quinta-feira, 19 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14386: Blogpoesia (404): No dia do pai, um poema escolhido pelo camarada Armando Faria, "Ter um Pai", de Florbela Espanca (1894-1930)

1. O camarada Armando Faria (ex-fur mil inf minas e armadilhas da CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74) mandou-nos este poema de Florbela Espanca (1894-1930), para comemorar o dia do pai, uma tradição em Portugal que hoje ainda se mantém, e que está associado ao  calendário litúrgico da religião católica (dia 19 de março,  dia de São José, marido de Maria, mãe de Jesus Cristo).

Na mensagem que nos mandou traz uma dedicatória aos nossos pais (na maior dos casos, já falecidos) mas também aos pais que hoje somos (em muitos casos, duplamente pais e avós): "Com um beijo, um abraço ou uma simples oração"... 

É também, segundo o entendimento dos nossos editores,  uma homenagem a uma grande mulher portuguesa, e uma grande poetisa, nascida em Vila Viçosa, e que em  Matosinhos, aos 36 anos, pôs termo à vida... Uma morte de(a)nunciada!...E, claro, é ainda uma homenagem à nossa bela e amada língua: foi em português que aprendemos a dizer, pai e mãe...

Um pormenor histórico-biográfico siobre a grande Florbela Espanca:  foi registada, de acordo com o código civil da época, com a infamante designação de "filha ilegítima de pai incógnito"... Seu pai, João Maria Espanca só a haveria de perfilhar 18 anos depois da sua morte... Este facto pode ajudar-nos a entender melhor o poema
"Ter um Pai". [Ler aqui a sua biografia, no sítio "Vidas Lusófonas"].



Ter um Pai

Florbela Espanca (1894-1930)

Ter um Pai! É ter na vida 

Uma luz por entre escolhos; 
É ter dois olhos no mundo 
Que vêem pelos nossos olhos! 

Ter um Pai! Um coração 
Que apenas amor encerra, 
É ver Deus, no mundo vil, 
É ter os céus cá na terra! 

Ter um Pai! Nunca se perde 
Aquela santa afeição, 
Sempre a mesma, quer o filho 
Seja um santo ou um ladrão; 

Talvez maior, sendo infame 
O filho que é desprezado 
Pelo mundo; pois um Pai 
Perdoa ao mais desgraçado! 

Ter um Pai! Um santo orgulho 
Pró coração que lhe quer 
Um orgulho que não cabe 
Num coração de mulher! 

Embora ele seja imenso 
Vogando pelo ideal, 
O coração que me deste 
Ó Pai bondoso é leal! 

Ter um Pai! Doce poema 
Dum sonho bendito e santo 
Nestas letras pequeninas, 
Astros dum céu todo encanto! 

Ter um Pai! Os órfãozinhos 
Não conhecem este amor! 
Por mo fazer conhecer, 
Bendito seja o Senhor!

Florbela Espanca 

In: Obras Completas de Florbela Espanca, vol. II, Poesia (1918-1930), prefácio de José Carlos Seabra Pereira, 4.ª ed., Lisboa, Dom Quixote, 1992.
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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14344: Blogpoesia (403): o meu mar da Ericeira (J. L. Mendes Gomes)


1 comentário:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Aplaudo a publicação deste poema!
É raro que surja poema da poetisa maldita. As mulheres não gostam dela. É demasiado livre! E por isso têm inveja dela... Sentem que devim ser assim, mas não têm coragem e a inveja...
Os homens também a poderiam defender mais, mas, se calhar, também se sentem culpados e pouco à vontade perante a liberdade dela.
Quanto mais não vale este poema do que aquelas celebrações boçalmente folclóricas do "Dia Mundial da Mulher" que têm vindo a praticar-se?
Este sim é um poema feminista e feminino. E masculino.
De homenagem a quem merece.
Enfim é destes poemas que vale a pena falar e ler reler e... pensar sentindo!
Um Ab.
António J. P. Costa