sábado, 10 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13125: Bom ou mau tempo na bolanha (55): Entre militares em cenário de guerra (Tony Borié)

Quinquagésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Há algum tempo o “comandante” Luís Graça comentando uma qualquer coisa a que eu vou chamando, um “texto”, ou um “post”, que na verdade só é legível com a preciosa paciência e ajuda do Carlos Vinhal, dizia uma frase onde mencionava, “ a tua Mansoa City”.

Talvez brincando com a história do conflito que por lá vivemos, aquilo em alguns princípio de mês, não era bem a “Mansoa City”, mas talvez, Las Vegas, Las Vegas, ou mesmo Atlantic City e, o aquartelamento em construção, talvez fosse o “Bellagio”, o “Caesars Palace”, o “Mandaly Bay” ou mesmo o “New York New York”.

Tudo se passava nos aposentos do furriel, que por sinal andava sempre a fumar um cigarro feito à mão e, aquelas “jornadas” de “lerpa” ou “montinho”, que se prolongavam pela noite dentro, só terminando quando uma das três coisas acabasse primeiro, que eram, os cigarros, o álcool, ou o escuro da noite, com o regresso da luz do dia.

Durante o dia, o Cifra carregava, à frente de todos, uma caixa de cerveja e talvez uma garrafa que devia ser do tal “whisky Vat 69”, que vinha da Escócia, onde algumas garrafas traziam a legenda que dizia mais ou menos, “for portuguese military, with love”, talvez fosse roubada, ou talvez não, mas vinha da messe dos sargentos, onde o Cifra fazia as contas, pois o bom do sargento dava-lhe uma certa liberdade, até diziam que era “burro”, mas devia de ser só fama, pois ele tinha muita competência para naquelas circunstâncias, dar de comer àquela gente toda e, era uma pessoa de muito bom trato.

Depois era a noite de “jogatana”, onde os “pesos” se acabavam para alguns, cresciam para outros, onde ninguém ficava “teso”, pois tal como os cigarros, quando estavam quase sem dinheiro, logo se pedia emprestado aos que naquele momento estavam a ganhar, mas no final, quando terminava o jogo, ninguém devia nada a ninguém, quem ganhasse, ganhou e, o que se passou, passou e, tal como em Las Vegas, “what happens in Las Vegas, stays in Las Vegas”, aqui era o mesmo, tudo ficava e “morria” dentro daqueles aposentos, ao outro dia, era outro dia e ninguém falava em dívidas ou lucros.


E, já que estamos a falar naqueles militares que por lá estavam, aquilo não era bem como o professor Silvestre nos explicava, na então escola fria, do adro da vila de Águeda, em que nos dizia que havia três classes de pessoas, que era “o Clero, a Nobreza e o povo”, mas lá em Mansoa também havia algumas classes de militares, eram os soldados, cabos, furriéis e alferes milicianos, que se tratavam quase “tu cá, tu lá”, depois eram os capitães e os majores, dos quais nós tínhamos algum receio e muito respeito, assim como ao nosso comandante, que era um tenente-coronel, mas de melhor trato que alguns desses capitães e majores.

Naquele aquartelamento em Mansoa, pelo menos enquanto o Cifra ali esteve estacionado, não havia as formalidades usadas e ensinadas aos militares, quando receberam a instrução básica, no quartel em Portugal, não havia toque de clarim pela manhã, ou em qualquer outra ocasião do dia, pelo menos os mais velhos e que já se conheciam, respeitavam os seus superiores, acatavam as suas ordens, claro, havia sempre excepções, como no caso do Curvas, alto e refilão, mas mesmo esse militar nunca levou qualquer castigo disciplinar, pelo contrário, mas um simples, olá meu sargento, como está meu alferes, muito bom dia meu capitão, o meu major passou bem? Só havia um major que queria saudação, mas quase todos o evitavam. Os furriéis e alferes milicianos, pelo menos os que estavam estacionados no aquartelamento, conviviam com os soldados, quase de igual para igual.


Só ao comandante é que se dizia: Vossa Excelência dá licença, com a respectiva saudação, ao que ele dizia sempre, que não queria salamaleques, só queria que o respeitassem e tivessem disciplina nas suas funções, pois estávamos todos no mesmo barco, embora com diferentes responsabilidades.

Às vezes, quando as notícias não eram tão boas, ficava com cara de comandante e, quase todos o evitavam.

As horas das refeições estavam marcadas numa lista no refeitório, com o nome da companhia ou pelotão, e quase todos respeitavam. Mais tarde, como o movimento de militares aumentou, pois chegou a haver quase três vezes mais militares no aquartelamento, já havia umas certas regras, e houve até alguns casos de disciplina, mas nunca houve o toque de clarim, nem qualquer chamada de recolher.

Quando alguns ficavam a falar até um pouco mais tarde no dormitório, bastava um dizer um pouco mais alto: Calem-se, caral..! - Há malta que tem de sair pela madrugada. E quase todos se calavam.

Tony Borie, Abril de 2014.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13088: Bom ou mau tempo na bolanha (54): Caravelas, Bolanhas, Índios & Cowboys! Hoover Dam (Tony Borié)

Sem comentários: