quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13468: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (2): "Poesia africana di rivolta!", por Giuseppe Tavani - Poesia de revolta dos tempos anticoloniais, em português

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Julho de 2014:

Queridos amigos,
A poesia foi o género literário de eleição dos intelectuais independentistas africanos.
Lendo desapaixonadamente hoje este acervo, não é difícil concluir que esta poesia engajada, na sua maior parte, não tem assento na posteridade. Por ironia, bebe da tradição lírica portuguesa, na maior parte dos casos.
A propaganda tentou endeusar nomes como o de Agostinho Neto, mas não passam de poetas menores, aquele estro poético teve o seu espaço e o seu tempo, cumpriu a função e depois evaporou-se. Não é drama nenhum, contam-se com os dedos das mãos os bons poemas de Amílcar Cabral, quanto ao mais foram bonitos exercícios escolares quase parnasianos.
Mas o registo histórico desta poesia é obrigatório.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (2)

Poesia de revolta dos tempos anticoloniais, em português

Beja Santos

Trata-se de uma edição italiana para revelar, no fim dos anos de 1960, uma panorâmica da poesia africana escrita em português exaltando a negritude, protestando contra o trabalho-escravo e a repressão, e, sobretudo, exultando uma visão independentista.
Uma antologia onde constam Agostinho Neto, Costa Andrade, José Craveirinha, Kaoberdiano Dambará, Alda do Espírito Santo, Aguinaldo Fonseca, Mário Fonseca, Armando Guebusa, António Jacinto, Marcelino dos Santos, Gabriel Mariano, Ovídio Martins, e mais outros.
Giuseppe Tavani prefacia, falando do colonialismo e da revolta poética. Contextualiza o que está subjacente a esta poesia de revolta, de âmbito socioeconómico e cultural: racismo social, situação dos assimilados, papel do colonialismo externo em contraposição à ocupação direta; distingue Angola e Moçambique dos pequenos territórios da Guiné, Cabo Verde e São Tomé.

De seguida, qualifica o nacionalismo africano, como se expressa o tímido protesto poético ao nível metropolitano e depois espraia-se sobre a produção poética das elites negras e mestiças, por um lado integradas na cultura europeia e, por outro, à procura de identidade comunicando em português e em crioulo. Releva a incipiência do fenómeno literário em termos de autonomia local, chamando à atenção para os trabalhos de Deolinda Rodrigues em quimbundo, de Costa Andrade em umbundo, de Tomás Medeiros e Kaoberdiano Dambará em crioulo, respetivamente de São Tomé e Cabo Verde.

Nunca se fala em nenhum poeta guineense a não ser para dizer que o canto da guerrilha se exprime em crioulo. Estranha-se a observação e as omissões, Giuseppe Tavani consultou Mário de Andrade, neste tempo ainda era desconhecida a poesia de Vasco Cabral, mas era conhecida a poesia de Amílcar Cabral. Coisas incompreensíveis.

A África-mãe é invocada com bastante persistência, e o protesto anticolonial é dado pelo negro na luta, é nessa luta que todo o projeto colonial se tornará matéria comburente, é esta a mensagem daquele que será, porventura, o grande poema desta antologia, da autoria de José Craveirinha, hoje Prémio Camões,

“Grito negro”

Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tu a mina, patrão.

Eu sou carvão
e tu acendes-me patrão
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.

Eu sou carvão
e tenho que arder, sim
e queimar tudo com a força da minha combustão.

Eu sou carvão
tenho que arder na exploração
arder vivo como alcatrão, meu irmão
até não ser mais a tua mina, patrão.

Eu sou carvão
tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão

Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão!

Giuseppe Tavani recorda que alguns destes poetas assumem o peso da tradição portuguesa, no tratamento dos temas do amor, há mesmo sonetos na tradição de Petrarca, sobressai a relação homem-mulher e os seus tormentos. Poderá mesmo falar-se poetas africanos de língua portuguesa há procura de espaço próprio na sua exaltação da negritude e totalmente identificados com o sonho independentista.

Mário de Andrade, em apêndice, discorre sobre a evolução e tendências atuais desta poesia africana de expressão portuguesa, também ele enfatiza os temas da reconquista da soberania nacional e destaca a originalidade da poesia de Francisco-José Tenreiro. Indo mais atrás, observa a escola jornalista angolana que começou a dar os seus primeiros passos a partir de 1880, com o estudo das línguas autóctones, fala mesmo do grupo de intelectuais que publicaram “A voz de Angola clamando no deserto” publicado em 1901.

Dá-nos igualmente uma visão do particularismo regionalista de Cabo Verde e a importância que teve a revista “Claridade”, a partir de 1936. Mas o fulcro da sua atenção está centrado nos acontecimentos políticos da independência do continente africano, o termo da II Guerra Mundial.
Este ensaio escrito em Argel, em Dezembro de 1967, Mário de Andrade fala dos novos nomes de poetas oriundos das colónias em revolta e termina dizendo que a poesia africana de expressão portuguesa, fiel ao próprio húmus, anuncia já um mundo novo da libertação do homem.

Andrade destaca Francisco Tenreiro, um são-tomense que morreu em Lisboa em 1963 e que era do centro universitário como uma das vozes de eleição dessa originalidade da poesia de revolta e por isso publica-lhe a

Canção do “Obô”

O sol golpeia as costas do negro
e rios do suor ficam correndo.

Ardor!

O machim golpeia o pau
e rios de seiva correndo.

Ardor!

Os olhos do branco
como chicotes
ferem o mato que está gritando…

Só a água sussurrantemente calma
corre p’ra o mar

tal qual a alma da terra!
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 30 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13449: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (1): Francisco Marques Geraldes, um herói militar português na Guiné

1 comentário:

Antº Rosinha, retornado disse...

Podiam não ser grande coisa estes poetas, mas era em português, ficou tudo bem.

Foram a maioria do MPLA, PAIGC e FRELIMO.

E ainda bem, foi pena o povo não ter um pouco de mais fé nessa gente aportuguesada.

Politicamente falando estavam muito baralhados, além da adrenalina, pouco mais havia na cabeça deles.

Os milhares de conterrâneos deles que ficaram do nosso lado, sabiam que o fim deles ia ser mais ou menos o que foi, em geral.

Olhados com indiferença ou desconhecimento, ou desprezo por grande parte do povo.

Mas eram aqueles movimentos desses poetas (PAIGC, MPLA e FRELIMO)os únicos que podiam salvar aqueles paises tal como ficaram para a história.

Porque os outros movimentos iam desfazer tudo e lá ia a nossa trabalheira toda.