sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13826: Consultório militar, do José Martins (7): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte I - Dúvidas que, escritas na areia, desaparecem, mas acompanham sempre os entes queridos (Aníbal Teixeira, cunhado, Avanca, Estarreja)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje >  A placa com o nome do alf Nuno da Costa Tavares Machado que estava na parada do aquartelamento (*)... Ou melhor: afixada na parede da messe de sargentos (**), e que foi descoberta por ocasião dos trabalhos de escavação de arqueologia militar que deram origem ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje.  Não temos nenhuma foto, individual ou em grupo,  do nosso malogrado camarada.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Caserna das praças a que foi atribuído o nome dos sold António de Sousa Oliveira (o "Francesinho") e o António Lopes (o "Sargento"), mortos em 28/12/1967 na sequência da Op Relance, juntamente com o alf mil Tavares Machado, todos eles pertencentes ao grupo "Os Lordes" [... designação dum Grupo de Combate formado por voluntários da companhia que recebera instrução especial em Bissau com o fim de constituir o primeiro escalão de progressão e assalto, dado que a CART 1613 foi, inicialmente, companhia de intervenção à ordem do Comando Chefe e actuou em vários pontos do território, segundo explicação dada pelo nosso saudoso cap José Neto (1927-2007)].





Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Ao centro, o Francesinho, alcunha do sold at António de Sousa Oliveira, transbordando de energia e de alegria, uns meses antes de morrer, no "corredor da morte", em 28/12/1967. Era natural de Celorico de Basto (, tal como o seu infortunado camarada, o António Lopes) e emigrante em França. É a única foto que temos dele.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Dois militares parodiam a PM- Polícia Militar... O Cap Corvalho pode ser o terceiro a contar da esquerda, pelo menos é alguém que ostenta as divisas de capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garante-me o Nuno Rubim ...

Não, não se trata de nenhuma "festa de Carnaval", mas da tão desejada "receção dos piras"... Neste caso, a foto deve datar de maio de 1968, quando a CART 1613 (cuja comissão em Guileje vai de junho de 1967 a maio de 1968) é rendida pela CCAÇ 2316 (mai 1968/jun 1969)...Nessa altura, o alf mil Machado Tavares já tinha morrido, pelo que nunca poderia fazer parte deste "grupo de praxistas", ou no mínimo, encarregue de "dar as boas vindas" à periquitagem...
Fotos: © José Neto  (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem de 20 do corrente, do nosso leitor Aníbal Teixeira, 

Assunto: Guiné- Alferes Tavares Machado
Data: 2014-10-20 03:01


Caro Sr. Luis Graça,  bom dia.

Sou cunhado do Alferes Nuno Tavares Machado, falecido em combate na Guiné em 28/12/1967 (***).

Ao ler o vosso site e ao comunicar à minha esposa, única irmã do Nuno, os sentidos de novo despertaram para a situação vivida há 47 anos...

Muitas interrogações e curiosidades reacenderam...

(i)  Como morreu o Nuno ?? Sofreu ?? 

(ii)  Foi condecorado a titulo póstumo porquê ?? 

(iii)  Porque fizeram a placa com o nome dele e a colocaram na parada da messe de sargentos ?? 

(iv)  Se diversos tombaram, porquê o Nuno ?? 

(v)  Porque aparece agora ?? 

(vi)  Há alguém vivo que me possa descrever ?? 

(vii)  Um dia, como alferes, no Quartel General do Porto, interroguei o Comandante da Região Corvacho. Lamentou, mas não me comentou o sucedido. Porquê ?? 

Sempre fiquei com duvidas...

São dúvidas que,  escritas em areia,  desaparecem, mas acompanham sempre os familiares..!....

Se algo possível pretenderem sobre o Nuno, para enriquecerem o excelente e digno trabalho que estão a fazer, estamos à vossa disposição.

Da família directa do Nuno resta a irmã, minha mulher,  e a mãe, com 97 anos. A mãe vive no Porto e nós em Avanca (Estarreja).

Ao vosso dispor, com um forte abraço

Aníbal Teixeira

Tlm (...) | Email (...)

2. Resposta do nosso colaborador, camarada e amigo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas] (****):

Caro Aníbal Teixeira

Sobre o e-mail que escreveu ao Luís Graça, na qualidade de administrador do blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, cabe-me a mim, como colaborador permanente do blogue, tentar dar resposta às questões que colocou.

Para poder dar uma resposta sobre os factos, baseado em documentos oficiais, foram consultadas as seguintes fontes:

a) História da Unidade do Batalhão de Artilharia nº 1896 que tinha como subunidades orgânicas, além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 1612, 1613 e 1614, à guarda do Arquivo Histórico Militar, donde foi extraído o resumo que juntamos, e que consta no 7º Volume – Unidades, da CECA.

b) 8º Volume, Livro 1, Mortos em Campanha, na Guiné, de que juntamos página onde constam os nomes dos três militares que tombaram em 28 de Dezembro de 1967.

§ Na História da Unidade e à guarda do Arquivo Histórico Militar, que fomos consultar, consta na página número 127, a seguinte nota, relativa ao período de 1 a 31 de Dezembro de 1967:

«Em 27 – Executado a Operação “Relance”

Missão – Emboscada no “corredor” de Guileje.

Força executante:

- Companhia de Artilharia  [CART] 1613 (incompleta)

- 1 Grupo Combate da Companhia de Artilharia [CART] 1659

- 1 Grupo Combate da Companhia [de Caçadores] [CCAÇ] 1622

- Pelotão de Caçadores Nativos  [Pel Caç Nat] 51

- Pelotão de Milícias 138

Resultados obtidos:

- Causados ao IN 4 mortos prováveis e feridos vários não controlados

- As NT sofreram 3 mortos, 4 feridos graves (3 milícias) e 3 feridos ligeiros (2 milícias).»

c) 5º Volume, Tomo VI, página 363 de Condecorações atribuídas, onde consta a Portaria de atribuição da Condecoração, assim como o Louvor que deu origem à mesma.

Tentemos, então, dar respostas às questões colocadas, mas que se devem considerar como “opinião pessoal”. Dúvidas não esclarecidas, que se avolumam a cada dia, marcam, às vezes, mais do que a “chegada da notícia do acontecido”.

Como morreu o Nuno? Sofreu?

Pela leitura do Louvor, ainda que feito em termos muito normalizados, o Nuno foi um dos 1711 militares que Tombaram em Combate na Guiné. Quanto a sofrimento, sem querermos ser cruéis, pelo menos o Nuno deve ter sofrido, caso a morte não tenha sido imediata. Pelo menos deve ter pensado na mãe e na família, que era um dos pensamentos sempre presentes. 

Foi condecorado a titulo póstumo porquê?

A resposta está no teor dos louvores que lhe foram conferidos. Apesar de ser o “terceiro oficial” da subunidade, era bastante voluntarioso e admirado pelos “seus homens”, tendo criado e comandado um “grupo de elite” [, os Lordes,} que o seguia sempre. 

Porque fizeram a placa com o nome dele e a colocaram na parada da messe de sargentos?

Para mim, não é mais que camaradagem. Foi, provavelmente, uma forma de “fazer o luto” por um camarada de armas que, apesar de estar “vocacionado para mandar”, não hesitava em dar o exemplo.

Se diversos tombaram, porquê o Nuno?

Se quisesse dar uma resposta “fria”, diria que estava no local errado à hora errada. Se quisesse dar uma resposta “piedosa”, diria que estava na hora de partir para “outras paragens”. Mas, prefiro, dar uma resposta objectiva, baseada no texto do segundo louvor: Morreu porque foi socorrer um camarada ferido, e por isso ficou mais exposto ao perigo. 

Porque aparece agora?

Não sei o que pretende sobre o “agora”. Guilege [ou Guileje] é um marco muito negativo na história das nossas tropas na Guiné. Ficava situado no Sul junto à fronteira, num “corredor” muito utilizado pelo PAICG, para introduzir no território homens, armamento e outros bens. Muitas são as referências àquele destacamento que, em 1973 [, em 22 de maio], acabou por ser abandonado pelas tropas que o guarneciam, após longos dias de bombardeamentos tendo, inclusivamente, ficado sem transmissões, por terem atingido a antena.

Depois da independência, e já no século presente, a AD – Acção para o Desenvolvimento, uma ONG da Guiné-Bissau, recuperou a destacamento, com a colaboração de militares portugueses [, com destaque para o nosso blogue], e organizou um simpósio [, em março de 2008,], pelo que pode ser uma das razões de agora “ter sido colocado em cima da mesa”. 

Há alguém vivo que me possa descrever?

Infelizmente já não se encontram entre nós, o então Capitão [Eurico] Corvacho [e o então 2º Sargento José Neto [, que morreu em 2007, como cap refomado,], um como comandante e outro como responsável pela formação da companhia.

Há várias entradas sobre o tema no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. (Marcadores: Guileje, José Neto, CART 1613, referências no fim dos postes, etc; vd. coluna do lado esquerdo do blogue). 

Um dia, como alferes, no Quartel-General do Porto, interroguei o Comandante da Região Corvacho. Lamentou, mas não me comentou o sucedido. Porquê?

Quem comanda, em qualquer situação, tem apreço pelos que comanda. É natural que o Capitão Corvacho tenha interiorizado esta “baixa”.

Espero que estas notas, se não vão “apaziguar” as vossas dúvidas e saudades, possam ser uma maneira de “amenizar” tudo aquilo que levantou tantas dúvidas sobre um acontecimento de há 47 anos.

Seguem-se os textos referidos anteriormente [, a publicar, oportunamente, no seguimento deste poste].

José Marcelino Martins

josesmmartins@sapo.pt

21 de Outubro de 2014

_________________

(**) Vd. poste de 8 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12127: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (23): A placa toponímica "Parada Alf Tavares Machado" estava afixada na parede da messe de sargentos (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá, ex-fur mil, CART 2410, 1968/70)


 (***) Vd. poste de 29 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6658: Lista alfabética dos 75 alferes mortos no CTIG, 54 (72%) dos quais em combate (Artur Conceição)

3 comentários:

Manuel Carvalho disse...

Já vi esta foto não sei aonde e julgo ser uma recepção a periquitos.

Manuel Carvalho

Luís Graça disse...

Tens toda a razão, Manel... Foste muito mais rápido e intuitivo do que eu no teu raciocínio!...

Trata-se, efetivamnete, de uma cerimónia de "receção aos periquitos"... Só podia ser!...

Qual Carnaval, qual quê!... Não conheci, no mato, durante a guerra, nenhuma festa de Carnaval!... Ou melhor, apanhei, se não erro, uma segunda feira de Carnaval no mato, em 1970, com manga de porrada... O nosso Carnaval era fora do quartel, pois claro!... E só desopilivámos na altura da rendição, quando os desgraçados dos "piras" chegavam, "acagaçados"...

A CART 1613 (Jun 1967/Mai 1968) foi render a CCAÇ 1477 (Dez 1966/Jul 1967)...

Por sua vez, foi rendida pela CCAÇ 2316 (Mai 1968/Jun 1969)...


Logo esta "cena", capitão, alferes, PM, "homens grandes", na "comissão de receção", só pode ser de maio de 1968. E nessa altura o malogrado alf mil Tavares Machado já tinha morrido...Donde ele não figura (nem poderia figurar) na foto...

Obrigado, vou corrigir a legenda. Há mais uma ou duas fotos do Zé Neto alusivas a este "ronco", com os "PM" à porta de armas a aguardar os "piras"...

Anónimo disse...

Camaradas

Provavelmente já não vão ler este comentário. Todavia a propósito sa morte do alferes Machado o que se disse na ocasião em Mejo - um pelotão da 1622 também participou na operaçãp - foi que o alferes, que não integrou a operação foi atingido por fogo cruazado durante uma emboscada. Explico melhor:
O alferes Machado havia ficado no aquartelamento mas ouvindo o tiroteio e sabendo que a sua companhia (1613) estava a ser emboscada não teve meias medidas, pegou na sua G3 e, mesmo em t-shirt, foi em auxilio dos seus camaradas e foi apanhado no meio. Ao que se disse na ocasião em Mejo é que poderá ter sido atingido por fogo das nossas próprias tropas. Ao que se dizia o alferes era muito corajoso e destemido.
Na ocasião eu estava em Mejo.
António Ribeiro