quinta-feira, 3 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12927: O que é que a malta lia, nas horas vagas (28): Fotonovelas não temos, mas arranja-se Sigmund Freud (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 27 de Março de 2014: 

Viva Carlos,
Apesar da chuva desejo-te boa tarde.
Hoje, quando manuseava um dossier da Guiné, onde guardei uns apontamentos sobre Salazar, descobri o pequeno papelinho, que anexo, e pode muito bem enquadrar-se na rubrica do blogue, que acolhe os temas relacionados sobre as nossas leituras naquele espaço geográfico da antiga colónia, durante as nossas comissões militares.

Já anteriormente me pronunciei sobre coisas que me interessava ler. Referi que em Piche havia um acervo livreiro sobre, principalmente, temas romanceados, Lartéguy e Amado eram à farta. Mais tarde, em Bajocunda, já havia uma certa evolução gustativa, e o colectivo livreiro passou a integrar ensaios, poemas interventivos, e outras publicações de carácter político e contestatário.
Coisas que líamos na pacatez do lugar e dos "intervais" da guerra, sendo que uma ou outra poderia considerar-se "armadilhada".
Nunca houve azar, nunca irrompeu nos quartos qualquer brigada da secreta, nem consta, que tivesse havido bufaria, até porque o âmbito dos leitores mais atrevidos era bastante reduzido e circunspecto.

Em Piche, como já referi noutra ocasião, também tive o meu período "intelectual" dedicado às fotonovelas. Andei próximo de ficar apanhada, mas, ao que consta, o meu stress pós-traumático só tem a ver com a característica que me atribuem, de ser um bocadinho maluco dos cornos. Ou era, pois já me dou conta, de que, nesta idade, às vezes, convém ter travões.

Passemos então à matéria da relíquia, que não guarda rendas, nem odores de sedução, como a do Eça com todo o encanto da descrição que ele fez. Pelo contrário, até pode passar ao lado da curiosidade da maioria, e vou descrevê-la com a carga fictícia de quem já não se lembrava do assunto.


FOTONOVELAS NÃO TEMOS, MAS ARRANJA-SE SIGMUND FREUD

Um qualquer dia, de certeza em Bajocunda, algum funcionário ou militar terá sido portador do papelinho digitalizado, que "pede por favor" aos Srs Furriéis (com maiúscula, que o respeitinho é muito bonito), se podem emprestar fotonovelas ou foto Romances (?).
Acrescenta alguma coisa, que não se parece com nada, e assinou.

Igualmente, este teu amanuense deve ter sido o destinatário, ou um dos destinatários, mas de alguma maneira tornou-se personagem, quiçá a pensar produzir algum efeito especial num futuro blogue dedicado às coisas daquele tempo na Guiné.

Como o amanuense não morria de amores pelo capitão, que considerava descaracterizado, e o autor da missiva com interesses vastos pela leitura não teve em conta, por falta de destinatário expressamente indicado, que a mensagem poderia chegar ao IN, o referido amanuense ousou baralhar Sua Senhoria o capitão, e respondeu nas costas do instrumento mensageiro, que se lamentava a indisponibilidade do material pedido, mas, em alternativa, se assim o entendesse, subentende-se, poderia usufruir da leitura contida em "Psicopatologia da Vida Quotidiana", título perigosíssimo, por o conteúdo poder conter denúncias de certas práticas, associadas a patologias incuráveis nas bordinhas do deserto (Sahará).

E, como se sabe, ninguém gosta de tomar conhecimento de derivas no próprio estado de saúde. Por esta e por outras poderás avaliar como o amanuense nutria profunda estima pelo maioral, que retribuía (a ordem é indiferente), tanto quanto possível, na mesma moeda.
Iam-se gramando, até que deixaram de gramar-se. Mas não foi desta. Só não sei, por que raio de artes consegui ficar com a mensagem e a resposta, já que não era meu costume (ainda não é) devassar bens alheios.

Ou será que ele me devolveu o papel com alguma ironia ou ameaça?


____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12882: O que é que a malta lia, nas horas vagas (27): Em Galomaro li "A Relíquia" e "O Primo Basílio" do Eça de Queirós, José Vilhena e outros autores, ouvi a Maria Turra e decifrei os escritos do 2.º CMDT do Batalhão (António Tavares)

3 comentários:

12 Martins disse...

Mauzinho!
Isso, trocar literatura de cordel, por Freud …
Abraços fraternos

Anónimo disse...

Olá Camaradas
Sobre este tema quero recordar a compra de livros de Erskine Caldwel e outros em Cacine, na "Cantina do Toneca", comerciante branco que vivia sozinho na única loja que lhe restava. Já tinha tinha mais três lojas em Campeane (ocupada pelo PAIGC), Cacoca e Sangonhá, todas devidamente vandalizadas.
Em Bafatá, também se compravam livros de Lawrence Durrel, em 1972, mas já não me lembro onde e, em Bissau, onde comprei, em edição cartonada (de luxo), seis livros de Zé Cardoso Pires que cá em Lisboa, nem vê-los. Às vezes a PIDE, quanto mais olhava, menos via...
Um Ab.
António J. P. Costa

Hélder Valério disse...

Caros camaradas
Caro Zé Dinis

Já nos tens habituado à tua irreverência. Não falo da 'actual', dos tempos que correm, mas sim da que 'praticavas' nos teus tempos de Guiné.

Mas hoje temos uma 'novidade'.
É certo que é legítimo admitir que tudo o que houvesse para 'matar o tempo', naquelas horas de ócio (para quem as tinha, claro), servia perfeitamente. Fosso lá o que fosse.

Aqueles mais habituados a procurarem e a encontrarem na literatura resposta, ou pelo menos proposta de resposta, às suas interrogações, tomaram precauções e levaram os livros que melhor entenderam. Outros ficavam-se pelos jornais e revistas. Outros ainda também se distraíam com erotismo e mesmo pornografia.

Agora, sugerir que fosse lido um 'calhamaço' com esse sugestivo título (sugestivo na medida em que 'sugere' tratar-se de algo intragável para o comum dos mortais) não lembrava ao Diabo! A menos que fosses tu a 'encarná-lo'.....

Abraço
Hélder S.