sábado, 22 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12760: Bom ou mau tempo na bolanha (45): Combatentes até ao fim (Tony Borié)

Quadragésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.


O dia estava radioso, nem muito sol, nem muita humidade, o céu tinha umas nuvens brancas, lá ao fundo, do lado da ponte.
Pelo menos eram estas as palavras que começavam o diário, que dizia que era o dia 9 de Março, uma terça-feira, que devia de ser de 1965.
Mais à frente dizia, como sempre em letras, um pouco difíceis de entender, que tinha ficado a trabalhar nas suas tarefas no centro cripto, em lugar de um companheiro que tinha ido para a capital da província, que não sabe se foi em passeio ou doente.

Para o Cifra, estar no centro cripto, executando as suas tarefas ou estar a dormir, era a mesma coisa, pois estava ali preso, naquele aquartelamento em construção.

Diz mais à frente que estava sentado, claro, talvez fumando aquele “três-vintes” sem filtro, (que fazia os dedos amarelos, só de segurar o cigarro entre eles), passando a limpo o texto de uma mensagem que mencionava dois feridos e um morto, que era milícia, durante um ataque, na pequena fortaleza que os militares acabaram de construir em Encheia.
Levanta os olhos, vê na parede um mapa de Portugal continental, que alguém ali pôs e que o Cifra sabia que estava lá, mas nunca tinha reparado assim com tanta atenção, e disse para si: "Quando acabar esta mensagem vou ver aquele mapa melhor".

Assim fez, e estava lá, em letras pequenas num canto, uma pequena história que mencionava “sarracenos”, “fenícios”, “visigodos”, e mais umas dezenas de palavras, que explicava que era a Península Ibérica, e logo aí o Cifra pensou: "É verdade, somos isso tudo e mais, talvez da “bretanha”, “vikings”. Tinha lido essas palavras numa revista do “Século Ilustrado” que traziam umas gajas quase nuas, que tinha roubado na messe dos sargentos, e logo pensou: "Somos oriundos da Península Ibérica, estávamos quase rodeados de mar, somos descendentes de aventureiros, fomos criados em regime de família, portanto os mais idosos diziam o que era bom ou mau, e os mais novos acatavam as ordens, obedeciam, e assim na idade jovem, apresentámo-nos voluntários no quartel para inspecção.

Alguns aprenderam as normas militares que os mais velhos ensinavam, e assim aparecemos num cenário de guerra, com o tal espírito dos nossos antepassados que eram AVENTUREIROS!

E agora o Cifra acrescenta, AVENTUREIROS que se transformaram em COMBATENTES, e o nome de combatente vai acompanhar-nos até morrer, os nossos filhos, netos e bisnetos, todas as futuras gerações vão sempre mencionar, que o pai, o avô, ou bisavô, era COMBATENTE!

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12696: Bom ou mau tempo na bolanha (44): Fomos Combatentes, tratem-nos bem (Tony Borié)

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Tony

Hoje, nestas memórias do "Cifra", encontramos muita nostalgia.

As descrições são interessantes, a questão dos cigarros que amareleciam os dedos, o trabalho no centro cripto onde se sabia das coisas antes do comando, o pormenor das reflexões sobre o mapa de Portugal e a génese da sua formação evolutiva, dos povos de diferentes características que foram caldeando a nossa forma colectiva de ser e de estar...

Para terminar, o "Cifra" faz fé na velha máxima de que o "combatente acompanha-nos até morrer" e de que tal será mencionado pelos descendentes. Sim, é verdade, mas tem que haver descendentes e tem que haver interesse deles.

É claro que o trabalho que o "Tony-Cifra" tem vindo a fazer, dando a conhecer partes da sua vivência, é essencial para se atingir esse objectivo.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro Tony,

Com nostalgia ou sem nostalgia vai escrevendo sempre para os teus apreciadores.

Um grande abraço.

Adriano Moreira