segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14212: Notas de leitura (676): “Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
Não é incomum confundir-se panegírico com biografia política, e as consequências são sempre lastimáveis quando o biografo mete no altar o biografado, remetendo para a sombra tudo quanto possa dar polémica ou contestação.
O pano de fundo é pobre, nunca se substantiva o que se passa em Cabo Verde antes da independência, e se o tal espírito de unidade tinha aqui pés para andar, base cultural, etc. Nunca se perceberá qual o pensamento ideológico que norteia Carlos Veiga, só se fala em democracia liberal, em Estado de Direito e mudança para a liberdade.
O PAIGC de Cabo Verde é sempre uma entidade soviética, um filho espúrio de Moscovo.
Temos aqui um livro pobre, que não ajuda Cabo Verde e ainda menos Carlos Veiga.

Um abraço do
Mário


Carlos Veiga, Cabo Verde, o PAIGC e a Guiné

Beja Santos

“Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009, é o panegirico do criador e animador do Movimento para a Democracia, de Cabo Verde, e ainda hoje figura influente da corrente liberal sempre em oposição ao PAICV. O seu autor é uma figura do PSD que não esconde admiração incondicional pelo percurso do biografado. Acontece que o estilo da biografia tem regras precisas ao nível do rigor, da isenção, da formulação do juízo crítico e da contextualização. Nuno Manalvo leu pouco e estudou pouco sobre a contextualização, os antecedentes histórico-políticos do objeto de estudo. E o resultado ressente-se, a biografia de Carlos Veiga deixa em branco acontecimentos, factos e situações que não enobrecem o biografado.

O autor procura em pinceladas largas mostrar o que há de mais saliente e emblemático na luta do PAIGC e como esta influiu na criação da Guiné-Bissau e Cabo Verde. Perfila Amílcar Cabral e traça as grandes linhas do programa político do PAIGC. Nada do que diz é inovador mas de um modo geral está acertado: luta acesa e em crescendo na Guiné, muita vacilação e pouco entusiasmo em Cabo Verde. Sobre este território, observa: “Em Cabo Verde, a luta pela independência continuava na clandestinidade, centrando-se sobretudo em São Vicente, pela mão de um grupo liderado por Manuel Rodrigues e do qual faziam parte Luís Fonseca, Dina Salústio, entre muitos outros. Apesar das várias prisões efetuadas pela PIDE e que conduziram inevitavelmente ao campo do Tarrafal, a luta na clandestinidade foi evoluindo. Desde 1963 que se traçavam vários planos para o início da luta armada em Cabo Verde, mas só em 1968, com a chegada de Jorge Querido ao território, o assunto começa a ganhar forma”. Retrata a influência dos jovens cabo-verdianos na vida do PAIGC na Guiné. Houvera, entretanto a decisão de estender a guerra de guerrilha a Cabo Verde. Spínola trará não só o projeto da Guiné Melhor como apostou muito na guerra psicológica, jogou-se a fundo nas tensões entre guineenses e cabo-verdianos. Assassinado Cabral, o partido junta toda a energia numa habilidosa escalada militar e política que se salda na perda da supremacia aérea portuguesa e na declaração unilateral da independência.

Revertendo para Cabo Verde, diz o autor que o projeto da independência conhecia já por essa época esmagador acolhimento. E então cita Carlos Veiga: “Para a juventude de Cabo Verde, o reconhecimento do PAIGC adivinha do facto de terem sido eles a lutar pela independência de armas na mão. Mais de 90 % da população colocou-se ao lado do PAIGC, em função de legitimidade que lhe reconhecia pela via da luta armada”. Na sequência do 25 de abril, apareceram teses alternativas às defendidas pelo PAIGC: a União Democrática de Cabo Verde (UDC), cujo programa político defendia uma via gradual de conquista para a independência e que teve uma fraca aceitação; e a União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV), que se opunha à unidade de Cabo Verde com a Guiné-Bissau, defendendo a independência, mas em separado, das duas colónias portuguesas. Em agosto de 1974, chegaram a Cabo Verde os primeiros responsáveis do PAIGC, numa delegação chefiada por Silvino da Luz e composta por Osvaldo Lopes da Silva, João José Lopes da Silva e Corsino Tolentino. Ficamos a saber que o PAIGC em Cabo Verde é a força dirigente da sociedade, tem um entendimento soviético da política e do mando.

Carlos Veiga licenciou-se em Direito, em Lisboa, tinha péssima impressão do Estado Novo mas iniciou a sua vida profissional no então Ministério do Ultramar, no Bié, em Angola. Cumpre o serviço militar obrigatório também em Angola. É nesta fase que se apercebe das atrocidades cometidas pelo Estado Novo. Dá uma explicação cândida porque descobriu a política tão tarde: a sua primeira ligação era a de estudar e ser bom estudante e por isso nunca se abriu a ideias radicais e acrescenta que “aqueles que tiveram oportunidade de vir estudar para Lisboa, ainda para mais num curso como o de Direito, eram rapidamente rotulados entre os estudantes cabo-verdianos como burgueses e, consequentemente, pouco credíveis aos olhos dos despojados revolucionários”. Em Angola Carlos Veiga teve simpatia pelo MPLA e colaborou ativamente com a sua implementação. Em janeiro de 1975, regressa a Cabo Verde, passa a colaborar com o PAIGC, a ele aderiu. Cedo passou a desconfiar da cartilha soviética, da idolatria, detestou o controlo da comunicação e da perda da independência da justiça. Não pactuou com os abusos políticos nem com as prisões arbitrárias. Considera que o PAIGC em Cabo Verde, a partir de 1977, entrou numa fase endofágica, fez as suas purgas, apareceram à luz do dia divisões de fundo. Carlos Veiga era Procurador-Geral da República, entretanto o seu irmão José Tomás rompeu com o PAIGC. Em 1980, foi aprovada a primeira Constituição da República, onde se opta por uma economia nacional independente, privilegiava-se a estatização. Carlos Veiga tinha feito parte de uma comissão que elaborou um texto constitucional baseado nos princípios de um constitucionalismo democrático, foi recusado.

Dá-se entretanto o afastamento de Luís Cabral pelo golpe de Nino Vieira, em novembro de 1980. Os efeitos do golpe acabaram com o sonho unionista, em Cabo Verde ficou-se a saber que houvera a abertura de valas comuns onde tinham sido enterradas as vítimas das execuções em massa. O PAIGC de Cabo Verde tornou-se em PAICV, ideologicamente radicalizado, lançou-se na reforma agrária, alargou o descontentamento. No fim da década, sentiu-se a necessidade de uma mudança profunda. Ainda em 1988, o PAICV lança as bases programáticas para uma verdadeira mudança na orientação económica do país. Nunca, em circunstância alguma, nesta biografia política, iremos conhecer a família ideológica de Carlos Veiga. Ele é a favor de um Estado de Direito, das liberdades políticas, da economia de mercado, do respeito pelos carenciados, vai bater-se pela construção de um regime democrático e pluralista. Se é da direita conservadora ou da direita liberal, se o seu pensamento é dos liberais democratas ou do centro-esquerda é mistério nunca desvendado. Página sim, página não, o biógrafo fala numa substituição de tudo quanto é soviético, marxista, monolítico, estalinista, dirigista. O Movimento para a Democracia é apresentado como um partido da liberdade, irá ganhar duas eleições consecutivas e depois será de novo afastado pelo PAIGC. O biógrafo fala aqui e acolá em dissidências dentro do partido, nunca saberemos o porquê e as consequências. Carlos Veiga é citado abundantemente pelos seus esplendidos resultados na governação, não haverá uma só palavra sobre as razões do seu afastamento e como, nas eleições presidenciais, onde foi candidato, há uma explicação para o facto de ter perdido as eleições nos círculos eleitorais estrangeiros.

Esta biografia parece um conto de fadas. Não há uma análise profunda entre os nexos causais dos combatentes cabo-verdianos da Guiné e como assimilaram, desde a primeira hora da independência, pessoas como Carlos Veiga, era um estranho partido da família soviética. Nunca saberá onde falhou Carlos Veiga e porque razões o seu partido perdeu as eleições legislativas e outras. O biógrafo embandeira em arco: “O percurso político de Carlos Veiga assenta na conceção de vitórias graduais, de um responsável reformismo político, até à consagração de uma democracia de corpo inteiro em Cabo Verde”. Com a mesma determinação de Winston Churchill, parecido com Barack Obama, Washington, Lincoln.

Ganhou o panegírico, perdeu-se a oportunidade histórica de conhecer mais a fundo o que se passou em Cabo Verde da colónia para o país independente, ficou sem saber o que distanciava o cabo-verdiano do guineense e como a democracia liberal foi bem acolhida e depois punida. Paciência.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14206: Notas de leitura (675): “Senhor médico, nosso alferes”, por José Pratas, By the Book, (www.bythebook.pt, telefone 213610997), 2014 (2) (Mário Beja Santos)

8 comentários:

Antº Rosinha disse...

Pois é BS, parece que é mais um não africano a falar de um africano.
E ficamos quase sempre a zeros.

O biografado é de São Vicente que dentro de Caboverde era uma das ilhas que tinha muita gente como eu que foi para Angola.

E este biografado como eu era um pobre funcionário público em Angola, e como em geral toda a gente nova daquele tempo tínhamos muito má impressão das atrocidades do Estado Novo, mas como eu em geral todos os pobres funcionários, vistos a esta distância, eramos extremamente felizes, na colónia de Angola.

Vá lá que como Retornado a Caboverde, se entendeu como sempre os caboverdeanos se entendem uns com os outros.

Cumprimentos

Fernando Elísio disse...

Mário Beja Santos vive mal com a História e certamente não lida com a academia há muitos anos, se é que alguma vez por lá passou.
Lida mal com a história porque nesta sua análise insiste em não perceber nem a liberdade de opinião, nem o papel que outros, que não os seus camaradas, tiveram na conquista da liberdade e da democracia em África. Lida mal com a academia porque, não percebendo a diferença entre uma biografia e um compêndio de história, consegue a proeza, no cimo da sua douta ignorância, destratar o trabalho de investigação apresentado.
Amesquinhar, destratar, reduzir o papel e a dimensão histórica de um líder africano que ainda hoje é unanimemente reconhecido com um dos principais obreiros da democracia no nosso continente é não só miopia, é autismo.
Por outro lado, o camarada não deve colocar as botas em Cabo Verde há pelo menos 20 anos, pois em caso contrário teria tropeçado na vasta biografia publicada em Portugal e Cabo Verde por Nuno Manalvo.
Por fim, uma palavra para o tom pretensioso utilizado. Considerar que o meu continente é tema exclusivo de africanos e de ex-militares do Estado Novo é não só um tique que julgávamos desaparecido há mais de 40 anos, como um abuso que nós africanos não voltaremos a admitir.
Fernando Elísio

Fernando teixeira disse...

Para Beja Santos só há o PAICV e a sua clique comunista. Mal de que ouse pensar de forma diferente.
Lamentável

Paulo Inácio disse...

E se perguntássemos a Beja Santos o que já fez pela história de África? E já agora, quantos livros já editou e que grau de reconhecimento obteve para falar assim de cátedra.
Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão?

Carlos Duarte disse...

Eu li o livro em 2010 quando ele foi editado em Cabo Verde. Bento dos Santos deve ter tido dificuldade em acabar o livro para o comentar passados tantos anos.
Eu acompanhei o percurso político de Carlos Veiga, as conquistas políticas que nos deram a democracia e os muitos sacrifícios e perseguições que sofremos ás mãos do PAICV e dos seus cúmplices do MFA em Portugal. Esta clique que agora fala pela boca de Beja Santos, um perfeito desconhecido que fez prova de vida nos disparates aqui vertidos, parece que não aprendeu nada com a história.
Caro Senhor, lamento dizer-lhe mas não é pelo facto de ter andado a matar africanos que isso lhe dá o direito de sentir e de pensar por nós.

José Maria Claro disse...

Quem é que deu o direito a um simples funcionário público a dar-se ares de académico e vociferar o seu sectarismo sobre um líder da dimensão ética e intelectual como Carlos Veiga. Beja Santos, se gosta de África, como diz, fique sabendo que não precisamos que velhos e desconhecidos militares saiam da caverna para nos virem de novo ofender

António Pires disse...

Quando se chega ao final da existência e olhamos para trás e não gostamos do que vimos, temos uma certa tendência para o disparate. O comentário despropositado, descontextualizado e tendencioso de Beja Santos é mais um lamentável exemplo desta realidade.
Querendo minimizar Carlos Veiga através de um ataque ao autor da biografia...por ser do PSD, é um triste sinal de senilidade democrática própria só ao alcance de um douto ignorante

Óscar Santos disse...

Caro Beja, desta vez o tiro saiu ao lado. Conheço a obra do autor da biografia e, por acaso já tinha lido o livro. Não tens razão na crítica e muito menos no tom. Tens que te informar melhor sobre quem comentas. Nuno Manalvo editou nos últimos anos uma série de livros e de artigos sobre Cabo Verde. É Administrador de uma Fundação que muito tem feito pelo desenvolvimento e pela solidariedade em Cabo Verde. Já fez muito mais do que outros que andam sempre com África na boca mas com os braços sempre cruzados. Tens que te informar melhor