quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14002: Efemérides (180): A grande invasão a Conakry foi há 44 anos - Artigo da autoria de Luís Alberto Bettencourt publicado no "Açoriano Oriental" (Luís Paulino)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Paulino, (ex-Fur Mil da CCAÇ 2726 Cacine e Cameconde, 1970/72), com data de 9 de Julho de 2014:

Caro Companheiro Vinhal,
Anexo um artigo que foi publicado no Jornal Açoriano Oriental no passado dia 22/11, da autoria de Luís Bettencourt, companheiro da minha CCaç 2726, que esteve largos meses de preparação no Arquipélago dos Bijagós, para ser integrado na operação militar mais polémica desencadeada durante a Guerra Colonial - Operação Mar Verde.
À última hora e com alguma felicidade à mistura não foi selecionado, contudo conhece como poucos, os contornos que envolveram esta Operação.
Este Artigo tem a concordância do Jornal Açoriano Oriental e do autor, para ser publicado no Blogue "Luis Graça & Camaradas da Guiné".
Deixo à vossa consideração.

Saudações Fraternais
Luís Paulino



Guerra Colonial

CONAKRY – A GRANDE INVASÃO

Completam-se hoje quarenta e quatro anos desde que se realizou a operação militar mais arrojada e mais polémica que as forças armadas portuguesas levaram a cabo ao longo de treze anos de guerra em Africa – a «Operação Mar Verde».

O plano consistia em invadir Conakry, capital da república da Guiné, com o objetivo de depor o ditador Sekou Touré, e colocar à frente da Guiné Conakry um governo da confiança de Portugal. A destruição das bases militares do P.A.I.G.C., assim como a libertação dos prisioneiros de guerra portugueses, eram objetivos determinantes.
De salientar que a república da Guiné constituía o principal apoio logístico da guerrilha inimiga, com bases instaladas no seu território, onde então viviam os principais dirigentes inimigos, incluindo o próprio Amílcar Cabral, referenciado como possível alvo a capturar ou até mesmo a abater.

A ideia de que seria mais fácil vencer a guerra na Guiné destruindo as bases inimigas no seu próprio território foi sendo alimentada e planeada pelo comandante Alpoim Calvão, tendo este apresentado o plano a Marcelo Caetano, que inicialmente não se mostrou muito entusiasmado, temendo uma eventual reação internacional. Afinal, tratava-se de invadir um país soberano.


A PREPARAÇÃO

Em finais de 1969, o general Spínola anuncia a Alpoim Calvão que o ministério do ultramar tinha sido contactado por elementos dissidentes do regime da república da Guiné, que se encontravam dispersos em diferentes países de África e que solicitavam apoio para uma ação contra o presidente Sekou Touré. Estabelecidos diversos contactos, combinava-se a data e local de recolha, limitados ao período da noite e às horas das marés, escolhendo-se locais isolados, com boas possibilidades de embarque. Assim, percorreram-se as costas do Senegal, Gâmbia e Serra Leoa, até à fronteira da Libéria, utilizando as mais variadas praias para o fim em vista. Estava assim constituído o grupo de oposicionistas denominado Frente de Libertação Nacional da Guiné Conakry. Todos eles foram instalados na ilha de Soga, no arquipélago dos Bijagós, onde durante seis meses receberam treino operacional ministrado por uma elite de militares portugueses e que incluía, para além da preparação física, golpes de mão, assalto a objetivos, desembarques, etc.

Cumprido esse tempo, tem início a revisão da planificação final, tendo Calvão esboçado uma lista de cerca de 25 alvos a destruir que incluía, entre outros, o aeroporto, o palácio presidencial, a emissora local, a central elétrica e a prisão onde se encontravam os prisioneiros de guerra portugueses. A cada objetivo fez-se corresponder uma equipa chefiada por um graduado português, e ao grupo de dissidentes juntou-se a companhia de comandos africanos e o destacamento de fuzileiros especiais.

Com tudo pronto, faltava apenas a aprovação do professor Marcelo Caetano, que então deu a sua concordância com a indicação expressa de que não deveriam ficar vestígios da presença portuguesa no local da ação. Na véspera do embarque, o general Spínola deslocou-se à ilha de Soga e falou aos militares, fazendo um discurso empolgante, referindo que aquela operação poderia mudar o curso da guerra. Calvão reúne com as equipas de assalto e revê pela última vez as missões atribuídas.

Chegava a hora da partida, eram 20:00h do dia 20 de Novembro de 1970. A força naval invasora deixava a ilha de Soga com destino a Conakry.


A EXECUÇÃO

A viagem decorreu normalmente, tendo sido dada ordem para ocultação rigorosa de luzes e artilharia pronta. A bordo seguiam duzentos homens da Frente de Libertação Nacional da Guiné Conakry, cento e cinquenta da companhia de comandos africana e cerca de oitenta fuzileiros, sendo a força naval composta pelas lanchas de desembarque Montante, Bombarda, Hidra, Dragão, Cassiopeia e Orion. Em Bissau, a força aérea entrava de prevenção.
Com Conakry à vista, os navios da força rumaram para as posições mais convenientes a fim de desembarcarem as equipas de assalto. A bordo da Orion, Calvão dá finalmente ordem de desembarque por volta das 01.30h do dia 22.
Começava assim a invasão. Os grupos de assalto dirigiram-se aos respetivos objetivos, os fuzileiros chegaram rapidamente ao porto onde se encontravam as lanchas do P.A.I.G.C. e, abrindo as portas das cobertas, lançaram granadas de mão ofensivas para o interior das mesmas, neutralizando as guarnições e destruindo as embarcações.
A central elétrica é localizada e destruída, mergulhando a cidade numa escuridão total, que para além de causar pânico na população local, facilitava as operações de assalto.
Por outro lado, a equipa destinada ao palácio presidencial não encontra o presidente Sekou Touré nem Amílcar Cabral e abandona o objetivo alvejando-o com bazucadas e incendiando o palácio.
Alpoim Galvão, seguia atentamente o desenrolar das operações através de mensagens que lhe faziam chegar. Uma boa notícia então lhe foi comunicada: a equipa destinada à prisão do regime tinha conseguido, depois de uma breve batalha, libertar os 26 prisioneiros de guerra portugueses.
A emissora local, um dos principais alvos, continuava a emitir a sua programação normal, sinal de que não tinha sido ocupada. Na realidade, a equipa destinada a esse objetivo nunca conseguiu descobrir onde ela ficava, não permitindo anunciar, conforme previsto, o golpe de estado.
No assalto ao quartel da guarda republicana, o comandante do grupo alferes Abílio Ferreira é abatido quando tentava ocupar as instalações.
A ocupação do aeroporto resultou igualmente num imenso fracasso devido ao facto de o tenente dos comandos africanos Januário Lopes ter protagonizado um dos momentos mais dramáticos da operação, quando decidiu desertar com o seu grupo e entregar-se às autoridades locais. Mais tarde, seria executado juntamente com o seu grupo.


A RETIRADA

Com o tempo a passar, e apercebendo-se do falhanço de alguns objetivos, Alpoim Calvão faz regressar as equipas a bordo, dando ordem de retirada imediata, evitando assim qualquer resistência inimiga. Temia um possível ataque aéreo, uma vez que os aviões MIG17 não tinham sido encontrados e destruídos, missão que estava atribuída à equipa do aeroporto. Os seis navios que transportavam o contingente que tinha ocupado Conakry durante varias horas navegavam agora com destino à ilha de Soga em formatura de losango, a mais adequada contra ataques aéreos.
Para trás ficavam os elementos oposicionistas na esperança de ainda ser possível concretizar o golpe de estado, o que nunca veio a acontecer. Presos e torturados, acabariam por serem fuzilados sem direito a defesa. O insucesso do golpe de estado ficou-se devendo à manifesta carência de informação e apoios que não existiram ou, se existiram, não se concretizaram.
Nesta operação as forças portuguesas sofreram três mortos, seis feridos, e fizeram cerca de 500 mortos entre militares e civis da Guiné Conakry.


CONCLUSÃO

Embora não se tenha atingido o principal objetivo da invasão, a tão desejada implantação de um governo favorável aos interesses de Portugal, alguns aspetos positivos resultaram da operação, em especial a destruição de grande parte da força naval do inimigo, mas o único aspeto consensual acabou por ser o da libertação dos prisioneiros de guerra portugueses. No seu regresso às respetivas terras, tiveram de assumir perante a P.I.D.E / D.G.S. o compromisso assinado de nunca falarem na circunstância da sua libertação. Oficialmente, tinham conseguido fugir e chegar à fronteira da Guiné Portuguesa.

Luís Alberto Bettencourt
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13950: Efemérides (179): Deixem-me celebrar o dia de Ação de Graças, o Thanksgiving Day, no meio de vós, nos dois lados do Atlântico (José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

A falta de informação das secretas e dos militares na Guiné, foi nitidamente porque não havia brancos, libaneses nem caboverdeanos a dominar as línguas nativas.

Algum sucesso em Angola no campo da informação, foi porque havia muitos praticantes no domínio das várias linguas.

Mesmo Amílcar e Luís Cabral não tiveram domínio completo do PAIGC (internamente) por essa falha do desconhecimento dos vários idiomas.

Só digo isso porque sou retornado e vi muita coisa na Guiné e em Angola.

A propósito de domínio de línguas em África , Salgado e o BES se dominassem o bacongo não tinham entrado com tantos biliões e ainda ameaçados de porrada.

Eu sempre que posso vou avisando amigos, mas mesmo na Guiné alguns patinhos a "entrar".

Mas ainda há gente que continua com "asinhas" há 40 anos e mais.

Na guerra em Angola, sem invadir o Congo Belga, a secreta anulou com ajuda do Mobutu a FNLA e os outros não faziam grande barulho.

Luís Graça disse...

Obrigado ao Luis Paulino e ao Luís Alberto Bettencourt que, para quem não sabe, é um talentoso músico e compositor com um carreira de mais de 40 anos e com mais de meia centenas de obras registadas em seu nome, desde álbuns de estúdio a coletâneas.

Aqui vai um excerto biográfico, reproduzido, com a devida vénia, do portal Música & Músicos:

http://www.musicaemusicos.pt/musicos/talentos/luis-alberto-bettencourt



(...) Luís Alberto Bettencourt nasceu em Ponta Delgada, tendo muito cedo demonstrado a sua vocação para escritor de canções, aliando, de forma poética, ideias e harmonias que atualmente são reconhecidas a nível nacional.

Foi membro e fundador de diversos projetos, entre os quais os grupos Construção e Rimanço, tendo sido merecedor de diversos prémios e distinções.

O jornalista e crítico Mário Correia cita, em Música Popular Portuguesa: “Bettencourt reflete uma abordagem musical e temática englobante e universalizante” (Construção).

A vida militar e o destino levou-o a viver no arquipélago dos Bijagós, onde curiosamente se aproxima da população nativa, partilhando com ela rituais étnicos que hoje são referências marcantes na sua música.

De regresso aos Açores, trabalha na televisão estatal, mantendo simultaneamente a sua condição ativa de músico e compositor.

Em 1987, a partir de um texto de António Melo e Sousa, e a convite de Zeca Medeiros, compõe o tema “Chamateia”, hoje considerado uma referência da música açoriana contemporânea e gravada por mais de 25 formações musicais. Musicou também, os temas “Boi do Mar” e “História de um Vulcão” de Victor Rui Dores.

No âmbito da divulgação do seu trabalho “O SILÊNCIO DAS HORAS” atua em várias ilhas, e realiza concertos íntimos em Lisboa, Almada, Porto, e Gaia.

A sua música está perpetuada em diversos discos, CD’s e bandas sonoras, como, por exemplo, “O Barco e o Sonho”, “Balada do Atlântico”, “Ilhas de Bruma”, “Os Últimos Baleeiros”, “A História de um Vulcão”, “Ilha dos Amores” (TVI), etc.

Na sua música, como na poesia, transpira a essência e o aroma das ilhas, onde o amor emerge num sentido de pura contemplação e alerta.

É membro da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), com mais de 70 obras registadas, e está representado em diversas coletâneas, entre as quais “XX Melodias, XX Poemas, XX Pinturas do Século XX” (Direção Regional da Cultura), “L’Éxpedition de Jules Vernes” (editado em França), “7 Anos de Música” (RTP/A) e “Ilha dos Amores” (TVI).

A sua maneira de estar na vida faz dele um ser talhado para a diferença, para o impenetrável mundo da magia das palavras, cheias de conteúdos místicos envolventes que ultrapassam a segura estabilidade do conhecido. Uma presença kármica e sonora, composta por sujeitos, verbos e complementos, por vezes de tempo, por vezes de espaço, complementos de modo de ser." (...)

Ver também a sua página odicial no Facebook:

https://www.facebook.com/luisalbbettencourt

Luís Graça disse...

Luis Paulino, fico com curiosidade em saber qual era a "missão" (ou a "função") do Luís Alberto Bettencourt, nos bastiadores da Op Mar Verde, na ilha de Soga...

Aproveito para, por teu intermédio, convidá-lo a integrar a nossa Tabanca Grande, que está a caminho 700 magníficos grã-tabanqueiros... Esperamos atingir essa cifra por ocasião do nosso X Encontro Nacional, em 18 de abril de 2015... onde iremos comemorar os 11 anos de existência do blogue... tantos quantos durou oficialmente a guerra da Guiné!...

E depois logo se vê se fechamos a portas, ou se abrimos outra frente de guerra (que é coisa que nunca acaba quando a gente se mete nela)....

Como diz o povo, "quem em caça, política, guerra e amores se meter, não sairá quando quiser"...

Um abraço natalício, Luís

Anónimo disse...



Agradeço tambem ao Luís Paulino e ao Luis Alberto Bettencourt esta descrição objectiva, serena e desapaixonada da invasão de Conakry.
É a descrição mais fiel a outra que logo a seguir à invasão me foi contada oralmente por um tenente dos fuzileiros africanos que participou nela. Era um óptimo camarada, natural de Coimbra com um sentido de humor raro, que criava um ambiente alegre e descontraído na messe de oficiais ou onde quer que estivesse.
Contou-me a história da invasão com algum horror e muita mágoa.
A guerra pode ser terrível e deixar marcas profundas no corpo ou no espirito dos que lhe sobrevivem.
Este camarada, alto e forte como um gigante mas com um coração bom de menino, morreu segundo me disseram já há 15 ou vinte anos, vitimado pelo vício do alcool que terá adquirido na Guiné e de que nunca se terá libertado.
Terá sido talvez mais uma vítima de guerra. Paz à sua alma!

Um abraço a todos

Francisco Baptista