segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13612: (Ex)citações (237): Li a versão do António Nobre onde está referenciado o meu acidente. Não havia ninguém até agora que se tivesse lembrado de mim (José Maria Claro)

1. Mensagem do nosso camarada José Maria Pinto Claro(1), Deficiente das Forças Armadas (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969), com data de 10 de Setembro de 2014:

Boa tarde camaradas
No decorrer do Post colocado pelo camarada António Nobre (2), reuni alguns dados e fotos que seguem em anexo.
Disponham das informações e fotos que considerem relevantes.

Um abraço
José Claro


Claro, o Radiotelegrafista

Camaradas de Guerra 
BCAÇ 2464/BCAÇ 2861:
Biambe 1969

Ao camarada António Nobre

Camarada,
Sou o radiotelegrafista Claro que no dia 7 de Abril de 1969 foi ferido com gravidade ficando com amputação da perna esquerda, no rebentamento de uma mina antipessoal.

Amigo, por curiosidade estive a ver e a ler situações referentes à Guerra na Guiné e li a tua versão onde referenciaste o meu acidente, pois até este dia não havia ninguém que se lembrasse do Claro, por isso, meu amigo, um muito obrigado, por me fazeres chorar.

Amigo, como deves saber, eu fui formar e completar a companhia tudo à pressa e neste caso não tive convivência nem grandes amizades convosco, tinha sempre muito trabalho de rádio. Ninguém sabia o que eu passava, estava de 2 em 2 horas no rádio, noite e dia, dormia de 2 em 2 horas, nem tinha tempo de jogar umas cartadas.
Por isso te digo, ninguém da companhia sabia que em todas as operações que tivemos e que aparecia a Força Aérea, era sempre a meu pedido, nunca por ordens superiores, e não nos demos mal Graças a Deus. As preocupações que tive por não termos rádios operacionais, com avarias por vários dias enquanto todos dormiam… E às 3 da madrugada agarrei-me ao portátil e vim para o meio da parada fazer alto sarrabulho, que até acordei o Pratas, a pedir auxílio, também correu bem.

No levantamento de rancho, a meu pedido, também correu bem, pois como sabíamos para o soldado era, ao almoço, bianda com duas rodelas de chouriço e ao jantar, duas rodelas de chouriço com bianda, e se cheirava bem para os lados dos nossos queridos oficiais, até cabrito assado com batatinhas faziam…

Tive várias ocasiões em que a minha intervenção foi crucial, como aquela da saída dos pelotões em que intervieram os T6 e o capitão Pratas indicou--me que a situação da coluna se encontrava a Norte e os aviões lá foram. Não era para Norte, era para Sul que a coluna se encontrava. Tentei contacto com os T6, indiquei-lhes a rota correcta com panos reflectores no chão em forma de seta. Resultou.

A emboscada que tivemos na bolanha com a nossa companhia e outra posicionada no lado esquerdo em que pedi auxílio à FA pela outra companhia não ter transmissões apropriadas para a situação e terem feridos e apareceu o FIAT, correu tudo bem.

Os arranjos nos rádios, porque o furriel não percebia nada daquilo, ou não se estava para ralar, enfim, etc. etc. etc., era eu que os fazia.

Amigo e camarada, estou a desabafar para contigo e estou com a lágrima no canto do olho, porque os camaradas não sabem o que os RTs têm na memória, e digo-te que todos os RTs, estejam onde estiverem sabem, por informações dadas por todos os outros RTs as situações presentes.

Dia 7 de Abril, dia trágico para mim, depois de estar 2 horas de serviço no rádio fui tentar adormecer. Ao fim de meia hora acordaram-me para que fosse formar a coluna para sair, mas voltei a adormecer. Daí a mais meia hora voltaram a acordar-me e disseram que o pelotão já estava à minha espera há uma hora, até parecia que não havia mais operadores.

Até este dia protegi os meus camaradas, pedindo auxílios via FA e outros, e neste dia, até pedi a minha própria evacuação, com a consternação de todos os colegas de curso de Radiotelegrafista de Engenharia, posicionados nos postos do nosso Sector.

O Claro
Radiotelegrafista de Engenharia.
Soldado RT


Biambe, 1969

Biambe, 1969

Biambe, 1969

No HMP de Lisboa
____________

Notas do editor

(1) Vd. poste de 11 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13601: Tabanca Grande (444): José Maria Pinto Claro, DFA, ex-Soldado Radiotelegrafista de Eng.ª da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861 (Biambe, 1969)

(2) Vd. poste de 4 DE MAIO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9853: Breve historial da CCAÇ 2464 / BCAÇ 2861 que esteve em Biambe, Encheia, Buba, Nhala e Binar (António Nobre)

Último poste da série de 9 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13381: (Ex)citações (236): O horror e a beleza: Buba, meados de 1971 [ Francisco Baptista, mil inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada Claro

É natural e humano que estejas ressentido e amargurado.

UM GRANDE ABRAÇO DE SOLIDARIEDADE para todos os D.F.A.

C.Martins

Vasco Pires disse...

Pois é Caríssimo Claro, os nossos líderes políticos, essas pseudo-elites, sempre nos venderam por uma "côdea de broa".

Infelizmente não é de hoje, sempre o fizeram, pelas migalhas que sobravam das mesas dos poderosos de aquém e além mar, (agora, aquém e além Pireneus).

Isto dito,o é sem qualquer conotação político-ideológica, pois, esses tais líderes vieram de todos quadrantes:aristocráticos, burgueses e proletários

Será que somos um povo com pouca sorte?

Um abraço solidário do Vasco Pires

Valdemar Silva disse...

Boa tarde, caro José Claro.
Aquela foto no HMP é extraordinária e arrepiante.
Será que todos aqueles gajos, os
que nos mandaram ir prá guerra, conseguem dormir descansados sem o
mínimo problema de consciência? Filhos da puta.
Um grande abraço.
Valdemar Queiroz

Antonio Nobre disse...

Olá Claro
Foi com alguma comoçao que li os comentarios por ti insertos e que se reportam á fase que precedeu o teu acidente.Força amigo. Outra coisa, como disse anteriormente a nossa companhia tem organizado anualmente almoços de confraternização que inicialmente foram liderados por mim. Actualmente a organização é da responsabilidade do Pereira, ex-cabo que era o nosso delegado em Bissau. Gostariamos que participasses no proximo e que terá lugar no ultimo Sabado de Abril, desta vez em Vila Real.Acredita que já falamos muitas vezes no teu caso. Ainda há dias estive com o Mendes, ex-furriel e que também foi vitima no mesmo dia do teu acidente. Diz alguma coisa porque se necessario eu proprio ir-te-ei buscar. Um abraço e até sempre. NOBRE
.

Antonio Jose Vale disse...

Camarada José Pinto Claro Lembro-me como se tivesse sido hoje do rebentamento da mina que amputou o Claro e que me marcou profundamente, visto que foi o acidente mais grave a que assisti desde a chegada da CCAÇ. 2464 ao Biambe,em 15/02/1969, e no decorrer de uma operação que eu ía a comandar. Foi no dia 7 de Abril de 1969, quando íamos efectuar uma emboscada no Tama. Ainda não tínhamos andado mais de 1 Km quando a coluna, com a milícia à frente parou, tendo-me chegado a mensagem de que havia sido detectado um campo de minas. Chamei o Viamonte para irmos à frente para vermos o que se passava e decidirmos o que fazer. Quando estavamos a chegar perto ouvimos o rebentamento duma mina. Ao avançarmos mais um pouco vinha na nossa direcção o Furriel Mendes,todo enfarruscado e sanguinolento que nos diz que quem tinha pisado a mina tinha sido o Claro. A seguir vimos o Quinze com 2 minas nas mãos e mais adiante o Radiotelegrafista Claro com metade da perna destroçada e o Milicia Sanha a pegar-lhe nos tendões descarnados e a recomendar-lhe calma que ele era um homem valente. A situação era chocante, com todo o pessoal com lágrimas nos olhos e as vozes embargadas. Foi pedida de imediato a evacuação e, como ainda estava-mos perto do quartel decidiu-se regressar aí, onde o helicóptero aterrou e levou para o HM de Bissau o Claro, o Mendes e um Milícia de que não me lembro o nome. Realço aqui a coragem e sangue frio do Claro,que mantendo-se sempre lúcido, só proferiu palavras de alento para todos os camaradas.