quinta-feira, 8 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13115: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (28): Caldas da Rainha onde frequentei o 1.º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos até me magoar, baixar ao HMP e regressar a casa com licença registada (António Tavares)

Estação dos combóios da Caldas da Rainha

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 1 de Maio de 2014:

Caro Vinhal,
Junto envio três fotografias e um texto sobre a minha passagem nas Caldas da Rainha.
Abraço de amizade
António Tavares


Foz do Douro – Caldas da Rainha 

Ao ler o Post 12597 recordei a minha primeira viagem de comboio, na qualidade de soldado, com partida da estação de Porto - Campanhã.

A viagem foi atribulada com mudanças de comboio e excesso de mancebos nas carruagens mas tive de aguentar porque tinha sido alistado em 8 de Junho de 1968.

Chegados ao princípio da noite à estação da CP das Caldas da Rainha tínhamos entre outros um senhor, cego de nascença, à nossa espera. Oferecia alojamento.
O dito senhor depois de ter acertado o preço da dormida, naquela friíssima noite de 7 de Janeiro de 1969, conduziu-nos à sua habitação. Na distribuição dos quartos de casal fiquei com um conterrâneo. Ele conseguiu dormir, eu não.

Na manhã de quarta-feira 8 de Janeiro apresentei-me no Regimento de Infantaria nº 5 para a frequência do 1º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos. Deram-me alojamento na 4ª Companhia e o Posto de Soldado Recruta com o número 615/69. O meu primeiro número na tropa.

Desde logo apreendi que um militar da classe Praças era um número. O nome ficava à Porta de Armas. As roupas foram distribuídas ao acaso, isto é, o soldado instruendo em fila recebia dois pares de botas, um par de sapatilhas, uma farda de trabalho, etc… sem olharem às medidas de cada um. As trocas eram feitas entre os soldados mas era difícil acertarmos nas medidas.

A primeira noite passada no quartel foi aterradora para a maioria dos instruendos. Muitos choros se ouviram. Eu cansado consegui dormir menos mal. O ano de 1969 teve um Inverno rigoroso. Foi o ano do terramoto em Fevereiro.

Na manhã seguinte dada a alvorada às 6 horas e feita a higiene pessoal havia a formatura geral da Companhia junto à porta da caserna. Era tão escuro, frio e chuva, na maioria dos dias, que somente os instruendos que estavam na fila da frente tinham de ficar em boa ordem. Os restantes encostavam-se uns aos outros para protegerem-se do frio e da chuva. Esta entrava pelo pescoço, escorria pelo corpo e depositava-se dentro das botas. Os instrutores davam as ordens abrigados e assim não conseguiam ver todos os elementos do pelotão e pouco ou nada se molhavam.

Certa manhã andava o pelotão a apreender a acertar o passo sob uma chuva intensa quando um Major passou num veículo Volkswagen preto, parou, repreendeu o instrutor e mandou abrigar os instruendos. Um determinado dia na instrução aleijei-me. Levado para a enfermaria aí repousei 7 dias ao fim dos quais fui transportado numa ambulância Volkswagen para Lisboa. Fui acompanhado com outros instruendos por motivos idênticos. Do Hospital Militar Principal, à Estrela, fui parar ao Anexo, em Campolide - “Texas” - onde estive internado 6 dias. Nesta viagem os camaradas eram outros, entre os quais um militar da GNR. No dia da alta ao chegar a Santa Apolónia o último comboio com destino às Caldas da Rainha tinha acabado de partir. Telefonei para o quartel a dar conta da ocorrência. Na manhã do dia seguinte apanhei o comboio para as Caldas da Rainha. Ao apresentar-me ao Oficial de Dia, este de imediato deu-me ordem de prisão porque tinha de estar no quartel no dia anterior.

- Eu, preso? Porquê?

Tinha cometido um crime! Não compreendi porque há dias era bem comportado e colocado na 2ª classe de comportamento e naquele dia era um criminoso. Pelo quartel andei, de seca para Meca, até que os senhores me passaram uma licença. Eu disse adeus ao RI 5, que marcou a minha presença, sem qualquer punição. Recebi 2$50 - dois escudos e cinquenta centavos - de pré referente ao período em que fui hóspede do RI 5.

Os oficiais que conheci no RI 5:
- Capitão de Infantaria José Máximo Moncada Oliveira e Silva que era o Cmdt. da Companhia.
- Tenente de Infantaria Hermínio Couto Maçãs era o Chefe da Contabilidade.
- Major de Infantaria Manuel José Morgado era o Director de Instrução.
- Coronel de Infantaria Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI 5.

Como a Igreja e a Tropa eram inseparáveis tínhamos o Padre Tomás Marques Afonso com a patente de Tenente Capelão.

Assim começou a minha vida de militar que se prolongou por 38 meses, incluída uma permanência de 23 meses, nas matas do leste do Comando Territorial Independente da Guiné, em Galomaro. Passados uns meses no CISMI, em Tavira, comecei da estaca zero nova instrução e com outras aventuras e histórias.


António Tavares
Foz do Douro, 1 de Maio de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P13068: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (27): Guardo Elvas e as suas gentes no meu coração (Henrique Cerqueira)

4 comentários:

Cesar Dias disse...

Tavares, não deve haver muitos casos como o teu, fizeste a recruta em Tavira e nas Caldas. Nesse breve periodo que estiveste nas Caldas, eu também lá estava, comecei a dar uma recruta salvo erro na 5ª Companhia, mas também tive de interromper, o nosso amigo Spinola chamou uma série deles com urgência. Já agora conta também a tua passagem por Tavira que me ficou no goto.
Um abraço
César Dias

Luís Graça disse...

Obrigado António, por esse regresso ao passado... Também lá estive, no 1º ciclo do CSM, no turno anterior do teu... Foi lá que fiz o juramento de bandeira, tendo seguido depois para o CISMI, Tavira...

Tenho poucas ou nennhumas memórias do RI 5... É estranho, sou da região (Lourinhã, a sul, a 30 e tal quilómetros)...

O comandante Giacomino Mendes Ferrari, que foi primneiro comandante da BT/GNR (entre jukho de 1970 e abril de 1974), morreu aos 93 anos, em 2010... Não tenho nenhum ideia do senhor... Nem de mais nenhum oficial que me tenha dado instrução... É estranho, muito estranho...

http://pirucas.blogs.sapo.pt/379555.html

Luís Dias disse...

Amigo António Tavares

Gostei imenso daquilo que escreveste, das aventuras e desventuras de quem era atirado para a tropa e, na verdade, tinha de se desenrascar. Hoje este tipo de situações passados com a juventude actual seria o bom e o bonito! Lá iam os pais a correr para o quartel para "desancar" nos superiores dos meninos. Outros tempos, outras vontades, mesmo outras gentes.
Um abraço.
Luís Dias

armando pires disse...

Camarada António Tavares.
Se em 1969 esteve no Anexo do HMP, em Campolide, então "vimo-nos" por lá. Nesse tempo eu estava lá como cabo-miliciano enfermeiro, na enfermaria 5, ao lado da enfermaria dos mutilados.
Não me diga que...
abraços do
armando pires