segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13805: A propósito de paludismo... Ou melhor, do sezonismo, que era o termo que tradicionalmente se usava entre nós, na metrópole, até finais dos anos 60 (Parte I) (Luís Graça)


Portugal > Direção-Geral de Saúde > Instituto de Mariologia > Cartaz nº 1

Portugal > Direção-Geral de Saúde > Instituto de Mariologia > Cartaz nº 2


Dois cartazes da Direção  Geral de Saúde, dos anos 40, 
que integravam uma campanha de luta contra o sezonismo (ou malária).

Fonte: Cortesia de  © INSA > Museu da Saúde (2014)  [Edição: LG]



Estação para o Estudo do Sezonismo, Águas de Moura, Palmela, anos 1930

Fonte: Cortesia de © INSA > Museu da Saúde (2014) [Edição de LG]


1. O paludismo, a malária ou o sezonismo eram endémicos em Portugal até aos anos 60, nomeadamente na regiões onde se cultivava o arroz, do Mondego até ao sul ... Não era uma doença estritamente tropical!... Hoje está erradicada em Portugal  (bem como no sul da Europa) mas, com as alterações climáticas a nível mundial, nada nos garante que não venha a ser, outra vez, um problema de saúde pública, daqui a algumas décadas...

Num  artigo meu, de 1999, sobre a História da Saúde e Segurança no Trabalho: 1.2. O Embrionário Desenvolvimento da Saúde Pública no Portugal Oitocentista [, disponível aqui, n aminha página profissional, Saúde e Trabalho, ] escrevi o seguinte:

(...) Menos mortíferas, mas com efeitos igualmente nefastos no nível de saúde das populações, eram as febres intermitentes (ou sezonismo), geralmente associadas à malária ou paludismo, nas regiões onde se praticava a cultura do arroz (bacias hidrográficas do Mondego, do Tejo, do Sado, vale do Sorraia, etc.) bem como ao tráfico de escravos africanos.

Em 1851, J. F. Henriques Nogueira escrevia sobre este mal endémico o seguinte: "Quem há que não conheça os estragos que em mais de metade do nosso país produzem as febres intermitentes ou sezões ? Povoações temos onde na queda do Estio só aparecem rostos magros e macilentos, e pobres doentes, embrulhados em mantas e estirados ao sol (...).

"Dê-se água de boa qualidade às povoações sequiosas, e onde a não houver filtre-se cuidadosamente. Encanem-se os rios; sangrem-se os charcos e pauis: cubra-se de arvoredo o terreno, que se enxugar - e por este modo, com que bastante lucra a agricultura, ter-se-á convertido em salubre, ou incomparavelmente menos doentia uma localidade sezonática" (In: Estudos sobre a Reforma em Portugal, 1851) (...)


Em conclusão: o termo sezonático já era usado, em 1851. E em 1903 há uma referência explícita ao "sezonismo" como matéria ensinada no curso de medicina sanitária, criado em 1903, no ãmbito da reforma da saúde pública em Portugal (1899-1901), liderada por Ricardo Jorge.(1858-1939).

2. Vejamos o que dizem os dicionários:
sezonismo | s. m.

s e·zo·nis·mo (sezão + -ismo) > substantivo masculino  > Doença infecciosa causada por parasitas do sangue do género Plasmodium, transmitida ao homem pelo mosquito anófele, que se manifesta geralmente por sezões. = IMPALUDISMO, MALÁRIA, PALUDISMO

"sezonismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/sezonismo [consultado em 26-10-2014].


Sezão | s. f.

se·zão  > substantivo feminino > Acesso de febre, intermitente ou periódica, precedido de frio e de calafrios.Confrontar: sazão.

"sezão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/sez%C3%A3o [consultado em 26-10-2014].



Capa de um precioso folheto da DGS - Direção Geral de Saúide, do ínício dos anos 70, guardado pelo nosso camarada António Tavares [ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912,Galomaro, 1970/72]... O seu processo na subdelegação de saúde de Gondomar, nos Serviços de Higiene Rural e Defesa Anti-Sezonática (sic) era o nº 155/4/72.  Em março de 1972,  o Tavares regressou da Guiné e em abril teve paludismo, o que o levou a consultar aqueles serviços de saúde (*).

3. O termo sezonismo  é usado pelo legislador, em vez de malária ou paludismo, até aos anos 60:

Portaria n.º 18143 

[ Reproduzido, com a devida vénia, do sítio Legislação.org]

Diário da República > Ministério da Saúde e Assistência
Quarta-feira 21 de Dezembro de 1960
294/60 SÉRIE I ( páginas 2798 a 2798 )

TEXTO :

Portaria n.º 18143
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro da Saúde e Assistência, aprovar, em seguimento da proposta da Direcção-Geral de Saúde, nos termos do n.º 1 da base IX da Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949, e depois de ouvido o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, a seguinte tabela das doenças contagiosas de declaração obrigatória:

1 - Ancilostomíase.
2 - Bilharzíase.
3 - Brucelose (febre ondulante).
4 - Carbúnculo.
5 - Cólera.
6 - Difteria.
7 - Disenterias bacilar e amebiana.
8 - Encefalite infecciosa aguda.
9 - Escarlatina.
10 - Espiroquetose ictero-hemorrágica.
11 - Febre-amarela.
12 - Febres recorrentes.
13 - Febres tifóides e paratifóides.
14 - Hepatite epidémica.
15 - Kala-azar.
16 - Lepra.
17 - Meningite cerebrospinal.
18 - Peste.
19 - Poliomielite.
20 - Psitacose humana.
21 - Raiva.
22 - Sezonismo.
23 - Sodoku.
24 - Tétano.
25 - Tifo exantemático e outras ricketsioses.
26 - Tosse convulsa.
27 - Tracoma.
28 - Tuberculose do aparelho respiratório e outras formas de tuberculose.
29 - Varíola (ou variolóide) e alastrim.
30 - Doenças venéreas em período de contágio: sífilis, blenorragia, cancro mole, linfogranuloma (doenças de Nicolas-Favre).

A presente tabela entrará em vigor em 1 de Janeiro de 1961 e substitui a que foi publicada pela Portaria n.º 16523, de 27 de Dezembro de 1957. A declaração é obrigatória tanto em casos de doença como nos casos de óbito.

Ministério da Saúde e Assistência, 21 de Dezembro de 1960. - O Ministro da Saúde e Assistência, Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.

4. Cartazes da Direção-Geral da Saúde [, DGS,] , início da década de 1940

Dimensões: A. 80,50 cm x L. 60,50 [Vd., as duas primeiras imagens acima]

O Instituto de Malariologia [. criado em 1938, em Águas de Moura, a que ficará para sempre ligado o nome do prof Francisco Cambournac, 1903-1998]  empreendeu várias estratégias para proteção das populações, entre as quais se destacam o tratamento e a profilaxia medicamentosa, o combate ao mosquito Anopheles e as campanhas de sensibilização para prevenção da doença.

A proteção dos núcleos habitacionais foi outra das medidas adotadas, e que se refletiu na aplicação de redes nas portas e janelas bem como na colocação de portais na entrada das casas, com guarda-vento e porta de rede metálica de um milímetro. A estas medidas juntou-se o tratamento dos domicílios com inseticida, verificando-se que eram raros os Anopheles encontrados no interior dessas casas e, consequentemente, o número de casos de malária diminuía.

O cartaz [nº 2]  apresenta uma mulher em primeiro plano, com indumentária rural e, em segundo plano, um berço com criança deitada, protegida por uma rede mosquiteira imprópria, pelo que ambos se mostram doentes.

O cartaz [nº 1]  por seu turno, mostra uma mulher, de perfil, com ar saudável e alegre com junto de um berço com criança deitada, protegida por uma rede mosquiteira em boas condições.

Com estes cartazes, a DGS pretendia transmitir uma mensagem simples, mas eficaz, que alertava para a necessidade de proteção das crianças, neste caso através da aplicação de mosquiteiros nos berços.
Os cartazes foram encomendados pela Direção-Geral da Saúde a um artista plástico no início dos anos de 1940, os quais apresentavam as normas recomendadas de colocação de redes mosquiteiras nos lares e o uso de repelentes.

Estes cartazes integram a coleção da Malária, dedicada ao papel Instituto de Malariologia no estudo, combate e tratamento da Malária.

Fonte: Adaptado com a devida vénia do sítio do  Instituto Nacionald e Saúde Doutor  Ricardo Jorge > Museu da Saúde > (#071) PEÇA DO MÊS - JUNHO 2014

(Continua)
______________

Nota do editor:

Vd. último poste relacionado com o tema do paludismo:  26 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13803: A propósito de paludismo... Quando dispensava de saídas difíceis e quando até atacava na metrópole (Abel Santos / António Tavares)


1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Dizem que razão do comércio de escravos para a América, foi derivado aos trabalhadores, ingleses, irlandeses e outros não aguentaram a malária, e morrerem em grande número, e quererem contratos com direito a ficarem nas explorações coloniais,
Com o comércio dos negros, embora mais caros, aguentavam a malária, não tinham contrato e não tinham nenhuns direitos.
Valdemar Queiroz