sexta-feira, 18 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13412: Blogoterapia (255): Em homenagem a dois transmontanos, bravos soldados, o José Tomás Costa (CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), e o Tomás Baptista, meu irmão (Moçambique, 1966/68) [Francisco Baptista, ex-alf mil inf, CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)]

Francisco Baptista
1. A propósito da figura do José Tomás Costa (*), de quem publicámos dois pequenos textos, e que foi sold at inf da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71), transmontano, que não sabia ler nem, escrever quando foi para a tropa, outro transmontano, o nosso grã-tabanaqueiro Francisco Baptista [, ex-alf mil inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72)] , escrebeu o seguinte:

O José Câmara por algumas intervenções que já li no blogue reconheço que é dos maiores humanistas da
Tabanca Grande.

O Carvalho de Mampatá, fez um comentário tão perfeito que a mim tirou-me as palavras, se eu as conseguisse encontrar. Porém o Carvalho  tem um defeito que é exceder-se ao ouvir falar em Trás-os-Montes. Eu perdoo-te mas os outros camaradas não sei.

 O Luís Graça, já todos o sabemos,  é o santo ou feiticeiro que tem sempre a palavra certa para todas as ocasiões.

Ao Joaquim Luís Fernandes, camarada muito sensível, aplica-se bem o verso da Fado Tropical do Chico Buarque da Holanda: "Sabe no fundo eu  sou um sentimental".

Por mim digo que como transmontano, orgulhoso das minhas origens, por vezes um pouco só nesta Tabanca Grande, senti um grande orgulho ao ler as crónicas e as experiências do José Tomás da Costa.

Tomás, se me leres, quero dizer-te que tu apesar de aprenderes a ler e escrever tarde, aprendeste depressa a lição e sabes expressar-te como poucos. Falas com emoção, quando referes a tua família e com humanidade quando referes as gentes da Guiné. Tomás, gostei muito dos teus textos, tu com outras condições e motivações podias escrever um grande livro.

Conheci outro Tomás, em Brunhoso, na minha aldeia, era três anos mais velho do que eu. Foi um grande amigo, com quem passei bons e maus momentos. Juntos passámos muitos momentos de trabalho e outros de  borga. Ele, como mais velho, apesar das nossas quezílias frequentes, convidava-me sempre para todas as farras que organizava com amigos. Muitas vezes eram linguiças ou salpicões que roubávamos no fumeiro da nossa casa e iamos comer com três ou quatro amigos para uma casa desabitada que tinha sido duns avós. Fumeiro dessa qualidade é muito  difícil encontrar hoje. A minha mãe nunca se queixou da falta deles e lembro-me que uma vez roubamos-lhe o salpicão maior. Os transmontanos do nosso tempo sabem qual é. Eu não o digo porque tem um nome pouco simpático, apesar de normalmente ser também o mais saboroso. Em dias de festa da terra, a mesa em nossa casa estava sempre posta. O Tomás levava sempre, durante a tarde e a noite, muitos amigos das  terras próximas para comerem. Hábitos antigos de hospitalidade que a minha mãe encarava com simpatia e naturalidade 

Era temperamental e excessivo na amizade e na festa que ela podia proporcionar. Um pouco diferente dele e com alguns conflitos, de proximidade e  temperamentos, sei há muitos anos que foi um grande amigo que tive e  que perdi. Em 1966 foi como soldado para o norte de Moçambique, Mocimboa da Praia, na fronteira com a Tanzânia. Escreveu-me alguns aerogramas onde falava da vida difícil que tinha por lá. Falava também duma correspondente brasileira que penso que seria a única que tinha.

Quando regressou, após 28 meses. trouxe muito chá, trouxe um gravador de cassetes, novidade em nossa casa. Trouxe ainda fotos que me mostrou da correspondente do Brasil. Gostei da fotografia, achei que a moça era linda, feita de uma mistura de raças, india, africana e europeia. Leu-me cartas dela, havendo somente uma relação de amizade entre eles, era meiga e sedutora como se isso fizesse parte da sua natureza. Talvez nesse tempo se ele tivesse asas teria ido conhecê-la ao Brasil. As viagens intercontinentais eram caras e não havia dinheiro para  elas. 

Tantos conterrâneos nossos que imigraram para lá e nunca mais voltaram à terra. Nesses tempos de miséria as familias que emigravam para o Brasil despediam-se para sempre, até à eternidade. 

Este Tomás Baptista, como é fácil adivinhar, era meu irmão, o irmão masculino que pela idade tive mais próximo de mim. Tivemos os nossos choques e desentendimentos mas sempre houve uma grande amizade entre nós. Era um homem muito trabalhador, temperamental e folgazão. Porque não estudou, trabalhou muito como lavrador em benefício da comunidade familiar.
Infelizmente, morreu cedo, com 53 anos, há 16 anos, duma doença que o fez sofrer muito, durante meses. Paz à sua alma!

Este texto escrevo-o em homenagem a ele e ao camarada transmontano, José Tomás Costa

Para os camaradas da Tabanca que gostem de fado, descobri um da  Celeste Rodrigues que se chama "Praia de Outono" [,Música de Nóbrega e Sousa e poema de David Mourao Ferreira,] acho-o também  bastante adequado à nossa idade.

A todos um grande abraço,
Francisco Baptista (**)
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Notas do editor:

(*)~Vd. comentário do Francisco Baptista ao poste de 16 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13404: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XVI: A "sorte de um soldado", transmontano, que não sabia ler nem escrever quando foi incorporado (José Tomás Costa, sold at inf, 1º pelotão)

7 comentários:

Luís Graça disse...

Francisco, é emocionada (e emocionante) a evocação que fazes do teu mano mais velho, Tomás, que também ele pagou, como todos nós, o imposto de sangue, suor e lágrimas, por ter nascido nesta terra a que chamamos a nossa Pátria, às vezes mais madrasta ou padrasto, do que mãe ou pai, mas que amamos, e continuaremos a amar até ao fim dos nossos dias. Pátria, Mátria, Fátria... Podemos renegá-la, atraiçoá-la, vendê-la, mas nunca poderemos esquecê-la...

Vejo que a "sorte" do José Tomás Costa, transmontano de Chaves, te tocou, e que, qual caixinha Pandora, a sua história de vida te levou até á tua infância, em Brunhoso, Mogadouro, e á figuta tutelar do teu mano mais velho, Tomás... Vejo quanto ele foi, para ti, uma figura de referência. E quanto o amavas!... (Tento imaginar, já que sou o irmão mais velho de 3 raparigas, nunca tive um mano mais velho como o teu Tomás!).

E já agora, como se chama, na tua terra, o salpição feito da tripa do intestino grosso do porco ? Por pudor, não deixaste grafado o vocábulo, que deve castiço... Na terra da minha mulher, Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, chamam-lhe o "paioto", o suculento e nobre salpicão que só se come em ocasiões especiais (, nomeadamente aquando das "serviçadas", com a casa cheia de gente esfomeada, e a quem queremos mostrar a nossa riqueza e hospitalidade)... È o rei do salpicão!... Não consta em nenhum dicionário de poruguês... É um daqueles muitos regionalismos que enriquecem o nosso falar, mas que os senhores de Lisboa, Porto e Coimbra nunca ouviram falar...

Andei aqui a espreitar no léxico de Brunhoso, mas não apanhei o termo... Preciso de tenmpo e vagar, que é coisa que agora não tenho.

Um abraço fraterno, Luís.

PS - A próxima semana lá estarei, no Porto e em Candoz, para uns dias de férias nortenhas...

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Brunhoso > Regionalismos e expressões típicas


http://www.bragancanet.pt/brunhoso/regional.htm

Luís Graça disse...

Já descobri!... "Salpicão do cu!"...

Ah! grandes transmontanos do caracho de Brunhoso!...

É um destes, o salpição do cu, que a gente vai deitar abaixo quuando um dia nos encontrarmo-nos lá no nordeste transmontano!... Tenho uma amiga casa em Macedo de Cavaleiros...
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"Salpicão do cu - O maior salpicão, feito com a tripa do recto (do porco) (tripa cagadeira)."

Brunhoso > Regionalismos e expressões típicas


http://www.bragancanet.pt/brunhoso/regional.htm

Luís Graça disse...

... A gente de Candoz tem fama de ser brava no falar, no comer e no trabalhar... Mas chamar paioto ao salpicão do cú!...

Frrancisco, já registei no meu caderninho!...

Joaquim Luis Fernandes disse...

Caro amigo Francisco Baptista

O nosso Maior, Luís Graça, seguiu nos seus comentários, de modo brincalhão e bem gostoso, a apelar às papilas gostativas e ao bom e fraternal convívio, enaltecento a cultura transmontana, fonte de orgulho para os seus naturais. Eu, nada tendo contra, não irei por aí.

O que quero transmitir-te foi o que senti ao ler os comentários que fizeste a propósito dos textos do camarada José Tomás Costa, a pretexto do qual evocas a memória do teu irmão Tomás.

Quando li os comentários, não me foi oportuno escrever o que senti, mas agora, que o teu comentário foi postado, não pooso deixar de o fazer.

Na forma como evocas a memória do outro Tomás, que só no final revelas ser teu irmão, nas palavras que utilizas, revelas toda a emoção que essa evocação te provoca. Ao ler-te, era como se ouvisse a tua voz transmitindo essa emoção, na dor da saudade de tudo o que viveram e disseram e na dor de tudo o que ficou por viver e por dizer. Se estivesse por perto, junto a ti, não teria muitas palavras, apenas te daria um forte abraço.

Francisco, penso que o que sentes é um pouco o que todos nós (ou quase) da nossa geração, sentimos. As nossas memórias estão a ficar carregadas de passado, o presente nem sempre nos alegra e o futuro muito menos nos estimula. Como diz o outro,"é a vida"!

Agora, não podemos é deixar que esta nossa passagem pelo Outono da Vida, nos vença. Se perdemos algum vigor físico, ganhámos em sabedoria, avaliando e valorizando melhor as coisa boas ao nosso alcance, de que vamos desfrutando. E uma delas é sem dúvida a amizade com que vamos celebrando a vida.

Até uma próxima!
Abraços
JLFernandes

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Tenho estado um tanto 'ausente', não por férias mas sim a tentar 'criar condições' para ver se este ano consigo ter alguns dias de descanso.

Francisco, sou um apreciador da forma 'rude' como Miguel Torga escreve "Os novos contos da montanha". Disseste, no teu texto, que o Tomás da Costa revelou poder escrever um grande livro, com outras condições e motivações. Pois bem, deixa-me que te diga que também tu tens algo, no teu modo de escrever e na forma empolgada como referes os teus ambientes transmontanos, que fazem lembrar o Adolfo Rocha.

E, já agora, economizando tempo e palavras, deixa-me, com a devida vénia ao autor, subscrever as palavras do J. Luís Fernandes.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro Francisco
Lembro-me de desapertar os nagalhos das chouriças e dos salpicões, para surripiar de cada um, um bocadinho de carne, logo os reatando e repondo na vara. Como ficavam mais curtos, sobretudo quando a operação era repetida, a minha santa Mãe, responsável por nos dar de comer a todos, admoestava-me mas nunca me bateu. Naquele tempo, os salpicões era o que de melhor havia em casa mas havia que os governar para as ocasiões especiais e para pessoas importantes, como o médico ou o padre. Era, nitidamente, outro tempo.
Um abração
Carvalho de Mampatá

Manuel Carvalho disse...

Meu caro amigo Francisco ao falares do famoso salpicão do cu e dizeres que era muito bom lembrei-me que a minha sogra enchia essa tripa com os dois melhores nacos que tinha o porco os chamados coelhos que ficavam junto aos rins na parte de dentro das costelas, os novilhos também teem e julgo que é a carne melhor e mais cara em qualquer animal, é caro também porque são bocados muito pequeno.Há muita gente até com posses e nunca pôs o dente num naco desses até porque nem sabe o que é.
Pois estava longe de pensar que ia saber através do Blogue que o meu irmão ia sacar o chicho ao salpicão e voltava a atar eu fazia como tu tirava quando eles já estavam curados.è bom recordarmos estas coisas do passado.
Um abraço
Manuel Carvalho