quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14080: O meu Natal no mato (42): 1971, em Zemba (Angola); 1972, em Caboxanque; 1973, em Cadique (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Cantanhez, 1972/74)

Foto nº 1 > Angola, Zemba – Dezembro 1971 - Jantar dos soldados do batalhão

Foto nº 2 > Angola, Zemba – Dezembro 1971 - almoço com Gen Costa Gomes, aqui de costas

Foto nº 3 > Angola, Zemba – Dezembro 1971 - Visita do Gen. Costa Gomes. Em primeiro plano o oficial de dia que agora vos relata este natal.

Foto nº 4 A

Foto nº 4 B

 Foto nº 4 > Angola, Zemba > Dezembro de 1971 > Almoço com o Gen. Costa Gomes.
Aqui estou de costas e em primeiro plano (foto nº 4 A) com a braçadeira da ordem.

Foto nº 5 > Guiné < região de Tombalia < Cantanhez > Caboxanque – Dezembro 1972 - Gen Spínola no perímetro defensivo nos primeiros dias da operação.

Foto nº 5 A > Spínola, de costas e pingalim

Foto nº 6


Foto nº  6A - Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Caboxanque >  Dezembro de 1972 - A minha primeira visão de Caboxanque. Futura placa dos helicópteros e campo de futebol.


Foto nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Caboxanque > Dezembro de 1972 - A “messe” de oficiais  e também a minha primeira “secretária” . Da esquerda  para a direita Alf Pratas e Sousa, Furriel Urbano,  Alf Nobre Almeida e Alf Santos. Ao fundo as tendas  que nos “abrigaram” durante os primeiros meses.  O Alf Duarte deveria estar numa operação.  No centro da mesa o “remédio” para alguns males de  que íamos padecendo por lá.

Foto nº 8 > Guiné > Regiãod e Tombali > Cantanhez > Caboxanque – Dezembro de 1972 – Distribuição da refeição pelos grupos de combate, secção por secção. O primeiro da fila a organizar a distribuição é o Alf Duarte.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Caboxanque > Perímetro defensivo, em esquema  aproximado, sobre imagem actual, do Google Earth (com a devida venia...)

Fotos (e legendas): © Rui Pedro Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1961) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda, Cufar e Caboxanque (na margem direita do Rio Bixanque, afluente do Rio Cumbijã) 

Infografia:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné   (2014).

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1. Mensagem do Rui Pedro Silva, com data de 22 do corrente:

[Foto à esquerda; Rui Pedro Silva, ex-alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971), ex-ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72), e ex- cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74)]

Meu Caro Luis Graça:

Junto te envio o relato dos meus três Natais em tempo de guerra. Publicarás se e quando achares conveniente.

Por coincidência em Dezembro de 1972 estávamos a iniciar a operação de reocupação do Cantanhez fazendo agora 42 anos que entrámos em Caboxanque.

Espero que já tenhas recuperado do “percalço” que sofreste e estejas totalmente operacional.

Prometo ser mais assíduo na cooperação com o blog.

Um grande abraço para ti,  para o Carlos Vinhal, o Magalhães Ribeiro e para todos os Homens Grandes da Tabanca.

Boas Festas e Bom Ano de 2015.


2. Três Natais em tempos de guerra

por Rui Pedro Silva

A 21 de Dezembro de 1972 a CCav 8352, que eu comandava, desembarcou em Caboxanque, no âmbito da operação “Grande Empresa”, iniciada a 12 de Dezembro, a qual tinha como objectivo a ocupação do Cantanhez.

O IAO no Cumeré durou 15 dias e logo marchámos para Cufar,  divididos em dois grupos. O primeiro grupo deslocou-se de Noratlas a 19-11-1972 e o segundo de LDG a 21-11-1972 e com ele todo o equipamento para a instalação de uma companhia: do equipamento de cozinha às tendas e colchões pneumáticos, das viaturas ao gerador, das armas e munições às rações de combate, etc.

Para todos nós era seguro que não íamos render uma outra companhia e, ao chegar a Cufar, desde logo ficou claro que não seria aquele o nosso destino. Logo no desembarque recebi instruções para conservar o material carregado nas viaturas e tudo o resto guardado num improvisado “armazém”.

Nesse momento ainda não sabíamos da operação a que estávamos destinados. Nas quatro semanas que estivemos em Cufar realizámos operações de patrulhamento da zona, segurança à pista e ao porto e à construção da estrada Cufar - Catió. Da sede do batalhão, em Catió, vinham insistentes recomendações para nos concentrarmos na segurança da estrada. Havia um claro desentendimento entre os responsáveis em Cufar e a sede do Batalhão. A segurança na estrada mantinha-se 24 horas por dia,  rodando por todos os grupos de combate da companhia de Cufar e da minha e portanto não se percebia a insistência.

A preocupação de Catio resultava do facto de estar em curso uma manobra de diversão procurando atrair o PAIGC para aquela zona,  levando-o a mobilizar os seus efectivos para Cufar e assim garantir uma menor resistência à entrada das nossas tropas no Cantanhez. Esta manobra teve pleno êxito. O PAIGC foi surpreendido com a entrada das nossas tropas em Cadique e Caboxanque,  não oferecendo qualquer resistência nos primeiros dias.

A operação “Grande Empresa” foi muito bem descrita no livro “A Última Missão” do Sr. Coronel Moura Calheiros. Como tive oportunidade de lhe dizer na altura da publicação:

“A sua narrativa permite ao leitor ter uma visão mais abrangente da guerra na Guiné e, ao mesmo tempo, navegar consigo no seu PCA, progredir com os seus bigrupos nas missões mais arriscadas, partilhar a angústia das decisões mais difíceis, confrontar-se com a orientação estratégica do Comando-Chefe, conhecer a actuação da guerrilha, viver a vida de um militar naqueles duros tempos e cumprir a nobre missão de resgate dos militares portugueses falecidos e sepultados na Guiné. Ao ler as paginas deste seu livro revejo e identifico pessoas com quem partilhei uma parte importante da minha vida e situações em que a minha companhia esteve também envolvida e que constituem pedaços da história dos pára-quedistas, das forças armadas portuguesas e do nosso país.”

Recomendo vivamente a leitura deste livro a quem ainda não o fez porque nele revemos, cada um de nós, ex-combatentes, uma parte da nossa história. Cerca de seis meses depois e em resultado da operação “Grande Empresa” existiam 7 novos aquartelamentos:

Cadique,
Caboxanque,
Cafal,
Cafine,
Jemberem,
Chugué
e Cobumba.

O COP 4 comandado pelo Sr. Tenente-Coronel pára-quedista Araújo e Sá, comandante do BCP 12, coadjuvado pelo seu segundo comandante e oficial de operações Major Moura Calheiros,  foi a unidade operacional responsável pela operação.

Mas fiz esta longa introdução para abordar o tema do Natal.

Os quatro dias que mediaram desde a nossa entrada em Caboxanque até ao Natal de 1972, foram preenchidos em ciclópicas tarefas de instalação da companhia, segurança no perímetro defensivo e reconhecimento da zona operacional.

O perímetro tinha cerca de 3,5 Km e só foi possível garantir a segurança de Caboxanque instalando os grupos de combate e cada uma das suas secções ao longo da linha de defesa, ficando a CCav 8352 instalada em metade do perímetro virado a norte e a CCaç 4541 na metade virada a sul. Instalados em valas cavadas em contra relógio, sem arame farpado e apenas separados da mata do Cantanhez por um largo espaço que as maquinas da engenharia terraplanaram, com a ração de combate a alimentar a nossa fome, a noite escura a servir de cobertor e a angústia de podermos ser surpreendidos pelo PAIGC nessa nossa tão frágil posição, assim se encontravam os militares sob meu comando, carregando sob os meus ombros a enorme responsabilidade do que lhes pudesse acontecer naquelas difíceis circunstancias.

No dia de Natal a companhia estava dispersa pelo perímetro de Caboxanque, um grupo de combate tinha saído com um bigrupo paraquedista, em patrulhamento, e em Cufar ainda permaneciam alguns militares da companhia, guardando todo o material que lá tinha ficado. Sem meios frio a funcionar e portanto sem géneros frescos,  as refeições limitaram-se às rações de combate e a uma sopa improvisada com o pouco que diariamente se trazia de Cufar.

Estes foram dias muito difíceis para todos. Numa fotografia que aqui junto podem verificar como eram feitas as distribuições das refeições ao longo do perímetro. Quando o unimog que fazia este serviço chegava junto da última secção já a refeição que transportava estava fria.

Um ano antes, no Natal de 1971, estava em Angola, nos Dembos, na sede do Batalhão Caçadores 3840 sediado em Zemba e na escala de serviço coube-me ser o oficial de dia. Nesse dia o General Costa Gomes decidiu fazer, uma visita ao batalhão. Cumpridas as formalidades da praxe e depois de uma revista ao aquartelamento o General reuniu-se com o comando do batalhão, após o que confraternizou com os oficiais do batalhão num almoço.

Na pista onde o recebi o General Costa Gomes surpreendeu-me indagando se eu não era um dos militares em estágio para o CCC [, Curso Complementar para Capitães]. Dois meses antes alguns dos estagiários que foram enviados para Angola, entre os quais eu me encontrava, foram chamados ao quartel-general onde o General Costa Gomes nos recebeu. Depois de uma breve intervenção sobre a situação em Angola e de nos desejar que o estágio corresse bem,  quis saber de onde éramos e que expectativas tínhamos para o estágio. Quando chegou a minha vez,  disse-lhe que era angolano, nascido no Lobito e que esperava ser colocado nessa cidade. Depois de uma sonora gargalhada, afirmou que no Lobito não havia guerra.

Naquele ambiente que me pareceu de uma certa descontracção, tive o atrevimento de dizer que mais valia prevenir do que remediar, nomeadamente na defesa das zonas onde a guerra ainda não tinha chegado. Com um sorriso bonacheirão deu por findo o diálogo e despediu-se.

Na pista relembrei-lhe então a apresentação que ocorreu dois meses antes. Com um aceno de cabeça, indicando recordar-se do episódio, sorriu e avançou para a visita ao aquartelamento. À tarde terminou a visita mas não as minhas dores de cabeça. Nessa noite, o álcool, nas suas variantes ingeríveis e com os mais variados paladares, bebido com imoderação, fez o seu serviço e eu lá andei, madrugada dentro, numa roda-viva, a apagar fogos que ânimos mais exaltados iam ateando. O problema no dia seguinte foi evitar um relatório muito detalhado do sucedido para evitar um castigo mais pesado para alguns. Foi o meu primeiro Natal na guerra colonial. As três fotografias que envio testemunham esse dia.

O Natal de 1973 foi passado em Cadique para onde a CCav 8352 tinha sido enviada, por um mês, no âmbito da operação “Estrela Telúrica” que envolveu entre outras forças o Batalhão de Comandos. Instalados em condições muito precárias, sempre com grupos de combate em acção, principalmente junto à estrada Jemberem – Cadique, este foi o terceiro e o nosso pior Natal em guerra.

Dois dias antes do Natal um grupo de combate da minha companhia e outro da companhia de Cadique foram emboscados quando vinham render outros 2 grupos de combate da CCav 8352 que eu naquele dia comandava. Em resultado da emboscada houve mortos e feridos entre os militares da companhia de Cadique. A moral do pessoal de Cadique estava a um nível muito baixo e assistimos a alguns actos de desespero, como a recusa a sair para operações ou tentativas de accionar uma granada defensiva junto do comando.

Mas porque este poste já vai longo voltarei a escrever sobre Cadique bem como sobre a operação “Grande Empresa”,  mais tarde.

Sendo o Natal geralmente assumido como uma festa de família,  as circunstâncias em que o celebrámos na guerra retiraram-lhe muito do seu sentido de paz , apesar de sentirmos como nossa família todos os militares com quem estávamos.

Foram assim estes meus três Natais em tempo de guerra.

Boas Festas a todos os tabanqueiros e bom ano de 2015.

Um abraço
Rui Pedro Silva

PS. Com mais tempo identificarei os militares das fotografias.
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13712: O meu Natal no mato (41): Natal de 1972 – CART 3494 (Jorge Araújo)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Meu caro Rui, obrigado pela partilha. A op Grande Empresa está ainda muito mal documentada no nosso blogue. Foi seguramente uma das mais importantes operações no CTIG.

O PAIGC ocupava e dominava o Cantanhez desde 1996, era a sua coroa de glória no interior do território. Foi um duro golpe para o PAIGC, o que não impediu mesmo assim a ofensiva sobre Guileje, Gadamael e Guidaje, em maio/junho de 1973...

De qualquer modo, neste blogue o que importa são os relatos em primeira mão... como o teu. Três natais em guerra é bem duro, e nunca mais se esquecem, para mais, e sobretudo os dois últimos, no Cantanhez. Tens histórias que cheguem para cantar aos teus netos à lareira de natal...

Aqui conheci, em 2008, esta floresta que metia respeito e causava admiração... Já tinha não as manchas contínuas que teria tido no teu tempo, mas dava para perceber porque é que a guerrilha sentia-se aqui como peixe dentro de água...

Fico à espera, ansioso, por mais escritos teus... E, claro, fotos, com legendas...

Boa continuação das festas. LG