sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Ao longo de anos, foram-se reunindo vários painéis sobre a descolonização da Guiné nos conceituados encontros da Arrábida.
Como se pretende, dentro das nossas modestas possibilidades, fazer um arquivo do que de essencial se tem escrito sobre a Guiné, a sua guerra, a sua história, a sua cultura, e até a sua descolonização, não teria sentido deixar de dar a voz a diferentes protagonistas e aos seus depoimentos por vezes muito relevantes.
Faz-se aqui a síntese do painel de Agosto de 1995, em breve se dará seguimento aos outros que tiveram lugar naquela idílica serra da Arrábida.

Um abraço do
Mário



A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (1)

Beja Santos

No site que se indica (http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm) o confrade tem acesso a sucessivas jornadas de trabalho promovidas no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida dedicadas à descolonização portuguesa. A Guiné foi alvo de várias jornadas de trabalho, aqui se sintetiza a primeira, pelo adiante se resumirão as posteriores. Em 29 de Agosto de 1995, depuseram o general Mateus da Silva (membro do MFA e Encarregado do Governo da Guiné depois do 25 de Abril) coronel Carlos de Matos Gomes, Oficial dos Comandos, que pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné e é o conhecido escritor Carlos Vale Ferraz, José Manuel Barroso, jornalista, capitão miliciano na Guiné e membro do MFA da Guiné e coronel Florindo Morais que foi o último comandante do Batalhão dos Comandos Africanos na Guiné.

O general Mateus da Silva referiu a atmosfera de uma quase contestação aberta dos militares a que se seguiu uma consciencialização política. Exemplificou com a revista ZOE que circulava desde Agosto de 1972 em todas as unidades do território com uma linha editorial que veladamente criticava a política do regime; e as reuniões realizadas na messe de oficiais de Bissau e no agrupamento de transmissões, em Agosto e Setembro de 1973, onde se falava já abertamente no derrube do regime. Na Guiné se foi construindo um ambiente específico que justificou ali um golpe de Estado em 26 de Abril, assinalou a contestação ao Congresso dos Combatentes, o facto da maior parte dos militares que veio a participar no 25 de Abril ter passado pela Guiné. E observou:
“A Guiné era a única colónia onde o MFA estava organizado antes do 25 de Abril; por duas vezes, antes do 25 de Abril, se encarou localmente a hipótese de iniciar a revolução. A Guiné foi o único território onde o MFA tomou a iniciativa de acompanhar o 25 de Abril com um golpe que destituiu o poder político-militar no território”.

A chegada do tenente-coronel Carlos Fabião, em 7 de Maio, veio reforçar a linha do MFA: reunia-se todos os fins de tarde com os quatro elementos da Comissão Central do MFA. Em 24 de Maio Fabião emitiu uma diretiva: “A partir desta data todos os militares que estão na Guiné pertencem ao MFA”. Repertoriou as múltiplas reuniões havidas na Guiné antes do 25 de Abril. Depois do 16 de Março, houve que estabelecer uma organização mais sólida para o levantamento e requereram-se apoios à Guiné. Aos poucos, constituiu-se na Guiné a direção da conspiração em que tomaram lugar o comandante do Batalhão de Comandos, os comandantes do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões, o comandante da Engenharia e o comandante da Artilharia. Na manhã de 26 de Abril, o general Bethencourt Rodrigues foi detido na Amura, seguiu para Cabo Verde e daqui para Lisboa. Mateus da Silva, por decisão do MFA da Guiné, tomou posse como encarregado de Governo. As manifestações populares surgiram logo no dia 27, anulou-se a PIDE/DGS, libertaram-se os presos da Ilha das Galinhas. A grande instabilidade surgiu do Batalhão de Comandos, Spínola dissera repetidamente:
“Nunca o PAIGC tomará conta disto porque em último caso, se nós sairmos, vão ser vocês os líderes da futura Guiné”. A população agitava-se nas ruas, os Comandos entraram numa grande instabilidade.

Em 12 de Maio, Mário Soares reuniu-se com Aristides Pereira em Dakar, Senghor estava de visita à China, foram recebidos pelo primeiro-ministro Abdou Diouf, terminada a reunião em privado, todos se lançaram nos braços uns dos outros, a confraternizar como irmãos desavindos que finalmente se tinham reencontrado.

O coronel Matos Gomes debruçou-se sobre vários contextos: as linhas étnicas que atravessavam a composição do Batalhão de Comandos; o facto de que os mísseis implicaram uma resposta para os contrariar mas tornavam claro que aquela guerra estava de facto perdida, esclarecendo que tinha sido na Guiné que surgiram praticamente todos os oficiais que vão desempenhar um papel decisivo no MFA, reforçando a ideia de que o que se passara na Guiné em 26 de Abril foi um golpe autónomo onde não participaram os spinolistas. Num clima já de debate, foi discutido o documento “A Situação Político-Social na Guiné”, documento de apoio a uma reunião que foi feita em Bissau, em Setembro de 1973.

José Manuel Barroso debruçou-se sobre a perspetiva militar que ele pôde observar desde 1972 em que era ponte assente que os militares não permitiriam que a Guiné não se transformasse numa segunda Índia, mesmo que tivessem de atuar contra a metrópole. Descreveu a rede de contactos montada por Spínola com figuras de oposição, financeiros e importantes jornalistas. Por exemplo, Spínola estabeleceu relações privilegiadas com o diretor da República, Raul Rego. No seu depoimento, Barroso contou uma conversa havida com Spínola logo a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral: “Isto é um perfeito disparate. Apesar de tudo, o Amílcar era um tipo com fortes raízes portuguesas, era um interlocutor, agora não sei quem é que vem. Apesar de todas as asneiras que nós possamos ter feito para trás, hoje, o assassinato do Amílcar é um erro”.
Mais adiante observou que a continuada negociação do governo de Marcello Caetano para a obtenção de novas armas (mísseis red eye) era uma tentativa de ganhar tempo para que as forças portuguesas na Guiné dispusessem de alguns recursos militares que aumentassem a sua capacidade de defesa. Baseava esta observação em conversas havidas com altos dirigentes políticos do Estado Novo que lhe confirmaram que era preciso encontrar uma forma de negociar numa posição de muito mais força, aquelas novas armas não dariam superioridade militar às forças portuguesas, eram uma antecipação a meios aéreos que o PAIGC viesse a ter, eram meios de defesa, era mísseis antiaéreos.

Na mesa redonda abordaram-se alguns assuntos delicados como os militares do Batalhão de Comandos terem, na sua esmagadora maioria, recusado a proposta de virem para Portugal e serem integrados nas Forças Armadas Portuguesas, preferiram receber vencimentos até Dezembro de 1974; falou-se de pouco significado que teve a agitação dos movimentos esquerdistas polarizado pelo Movimento para a Paz que aspiravam para um regresso imediato irresponsável a Portugal; referiu-se como o potencial humano militar estava praticamente esgotado no 25 de Abril, uma percentagem esmagadora das subunidades importantes na quadrícula, que eram as companhias, eram em cerca de 90 % comandadas por milicianos, de um modo geral impreparados; exprimiu-se também a situação altamente sensível de que se estava a transferir poder, já não era um reconhecimento de Portugal da independência da Guiné-Bissau, o que eles asseguraram fazer e não cumpriram e os fuzilamentos e outras malfeitorias praticadas só a Guiné-Bissau pode responder perante a comunidade internacional, as autoridades na Guiné cumpriram estritamente o que foi assinado nos acordos de Argel.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12669: Notas de leitura (559): "Guerra Colonial - Uma História por contar", edição da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Externato Infante D. Henrique (Mário Beja Santos)

4 comentários:

Antº Rosinha disse...

Beja Santos sempre com novidades para compreendermos certas coisas.

O que os militares nunca tentam explicar, é porque os militares, e a própria PIDE aguentaram no poder Marcelo Caetano quase 6 anos.

Foi em 1968 que a cadeira de Salazar se partiu.

Spínola, Costa Gomes e aquela geração de militares, assim como a própria PIDE, era o Estado Novo inerte?

Marcelo serviu o tempo que os militares entenderam.

Diziam os brancos e verdianos e Libaneses comerciantes (colon)de Bissau que foram "envelhecendo" em Bissau após a independência, que os militares na Guiné, (Spínola e seus braços direito)tinham posto de lado a PIDE.

E que seria esta uma das razões que levou os 3 majores ingenuamente para a morte certa pois não quiseram dar ouvidos àquela polícia.

Ora, porque os militares ainda hoje tentam atribuir responsabilidades a Marcelo Caetano na continuação da guerra?

Ao contrário da França com a Argélia,onde era o governo que mandava nos Generais, cá eram os Generais que tinham o governo na mão.


Antº Rosinha disse...

Beja Santos sempre com novidades para compreendermos certas coisas.

O que os militares nunca tentam explicar, é porque os militares, e a própria PIDE aguentaram no poder Marcelo Caetano quase 6 anos.

Foi em 1968 que a cadeira de Salazar se partiu.

Spínola, Costa Gomes e aquela geração de militares, assim como a própria PIDE, era o Estado Novo inerte?

Marcelo serviu o tempo que os militares entenderam.

Diziam os brancos e verdianos e Libaneses comerciantes (colon)de Bissau que foram "envelhecendo" em Bissau após a independência, que os militares na Guiné, (Spínola e seus braços direito)tinham posto de lado a PIDE.

E que seria esta uma das razões que levou os 3 majores ingenuamente para a morte certa pois não quiseram dar ouvidos àquela polícia.

Ora, porque os militares ainda hoje tentam atribuir responsabilidades a Marcelo Caetano na continuação da guerra?

Ao contrário da França com a Argélia,onde era o governo que mandava nos Generais, cá eram os Generais que tinham o governo na mão.


Joaquim Luís Fernandes disse...

Este tema que o camarada Beja Santos nos apresenta, desperta-me muito interesse, não tendo conhecimento dos debates que já terá suscitado. Aguardarei espectante a sua continuidade.
O António Rosinha aflora uma das suas vertentes que terá sido objecto de tabu no pós 25 de Abril de 1974, por parte das correntes políticas maioritárias.
A Instituição Militar, ela própria, o sustentáculo do Regime que derrubou, encerra uma contradição que explica os condicionalismos de realizar mais depressa grandes mudanças ou transformações nas Estruturas do Estado, já que ela própria, seria posta em causa e atingida nessas transformações. Foi deixar andar, devagarinho, a assistir a todos os desmandos, que precarizaram o nosso país, o nosso presente e o nosso futuro.
É triste esta constatação, mas é um facto. É o nosso fado e já muito velho.

Abraços
JLFernandes

nando disse...

Se os comandantes de companhia eram
milicianos (impreparados) onde paravam os oficiais do quadro que subjugaram os milicianos nas recrutas e especialidades. Já andavam a preparar o 25 ou a fugir com o cú à seringa. Falam muito mas quando tocava a sair do arame farpado só obrigados. Senão...não.
Sei do que falo. Estive por lá entre Julho/64 (CCaç. 510) até + ou - Set/64 e a a partir daí e até Abril de 1966 em Bajocunda/Pirada.
Alguns revezes, algum paludismo, muitas bazucas no bar. O trivial para aqueles que conhecem o que foi o mato.
Fernando Moreira
Ex-Furriel Milº.