extrema em que se encontrava.
Deixa-se para outro texto o olhar destes dois autores sobre os aspetos parcelares daquele território que foi a colónia mais antiga do mundo moderno.

Um abraço do
Mário


Império Ultramarino Português (1) 
(Monografia do Império), por Henrique Galvão e Carlos Selvagem

Beja Santos

A Empresa Nacional de Publicidade publicou em 1950, em quatro volumes, uma ousada obra de divulgação, uma detalhada monografia do Império. Assombra rarissimamente ver esta obra referida na bibliografia do Império Ultramarino: tem teoria que permite aferir as múltiplas conceções sobre o império, o que já não é pouco; e possui uma incontestável informação que nos leva a crer tratar-se de uma obra de divulgação ímpar, sem rival. Os autores esclarecem logo à entrada: “Obra de informação geral sobre o Império, objetiva, escrupulosa, completa – e, ao mesmo tempo, mais um subsídio de cultura média a amparar e guiar a consciência colonial do país”. Como se compreenderá, iremos falar exclusivamente da Guiné, matéria tratada nos dois primeiros volumes.

Convém registar o que estes dois autores, nomes conceituados até dentro do regime, escreveram sobre o projeto henriquino: “O projeto de atingir por mar os fabulosos reinos do interior de África, de onde vinha o oiro, o marfim, as especiarias, os escravos negros, germinou no cérebro do Infante depois da sua ida à conquista de Ceuta pelas informações que ali veio a ter do intenso comércio das caravanas árabes e berberes através do Sara, vinda do grande empório de Tombuctu, dos Mandingas do Império de Melli (Mali) e de outros reinos negros de Gemach e Cantor”.

À luz dos conhecimentos da época, o Saara era um mar arenoso que dividia os homens brancos e os homens pretos. No imaginário dos homens, havia a Ocidente o reino dos Guinéus, ao centro a Líbia inferior e no remoto Oriente a Etiópia, da qual começava o mar que levava às índias e às terras do Preste João.

Ultrapassado o Cabo Bojador, o projeto tornara-se irreversível. Em 1441, Antão Gonçalves atinge o Cabo Branco, capturaram-se azenegues que deram informações sobre o comércio do oiro e sobre os habitantes do Sudão. Nesse ano, a Coroa enviou um embaixador a Roma para obter do Papa a doação perpétua das terras descobertas para a Coroa de Portugal, por dever considerar-se um esforço de cruzada. Da embaixada a Roma resultou a Bula a Rex Regum, de 1443. Nesse ano, Nuno Tristão chega à ilha de Arguim e Lançarote Esteves, Almoxarife de Lagos, organizou uma frota de seis navios que partiu para Arguim e depois para a Ilha de Tider, de onde trouxeram para o reino 235 cativos – os primeiros escravos. Talvez em 1444, Dinis Dias atinge o Rio Senegal, dobra o Cabo Verde (não confundir com o arquipélago) e chegou ao Cabo dos Mastros na Baía de Goreia. Em 1446, Nuno Tristão, que já descobrira o Cabo Branco e a Ilha de Arguim, chega numa caravela à foz de um largo rio (Gâmbia? Geba?) onde veio a falecer numa refrega com nativos.

Faz-se depois um interregno que irá durar até 1456, por motivo de questões internas. Nesta data, Cadamosto faz o reconhecimento da costa desde o Cabo Roxo até ao arquipélago dos Bijagós. Criou-se a capitania e feitoria da Ilha de Arguim, na Costa da Guiné.

Com o contrato com o arrendatário Fernão Gomes, em 1469, começou a exploração do monopólio real do comércio africano. A região entre o Rio Senegal e a Serra Leoa passou a denominar-se os Rios da Guiné, ficando reservada ao comércio dos moradores do arquipélago de Cabo Verde. E começam a existir relatos sobre as populações autóctones. Ao Sul do Casamansa habitavam os Felupes, os Cassangas, encravados entre os Mandingas do interior e os Brames do Sul. As margens do Rio Cacheu eram povoadas pelos Papéis, que ocupavam também a Ilha de Bissau, do outro lado do Geba ficavam os Balantas que se estendiam até ao reino de Cantor, terra dos Mandingas. Confinando com os Mandingas estava a terra de Guinala, povoada pelos Beafadas. No extremo Sul, até ao Rio Nuno, habitavam os Nalus.


Os autores descrevem com minúcia a presença dos lançados, que acabaram por ter um papel de primordial importância como bandeirantes e até comerciantes. D. João II, não havendo qualquer sinal da ocupação portuguesa na região, tratou da ocupação militar, mandou construir uma fortaleza na foz do Rio Senegal, projeto que não teve seguimento. No início do século XVI, os escravos já eram o principal produto do comércio da Guiné e Cabo Verde, a que se seguia, com muito menos importância, o marfim, o arroz, o algodão, a cera e a malagueta. A prosperidade deste comércio despertou a cobiça de holandeses, ingleses, franceses e espanhóis. Depois da destruição da Invencível Armada, Portugal ficou desprovido de navios, o que precipitou a decadência do comércio. Em 1622, o comércio nos rios da Guiné era dominado pelos estrangeiros. Em 1628, o Governador e Capitão Geral Corte Real foi à Guiné e conseguiu expulsar os holandeses de Bezeguichor (Goreia) mas, por falta de recursos, os holandeses cedo regressaram. As únicas entidades que exerciam funções públicas nos Rios da Guiné eram os feitores.

Cacheu principiou a formar-se em 1588 quando um cabo-verdiano, Lopes Cardoso, obteve autorização do régulo brame para fundar uma aldeia e fortificá-la com algumas peças de artilharia. Cacheu será o núcleo embrionário da futura colónia da Guiné. Durante o domínio filipino a presença portuguesa nos Rios da Guiné que outrora ia do Cabo Branco até à Costa da Mina, ficou muito limitada: em 1640 ia da faixa do rio Casamansa até à foz do Bolola. De recuo em recuo, a presença portuguesa na costa da Guiné ia-se aproximando das fronteiras que irão ser desenhadas pela Convenção Luso-Francesa de 1886.

Com a Restauração, procurou recuperar-se o tempo perdido. Gonçalo Gamboa d’Ayala foi nomeado em 1641 Capitão-Mor de Cacheu, é no seu tempo que fundam Farim e Zinguichor. A partir de 1678, a administração portuguesa dos Rios da Guiné sofre uma nefasta transformação pelo estabelecimento da Companhia de Cacheu, com poderes majestáticos, criada à semelhança das companhias inglesas, francesas e holandesas. Foram tempos de abusos inomináveis que provocaram a revolta dos naturais, que atacaram a praça. A causa fundamental de todos estes distúrbios, hostilidade de indígenas e europeus, era a proibição de comércio com os estrangeiros, e estes pagavam melhor.

Bissau começou então a ganhar importância, com um núcleo de comerciantes cabo-verdianos e indígenas cristianizados, os Grumetes. Como continuasse a falta de recursos, fundou-se a Companhia de Cacheu e Cabo Verde, mas sem o exclusivo do comércio. Nova operação ruinosa.

A fortaleza de Bissau foi concluída em finais de 1697 e demolida em 1708. Em 1753, fez-se uma nova fortaleza que durou pouco. Em 1776, começou a construção da terceira fortaleza, com o nome de S. José. Com todas as suas obras de manutenção e restauro, é a fortaleza da Amura que conhecemos hoje.

Vive-se uma nova época de decadência com a malograda Sociedade de Comércio das Ilhas de Cabo Verde. Assim se chegou a 1792, ano em que uma sociedade filantrópica de Londres tentou estabelecer na costa da Guiné uma colónia europeia, com o fim de pôr em prática um regime de produção que dispensasse a escravatura e apenas se servisse de trabalhadores negros e livres. Vai começar um contencioso que ficará conhecido na história como a Questão de Bolama.

O início do século XIX é marcado pelos ataques dos Fulas ao velho Império Mandinga. A partir de 1815, um novo facto veio modificar o regime económico da Guiné – as restrições no comércio de escravos. Parecia que se ia abrir um novo ciclo de decadência. Mas uma importante viragem chegou com a nomeação de Honório Pereira Barreto como governador do distrito da Guiné (1837). Barreto irá firmar a soberania portuguesa em vários pontos da colónia, estabelecerá acordos com régulos e comprará vários territórios para a Coroa na margem esquerda do Rio Casamansa. Barreto irá escrever um documento incontornável para a compreensão da presença portuguesa, “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa”.

A história moderna da Guiné inicia-se pela Carta de Lei de 18 de março de 1879 que transformou a Guiné em província ultramarina, o 1.º Governador será o Coronel Agostinho Coelho.

As rebeliões não param, envolvem Fulas, Beafadas, Papéis… autoridades e comerciantes vivem circunscritos num número reduzido de praças e presídios. Será o Capitão João Teixeira Pinto quem irá inverter essa situação através de um conjunto de campanhas que levaram a que a Guiné Continental perdesse a beligerância ativa.

Em 1928, com base no modelo holandês, a colónia é dividida administrativamente em 4 Intendências e 12 Residências, sistema que se revelou pouco eficaz, pelo que, a partir de 1933, a Guiné passou a compreender dois concelhos – Bolama e Bissau – e as 7 circunscrições civis de Cacheu, Farim, Mansoa, Bafatá, Gabu, Buba e Bijagós. Com a campanha de pacificação de Canhambaque, a partir de 1936, desapareceram os focos de rebelião da Guiné.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14391: Notas de leitura (694): Mapas da Guiné: existem muitos e estão mal estudados (Mário Beja Santos)

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